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terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Mudanca da Embaixada para Jerusalem - Rubens Barbosa (OESP)


 Mudança da Embaixada para Jerusalém
Consulado-geral na cidade poderia evitar mudança dramática na nossa política externa
Rubens Barbosa, presidente do Irice
O Estado de S. Paulo, 26 de fevereiro de 2019 | 04h30
Durante a campanha eleitoral, o candidato Jair Bolsonaro disse que, se eleito, iria transferir a Embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém: “Israel é um Estado soberano, que decide qual é sua capital, e nós vamos segui-lo”. A promessa respondia à reivindicação da comunidade evangélica, que apoiava fortemente o candidato.
Depois de eleito, o presidente decidiu dar prioridade às relações com Israel e se comprometeu a concretizar a transferência a ninguém menos que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que em entrevista disse que a “questão não é se, mas quando”. Posteriormente, Bolsonaro recuou ao afirmar que “essa não é uma questão de honra” e “por ora” não haveria transferência, o que deve ter estimulado o vice-presidente Hamilton Mourão a receber duas delegações árabes e observar publicamente que “não haverá mudança da embaixada para Jerusalém”. O chanceler Ernesto Araújo qualificou declarações anteriores e notou que a decisão seria “parte de um processo de elevação do patamar da relação com Israel, isso, sim, uma determinação, independente da mudança ou não da embaixada”. A comunidade evangélica reagiu e deixou saber que vai cobrar a decisão presidencial para concretizar a transferência.
Como era previsível, a ideia causou reação em diversas frentes. Na área diplomática, porque representaria uma guinada radical na política externa brasileira, que desde 1947 se mantém coerente com o apoio da política de uma solução negociada para o conflito Israel-Palestina, com a implementação da política de dois Estados, com a criação também do Estado Palestino. Caso venha a concretizar-se, o Brasil ficará em Jerusalém ao lado apenas da Guatemala, que se alinhou automaticamente aos EUA. Por outro lado, a Liga Árabe e a União das Câmaras Árabes de comércio manifestaram preocupação com essa eventual decisão e uma comitiva ministerial brasileira teve visita ao Egito cancelada.
Na área econômica houve reação mais explícita, com menção à perspectiva de as exportações brasileiras de frango e carne bovina poderem vir a ser suspensas. O Ministério da Agricultura e associações de produtores manifestaram apreensão quanto às consequências negativas para as exportações brasileiras e a balança comercial.
Nas prioridades para os primeiros cem dias de governo, o Itamaraty incluiu a visita presidencial a Israel e o interesse em ampliar a colaboração nas áreas de defesa, segurança e tecnologia. E em pronunciamento recente nas Nações Unidas, o representante alterno brasileiro reafirmou a política do Itamaraty de dois Estados, indicando que nada havia mudado.
O governo brasileiro tem assim nas mãos uma questão delicada a resolver, procurando evitar ao mesmo tempo um desgaste desnecessário com Israel e uma perda significativa para o agronegócio. Qualquer que seja a decisão do governo, não está em questão o interesse em elevar o nível do relacionamento bilateral com Israel, mantendo a posição tradicional de excelente relação bilateral.
Nesse contexto, cabe mencionar um antecedente histórico que poderia ajudar na busca de uma solução de compromisso para essa questão. O Brasil tem uma relação histórica com Israel, desde que o então presidente da Assembleia-Geral da ONU, Oswaldo Aranha, coordenou pessoalmente a aprovação da resolução de 1947 que determinou a criação dos Estados e Israel e da Palestina.
No governo de Juscelino Kubitschek, com Macedo Soares como chanceler, foi instalada a representação diplomática com a criação da legação do Brasil na capital, Tel-Aviv. Em 27 de março de 1958, a legação foi elevada ao status de embaixada. Como medida de rotina diplomática, e a fim de evitar contrariar a política dos dois Estados, por decreto de 22 de abril do mesmo ano o governo brasileiro decidiu criar um consulado-geral em Jerusalém. Em 1993, com Itamar Franco e Celso Amorim, o decreto foi revogado. O posto, assim, nunca chegou a ser efetivamente aberto.
A exposição de motivos que justificava a criação do consulado-geral, publicada nos jornais na época, causou controvérsia por imprecisões diplomáticas sobre as peculiaridades da disputa regional. Na consulta realizada ao governo de Tel-Aviv sobre a abertura do consulado foi afirmado que não seria objetada a criação de “uma seção consular” da embaixada, o que contrariava a decisão anunciada pelo governo de Juscelino Kubitschek, que talvez tenha motivado a não designação de pessoal para o posto. Indagado sobre as razões que levaram o governo brasileiro a abrir o consulado-geral em Jerusalém, Macedo Soares disse que foi “por razões espirituais, políticas e diplomáticas”. Mencionou também que “a existência de uma repartição consular brasileira” significava “a presença de milhões de católicos brasileiros na Cidade Santa”, que “a principal missão dos consulados é a defesa e o amparo de brasileiros que se acham no exterior” e, no caso de Israel, “de peregrinos que se encontravam naquela cidade”.
A recriação do consulado-geral em Jerusalém poderia ser uma solução para evitar uma mudança dramática de diretriz de política externa de mais de 60 anos. Essa solução - amparada em precedente histórico - seria até melhor, do ponto de vista brasileiro, do que outras soluções, como a criação de um escritório comercial em Jerusalém, a exemplo do que fez a Austrália. Ao anunciar o estabelecimento do escritório, o primeiro-ministro australiano manteve a coerência de sua administração e confirmou sua posição favorável à política de dois Estados.
Apresentada de maneira apropriada, o governo israelense e a comunidade evangélica entenderiam a decisão do Brasil, coerente com sua tradicional atitude, compreendendo as dificuldades internas para alterar uma política tão consolidada e evitar o isolamento internacional.
*RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Politica nuclear brasileira - Rubens Barbosa (OESP)

