Em 2014, participando a minha maneira – ou seja, discretamente – do debate eleitoral em curso naquele ano eleitoral, eu comecei a elaborar alguns papers, destinados em primeiro lugar a auto-esclarecimento, em seguida como possível subsídio à formulação de políticas públicas nas áreas em que me considero relativamente competente, ou seja, relações econômicas internacionais do Brasil.
O que vai abaixo é um exemplo desse tipo de trabalho, um primeiro, de caráter geral e depois contendo propostas para a área econômica externa.
Se escrevesse hoje, eu teria propostas mais específicas, como por exemplo, tarifa única, liberalização unilateral, renegociação do Mercosul, etc.
Mas, segue para conhecimento dos interessados.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de janeiro de 2019
Sugestões a propósito de uma
política econômica externa para o Brasil
Paulo Roberto de Almeida
Texto provisório, primeiro de uma série; Hartford, 26 de julho de 2014.
Sumário:
1. Declaração de
propósitos
2. Papel da
política externa na agenda nacional
3. Definições
tópicas para uma diplomacia governamental na área econômica
3.1. Política comercial
3.2. Política industrial
3.3. Política financeira
4. Outras áreas de diplomacia econômica e conclusões
1.
Declaração de propósitos
O dever de todo estadista,
seja candidato ou já ocupando o poder, começa pela exposição clara, inteligível
para o grande público, do que ele considera que devam ser as prioridades que todos
– políticos em geral, partidos, governo, Estado como um todo, o povo brasileiro,
enfim, ele pessoalmente – precisam perseguir, incansavelmente, para o maior
benefício da população. Observando-se o Brasil atual, e as preocupações já expostas
pela maior parte dos cidadãos, parecem ser estas as prioridades dos brasileiros:
1) Dispor de segurança básica, para si e
sua família;
2) Contar com serviços públicos de
qualidade, sobretudo nas grandes metrópoles;
3) Ver o governo garantindo o poder de
compra da moeda, com inflação mínima;
4) Futuro melhor, via educação e saúde, o
que depende do aumento da renda.
Estas são as questões que
mais preocupam os brasileiros, e elas devem vir sempre em primeiro lugar. Nenhuma
delas tem a ver com política externa, mas talvez esta possa trazer algumas
contribuições para o encaminhamento adequado desses muitos problemas que
preocupam todos os brasileiros, empresários e trabalhadores.
2. Papel da
política externa na agenda nacional
A política externa tem, e
deve ter, um papel eminentemente secundário em face dos grandes problemas
nacionais. Precisa ficar claro, desde o início, que todos, TODOS os problemas
nacionais são “made in Brazil”, e devem receber respostas e soluções puramente
nacionais. O ambiente externo tem sido extremamente favorável para o
crescimento e o desenvolvimento de todos os países que têm sabido aproveitar os
impulsos e as oportunidades externas para alavancar avanços internos.
A política externa poderia
ter um papel maior na agenda nacional se o Brasil fosse mais aberto ao comércio
internacional e bem mais receptivo a investimentos estrangeiros e associações
com todos os países avançados tecnologicamente, fatores altamente relevantes
para os projetos nacionais de desenvolvimento. Basta uma comparação entre os
países de mais alta renda per capita e seus respectivos coeficientes de
abertura externa para constar esta simples realidade. Este deveria ser um
argumento suficientemente convincente para justificar um processo de maior
abertura comercial e de maior aproximação aos países líderes do desenvolvimento
tecnológico e cultural no mundo. Uma política externa compatível com os interesses
nacionais precisaria se concentrar numa agenda desse tipo, todo o resto sendo
secundário, inclusive as alianças Sul-Sul, que só nos afastam desses objetivos
prioritários.
Uma exposição do que
poderia ser uma agenda externa focada nos interesses brasileiros de
desenvolvimento poderia ser articulada em torno das seguintes questões.
3.1. Política comercial
Discutir em nível interno
uma nova rodada de facilitação do comércio exterior, com o desmantelamento de
entraves administrativos e sistêmicos a uma elevação dos fluxos de exportações
e de importações. Tal processo deveria ser paralelo e coincidente com um
processo de diminuição do peso tributário sobre as empresas, insuportável sob
qualquer critério que se examine. Como não haveria acordo para uma reforma
tributária completa, e sobretudo para uma revolução fiscal abrangente, melhor
começar pela redução pontual, linear e calendarizada, de todos os impostos,
tributos, contribuições e gravames que atingem o setor produtivo e o TRABALHO,
tanto em nível federal, como nos demais níveis. Seria um processo negociado,
gradual de redução da carga fiscal, em que todas as unidades da federação
veriam alíquotas impositivas serem reduzidas em valores diminutos (digamos 0,5%
por semestre, ou ao ano), o que seria compensado pela eficiência arrecadatória
e pelo estímulo às atividades empreendedoras.
