OS BRUZUNDANGAS
Lima Barreto
Editora Brasiliense, S. Paulo, 1956
Organizado sob a direção de Francisco de Assis Barbosa, com a colaboração de Antonio Houaiss e M. Cavalcante Proença.
Trecho:
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IV
A Política e os Políticos da Bruzundanga
A minha estada na Bruzundanga foi demorada e proveitosa. O país, no dizer de todos, é rico, tem todos os minerais, todos os vegetais úteis, todas as condições de riqueza, mas vive na miséria. De onde em onde, faz uma“parada” feliz e todos respiram. As cidades vivem cheias de carruagens; as mulheres se arreiam de jóias e vestidos caros; os cavalheiros chics se mostram, nas ruas, com bengalas e trajos apurados; os banquetes e as recepções se sucedem.
Não há amanuense do Ministério do Exterior de lá que não ofereça banquetes por ocasião de sua promoção ao cargo imediato.
Isto dura dous ou três anos; mas, de repente, todo esse aspecto da Bruzundanga muda. Toda a gente começa a ficar na miséria. Não há mais dinheiro. As confeitarias vivem às moscas; as casas de elegâncias põem à porta verdadeiros recrutadores de fregueses; e os judeus do açúcar e das casas de prego começam a enriquecer doidamente.
Por que será tal cousa? hão de perguntar.
É que a vida econômica da Bruzundanga é toda artificial e falsa nas suas bases, vivendo o país de expedientes.
Entretanto, o povo só acusa os políticos, isto é, os seus deputados, os seus ministros, o presidente, enfim.
O povo tem em parte razão. Os seus políticos são o pessoal mais medíocre que há. Apegam-se a velharias, a cousas estranhas à terra que dirigem, para achar solução às dificuldades do governo.
A primeira cousa que um político de lá pensa, quando se guinda às altas posições, é supor que é de carne e sangue diferente do resto da população.
O valo de separação entre ele e a população que tem de dirigir faz-se cada vez mais profundo. A nação acaba não mais compreendendo a massa dos dirigentes, não lhe entendendo estes a alma, as necessidades, as qualidades e as possibilidades.
Em face de um país com uma população já numerosa em relação ao território ocupado efetivamente na Bruzundanga, os seus políticos só pedem e proclamam a necessidade de introduzir milhares e milhares de forasteiros.
Dessa maneira, em vez de procurarem encaminhar para a riqueza e para o trabalho a população que já está, eles, por meio de capciosas publicações, mentirosas e falsas, atraem para a nação uma multidão de necessitados cuja desilusão, após certo tempo de estadia, mais concorre para o mal-estar do país.
Bossuet dizia que o verdadeiro fim da política era fazer os povos felizes; o verdadeiro fim da política dos políticos da Bruzundanga é fazer os povos infelizes.
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