POLÍTICA NUCLEAR BRASILEIRA: O URANIO É NOSSO?
Rubens Barbosa

Com uma visão de médio e longo prazo, o Brasil deveria rever sua política em relação à pesquisa, prospecção e lavra do urânio.
            O desastre com a usina nuclear de Fukushima no Japão em 2011 determinou o fechamento de usinas na Alemanha e no Japão e ocasionou, em muitos países, a desaceleração de planos para a construção de novas usinas atômicas para geração de energia. Com isso reduziu a demanda do urânio e do plutônio, combustíveis para essas centrais. 
            O mercado internacional para o urânio vem num movimento de alta, cotado ao redor de 65 dólares por quilo, ainda 60% abaixo do pico alcançado em 2011. A situação mudou. Enquanto naquela época os contratos spot eram reduzidos, agora, o custo de produção aumentou e os contratos a longo prazo estão expirando (existem poucos para além de 2020).  Segundo opinião de especialistas internacionais, a tendência de longo prazo parece clara: a demanda global deve aumentar perto de 45% ate 2025. A China tem 19 reatores nucleares em construção e mais 41 planejados. A Arábia Saudita deve construir suas duas primeiras usinas. O Egito, Jordânia, Turquia e os Emirados Árabes Unidos anunciaram programas de construção de plantas. Essa expansão vai requerer novas minas e o preço spot deve crescer. Casaquistão (com 39% da produção global), Austrália e Canadá respondem por mais de dois terços da produção mundial. Nesse mercado, a questão do preço não é o que mais conta, mas a segurança de suprimento. Em um sinal de que considera essa questão séria, a empresa China National Uranium Corporation adquiriu em novembro passado uma mina na Namíbia, garantindo pelo menos 3% da produção mundial do minério. E os EUA estão examinando a possibilidade de restringir as importações e estimular a produção doméstica.
            O Brasil detém a sétima maior reserva de urânio do mundo, mas nossa produção representa apenas 15% do consumo de Angra 1 e 2. O minério é um monopólio da União e a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), sem recursos adequados, é responsável pela prospecção, pesquisa e lavra do Urânio.   Desde 2015, contudo, a produção foi suspensa porque a mina em céu aberto em Cachoeira na Bahia, a única em exploração no Brasil, deixou de ser viável economicamente. Abandonando a lavra subterrânea, a INB decidiu investir  em outra mina a céu aberto na jazida de Engenho, esperando que a partir de meados do corrente ano comece a lavra da mina. De 2000 a 2015, a produção de concentrado de urânio abasteceu Angra 1 e 2, mas a partir de 2016 o Brasil tem importado urânio para abastecê-las. Com a construção de Angra 3 e, nos próximos anos, com a provável a expansão das usinas nucleares, a demanda interna crescerá significativamente. Como podemos lembrar, no governo Lula, com a economia crescendo, foi anunciado um ambicioso programa de construção de oito usinas ate 2030, que nunca saiu do papel.
            As bases para uma nova visão dessa questão foram lançadas em dezembro passado com a consolidação da Política Nuclear Brasileira cuja finalidade seria orientar o planejamento, as atividades nucleares e radioativas no país, levando em conta a soberania nacional, com vistas ao desenvolvimento e à proteção da saúde humana e do meio ambiente. O Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro (CDPNB) coordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, produziu documento que trata do fomento à pesquisa e prospecção de minérios nucleares e do incentivo à produção nacional para atender a demanda interna e à exportação, além de assegurar o recurso geológico estratégico do minério nuclear. A nova política é importante porque prevê a abertura do mercado brasileiro.
Levando em conta o novo cenário político interno e a evolução do mercado internacional, será importante evitar-se o equivoco que a sociedade brasileira incorreu no setor de petróleo. Antecipando o debate sobre a privatização, não seria, no momento, do interesse brasileiro empunharmos a bandeira do “O urânio é nosso”. Dada as características estratégicas da utilização do minério, seria importante associar o setor privado aos trabalhos da INB. As restrições orçamentárias, derivadas da crise fiscal, certamente devem ter afetado a capacidade de investimento da empresa estatal. A perspectiva de aumento da produção do minério será facilitada pela eventual parceria com o setor privado na exploração mineral. A solução dessa dificuldade vem sendo buscada e uma das possibilidades é a formação de consorcio entre a INB com empresas privadas. Existe uma série de situações intermediárias onde a venda do urânio secundário extraído pela INB poderia ser lucrativa tanto para o minerador como para a estatal. A solução deste impasse não precisaria, em princípio, passar pela revogação do monopólio, mas provavelmente necessite de alteração na legislação. 
O mercado interno em expansão nos próximos anos e a tendência de um mercado externo em crescimento com preços em alta, representarão incentivos para o investimento privado.
O novo ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque, que tão bem conhece o setor nuclear brasileiro, em seu discurso de posse, foi muito claro ao dizer que o novo governo pretende “estabelecer um diálogo objetivo, desarmado e pragmático com a sociedade e com o mercado sobre essa fonte estratégica da matriz energética brasileira”. “O Brasil não pode se entregar ao preconceito e à desinformação desperdiçando duas vantagens competitivas raras que temos no cenário internacional – o domínio da tecnologia e do ciclo do combustível nuclear e a existência de grandes reservas de urânio em nosso território”.
Mãos à obra.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Rubens Barbosa: Trump ameaça a segurança jurídica mundial (OESP)

