O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Vitorio Sorotiuk. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Vitorio Sorotiuk. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 18 de maio de 2023

O "ruscismo", o fascismo russo defendido por Putin - Vitorio Sorotiuk

 Le mort saisit le vif! (Os mortos apoderam-se dos vivos!) O ruscismo.

Vitorio Sorotiuk

O aportuguesamento da palavra saisit do francês levou a existência do termo saisina que, em termos populares, significa o direito de herança. Estabelece nosso Código Civil no Art. 1.784 que, “Aberta a sucessão, a herança transmite-se desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários.” E, além dos cuidados com o legado que os herdeiros se apossam, os que mais se identificam com o de cujus tomam muito cuidado com os seus restos mortais e sua memória.

Os restos mortais do príncipe russo Grigori Aleksandrovich Potemkim (1739-1791) repousavam em uma catedral de pedra do século XVIII, em Kherson, até recentemente. Com a contraofensiva ucraniana que reocupou a cidade, uma missão especial dada às forças armadas russas foi roubar a ossada de Potemkim para levá-la a Rússia. Foi Grigori Potemkim quem convenceu a sua amante, a imperatriz russa Catarina, a Grande (1729-1796), a anexar a Crimeia, em 1783, e buscou criar uma Nova Rússia - um domínio que se estendia pelo território que hoje é o sul da Ucrânia, margeando o mar Negro. Quando Vladimir Putin determinou a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, evocou a visão de Potemkim.

Antes, Vladimir Putin havia determinado a transferência dos restos mortais do “ideólogo” Ivan Ilyin (1883-1954) da Suíça para a Rússia; e, em 2009, consagrou o seu tumulo. Putin vem mencionando e citando Ivan Ilyin em seus discursos desde 2005.  Encerrou o seu discurso em 30 de setembro de 2022, quando da anexação ilegal das províncias de Luhansk e Donets o citando novamente. Seus livros são leitura obrigatória para todos os funcionários do governo. Ivan Ilyin foi expulso da Rússia, em 1922, por determinação de Vladimir Lenin (1870-1924); e no exílio tornou-se o ideólogo do Movimento Branco, facção monarquista que defendia o retorno do tsarismo e um defensor da ideologia fascista. Foi defensor de Hitler, Mussolini e Franco mesmo depois do fim da Segunda Guerra Mundial.  

As características imperialistas e fascistas do novo regime russo, alicerçado após o fim da União Soviética, compõem, sem dúvida alguma, o acervo da herança guardada com zelo por Vladimir Putin. O historiador Tymophy Snyder afirmou, em artigo publicado no “New York Times”, que “a Rússia de hoje atende a maioria dos critérios que os estudiosos tendem a aplicar. Tem um culto em torno de um único líder, Vladimir Putin. Possui um culto aos mortos, organizado em torno da Segunda Guerra Mundial. Tem um mito de uma era de ouro passada de grandeza imperial, a ser restaurada por uma guerra de violência curadora – a guerra assassina na Ucrânia.” Os filósofos e cientistas sociais, sem desconsiderar essa herança, se debruçam, entretanto, para caracterizar o novo regime sob outra denominação tendo em vista as características atuais do fenômeno social e político russo.

A Verkhovna Rada – parlamento supremo da Ucrânia – adotou, no início deste mês de maio, uma resolução; “Sobre o uso da ideologia do ruscismo pelo regime político da Federação Russa, condenando os fundamentos e práticas do ruscismo como totalitários e misantrópicos.  A letra da palavra fascismo foi substituída pelo r em referência à Rússia (фашизм = рашизм). Para o português seria mais literal o rascismo, mas a tradução como ruscismo dá o real conteúdo de referência expressa pelos ucranianos. O termo ruscismo começou a ser usado no discurso público após a guerra de 2008 na Geórgia; ganhou maior popularidade após a anexação da Crimeia pela Rússia e o início da agressão russa, em 2014; e, agora, é termo oficial por lei na Ucrânia. 

A conceituação estabelece que o ruscismo é a ideologia usada pelas autoridades da Federação Russa e a forma do atual fascismo russo. São consequência dessa ideologia a violação em massa e sistemática dos direitos humanos, tanto dentro da Federação Russa quanto nos territórios ocupados da Ucrânia. As liberdades de reunião, manifestação, partidária, assim como o feminismo e a liberdade sexual e comportamental são vistas pela Rússia como “degeneração” da sociedade ocidental. A menor dissidência na Rússia é vista como traição aos interesses nacionais. Atualmente, está proibida a palavra “guerra” e quem a use está sujeito à prisão. Os oponentes políticos ou são mortos envenenados ou presos quando tem sorte.

O nacionalismo russo é a base da ideologia do Estado onde se aplica o conceito do Russkiy Mir - “mundo russo”. O auto engrandecimento da Rússia e dos russos às custas da opressão violenta, da negação do direito à autodeterminação ou, em geral, do direito à existência de outros povos. A Ucrânia, para Vladimir Putin, é uma invenção de Lênin. Essas ideias agora estão sendo plantadas agressivamente nos territórios ocupados da Ucrânia e são acompanhadas pela proibição de tudo o que é ucraniano.

