A revista em questão é conhecida pelas suas matérias investigativas. Mas quando chegam os materiais na redação, parece que se tomam de pruridos e evitam chamar as coisas pelo nome.
Por exemplo, por que "influência que desfrutava com o ex-presidente Lula"???
Por que não chamar as coisas pelo nome: a amante do presidente desfrutava de vantagens indevidas?
Simples assim, não é?
Paulo Roberto de Almeida
Veja revela os detalhes da sindicância que foi
mantida em segredo pelo governo porque poderia criar "instabilidade
institucional". Ela mostra como a ex-secretária Rosemary Noronha se
aproveitou da intimidade com o ex-presidente Lula para
ganhar dinheiro, traficar poder e viver como uma soberana
Robson Bonin
Construído no centro da Piazza Navona, um dos
endereços mais cobiçados de Roma. o Palazzo Pamphili é uma preciosidade
arquitetônica entre os edifícios que abrigam a embaixada brasileira nas
capitais do mundo. O prédio, erguido no século
XVII, tem salões, quartos e pátios adornados com quadros, esculturas e
afrescos barrocos de alta qualidade artística. São poucos os
privilegiados que conhecem suas dependências mais íntimas. Estão nessa
lista presidentes e ex-presidentes da República e personalidades
estrangeiras convidadas, entre elas a princesa Diana da Inglaterra. Tão
luxuoso quanto restrito, sabe-se agora, o palácio frequentado pela
realeza e por chefes de estado também abriu seus a aposentos reservados
para uma funcionária pública, Rosemary Noronha,
ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo, que
protagonizou recentemente um dos mais rumorosos casos de promiscuidade
entre os interesses públicos e privados. Veja teve acesso a documentos
oficiais que registram esse e outros capítulos
inéditos da história envolvendo a mulher que, por anos, conduziu uma
repartição pública como se fosse um pequeno reino - o reino de Rose.
Durante dois meses, uma comissão especial do
governo colheu depoimentos de funcionários, vasculhou mensagens
eletrônicas, registros de agenda e listas de visitantes para tentar
reconstituir, ao menos em parte, a rotina no gabinete da Presidência
da República em São Paulo entre 2009 e 2012. No ano passado, a Polícia
Federal descobriu que Rosemary Noronha usava a influência e a intimidade
que desfrutava com o ex-presidente Lula para se locupletar do poder.
Ela patrocinou lobbies, agendou encontros com
autoridades e ajudou uma quadrilha que vendia pareceres a empresários.
Em troca, recebia vantagens e remuneração em dólar, euro, real e até em
won, a moeda coreana. Exonerada do cargo e indiciada por formação de
quadrilha, tráfico de influência e corrupção
passiva, Rosemary foi alvo de uma sindicância conduzida por técnicos da
Presidência. O relatório final da investigação, mantido em segredo por
determinação expressa do próprio governo, é a síntese do que para alguns
é a norma fria do serviço público em Brasília,
uma grande loja de facilidades.
O resultado da investigação é um manual de como
proceder para fraudar e trapacear no comando de um cargo público quando
seu ocupante priva da intimidade do presidente da República. Sob o
comando da Casa Civil da Presidência, os técnicos
rastrearam anormalidades na evolução patrimonial de Rosemary Noronha e
recomendaram que ela seja investigada por suspeita de enriquecimento
ilícito. Um processo administrativo já foi aberto na Controladoria-Geral
da União. Ex-bancária, Rose, como é chamada
pelos mais íntimos, foi uma destacada militante do movimento sindical
no início da década de 90. Era admirada na categoria pelos belos cabelos
longos e por outras peculiaridades do seu biotipo. Seus talentos foram
logo notados pelos figurões do PT. O então
deputado José Dirceu. de quem se tornou muito amiga, contratou-a como
secretária de gabinete. Logo depois, promovida, Rose passou a organizar a
agenda do candidato Lula, cuidar das suas contas, anotar seus recados,
enfim, gerenciar o cotidiano do futuro presidente.
E fazia isso com muita competência, segundo pessoas próximas. No
governo petista, ela continuou cuidando do dia a dia do presidente,
principalmente quando havia viagens internacionais. Por determinação do
cerimonial do Palácio do Planalto, era autorizada a
se engajar na comitiva sempre que Marisa, a esposa de Lula, não podia
acompanhar o marido. Sem uma função definida, Rose ficava hospedada no
mesmo hotel do presidente, de prontidão para ser acionada em caso de
necessidade. A extrema proximidade com o presidente
provocou ciúme e desentendimentos. Em 2007, ela deixou o cargo de
assessora especial de Lula e assumiu a chefia do escritório da
Presidência da República em São Paulo. Àquela época, a corte já sabia:
falar com Rose era o atalho mais rápido para se comunicar
com o presidente.