‘Estratégia americana põe em risco segurança jurídica mundial’

Para diplomata, cautela europeia na crise se deve a temor de precedentes que possam favorecer movimentos separatistas

O Estado de S. Paulo, 5 de fevereiro de 2019

A União Europeia teme que a estratégia do governo americano de reconhecer o líder opositor venezuelano Juan Guaidó como presidente, mesmo sem controlar de fato o território e as instituições do país, abra um precedente perigoso no direito internacional. A opinião é de Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro nos EUA.  

O que representa a decisão de países europeus de reconhecer Juan Guaidó como presidente interino?
Não foi unânime e tem uma série de implicações. Alguns países não quiseram reconhecê-lo porque seria uma interferência interna. Os europeus criaram um grupo de contato internacional e farão uma reunião no dia 7, no Uruguai, com países que não estão de acordo com o reconhecimento de um Estado paralelo. Reconheceram Guaidó como presidente autoproclamado, mas não endossaram nenhuma sanção. O que está por trás dessa decisão é que eles não querem estabelecer precedentes. Itália e Espanha têm movimentos independentistas e eles não querem que outros países reconheçam qualquer governo paralelo. Além disso, a crise da Venezuela se internacionalizou. EUA, Rússia, UE e China, pela primeira vez, estão envolvidos numa questão latino-americana, marginalizando países importantes, até mesmo o Brasil. Países da região poderiam ter tido papel importante para solucionar essa crise. 
A UE pediu a Maduro que conduza a Venezuela a novas eleições. Os EUA querem derrubar Maduro. É um detalhe, mas é uma diferença relevante. E o Grupo de Lima endossou a posição americana. 

Essa diferença política entre EUA e UE se reflete também no campo econômico?
Os EUA impuseram sanções, mas os europeus ainda não se pronunciaram sobre isso. Há precedentes de direito internacional muito complicados. O fato de você reconhecer um governo – o que a Europa não fez, mas os Estados Unidos, sim – quebra um princípio de direito internacional que diz que um governo só pode ser reconhecido com controle do território. Os EUA querem pagar o petróleo a Guaidó. É um precedente que a Europa está vendo com preocupação. Se isso prevalece, daqui a pouco pagam o governo dos bascos, por exemplo. É uma coisa delicada que os EUA estão fazendo, porque coloca em risco a segurança jurídica internacional.  

A pressão internacional sozinha pode surtir efeito? 
Até agora, essa pressão não cindiu nem as Forças Armadas nem as milícias. Só um general rompeu com o governo. E tem mais de 20 mil agentes cubanos aconselhando Maduro sobre segurança interna. Isso é muito grave. Sem uma reação interna muito forte, vai ser muito difícil a elite política chavista se virar contra Maduro.  