Paralelamente seria
iniciado um esforço de revisão completa das bases de funcionamento da união
aduaneira do Mercosul, a começar pela alternativa entre (a) unificação de suas
regras de aplicação, ou (b) negociação de um protocolo adicional ao Protocolo
de Ouro Preto, introduzindo a possibilidade de negociação externa individual de
novos acordos de liberalização, com preservação da cláusula NMF para dentro.
Sob a segunda hipótese, o Brasil poderia negociar acordos com a UE, a Aliança
do Pacífico e até com os EUA, prevendo redução de tarifas, abertura a serviços,
defesa de propriedade intelectual e regras estáveis para investimentos, abertos
aos demais membros do Mercosul, se estes assim o desejassem.
No que se refere ao
próprio Mercosul “histórico”, seria preciso dar um fim à leniência inaceitável
com as arbitrariedades argentinas: se elas se contrapõem às normas existentes,
basta denunciá-las sob o regime de solução de controvérsias do bloco; se isso
não for suficiente, resta ir à OMC. O que o Brasil não pode fazer é prejudicar
os seus exportadores em nome de uma suposta generosidade com contraventores
reincidentes.
Não há muito que o Brasil
possa fazer no plano das negociações comerciais multilaterais, seja no âmbito
da Rodada Doha (paralisada), seja no contexto da agenda de Bali, ou qualquer
outra. O que cabe, sim, é examinar todos os demais acordos plurilaterais
existentes no sistema multilateral de comércio, verificar a compatibilidade com
o processo (a ser conduzido) de reforma na política comercial nacional, e
considerar a hipótese de aderir a esses outros instrumentos de abertura e
facilitação.
No plano plurilateral,
caberia examinar todos os acordos – bilaterais de livre comércio, ou
simplesmente de preferências tarifárias – que o Brasil poderia começar a
negociar com os mais relevantes parceiro do comércio internacional, que não são
exatamente os do G20 comercial, onde estão os maiores obstrucionistas de uma
agenda aberta, e aos quais estivemos vinculados por simples decisão política e
ideológica.
3.2. Política industrial
Os governos petistas
promoveram cinco ou seis, todas fracassadas, e nos últimos tempos se dedicaram
a improvisações e puxadinhos, que criam uma selva de regulações diferenciadas
entre setores, com regimes fiscais diferentes, inclusive desrespeitando o
princípio da isonomia tributária que deveria pautar as ações do governo. A
política industrial está intimamente relacionada à política comercial, e, na
sua vertente externa, deveria dedicar-se a atrair o máximo possível de
investimentos estrangeiros e incentivar associações com o que há de mais
tecnologicamente avançado no mundo. A política Sul-Sul não pode,
inquestionavelmente, cumprir esse papel. Independentemente de o Brasil ser ou
não membro da OCDE, caberia associar-se ao Comitê de Indústria dessa
organização e passar a examinar todos os protocolos, códigos e demais normas
voluntárias estabelecidas naquele âmbito, de maneira a colocar a indústria
brasileira num contexto de plena conformidade com os padrões internacionais
nessa área.
Uma das primeiras tarefas
internas seria retomar, reexaminar, eventualmente assinar ou renegociar todos
os acordos bilaterais de proteção a investimentos, os APPIs, que foram
sabotados pelos petistas antes mesmo de assumirem o governo em 2003. O Brasil
descumpriu mais de uma dezena de acordos assinados com os mais importantes
parceiros exportadores de capitais e de investimentos diretos. Deixou de
oferecer um ambiente seguro e estável para esses investimentos, assim como
deixa de oferecer um ambiente estável para os próprios empresários brasileiros
do setor. Caberia trabalhar com a CNI e algumas federações estaduais mais
ativas nessa área, com o objetivo de colocar o Brasil no mesmo patamar
regulatório que os países mais avançados, deixando de lado o stalinismo
industrial até aqui praticado pelo governo.
