O Zaratustra do Cerrado Central e a angústia de não ser compreendido
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)
[Objetivo: lamentar o desvio de talento em bobagens; finalidade: colocar o dedo na ferida]
O chanceler acidental sofre de uma profunda angústia espiritual: ele se sente desesperadamente sozinho na imensidão do cerrado central, onde não encontra alguma alma gêmea, um mísero sofista, um colega de devaneios, algum companheiro de promenades antiphilosophiques (à la Rousseau), alguém à altura de sua confusa mixórdia mental, enfim, qualquer um, com quem possa aliviar sua consciência atormentada pela necessidade de ser reconhecido como o grande pensador do bolsonarismo ambulante.
O problema é que que o seu guia espiritual, o famoso Rasputin de Subúrbio, já não desfruta, como no começo, daquele odor de santidade junto aos donos do poder, depois de ter ofendido a todos e a cada um, e de ter caído em desgraça até junto aos círculos mais chegados ao chefão da tropa. Este, por sua vez, não está minimamente interessado em, até porque não precisa de, circunlóquios cerebrais em torno de um nova doutrina para o seu movimento: ele não está interessado em diálogos, menos ainda subfilosóficos, só quer gente que lhe obedeça cegamente, como um bom candidato a Stalin de direita que é.
Por isso, aquele personagem bizarro à procura do seu tirano de Siracusa, sem ter com quem externar suas alucinações periódicas, sente necessidade de lançar suplicantes manifestos cruzadistas, em uma nova ofensiva contra o marxismo cultural e o maoísmo cibernético, como fez ainda recentemente em seu Blog Metapolítica 17: contra o globalismo, no qual acaba de divulgar novos extratos de suas angústias, sob um título accrocheur: “Por um Reset Conservador-Liberal” (31/12/2020; link: https://www.metapoliticabrasil.com/post/por-um-reset-conservador-liberal).
Não cabe dar sentido ao que não tem sentido nenhum, por isso nem convido os leitores a tentar provar a intragável sopa de letras ali concentrada, um pot-pourri de noções incompreensíveis ao leitor comum, mas que devem ter custado várias noites angustiadas ao Zaratustra do cerrado central para juntar tudo na mesma panela e deglutir virtualmente. Só lhe sobrou isto num governo que se desfaz como as fortalezas dos cristãos na contraofensiva de Saladino.
Que tristeza: o chanceler brancaleônico não pode contar nem mais com os 300 milicianos da Esplanada, que não chegavam a 30, para defender suas fileiras de novos cruzados contra os inimigos comunistas, bolcheviques e gramscianos.
Ele não pode sequer contar com uma Lepanto do Planalto Central para animar essas tropas confusas da luta contra os globalistas da esquerda.
O capitão não o compreende; ele está só.
Nem um Kierkegaard para ajudá-lo. Seu manifesto filosófico do novo partido bolsonarista deve mesmo ficar para a crítica roedora dos ratos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3831, 1 de janeiro de 2021