Existe um paralelo entre essa crise e outros casos nos quais a entrada de ajuda humanitária foi combinada com algum tipo de intervenção, como na Líbia ou nos Bálcãs? 
Não, mas fico me perguntando como essa entrega vai ser feita. Os remédios serão colocados na fronteira? Se Maduro não permitir, como ela vai entrar? Mas é importante ressaltar que, tirando os EUA, nenhum país da região cogita uma intervenção militar. O vice-presidente (do Brasil) Mourão, descartou isso publicamente.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Rubens Barbosa: o Mundo e o Brasil em 2019

O MUNDO E O BRASIL EM 2019
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 8/01/2019

            Os recentes acontecimentos, conflitos, alianças e eleições ao redor do mundo apontam para uma conclusão dramática: 2019 poderá ser considerado, dentro de uma perspectiva histórica, o fim de uma era. O corrente ano pode ser descrito como um período de transição entre a era pos-guerra fria e uma nova, apenas no aguardo de uma definição. Será um ano em que veremos um grande número de eventos nos levando a situações, em muitos casos, sem retorno. Será um ano de ansiedades e expectativas, suspeitas e medo do que o futuro pode trazer, na medida em que os paises procurarão adiar o começo de crises que não poderão evitar.
            Na economia global, no cenário politico internacional e na geopolitica podem ser identificados movimentos que deverão caracterizar a nova etapa que apenas se inicia.
            A economia global dá claros sinais de esgotamento. O crescimento das economias desenvolvidas e emergentes reduz-se pelos efeitos da guerra comercial de Trump, dos problemas fiscais nos EUA e países europeu e de  tensões geopolíticas. A ameaça de uma nova recessão aparece sombria no horizonte e sua superação será dificultada pela politica interna populista e nacionalista partidária dos principais países desenvolvidos que procurará se aproveitar da situação. Os EUA, ainda por algum tempo a potência dominante no mundo, veem reduzida a distância em relação a seus rivais, enquanto surgem múltiplos polos de poder politico e econômico. 
            No cenário politico internacional, o populismo de direita na Europa e nas Américas, as diferentes formas de nacionalismos e xenofobismos criam problemas novos, enquanto os dramas internos, em muitos países, acentuam os deslocamentos populacionais e novas ondas de refugiados surgem em varias partes do mundo, inclusive na América do Sul. A crise do multilateralismo se acentua. Nas Nações Unidas, o Conselho de Segurança, seu órgão máximo, está cada vez mais marginalizado e com representatividade cadente. A crítica das organizações multilaterais, ganha adeptos, inclusive no Brasil. Até o diretor geral da OMC defende o bilateralismo.   
As questões representadas pelos programas nucleares e balísticos da Coréia do Norte, do Irã, os conflitos no grande Oriente Médio, a perda relativa de poder e influência da Europa, com a saída do Reino Unido da União Europeia, o deslocamento do eixo político e econômico para a Ásia, o renascimento da Doutrina Monroe, com a volta da influência dos EUA na América Latina e a crescente desigualdade entre os países e dentro deles, complementam um panorama global onde sobressaem, em especial, três fatos marcantes: a instável e imprevisível política externa de Trump, a disputa comercial entre os EUA e a China e a crescente aproximação desta com a Rússia. 
            A rivalidade geopolítica pela hegemonia no século XXI entre as duas maiores economias do mundo é uma ameaça para a economia global e seus efeitos vão ser sentidos por muito tempo. O documento Estratégia de Segurança Nacional de Trump afirma que a China e a Rússia desafiam o poder, a influência e os interesses dos EUA e tentam erodir a segurança e a prosperidade norte-americana. Por outro lado, Beijing e Moscou estão se aproximando para enfrentar o que eles percebem como uma ameaça de Washington. O vice presidente Mike Pence acenou com o inicio de uma nova Guerra Fria com a China. Sanções e isolamento contra a Rússia e escalada protecionista comercial contra a China fizeram com que Putin se voltasse para a Ásia e com que a China ampliasse sua cooperação com Moscou. Apesar das diferenças quanto aos respectivos interesses nacionais, valores e culturas, com uma visão de médio e longo prazo, os dois países colocam de lado rivalidades, divisões e lutas e estabelecem um alinhamento que abrange coordenação em diversas áreas. Entre elas, defesa (fornecimento de equipamentos militares), diplomacia (coordenação de posições em questões internacionais no Conselho de Segurança da ONU, no BRICS, na Organização de Xangai), economia (a China tornou-se o maior parceiro comercial de Moscou), energia (a Rússia, com financiamento da China, viabilizou a exploração no círculo polar Ártico de uma das maiores reservas de gás do mundo). Beijing se tornou o maior importador de petróleo russo e, em 2019, o segundo mercado para o gás, como resultado de acordo histórico de US$ 400 bilhões, assinado há poucos anos. A Rússia ainda está promovendo a integração econômica com partes da Ásia e isso se casa com a iniciativa chinesa de reconstrução da rota da seda (Belt and Road Initiative), formando a Eurásia Maior, o que colocará Moscou como peça chave na geoeconomia e geopolítica da região, ligando o norte da Eurásia com a Ásia Central e Sudeste. Rússia e China estão se tornando aliados em função de objetivos políticos compartilhados, como os de reagir às pressões ocidentais, reestruturar as cadeias globais de valor e desenvolver um mundo multipolar em beneficio próprio.
            Essas as perspectivas globais para 2019. Nesse contexto de grandes transformações e complexidades, “lembremos da Pátria”. Como se situará o Brasil? As poucas e genéricas sinalizações teóricas e de ação diplomática feitas até agora não permitem identificar como nós, uma das dez maiores economias do mundo, poderemos “ser mais Brasil e menos ordem global”. Essa discussão ainda não ocorreu de forma clara. O governo Bolsonaro tem de “falar ao povo brasileiro”, como gosta de lembrar o ministro Ernesto Araújo, sobre as diretrizes, as prioridades e as competências do Itamaraty (em particular, no tocante à negociação comercial), que nortearão a política externa, em resposta aos desafios externos e na defesa do interesse nacional, livre de ideologias, partidos ou grupos. 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Relacionamento Brasil-EUA, com realismo - Rubens Barbosa