3.3. Política financeira
O Brasil assinou, no
quadro da crise provocada pelas eleições de 2002, um acordo preventivo com o
FMI, renovado pelo governo Lula em 2003, que previa a disponibilidade de
aproximadamente 15 bilhões de dólares, do total de 30 bilhões potencialmente
utilizáveis, a juros modestos de 4,5% ao ano. Demagogicamente, em 2005, o
governo Lula terminou esse acordo, teoricamente para o Brasil não ficar “dependente”
do FMI, e o Brasil passou a emitir bônus globais a um custo duplicado em juros.
Caberia em primeiro lugar denunciar essa demagogia que custou caro ao país.
No plano das relações
financeiras externas, cabe igualmente encerrar a demagogia do “comércio em
moedas locais”, que significa um inacreditável retrocesso de mais de 70 anos em
relação à multilateralização de pagamentos externos acertada em Bretton Woods em
1944. Essa bilateralização cambial nos obrigaria, por exemplo, a utilizar nosso
saldo no comércio com a China na compra de produtos chineses, o que seria de
uma estupidez monumental. Existem custos, já impostos, ao Banco Central, de
criar uma nova janela de contabilização de operações externas no caso do
comércio com a Argentina. Não cabe criar mais janelas, e ainda transferir o
risco cambial, atualmente inteiramente a cargo de operadores privados de
comércio, como deve ser, para o BC.
Mais importante, o Brasil,
por motivos totalmente políticos, se engajou na criação do Banco do Sul, e
agora no Novo Banco de Desenvolvimento. São iniciativas que não acrescentam
nada aos mecanismos, ferramentas e fontes já existentes, seja em nível nacional
– BNDES ou BB –, seja no plano regional – BID, CAF, etc. – ou multilateral –
BIRD e outros bancos regionais e nacionais, inclusive europeus. Não existe
falta de recursos, no mundo, para qualquer projeto de qualidade que se queira
promover nacionalmente ou em outros países. Esses bancos “ideológicos”
significam uma baixa de padrões de qualidade na seleção e aprovação de projetos,
implicam a sustentação de projetos dúbios, mas apoiados politicamente por ou
outro parceiro ou membro dessas instituições, e representam oportunidades
potenciais para mais desvios e iniciativas corruptas nessas esferas.
O Brasil não necessita,
nem internamente, nem externamente, de bancos desse tipo, e um novo governo,
comprometido apenas com a inserção do Brasil no mundo globalizado, deveria ter
a coragem de denunciar sua assinatura nesses acordos e retirar-se dessas
instituições. Ele faria melhor, na agenda financeira externa, se trabalhasse na
futura conversibilidade do real, fortalecendo suas bases internas (isto é,
menor inflação e maior liberalização nas transações financeiras internacionais)
e adotando, para o BNDES, os mesmos padrões de funcionamento e financiamento
que aqueles em vigor no âmbito da OCDE e das grandes instituições financeiras
multilaterais.
4. Outras
áreas de diplomacia econômica e conclusões
Estas três áreas,
comercial, industrial e financeira, são as mais relevantes na interface entre
uma agenda interna de desenvolvimento e uma agenda diplomática na área
econômica. Existem outras, por certo, relativas à tecnologia, à propriedade
intelectual (na qual os governos lulo-petistas também promovera inacreditáveis
retrocessos conceituais e práticos), à cooperação científica e educacional –
durante muito tempo toldada pela distorção ideológica da diplomacia Sul-Sul – e
até no terreno das políticas de segurança e de capacitação bélica, igualmente
marcadas pelo anti-imperialismo infantil dos companheiros e por suas alianças
espúrias nesse terreno. Todas elas possuem algum impacto econômico relevante
para um projeto nacional de desenvolvimento, mas cabe insistir que o ambiente
internacional é bastante favorável ao crescimento do Brasil, à condição que
este empreenda reformas internas capazes de potencializarem a sua interação com
o mundo.
Os maiores problemas, os
maiores obstáculos a essas reformas, os maiores atrasos – inclusive mentais –
encontram-se inteiramente no próprio Brasil. A tarefa de reforma da agenda
diplomática brasileira começa por um sério empreendimento de reformas internas,
uma missão hercúlea que cabe a um estadista. O Itamaraty, a despeito de também
fazer parte do atraso mental brasileiro – com sua adesão a um ultrapassado
desenvolvimentismo ideológico dos anos 1960 –, não seria um obstáculo ao
esforço de renovação da política econômica externa, desde que convenientemente
instruído. Como burocracia obediente que sempre foi, ele saberá se engajar nas
novas prioridades.
Hartford, 26 de julho de 2014