Sinto muito, mas antes de repassar a matéria, sobre os livros abaixo relacionados, vou me estender um pouco sobre a ingenuidade de comentaristas e escritores:
Duas dicas de leitura:
John Cassidy:
Como os mercados quebram
Editora Intrínseca
Karl Marx:
Grundrisse
Editora Boitempo
O titulo do primeiro ensaio bibliográfico é uma contradição nos termos. Aliás é de uma ingenuidade ingenua, com perdão da redundância, neste caso necessária.
Nem penso que o autor acredita realmente que os mercados quebram por fiat auto-induzido. E se ele pensa que um dos responsáveis é o Alan Greenspan está provavelmente 50% certo, o resto da responsabilidade podendo ser atribuído às demais agências públicas.
A constatação é simples: MERCADOS NUNCA QUEBRAM.
Pela simples razão de que mercados são apenas espaços de interação entre agentes econômicos.
Eles continuam funcionando, na alta ou na baixa, com perdas ou com ganhos, absolutamente neutros quanto aos agentes que deles participam.
Essa coisa de culpar os mercados por crises, por externalidades negativas, por distorções, por concentração de renda, por perversidades cegas, ou por qualquer outra coisa, é de uma inutilidade atroz, pois seria como culpar os ventos, as marés, as correntes marítimas, as precipitações atmosféricas, as cinzas vulcânicas disso ou daquilo. Ou seja, é inutil, aliás completamente sem sentido.
Quem quebra são agentes envolvidos em transações de mercado, apenas e simplesmente isto. Ponto.
Quando alguém "perde" no mercado, é porque apostou errado. Algum outro ganhou ou pode ganhar...
Se todos os bancos, que atuam conectados, fizeram bobagens, como fizeram os bancos americanos que venderam hipotecas subprime a investidores mal-informados, são esses bancos que quebram, e com eles os seus depositantes, os investidores, eventualmente um ou outro governo. Os bancos NUNCA tem o dinheiro dos depositantes e dos investidores disponivel, o que aliás seria uma bobagem. Por isso existem mecanismos de seguro ou garantias de deposito (mas alguém tem de pagar por isso, e mais uma vez é o mercado funcionando).
Todos os mercados continuam firmes, em quaisquer circunstâncias, apenas refletindo as bobagens feitas pelos agentes. Alguém vai passar e recolher, com lucro eventual, o que restou das bobagens feitas pelos incautos, e isso é justamente o mercado funcionando, perfeitamente.
Essa coisa de dizer que mercados fizeram isso e aquilo, que eles quebraram, ou que estão "irracionais" é de uma bobagem exemplar, até irracional, para evitar de dizer que quem fez as besteiras foram os agentes.
Em linguagem marxista, como diria o outro ingênuo mais abaixo, é uma metafísica aplica aos mercados, uma reificação de uma instituição social eterna, cega, surda e muda. Mercados são assim, indiferentes ao que pensam os homens, ricos, pobres, liberais ou intervencionistas. Eles simplesmente funcionam, como devem funcionar...
Ou então, dizer que os mercados falham, ou quebram, é só uma excusa para pedir intervenção dos governos.
Quem disse que os agentes do governo cometem menos bobagens do que os agentes puros de mercado?
Provavelmente cometem muito mais, pois que cingidos por leis e regulamentos que tornam mais lentos, ou mais restritos os movimentos do mercado, impedindo-os, portanto, de funcionarem adequadamente.
O potencial destruidor de um agente do governo é infinitamente muito maior do que o suposto potencial de dano do mercado, pois este é corrigido quase imediatamente, quando uma informação distorcida conduz a uma perda de algum agente: este atuará rapidamente para reverter ou minimizar as suas perdas, vendendo ou se retirando das transações. Só um agente de governo consegue acorrenter os agentes de mercado a determinados comportamentos ou obrigá-los a fazer determinadas coisas (ou impedi-los de fazer) sem que eles possam se desvencilhar desse incomodo "sócio" indevido.
Por que será que os livros de economia sempre têm capítulos dedicados às "falhas de mercado", mas poucos, ou nenhum, tem capítulos sobre as "falhas dos governos"?
Deve ser por preconceito, por ingenuidade, ou por viés ideológico...