ALINHAMENTO AUTOMÁTICO OU INTERESSE NACIONAL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 25/12/2018

A nova geopolítica nas relações hemisféricas abre oportunidades para a expansão das relações Brasil-EUA que não existiram em nenhum outro momento nas últimas décadas. As duas maiores democracias no hemisfério, como é normal, têm interesses e valores convergentes, mas também outros divergentes, que impediam uma maior aproximação entre os dois governos. Razões ideológicas, nos últimos anos, impediram que matérias de nosso interesse fossem tratadas, com prejuízo direto ao cidadão comum e a projetos de grande alcance. 
As relações políticas e diplomáticas do Brasil com os EUA a partir de 2019 devem passar por radical transformação. Declarações do presidente eleito de que "as relações com os EUA ganharão prioridade", de Eduardo Bolsonaro de que "o Brasil está pronto a trabalhar com os EUA em todas as frentes, por convicção de que há grande convergência entre os objetivos e a visão de mundo das duas nações" abrem caminho para uma relação claramente afirmativa. O chanceler designado, Ernesto Araújo, já disse que "o céu é o limite na relação bilateral e que temos de pensar grande para dar um salto qualitativo na aproximação com Washington, o que permitirá fazermos coisas que seriam impensáveis". Em uma perspectiva de médio e longo prazo, parece ser de nosso interesse a ampliação da relação, dentro de ambiente de respeito mutuo e de confiança restaurada, desde que sempre fique claro que nem tudo o que bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Brasil e EUA devem superar os estereótipos e preconceitos recíprocos e têm de definir o que desejam da relação com o outro. As assimetrias em todos os setores entre Brasil e EUA tornam difícil aceitar que os objetivos globais e a visão de mundo das duas nações sejam comuns, especialmente com as politicas norte-americanas em relação à China, a Síria e ao conflito Israel-Palestina, por exemplo. Um alinhamento automático - não esperado, nem desejado pelos EUA - poderia materializar-se em algumas decisões como a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém, ou em politicas globais (mudança de clima, direitos humanos, migração, comércio) - seria um deserviço à politica externa e aos interesses mais amplos do paEis.
            Como desdobramento dessa nova realidade, não será surpresa se os EUA responderem positivamente aos acenos de Brasilia a Washington. As recentes visitas ao Brasil do vice-presidente Mike Pence, do ex-Ministro da Defesa Jim Mattis, e do Subsecretário do Tesouro Sullivan, começaram a modificar a percepção de Washington sobre o Brasil. Alto funcionário da vice-presidência dos EUA declarou que “há um esforço consciente do governo americano, vindo do topo da hierarquia, para uma aproximação com o Brasil.” A percepção é de que a eleição de Bolsonaro traz alguém disposto a ser parceiro”. Washington pode perguntar como o Brasil e os EUA poderiam trabalhar juntos?
O foco da relação Brasil-EUA é basicamente econômico-comercial. Clara mensagem está sendo dada pelo novo governo com a abertura da economia, com meta para o crescimento das relações comerciais, hoje ainda abaixo do potencial das duas economias, e o estímulo do investimento de companhias norte-americanas a partir de novos marcos regulatórios.  
Tendo sido embaixador nos EUA por quase cinco anos, seguindo orientação dos governos FHC e parte do primeiro mandato de Lula, procurei desenvolver ações que resultassem em maior aproximação entre os dois países. Em termos de comércio, de investimentos e mesmo no cenário internacional, o Brasil só teria a ganhar com uma relação mais próxima da única superpotência global. A condição para tanto será definir muito claramente nossos objetivos e nossa agenda nos entendimentos bilaterais. O levantamento do bloqueio de Washington ao pedido de adesão à OCDE, a finalização do acordo de salvaguardas tecnológicas que viabilizará o Centro de Lançamentos de Satélites e restrições protecionistas a produtos nacionais são hoje as principais prioridades. 
Na área política e diplomática, a possibilidade de encontros regulares em alto nível presidencial, poderia facilitar o entendimento entre o Brasil e os EUA no encaminhamento de questões pendentes na América do Sul, como a crise política, econômica e social na Venezuela. O desconvite ao governo de Caracas para a posse presidencial não contribuirá para que o Brasil colabore construtivamente para uma solução pacifica e democrática. Nos organismos internacionais, políticos, financeiros e comerciais, em que o Brasil mantém uma posição de influência, apesar de ter abaixado a voz em algumas áreas, o entendimento poderá ser proveitoso para os dois lados. 
Com visão de futuro, seria de interesse do setor privado dos dois países se o Brasil passasse a receber dos EUA o mesmo tratamento da Coréia, da Índia e da Turquia. Nestes casos, prevaleceram evidentes considerações de natureza estratégica e militar. A motivação no caso do Brasil seria o interesse dos EUA em incrementar uma efetiva parceria com o Brasil nas áreas de comércio e investimento, sobretudo em setores como defesa, espaço e nuclear para permitir o acesso as empresas brasileiras a tecnologias sensíveis na cooperação bilateral. 
Segundo estudos otimistas do National Intelligence Council, de WDC, em 2025, o Brasil será uma potência econômica global entre as cinco maiores economias em termos de PIB.  Nesse cenário, a posição do Brasil na região tenderá a tornar-se cada vez mais ativa e importante. A emergência do Brasil como uma potência econômica colocará novos desafios para a política externa e para a política comercial externa do Brasil, o que poderá contribuir para a construção de uma madura e profícua parceria com os EUA.  
Chegou o momento de um “novo” normal nas relações do Brasil com os EUA.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A nova geopolitica nas Americas - Rubens Barbosa (OESP)