“Entendemos o ruscismo como um novo tipo de ideologia e prática totalitária, que está no cerne do regime que se formou na Federação Russa, sob a liderança do presidente V. Putin; e é baseado nas tradições do chauvinismo e do imperialismo russos, as práticas do regime comunista da URSS e do nacional-socialismo”, diz, em comunicado oficial, a Verkhovna Rada.

Segundo Anne Applebaum, em entrevista concedida à BBC: “ruscismo é uma forma de colonialismo ou “hiper imperialismo” da Rússia moderna. Este é um Estado que se percebe tão superior aos seus vizinhos, pelo menos se falamos da sua elite, que se julga no direito de os apagar da face da terra, do mapa mundi, de destruí-los à vontade, para matar seus civis - e não apenas soldados.”

O historiador Timothy Snyder diz que “fascistas, chamando outras pessoas de “fascistas”, é o fascismo levado ao seu extremo ilógico como um culto à irracionalidade. É um ponto final onde o discurso de ódio inverte a realidade e a propaganda é pura insistência. É o apogeu da vontade sobre o pensamento. Chamar os outros de fascistas, sendo fascista, é a prática essencial de Putin. Jason Stanley, um filósofo americano, chama isso de “minar a propaganda”. Chamei isso de “esquizofascismo”. Os ucranianos têm a formulação mais elegante. Eles chamam isso de ruscismo. “rashism” em inglês).

O fascínio com as obras de Ivan Ilyin revela a paixão pelo chauvinismo russo e a busca pelo retorno à “grandeza” do Império Russo, sepultado pela revolução de 1917. O esforço de Vladimir Putin, para trazer à Rússia os restos mortais do ideólogo do estado forte e defensor do nazismo e fascismo, indica claramente a assunção da herança do nazifascismo de Hitler e Mussolini. O roubo dos restos mortais de Gregori Potemkim, em Kherson, revelam a assunção da herança imperialista e despótica da Rússia.

Esse acervo hereditário, misturado com revanchismo contra a história, onde a Rússia caiu por seus próprios pecados, edificou a nova ideologia e prática denominada de ruscismo. O ruscismo é nome do coquetel venenoso que embebedou a elite russa com a maldita herança da maldade humana.

VITORIO SOROTIUK

Presidente da Representação Central Ucraniano Brasileira

domingo, 23 de abril de 2023

A proposta de criação de grupo de países amigos da Paz [sobre a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia] - Vitorio Sorotiuk (Representação ucraniana no Brasil)

 A proposta de criação de grupo de países amigos da Paz [sobre a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia]

 

      Vitorio Sorotiuk

Presidente da Representação Central Ucraniano Brasileira

Curitiba 21/04/2023
 

      

    O Brasil voltou à cena internacional, diz o atual Presidente Luís Inácio Lula da Silva.  Na verdade, não saiu, estava ali como peso morto e omisso em questões vitais para a humanidade. A volta de uma presença mais ativa na cena internacional teve um primeiro round muito positivo com a assunção dos compromissos mundiais com a agenda ambiental e cresceu com a ação pronta e imediata no socorro aos índios Ianomani e aos vitimados pelas enchentes em São Sebastião e outras localidades. E veio, em seguida, a abordagem da questão da paz, da guerra na Ucrânia que geraram expectativas positivas. Porém, as declarações quando da visita a China e na recepção ao Chanceler Serguei Lavrov da Rússia em Brasília levaram o Brasil, objetivamente, a favorecer o agressor russo Vladimir Putin. E o Presidente Luís Inácio Lula da Silva começou a cair no crédito internacional. Já a comunidade ucraniana brasileira ficou indignada, tanto a parte que votou contra ele como a parte da comunidade que votou nele. 

Na visita de Serguei Lavrov, o Brasil somente fez uma declaração pedindo o cessar fogo, como continuidade da responsabilização por igual na continuidade da guerra para a Rússia e Ucrânia e responsabilidade da continuidade da guerra aos Estados Unidos e Europa por fornecer armas para a Ucrânia. A críticas se fizeram sentir por todos os lados e na recepção ao Presidente da Romênia o Presidente foi obrigado a ler texto onde afirmava o reconhecimento da integridade territorial da Ucrânia e Celso Amorim sair em campo para explicar o inexplicável. Antes enviou o Celso Amorim a Moscou, sem visitar Kyiv ao mesmo tempo, repetindo o que fez Bolsonaro.  Enfim, o Brasil ainda não firmou uma posição que o coloque no campo da democracia mundial e possa de fato favorecer o caminho da paz e da justiça.

Há um desconhecimento da história da Ucrânia e da Rússia e uma grande intoxicação não sanada pelas concepções estalinistas e da atual propaganda da FSB (ex KGB), sobre a expansão da OTAN, os Estados Unidos terceirizando a guerra contra a Rússia e outras. A responsabilidade pela expansão da OTAN é da própria Rússia. Basta ver as duas últimas adesões, Suécia em curso e Finlândia já efetivada. Elas se deram não por vontade dos membros da OTAN, mas por decisão dos povos desses dois países para terem segurança frente a ameaça que representa a vizinha Rússia. E assim foi com os países bálticos, a Polônia e era a vontade da Ucrânia. Ninguém buscou a OTAN para agredir a Rússia, mas para se proteger dela. O problema para a Rússia é a própria elite russa e seu projeto.