A sindicância destoa da tradição dos governos
petistas de amenizar os pecados de companheiros pilhados em falcatruas.
Dedicado exclusivamente aos feitos da poderosa chefe de gabinete, o
calhamaço de 120 páginas produzido pela sindicância
é severo com a ex-secretária. Mostra que Rosemary encontrou diferentes
formas de desvirtuar as funções do cargo. Ela pedia favores ao "PR" -
como costumava se referir a Lula em suas mensagens - com frequência. Era
grosseira e arrogante com seus subalternos.
Ao mesmo tempo, servia com presteza aos poderosos, sempre interessada
em obter vantagens pessoais - um fim de semana em um resort ou um
cruzeiro de navio, por exemplo. Rosemary adorava mordomias. Usava o
carro oficial para ir ao dentista, ao médico, a restaurantes
e para transportar as filhas e amigos. O motorista era seu contínuo de
luxo. Rodava São Paulo a bordo do sedã presidencial entregando cartas e
pacotes, fazendo depósitos bancários e realizando compras. Como uma
rainha impiedosa, ela espezinhava seus subordinados.
Depoimentos de motoristas, secretárias e copeiras
que recebiam ordens da ex-secretária revelam uma rotina de humilhações
públicas. Rosemary gritava e distribuía insultos na frente de visitantes
do gabinete. Um simples cumprimento de boa
tarde dirigido a ela na hora errada poderia resultar em tremenda
grosseria. Certo dia, humilhou uma secretária a tal ponto que o caso foi
parar no hospital. Depois de cair em prantos por ter sido ameaçada de
demissão, a servidora passou mal e precisou ser
socorrida pelos bombeiros do órgão. Ao constatar que a pressão dela
estava muito alta, o bombeiro chamou Rosemary à sala e relatou a
necessidade de levar a servidora imediatamente ao médico. Não havia
ambulância disponível - mas alguém lembrou que o carro
oficial estava na garagem. Rosemary ficou transtornada com a sugestão e
proibiu o motorista de prestar socorro. A funcionária e o bombeiro
acabaram indo de táxi para o hospital. Depois disso, a rainha Rose ainda
proibiu a serva de lhe dirigir a palavra e,
por fim, a demitiu.
Rosemary Noronha se comportava e era tratada como
majestade, independentemente de onde estivesse. Os registros de uma
viagem à Itália em 2010, por exemplo, comprovam que as regalias à sua
disposição extrapolavam as fronteiras. Mensagens
inéditas reunidas no relatório da investigação mostram que a
ex-secretária foi recebida com honras de chefe de estado na embaixada
brasileira em Roma. Todas as facilidades possíveis lhe foram
disponibilizadas. Rose temia ter problemas com a imigração no
desembarque
em Roma. O embaixador José Viegas enviou-lhe uma carta oficial poderia
ser apresentada em de algum imprevisto. Rose conhecia a Itália. O
embaixador colocou o motorista oficial à sua disposição. Rose não tinha
hotel. O embaixador convidou-a a ficar hospedada
no Palazzo Pamphili - e ela não ocuparia um quarto qualquer. Na
mensagem, o embaixador brasileiro saudou a ida de Rose com um
benvenuti!, em seguida desejou-lhe buon viaggio e avisou que ela ficaria
hospedada com o marido no "quarto vermelho". Quarto vermelho?
Como o Itamaraty desconhece esse tipo de
denominação, acredita-se que "quarto vermelho" fosse um código para
identificar os aposentos relacionados ao chefe - assim como normalmente
se diz "telefone vermelho", "botão vermelho", "sala
vermelha"... Independentemente disso, com a ajuda da
Controladoria-Geral da União, a investigação da Casa Civil confirmou que
a ex-chefe de gabinete não estava a trabalho em Roma. Por isso,
considerou que a estada nas dependências diplomáticas configurou mais
um caso de apropriação particular do patrimônio público e recomendou
que o Itamaraty apurasse o episódio. Indagado, o embaixador José
Viegas, que deixou o posto em 2012, disse que não podia "discriminar
quem chega com dinheiro público ou privado" à
embaixada. Em tese. portanto, qualquer mortal de passagem por Roma está
autorizado a pernoitar uns dias na embaixada. Sobre o tal "quarto
vermelho", garantiu que se trata de um cômodo secundário.