Quanto ao filósofo uspiano que se dedica a escrever sobre os Grundrisse do Marx, acho que ele está fora de época. Esse tempo já passou e ele ainda não percebeu. Who cares?
Qual é o economista sério, ou mesmo um economista da teoria pura, que ainda se preocupa com Marx?
Só os historiadores do pensamento econômico...
Paulo R. de Almeida
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(1)
John Cassidy:
Como os Mercados Quebram
Editora Intrinseca
Livro faz relação entre crise e pensamentos econômicos
Autor descreve contribuição daqueles que apontaram falhas no mercado
O GRANDE VILÃO DA HISTÓRIA, PARA O AUTOR, FOI ALAN GREENSPAN, QUE PRESIDIU O FED, O BC AMERICANO
Nos últimos 40 anos o pensamento econômico se afastou da realidade e se revestiu de utopia. Autoridades abraçaram a nova ideologia e fecharam os olhos para distorções e abusos que se formavam no mercado financeiro. Isso resultou na crise global de 2007-2008.
Essa é a ideia central de "Quando os Mercados Quebram", do jornalista britânico John Cassidy, que trabalha para a prestigiosa revista "The New Yorker".
O livro explica como surgiu a defesa da tese de que um mercado livre de amarras é eficiente porque "recursos físicos e humanos são dirigidos para onde mais se precisa deles, e os preços estão vinculados a custos".
Cassidy mostra como pensadores que vieram depois do pai da ideia -Adam Smith- avançaram e aprimoraram a teoria do economista britânico.
Para ele, esse grupo de economistas dos séculos 18 e 19 era menos dogmático a respeito da eficiência do livre mercado do que fervorosos defensores mais recentes.
Segundo Cassidy, Smith e outros economistas, como o britânico John Stuart Mill, alertavam para os distúrbios no sistema financeiro e defendiam a necessidade de regulação governamental.
"A noção de que os mercados financeiros são mecanismos racionais e autorreguladores é invenção dos últimos 40 anos", afirma o autor. Essa é a essência do que ele chama economia utópica.
O autor descreve a contribuição dos economistas que apontaram falhas do livre mercado, como incertezas, informação imperfeita e comportamento de manada.
Os economistas americanos Milton Friedman e Robert Lucas são citados como expoentes do pensamento econômico utópico, que ignorou esses problemas. Cassidy mostra distorções desnudadas pela crise, cujos sinais foram ignorados.
"Quando o preço de um patrimônio qualquer sobe de 20% a 30% ao ano, ninguém que o possua ou negocie quer ouvir falar que sua riqueza súbita é ilusória", diz ele.
O grande vilão da história, para o autor, foi Alan Greenspan, que presidiu o Fed (Federal Reserve, banco central americano) entre 1987 e 2006. Cassidy descreve como Greenspan manteve uma visão cega e fervorosa em relação à eficiência dos mercados livres de regulação governamental, mesmo perante sinais claros de uma bolha.
Ben Bernanke, sucessor de Greenspan e atual presidente, seria o culpado coadjuvante já que quando assumiu o bastão, em fevereiro de 2006, "não fez esforço algum para mudar a posição não intervencionista do Fed".
Cassidy diz que Greenspan e Bernanke ignoraram a função do Fed de "retirar a tigela de ponche quando a festa engrena" definido por outro ex-presidente da casa (William McChesney Martin).
A conclusão tem certo tom de ceticismo em relação à reformulação do pensamento econômico "com base na realidade" e aos esforços para criar uma regulação que coíba problemas como os que levaram à crise.
(ÉRICA FRAGA)
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(2)
Esboços de uma obra capital
José Arthur Gianotti
Sabático,
O Estado de S.Paulo, 25/06/2011
Karl Marx:
Grundrisse
Chega às livrarias brasileiras a primeira tradução feita no País de Grundrisse, volume com textos de Karl Marx escritos em 1857-58, os quais avançam no que seria o ponto mais alto de seu pensamento
A Editora Boitempo está lançando uma das obras clássicas de Marx: Grundrisse der Kritik der Politishen Ökonomie, mantendo a primeira palavra do título alemão Grundrisse (Esboços). É assim que este livro se tornou conhecido entre nós. Acompanha-o, na contracapa, um rápido comentário do sociólogo e economista Francisco de Oliveira, velho amigo. Reúne textos redigidos nos anos 1857-1858 e que permaneceram inéditos até 1939 e 1941, quando foram publicados, em dois volumes, pelo Instituto Marx-Engel-Lenin de Moscou. São textos preparatórios do livro que sairia em 1859, Para a Crítica da Economia Política, e avançam no que seria O Capital.