            A agressão da Rússia a Ucrânia vem desde a independência em 1991, não começou em 24 de fevereiro de 2022 e nem em 2014, mas antes, está fundada em um projeto desenvolvido no âmbito do governo russo após a dissolução da União Soviética. Não se pode também esquecer o passado imperial tzarista, a crítica dos revolucionários de 1917 a elite russa por sua concepção de superioridade racial, o Holodomor e o totalitarismo estalinista. Atualmente, verificando-se o círculo no entorno de Vladimir Putin encontramos os conservadores chauvinistas russos Vladimir Yakunine, o Padre Tikhone Chevkunov e Vladislav Surkov defensor convicto da narrativa “não há Ucrânia”, que levou Putin a escrever um texto de 20 páginas afirmando que a Ucrânia é uma invenção de Lenin. A citação mais frequente nos discursos de Putin é a de Ivan Illyn (1883-1954). Illyn foi expulso da Rússia soviética em 1922. No exílio, em Berlim e depois na Suíça, conectou-se aos emigrados russos contrarrevolucionários e abraçou o pensamento fascista. Em 1950, escreveu um ensaio que viria a ser repetidamente citado por Putin. Outros citados são Nicolas Danilevski, que pregou o messianismo da cultura eslava, Lev Gumilov expoente do euroasianismo ou Konstantin Leontiev, filósofo russo monarquista conservador que defendia uma união monárquica conservadora. entre a Rússia e o Oriente contra o que ele acreditava serem as catastróficas influências igualitárias , utilitárias e revolucionárias do Ocidente. Analisando-se atentamente os discursos dos últimos 20 anos de Putin constata-se um pensamento formado em um coquetel de superioridade étnica russa, conservadorismo e expansionismo. Daí porque a ocupação da Ucrânia é uma peça no projeto euroasiático com centro em Moscou por parte de Vladimir Putin. Oleksandr Dugin disse isso com todas as tintas “a guerra à Ucrânia como uma pré-condição para o renascimento do Império Russo.”

Sobre o dever de oferecer armas à Ucrânia. Uma situação é o fornecimento de armas para um país que agride outro e outra situação é o fornecimento de armas para a defesa de um país agredido. No caso, os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a China e a Irlanda do Norte têm obrigação de fornecer armas para a Ucrânia se defender. A razão está que a Ucrânia aparece no cenário internacional em 1991 como a terceira potência nuclear do planeta, pelo número de ogivas nucleares existentes em seu território.  Em 5 de dezembro de 1994, com adesão da Ucrânia ao tratado de não proliferação de armas atômicas, a Rússia reconheceu as fronteiras da Ucrânia, incluindo a Criméia. Em 5 de dezembro de 1994 é assinado o Memorando de Budapeste 1. A Federação Russa, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América reafirmam seu compromisso com a Ucrânia, de acordo com os princípios da Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, em respeitar a independência e soberania e as fronteiras existentes da Ucrânia”. Depois, aderem ao memorando a França e a China.

A Rússia não cumpre leis e tratados internacionais. Desde 1991 nenhuma das guerras da Rússia terminou em paz negociada estável. A Rússia tende a congelar conflitos, mantê-los como desestabilizadores enquanto chantageia o mundo. Foi assim com Moldávia em 1992, conflito congelado até hoje; Chechênia onde a Rússia forçou a aceitar a ocupação depois de vários anos; Geórgia em 2008 mais de 20% do território da Georgia permanece ocupado; a Rússia ocupou a Crimeia em 2014 e se infiltrou no leste em Donbass e Luhansk e depois de manter a guerra semi-congelada por 8 anos invadiu a Ucrânia em 2022 tentando derrubar o governo e ocupar o país. Portanto, se a Ucrânia parar de resistir só serve a tática e estratégia russa de manter conflitos para mais adiante avançar mais. Cessar fogo, com soldados russos em terras ucranianas, sem exigência de desocupação total do território ucraniano pelas forças armadas russas é favorecer a estratégia russa. 

Para a constituição e sucesso de um grupo de países amigos da Paz há que se redefinir rumos, enviar Celso Amorim de imediato a Kyiv, o Presidente deve aceitar o convite e ir a Ucrânia. E o Brasil precisa estudar mais a história da Ucrânia e considerar o que significa o governo russo para a democracia e o desenvolvimento social e cultural da humanidade e a sua política imperial belicosa. A Ucrânia precisa de amigos da paz e não de amigos da tática e estratégia russa. Os 10 pontos da fórmula da Paz proposta pelo Presidente Zelensky conduzem a paz e a formula de congelamento do conflito faz perdurar a instabilidade e a durabilidade da guerra de agressão. 

VITORIO SOROTIUK / Curitiba 21.04.2023

Presidente da Representação Central Ucraniano Brasileira