Tanto nessa passagem pela embaixada brasileira em
Roma quanto nos desmandos e abusos cometidos no gabinete de São Paulo, a
fonte de poder de Rosemary sempre foi a mesma: a relação de intimidade
com o ex-presidente Lula. Por força dessa
proximidade, ela passava boa parte do tempo recebendo gente importante
preocupada em bajulá-la. Um rosário de empresários que apostavam no
prestígio dela para conseguir reuniões com servidores inacessíveis do
governo, intermediar contratos milionários em órgãos
públicos e abrir caminho para nomeações em cargos de alto escalão.
Diariamente, por telefone ou e-mail, dirigentes da Caixa Econômica
Federal, do Banco do Brasil e da Petrobras, para citar alguns exemplos,
recebiam pleitos de Rosemary. Na maioria das vezes,
os pedidos eram mequetrefes, como ingressos para shows e eventos
culturais. Mas, em outras oportunidades, os contatos envolviam cifras
milionárias. As mensagens interceptadas revelam a falta de cerimônia com
que ela misturava interesses públicos com privados,
chegando até a falsificar diplomas para ela e o marido. Por ser tão
próxima de Lula - seu único fiador no cargo -, Rosemary articulava
nomeações nas mais variadas áreas do governo. De vagas em agências
reguladoras a tribunais superiores, os candidatos constantemente
recorriam a sua influência. Uma troca de mensagens apreendidas mostra
que Francis Bicca, então assessor de Dias Toffoli na Advocacia-Geral da
União, procurou os serviços de Rose para tentar emplacar o irmão em uma
cadeira do Superior Tribunal Militar. Rosemary
pergunta: "Quem mais além do Toffoli falou com o PR?". Bicca responde
que "só tem certeza mesmo" da recomendação direta do "ministro José
Dirceu, do Gilberto Carvalho e do Chefe, além dos militares". Rose diz a
Bicca que cumpriu sua missão: "Entreguei ao PR.
conversei e falei dos apoios. Ele levou o currículo e acho que vai dar
tudo certo". Nesse caso, alguma coisa deu errado. Depois de reconstituir
esses episódios da corte de Rosemary, a ministra-chefe da Casa Civil,
Gleisi Hoffmann, determinou a abertura de
processo administrativo. Um detalhe curioso: o relatório final da
sindicância era mantido em segredo porque a comissão avaliou que sua
divulgação poderia causar "instabilidade institucional". A reação de
Rosemary Noronha mostra que realmente há motivos mais
do que concretos para tamanha preocupação.
Thiago Prado
Rosemary Noronha está magoada e ameaça um revide em
grande estilo. Sentindo-se desamparada pelos velhos companheiros que
deixaram correr solta a investigação que pode levá-la mais uma vez às
barras da Justiça, agora por enriquecimento ilícito,
a ex-chefe do gabinete presidencial em São Paulo ameaça contar seus
segredos e implicar gente graúda do partido e do governo. Se não for
apenas mais um jogo de chantagem típico dos escândalos do universo
petista, Rose poderá enfim dar uma grande contribuição
ao país. Pelo menos até aqui, a ameaça da amiga dileta de Lula faz-se
acompanhar de lances concretos - tão concretos que têm preocupado
enormemente a cúpula partidária. O mais emblemático deles é a troca da
banca responsável por sua defesa. Rose, que vinha
sendo defendida por advogados ligados ao PT, acaba de contratar um
escritório que durante anos prestou serviços a tucanos. O Medina Osório
Advogados, banca com sede em Porto Alegre e filial no Rio de Janeiro,
trabalhou para o PSDB nacional e foi responsável
pela defesa de tucanos em vários processos, como os enfrentados pela
ex-governadora gaúcha Yeda Crusius.
Os novos advogados foram contratados para
defendê-la no processo administrativo em que ela é acusada de usar e
abusar da estrutura da Presidência da República em benefício próprio -
justamente o motivo da mágoa que Rose guarda de seus antigos
companheiros. Para ela, com esforço, até dá para compreender que a
companheirada não tenha conseguido barrar a Operação Porto Seguro,
investigação da Polícia Federal que apontou suas ligações com uma máfia
especializada em vender pareceres oficiais. O que
ela não engole é que o próprio Palácio do Planalto, numa apuração
administrativa, esteja permitindo que seus podres venham à tona - e,
mais do que isso, que ela possa ser responsabilizada e cobrada
judicialmente por seus malfeitos. Dizendo-se abandonada, ela
já confidenciou a pessoas próximas que está perto de explodir. O que
isso quer dizer? Não se sabe. O fato é que seus advogados anunciaram que
vão arrolar como testemunhas de defesa no processo figuras-chave da
república petista. Na semana passada, ela decidiu
pedir que quatro destacados companheiros sejam ouvidos na investigação
administrativa tocada pelo governo. Gilberto Carvalho, secretário-geral
da Presidência e ex-chefe de gabinete de Lula, e Erenice Guerra,
ex-ministra da Casa Civil e ex-braço-direito da
presidente Dilma, encabeçam a lista. Completam o rol Beto
Vasconcelos, atual número 2 da Casa Civil, e Ricardo Oliveira,
ex-vice-presidente do Banco do Brasil e um assíduo visitante do gabinete
que ela chefiava na Avenida Paulista. São apenas os primeiros
nomes, segundo a estratégia montada pela ex-secretária.