A nova geopolítica nas Américas

Uma das dez maiores economias, o Brasil deve fazer política de sua 

circunstância geográfica


RUBENS BARBOSA*, O Estado de S.Paulo 
11 Dezembro 2018 | 03h00 

O pensamento mais moderno da geopolítica mostra a crescente importância do regionalismo, como evidenciado pelos acordos de integração na Europa, na América do Norte, na Ásia e agora na África. 
O continente americano passa por significativas transformações políticas e econômicas, que terão consequências na geopolítica regional. O governo de esquerda do México e as incertezas nas relações com o vizinho EUA, o governo de direita no Brasil e seus efeitos sobre o entorno geográfico, o novo governo de Cuba, a deterioração das instáveis Venezuela e Nicarágua, as dificuldades econômicas na Argentina, a persistente baixa prioridade da região para a política externa dos EUA são alguns dos principais elementos de uma gradual transformação das relações políticas, econômicas e comerciais entre os países das Américas e com o resto do mundo. Na América do Sul, a partir da década de 1990 oito dos dez países elegeram governos de centro-esquerda e de esquerda. Em 2019 oito dos dez países serão governados por presidentes de direita ou centro-direita. Ao mesmo tempo, em função do vazio criado pela baixa influência política e reduzida presença comercial dos EUA, além da falta de uma visão estratégica e de ações proativas da parte do Brasil, cresceu a presença da China e da Rússia. Agora até a Turquia amplia também sua atuação, a partir da Venezuela. 
No que toca ao Brasil, declarações do presidente eleito de que as relações com os EUA ganharão prioridade e de Eduardo Bolsonaro de que o Brasil está pronto para trabalhar com os EUA em todas as frentes, não por alinhamento automático, mas por convicção de que há grande convergência entre os objetivos e a visão de mundo das duas nações, abrem caminho para uma relação claramente afirmativa. O ministro das Relações Exteriores designado, Ernesto Araújo, diz que o céu é olimite na relação bilateral e que temos de pensar grande para dar um salto qualitativo na aproximação com Washington, o que permitirá fazermos coisas que seriam impensáveis, que se espera sejam mutuamente benéficas. 
Como desdobramento dessa nova realidade, não será surpresa se os EUA responderem positivamente aos acenas de aproximação de Brasília com Washington. Alto funcionário da administração Trump declarou que “há um esforço consciente do governo americano, vindo do topo da hierarquia, para uma aproximação com o Brasil”. A percepção é de que a eleição de Jair Bolsonaro traz alguém disposto a ser parceiro. A região não representa nenhuma ameaça à segurança nacional dos EUA. As questões de imigração, do tráfico de drogas e a trinca da tirania trumpiana (Venezuela, Nicarágua e Cuba) não chegam a tirar o sono dos formuladores da política externa e de defesa em Washington. Segurança, prosperidade e democracia são objetivos norte-americanos na região. Nos últimos dez anos os EUA foram excluídos das novas instituições que têm por atribuição acompanhar as relações entre os países da região, como a Unasul e a Celac, com todas as implicações políticas e diplomáticas que isso está acarretando. Washington pode perguntar como o Brasil e os EUA poderiam trabalhar juntos para tentar resolver algumas questões de interesse geral no relacionamento entre os paíes da região. 

