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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 1 de setembro de 2024

A esquerda anacrônica do Brasil - Editorial Estadão

Trancrevo do FB de Fernando Costa: 

“Trecho de um editorial hoje do Estadão sobre a esquerda brasileira. Como sempre eu digo, o problema não é ser esquerda, mas que a esquerda brasileira é jurássica 

É isto a esquerda brasileira?

Editorial O Estado de S. Paulo, 1/09/2024

Enquanto esquerda ganha terreno no mundo pois se modernizou, no Brasil esquerdistas hostilizam o Ocidente, celebram ditadores e se preocupam mais com pronomes do que com os pobres

Em que pese o pânico moral com a “ascensão da extrema direita”, a esquerda governa em centros decisivos de poder. Na América Latina, com exceção de meia dúzia de países, o mapa é vermelho. Por inércia, velhos quadros populistas dominam. O Chile elegeu um jovem avesso a autoritarismos, mas resolutamente progressista. Na Espanha governam os socialistas; na Alemanha, os social-democratas; nos EUA, os democratas. Após derrotas humilhantes, os trabalhistas britânicos expurgaram seus radicais e varreram as urnas. Na França, as esquerdas reverteram a vitória iminente da direita dura. Seja lá quais forem as vicissitudes desses partidos, o fato é que suas propostas foram suficientemente consistentes com os ideais progressistas de justiça social para cativar os eleitores.

E no Brasil? Nessa semana, enquanto fazia apologias a estatais e reciclava subterfúgios retóricos para contemporizar as atrocidades do companheiro Nicolás Maduro, Lula encontrou tempo para ouvir o hino nacional em linguagem neutra no comício de seu candidato em São Paulo. É isto a esquerda no Brasil? Estatismo em economia, autoritarismo e antiocidentalismo em geopolítica e identitarismo na cultura?

Há poucas coisas mais reacionárias do que a política econômica do PT – uma gororoba nacional-desenvolvimentista saudosa da ditadura Vargas e indistinguível do espírito da ditadura militar. Lula insiste em cozinhar a receita que, no trevoso governo de Dilma Rousseff, precipitou a maior recessão da Nova República, que colheu o País sem o boom das commodities e com as contas públicas sufocadas por gastos mais engessados e ineficientes e por uma trajetória da dívida inflacionária. Na geopolítica, por sua vez, a simpatia lulopetista é com o que há de mais hostil à democracia e aos direitos humanos: China, Rússia, Cuba, Venezuela, os terroristas do Hamas e os aiatolás misóginos e homofóbicos iranianos.

Se o negacionismo econômico e geopolítico da esquerda se manifesta num passadismo decrépito, o negacionismo cultural se manifesta na perseguição frenética de um sonho utópico que para a esmagadora maioria da população é um pesadelo distópico, em que filhos e filhas são criados como “filhes”. Além do lado caricato, há o autoritário: quem não se conforma às agendas das militâncias racialistas, feministas ou LGBT é “racista”, “sexista” ou “homofóbico”, passível de ser cancelado ou criminalizado. Ainda que com métodos irrealistas ou truculentos, a velha esquerda tinha um ideal universal: distribuir o capital às classes trabalhadoras, independentemente de raça, gênero, credo ou orientação sexual. A velha esquerda se preocupava com os pobres; a nova, com pronomes.

O negacionismo é tal que o PT ignora suas próprias pesquisas. Eleitores de classes médias e baixas ouvidos pela sua fundação, a Perseu Abramo, declararam que os principais conflitos na sociedade não são entre ricos e pobres, capital e trabalho (para não falar em homens e mulheres, héteros e LGBTs), mas entre o Estado e seus cidadãos, entre a sociedade e seus governantes. A maioria é favorável a um Estado mais enxuto e amigável à iniciativa privada, valoriza a meritocracia e entende que as crises éticas da sociedade resultam menos de vícios “estruturais” do que de desvios individuais, a serem sanados, antes de tudo, pela família”.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

A guerra de Lula - Editorial Estadão

 A guerra de Lula

Estadão.com.br, 21 de fevereiro de 2024

O presidente Lula da Silva parece ter declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que simboliza os valores ocidentais - tendo como companheiros de armas um punhado de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela.