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Rosemary Noronha se hospedou em embaixada em viagem não oficial, diz revista
- O Globo, 20/04/2013
- Relatório de comissão especial da Presidência pede que ex-funcionária seja investigada por suspeita de enriquecimento ilícito
- Advogados negam acusações e pedem a anulação da sindicância, por entender que houve “cerceamento da defesa”
SÃO PAULO. A ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha, usou sua influência para se hospedar na embaixada do Brasil em Roma, na Itália, em viagem não oficial, segundo relatório da comissão especial da Presidência da República obtido pela revista “Veja”.
Denunciada no fim do ano passado pelo Ministério Público Federal (MPF) por formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção passiva, Rosemary foi alvo de investigação solicitada pela ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que ao ter acesso ao relatório determinou a instauração de processo administrativo contra a ex-funcionária e recomendou que o Itamaraty apurasse o episódio.
Técnicos responsáveis pela produção do documento também recomendaram que Rose seja investigada por suspeita de enriquecimento ilícito, crime que os advogados da ex-servidora, Fábio Medina Osório e Aloísio Zimmer Júnior, negam ter ocorrido. Eles também sustentam que viagens e contatos de sua cliente “tiveram natureza legítima”.
E-mails obtidos pela Presidência mostram que Rosemary foi convidada pelo então embaixador do Brasil na Itália, José Viegas, a ficar hospedada no Palazzo Pamphili com o marido, em viagem realizada em 2010.
Com ajuda da Controladoria-Geral da União, os técnicos do governo apuraram que a ex-chefe de gabinete não estava a trabalho em Roma, de acordo com o relatório. Por isso, entenderam que a estada nas dependências diplomáticas poderia ser considerado um caso de apropriação particular do patrimônio público e recomendaram ao Itamaraty a apuração do episódio.
À revista, o ex-embaixador do Brasil na Itália, José Viegas, disse que não poderia “discriminar quem chega com dinheiro público ou privado” à embaixada.
Depoimentos de funcionários, mensagens eletrônicas trocadas por Rose e registros em agendas e livros de visitantes do escritório da Presidência da República em São Paulo trazem indícios de que a funcionária usava a influência e a intimidade que desfrutava com o ex-presidente Lula para obter vantagens indevidas, de acordo com a revista. O relatório também aponta que Rosemary usava o carro oficial da Presidência para compromissos pessoais, como ir ao dentista, médico, levar filhos e amigos a compromissos particulares.
Advogados de Rose, Osório e Zimmer conseguiram recentemente a suspensão de depoimentos que seriam coletados no processo, para que tivessem acesso aos autos e colhessem informações “necessárias ao direto de defesa de Rosemary”, informaram ao GLOBO neste sábado. Eles pediram a anulação da sindicância, por entender que houve “cerceamento de defesa” de Rose.
— Rosemary não foi ouvida na sindicância, na medida em que camuflaram sua condição de investigada, chamando-a de testemunha e, com isso, negaram acesso aos autos por parte do anterior defensor constituído — afirmaram, mencionando a Súmula 14 do STF, que garante ao advogado ter acesso amplo a elementos de prova documentados em procedimento investigatório e que diga respeito ao exercício do direito de defesa.
Os defensores criticaram, ainda, o vazamento “de dentro do próprio do governo federal” de informações que eles consideram “distorcidas para os meios de comunicação social agredirem a imagem de Rosemary”.
Investigação realizada pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal, no âmbito da Operação Porto Seguro, mostrou que Rose patrocinou lobbies e ajudou uma quadrilha que vendia pareceres a empresários, em troca de vantagens. De acordo com a PF e o MPF, a ex-funcionária usou sua influência para falsificar um atestado de capacidade técnica para a empresa New Talent, do marido e, com isso, a empresa conseguiu um contrato de R$ 1,1 milhão com uma subsidiária do Banco do Brasil.