Tendo sido embaixador nos EUA por quase cinco anos, seguindo orientação dos governos FHC e no primeiro mandato de Lula, procurei desenvolver ações que resultassem em maior aproximação entre os dois países. Em termos de comércio, de investimentos e mesmo no cenário internacional, o Brasil só teria a ganhar com uma relação mais próxima da única superpotência global. A condição para tanto será definir muito claramente nossos objetivos e nossa agenda nos entendimentos bilaterais. As assimetrias em todos os setores entre o Brasil e os EUA tornam difícil aceitar que os objetivos globais e a visão de mundo das duas nações sejam comuns, especialmente com as políticas norte-americanas em relação à China, à Síria e ao conflito Israel-palestinos, por exemplo. As prioridades regionais, sim, são coincidentes. 

A nova geopolítica na região oferece uma oportunidade única – que não existiu para os governos anteriores – de o Brasil, a partir da definição de seus interesses, acima de países, grupos, partidos e ideologias, desenvolver uma relação sem alinhamentos automáticos com os EUA. Interessa ao Brasil o encaminhamento de uma solução negociada para o restabelecimento da democracia e da estabilidade econômica que traga de volta o crescimento e a pacificação política na Venezuela. Interessa ao Brasil a ampliação do mercado regional, que em 2019 deve constituir-se num área de livre-comércio. A ação do Brasil para a consolidação da democracia, de defesa e de segurança poderia ser complementada com o melhor aproveitamento dos recursos financeiros do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics para projetos de integração física na América do Sul, o que propiciaria o aumento do intercâmbio comercial de todos os países da região. 

Uma das dez maiores economias do mundo, o Brasil deve fazer política de sua circunstância geográfica. Com uma estratégia externa, anunciada como mais assertiva e com objetivos claramente definidos, a cooperação franca e direta entre Washington e Brasília poderá ampliar as oportunidades bilaterais de comércio e de investimentos e projetar o Brasil como o verdadeiro motor da região. Com isso, a voz do País no cenário internacional ficará reforçada e poderá abrir a possibilidade de maior presença brasileira nos foros multilaterais, inclusive na reforma do ONU, quando o assunto voltar a ser tratado seriamente. 

Se as reformas estruturais, como a da Previdência Social, a tributária e a do Estado, forem aprovadas, a rápida recuperação da economia brasileira poderá respaldar iniciativas mais ousadas na política externa do País que levarão ao fortalecimento do regionalismo. 
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Nacionalismo, patriotismo e interesse nacional - Rubens Barbosa (OESP)