Não é fácil traduzir uma obra desse porte, em particular na medida que deixa visível o emprego da lógica hegeliana na montagem dos argumentos. Quando O Capital foi traduzido para o francês, Marx pede ao tradutor que não preste muita atenção às argúcias da dialética, pois os franceses não são muito afeitos a elas. Para quem se interessa pelo método marxiano - no fundo ligado a uma ontologia do ser social, como descobriu o velho Lukács - esses jogos aparentemente verbais servem para mostrar, dentre outras coisas, como as relações capitalistas de produção passam por um processo de reificação, muito diferente do que acontece nos outros modos de produção. É, pois, fundamental para Marx não confundir, por exemplo, a compra e venda da força de trabalho com a compra e venda do escravo. Neste caso, o indivíduo é comprado como se fosse uma mercadoria, todo ele passando a ser propriedade do comprador. Em contrapartida, na relação propriamente capitalista apenas é comprada a força do trabalhador por um determinado período de tempo. Não se confunda essa transação com o pagamento que se pode fazer a alguém que preste um serviço. O salário do trabalhador regular é determinado pelas forças de mercado, tudo se passando, então, como se ele fosse uma pequena parcela do quantum de trabalho que um sistema dedica à produção dos bens de que necessita.
Marx aceita a teoria do valor da mercadoria formulada por Ricardo. Este valor não se resume simplesmente no tempo concreto gasto para produzir um objeto. O tempo é socialmente abstrato porque representa uma parcela do tempo que todos os trabalhadores de uma sociedade despendem para produzir tudo de que ela necessita, desde que todos eles trabalhem num determinado nível social de produtividade.
Note-se que fazem parte desta medida ao menos dois parâmetros abstratos - trabalho social necessário e produtividade média - que somente podem se confirmar depois que o processo de trabalho terminou. Pois só assim é que se poderá saber qual foi o trabalho necessário para produzir na medida do consumo social e como todos os trabalhadores tiveram acesso a instrumentos que se encaixam numa produtividade socialmente determinada.
No fundo, essa definição somente ganhará sentido científico se as equações de seu modelo incluírem uma constante que possa introduzir essas medidas post festum. Mas, fora do modelo, o que representaria efetivamente essa constante? Não depende do próprio movimento do real?
Marx, porém, não é apenas um grande cientista, mas igualmente o crítico de uma teoria e de uma forma de sociedade. Pretende trazer para o nível da crítica a crítica das armas que os movimentos sociais mantinham contra os capitalistas; estes, incapazes de criar riqueza social sem enormes bolsões de miséria. Ora, essa crítica se dirige antes de tudo contra o tipo de objetividade que os economistas emprestam aos conceitos científicos; eles os pensam como se fossem a-históricos, sem data de validade e sem contradições internas. Um conceito da economia política não pode ser reduzido a relações formais e funcionai; deve incluir o modo pelo qual seu objeto vem a ser, encontra sua forma e se desfaz. Não é o que já acontece com esse valor trabalho, que é muito mais do que relacionamentos de valores de uso com valores de troca? Estes passam a ser iguais entre si de tal modo que terminam representando o valor transpassando todos os produtos. E nesse equacionamento o que importa não é tanto como se trocam mutuamente, mas como passam a exprimir um tempo de trabalho característico de um modo especialíssimo de produzir socialmente.
Daí a crítica que Marx, anos depois, endereça a Ricardo: "A última objeção decorre da exposição defeituosa de Ricardo que não investiga de modo algum o valor segundo sua forma - a forma determinada que o trabalho assume como substância do valor - mas apenas as magnitudes de valores, as quantidades desse trabalho [QUE É]universalmente abstrato e social graças a essa forma, que produz a diferença nas quantidades de valor das mercadorias" (Theorien Über Den Mehrwert, 2, 163, Dietz Verlag, 1959).