A irresponsável declaração de Lula sobre Israel, comparando a campanha israelense contra os terroristas do Hamas ao Holocausto, está perfeitamente alinhada a esse empreendimento ideológico. Não foi, portanto, fortuita nem acidental.

Lula parece empenhado em usar seu terceiro mandato para lançar-se como líder político do tal "Sul Global", uma espécie de aggiornamento do "Terceiro Mundo" dos tempos da guerra fria. Nessa nova ordem, as características distintivas do Ocidente - democracia, economia de mercado e globalização - são confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional em primeiro lugar, à custa das liberdades individuais, direitos humanos e valores universais, denunciados como armas retóricas das democracias liberais para perpetuar sua supremacia.

No confronto Ocidente-Oriente, a geopolítica e a segurança nacional prevalecem sobre a economia e a globalização. A geopolítica multilateral do pós-guerra se fragmenta em arranjos insuficientes para as necessidades de cooperação ante desafios globais, como mudanças climáticas, pandemias, terrorismo e guerras.

O Brasil não está imune a essas incertezas, mas, comparativamente, tem vantagens. Suas dimensões, sua democracia multiétnica e pacífica e sua economia relativamente industrializada e diversificada o tornam uma potência regional. Seus recursos o colocam numa posição-chave para equacionar o tripé do desenvolvimento sustentável global: segurança alimentar, energética e ambiental.

Nessas águas turvas e tumultuosas, sem grandes instrumentos de poder, o País precisa, para defender interesses nacionais e promover os globais, de sutileza, inteligência e credibilidade. Felizmente, conta com uma tradição diplomática consagrada nos princípios constitucionais do respeito aos direitos humanos, à democracia e à ordem baseada em regras, e corporificada nos quadros técnicos do Itamaraty.

Mas esse capital está sendo dilapidado pela diplomacia sectária do presidente Lula da Silva. Lula já disse que a democracia é relativa. Mas sua política externa é definida por um princípio absoluto: a hostilidade ao Ocidente (o "Norte", os "ricos") e o alinhamento automático a tudo o que lhe é antagônico.

Sua passagem pela África foi um microcosmo desse estado de coisas. Interesses econômicos foram tratados de forma ligeira. Em entrevista, ele se evadiu de cobrar a Rússia e a Venezuela por sua truculência autocrática, ao mesmo tempo que insultou judeus de todo o mundo ao atribuir a Israel práticas comparáveis às dos nazistas.

Seja em conflitos onde o País teria força e autoridade para atuar, como os da América Latina, seja naqueles nos quais não tem força, Lula se alinha ao que há de mais retrógrado e autoritário. Abrindo mão de sua neutralidade, o País se desqualifica como potencial mediador. O Brasil poderia promover seus interesses econômicos e pontos de cooperação com a Eurásia sem prejuízo da defesa de valores civilizacionais comuns ao Ocidente. Mas Lula sacrifica os últimos sem nenhum ganho em relação aos primeiros. Em sua ânsia de se autopromover como líder global dos "pobres" contra os "ricos", reduziu a máquina do Itamaraty a linha auxiliar de sua ideologia maniqueísta e seu voluntarismo narcisista.

A "frente ampla democrática" propagandeada na campanha eleitoral deveria ter sido projetada para as relações internacionais. Mas também aqui ela se mostrou uma fantasia eivada de sectarismo ideológico - arrastando consigo o Brasil, obliterando suas oportunidades de integração econômica e prejudicando possibilidades de cooperação pela promoção da paz, da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais que a Constituição traçou como norte da diplomacia nacional.