NACIONALISMO, PATRIOTISMO E INTERESSE NACIONAL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 27/11/2018
As comemorações pelo centenário do fim da guerra 1914-18, em Paris, reforçaram minha convicção de que estamos vivendo tempos estranhos e um momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional com consequências para todos os países.
Foi curioso ver pequenos detalhes protocolares desencadearem reações políticas, como no caso da Servia, que se sentiu insultada pela baixa posição que seu presidente ocupou em relação ao Kosovo, colocado mais próximo ao presidente francês pelo cerimonial. Afinal, foi em Sarajevo que tudo começou. Notei a ausência do Brasil, convidado pela primeira vez em um encontro dessa magnitude e que seria uma oportunidade para mostrar que nosso pais existe, tem presidente, e foi parte das duas guerras (Quando estava como embaixador em Londres, participei com o presidente FHC das celebrações do dia da Vitoria da Segunda Grande Guerra (1945) com o Brasil sendo convidado pela primeira vez). 
Todos puderam assistir a deliciosa coreografia do poder entre Putin e Trump, que chegaram em limusines cercadas de seguranças, enquanto os outros 82 chefes de estado e de governo saíram juntos do Palácio Elysée em ônibus especiais. Os lideres norte-americano e russo esperaram, escondidos, que todos tomassem seus assentos para assumirem seus lugares ao lado do presidente Macron. Putin, mais experto, esperou para chegar por último...
O presidente Macron, em discurso na solenidade, ao invés de saudar a presença dos lideres mundiais, de ressaltar a paz e a superação da guerra fria entre EUA e Rússia, resolveu chamar a atenção para as ameaças atuais que colocam a estabilidade internacional de novo em perigo, põem em risco a democracia e dividem os países ocidentais. Observou que os pilares que sustentam os regimes democráticos são mais importantes que a unidade transatlântica e nesse contexto mencionou que o patriotismo é mais importante que o nacionalismo. Essa afirmação tinha endereço direto, não só aos grupos de direita radical na França como, de maneira pouco sutil, era uma critica direta aos que dizem colocar os interesses de seus países em primeiro lugar e que a consequência disso para os outros pouco importa. Ao qualificar o nacionalismo como traição ao patriotismo, exagerou, porque o termo na França é associado à extrema direita, enquanto em outros países a expressão se renova e tem conotação valorizada, como, por exemplo, na Irlanda e no Canada. 
 A tensão estava criada. Não era a primeira vez que Macron, depois de ter sido um amigo muito próximo, divergia publicamente do presidente dos EUA. As boas relações pessoais se deterioraram devido às decisões de Washington de abandonar o Acordo de Paris sobre clima e pelo término do programa nuclear com o Irã. E também por estimular o protecionismo (ameaça de guerra comercial com a China), criticar o multilateralismo e de tornar difícil a solução de dois Estados para o conflito Israel-Palestina.
Não foi surpresa a reação de Trump ao anfitrião, mas sim sua rapidez e virulência. Na tarde do dia 11, Macron organizou o Forum da Paz com o objetivo de defender o multilateralismo, um dos pilares da nova ordem internacional depois de 1945 com o surgimento da ONU e do GATT/OMC, que os EUA ajudaram poderosamente a criar e agora procuram solapar. Todos os Chefes de Estado compareceram com exceção de Trump, que preferiu visitar sozinho cemitério militar americano na França. Além disso, desde a véspera, havia iniciado uma troca de tweets virulentos com Macron, trazendo a público a crescente rivalidade entre os dois lideres em um momento de aumento das tensões Transatlânticas. Apoio de Trump aos movimentos populistas-nacionalistas na Europa, despesas militares na OTAN, criação de exército europeu, proposto por Macron-Merkel, e até ameaça velada à exportação de vinhos franceses para os EUA entraram na inusitada altercação presidencial. Ficou evidenciado o divórcio entre Trump e a Europa, em especial com as instituições supranacionais e multilaterais.
Cabem alguns comentários sobre o que se falou durante a cerimônia de Paris. A critica de Macron ao nacionalismo está associada à direita populista de Marie le Pen, que, sob o pretexto de defender a Nação, defende posições radicais contra o movimento de unidade europeia. Por outro lado, Trump não está preocupado com a unidade da Europa (agora ameaçada com a saída da Grã-Bretanha), mas sim com a China, e não quer continuar com os altos gastos militares na OTAN. Por outro lado, talvez Macron não soubesse, mas a palavra patriotismo é pouco usada nos EUA, talvez por razões históricas, além de ter alí um sentido algo pejorativo. Ao elogiar o patriotismo - com significado positivo nos países de língua latina - Macron fez Trump se lembrar de frase atribuída a Samuel Johnson, “o patriotismo é o ultimo refúgio do canalha”. A oposição às instituições supranacionais e multilaterais representam um viés característico da superpotência norte-americana, agora exacerbado por Trump.
Qualquer semelhança disso tudo com alguns aspectos da discussão hoje no Brasil, em especial depois da eleição e da escolha do futuro ministro do exterior não é mera coincidência.
A cerimônia parisiense mostra igualmente como é perigoso para qualquer pais, nos tempos incertos em que vivemos, declarar alinhamentos e afinidades definitivas baseados em laços pessoais. Como aprendi nos meus primeiros anos no Itamaraty, os países (e os líderes) não tem amigos, tem interesses. O realismo e o pragmatismo na ação diplomática e comercial deverão prevalecer sobre vagos anseios conceituais, como o anti- globalismo e a defesa do Ocidente, de inspiração trumpista, bem assim sobre atitudes ideológicas em relação a China. 
O interesse nacional, acima de países, grupos ou partidos, é a prioridade da politica externa.
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)