Além das magnitudes, os valores teriam uma substância, isto é um trabalho social sustentando cada uma de suas expressões, aquela totalidade integrada por todos os atos de trabalho decorridos num período de tempo. Estes simplesmente não se somam. Como perdem suas respectivas medidas individuais para formar um todo que passa a medir o exercício de cada trabalho individual? É como se um galo e uma galinha se reunissem para produzir um ovo e um filhote porque todos esses atos estivessem sendo dirigidos pela forma, pela espécie galinácea. Sem a teoria do código genético, essa espécie só pode ser o conceito hegeliano que possui em si mesmo a capacidade de criar seus próprios casos. Estamos assim em plena lógica idealista. Como conciliar essa crítica com o materialismo marxiano?
Se a alienação já marca o valor trabalho, ela se aprofunda na constituição do capital. O primeiro passo é a transformação do valor da força de trabalho em capital variável. Se a primeira figura do capital é o dinheiro que se investe para que retorne com mais valor, se todos os outros insumos investidos na produção mantêm seu valor, já que conservam o trabalho morto neles incluído, só o dinheiro investido na compra da força de trabalho será variável, podendo aumentar, mas também diminuir. No entanto, sendo dinheiro apropriado pelo capitalista investidor, ele é capital e não mais "capital humano" de propriedade dos trabalhadores.
Conforme Marx avança na análise do modo capitalista de produção, mais se aprofunda a alienação das categorias. É fundamental observar que esse processo vai além do fetichismo das mercadorias, da reificação das relações que as determinam. Não encontramos nos Grundrisse a reificação peculiar do capital. Somente no terceiro volume d'' O Capital aparecem as três formas nas quais o capital se aliena. Tudo se passa como se naturalmente o capital produzisse lucro; a terra, renda fundiária e o trabalho, salário - quando na realidade todas essas formas encontram seu fundamento numa apropriação subreptícia da mais-valia, isto é, na diferença de valor entre o trabalho socialmente produzido e salário pago.
O processo de reificação e de alienação é, pois, o nervo da crítica marxista. Marx justifica o sistemático emprego da lógica hegeliana na medida em que ele a inverte. Um dia, afirma ele, haveria de apresentar essa inversão. Mas uma lógica que se pretende ser um círculo de círculo não pode ser invertida. Pouco ajuda invocar autores como Feuerbach, que partiam no movimento enriquecedor da percepção. Desde que o conceito se apresenta com a capacidade de determinar seus casos, não há como fugir da lógica hegeliana. Isto não é uma ilusão necessária do sistema? Cabe então examinar o sentido dessa ilusão e como ela se infiltra no coração dos procedimentos do capital.
Cabe, porém, desde já, ressaltar que o fetichismo da mercadoria não possui a mesma estrutura do fetichismo do capital. Marx mostra que eliminando o primeiro naturalmente o segundo seria anulado. No entanto, como hoje, depois do insucesso do socialismo real, não sabemos como produzir socialmente sem as amarguras do mercado, precisamos atentar para as diferentes formas de alienação. Se a mercadoria somente funciona se estiver apoiada numa relação pré-jurídica de propriedade, já o capital integra a política no seu desenvolvimento: o capital sempre luta para encontrar situações privilegiadas de acesso aos mercados.
Para a ciência econômica de hoje, essa inversão da relação entre norma e casos não tem cabimento, pois os fenômenos econômicos são pensados a partir dos comportamentos do homo economicus, do homem racional que, aceitando determinados fins, trata de mobilizar os meios para atingi-los. Contudo, depois da enorme crise do capital financeiro, na qual o mundo ainda está medido, é preciso voltar com olhos críticos para as análises muito instigantes da alienação desse capital.
Não me parece possível entender essa crítica marxista sem examinar a lógica que serviu à montagem dos textos críticos de Marx. Depois da Terceira Internacional se divulgou a tolice de que haveria duas lógicas, uma formal, que excluiria qualquer contradição, e a lógica dialética, que a abrigaria. Aceita a contradição, seria possível descrever o movimento do conceito até articular casos que o negassem. Essa duplicidade da lógica, porém, separaria o intelecto em duas partes irredutíveis. Não haveria coordenação possível entre elas. Não seria o caso de voltar a refletir sobre o que faz com que relações sociais apareçam como se fossem determinantes de seus casos? Para essa tarefa, o estudo dos Grundrisse é imprescindível.
José Arthur Giannotti é professor emérito de filosofia da USP, pesquisador do CEBRAP e autor, entre outros, de Lições de filosofia primeira (Companhia das Letras)