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segunda-feira, 8 de abril de 2019

Uma avaliacao dos cem dias na politica externa - Paulo Roberto de Almeida


Uma avaliação dos cem dias na política externa

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira, ex-diretor do IPRI-Itamaraty.


Uma avaliação ponderada dos cem primeiros dias da administração Bolsonaro na área da política externa pode ser feita em dois planos: o formal, que é o da diplomacia enquanto instrumento governamental de atuação do Brasil em suas relações exteriores, e o substantivo, que é o conteúdo mesmo da política externa, tal como determinada pelo Presidente da República e implementada pelos seus auxiliares da área.
No caso do governo Bolsonaro, o que se constata, em primeiro lugar, é o caráter inédito tanto da diplomacia quanto da política externa, com respeito a padrões históricos da diplomacia e da política externa, ou se quisermos, posturas mais tradicionais, num e noutro terreno. No primeiro aspecto, assistimos a uma espécie de “revolução cultural” na diplomacia, com uma quebra generalizada de hierarquia – que os militares diriam tratar-se de “coronéis mandando em generais” –, expressa na substituição dos antigos subsecretários-gerais (nove embaixadores anteriormente, ou seja, ministros de primeira classe, com experiência de postos no exterior) por sete novos secretários, todos ministros de segunda classe, que passaram a chefiar embaixadores como chefes de departamento, que em geral pertencem a um estrato geracional superior ao do próprio chanceler, que é o que poderíamos chamar de um “junior ambassador”, ou seja, alguém que nunca exerceu chefia de posto no exterior.
Essa revolução cultural também se traduziu numa completa reorganização do Itamaraty, em sua estrutura funcional, o que poderia ser benéfico em termos de ajustes nos processos de trabalho, mas que no caso foi conduzida de forma autoritária, sem qualquer consulta a própria Casa, o que também é inédito na história do Itamaraty. Divisões foram extintas, novas criadas, todas elas renomeadas – o que implicou na substituição de centenas de plaquetas de identificação de setores e áreas –, mas também com um alto grau de arbítrio, próprio ao chanceler designado. Os Estados Unidos, por exemplo, que antes estavam integrados ao Departamento da América do Norte, agora desfrutam de um Departamento exclusivo, ao passo que toda a Europa – considerada um “vazio cultural”, em artigo altamente bizarro do então candidato a chanceler– foi relegada a um único departamento na Secretaria de Negociações Bilaterais com o Oriente Médio, a Europa e a África, o que certamente deve ter deixado os europeus bastante descontentes. Imagino que seja por isso que muitos dos embaixadores europeus em Brasília tenham procurado bem mais o vice-presidente, general Hamilton Mourão, do que o próprio chanceler ou o secretário geral do Itamaraty. Essa é a revolução cultural organizacional, feita por cima, “von Oben”, como diria o próprio chanceler.
No plano substantivo, o que se observou foi uma outra formidável revolução copernicana nos fundamentos e princípios da política externa, que deixou a tradicional postura equilibrada seguida durante décadas em favor de uma aliança estreita, não com os Estados Unidos propriamente, mas com o governo Trump. Talvez neste caso o chanceler formalmente designado tenha sido menos importante na inversão de tendência do que a própria família Bolsonaro, em primeiro lugar aquele que já foi designado como o “chanceler paralelo”, e que talvez seja o efetivo, ou principal: o atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. O inacreditável é que esse representante do povo brasileiro usurpou o seu mandado ao ter proclamado, nos EUA, a impossível e improvável adesão de “todo o povo brasileiro” ao projeto do presidente americano de construir um muro na fronteira com o México, ao mesmo tempo em que classificava como “vergonha” a existência de tantos imigrantes brasileiros ilegais nos EUA. Esse senhor, preconceituoso e mal informado, talvez não saiba que esses trabalhadores brasileiros criam riqueza nos EUA e a remetem ao Brasil – vários bilhões de dólares por ano –, o que é um aporte significativo em nossa balança de transações correntes, sob a forma de transferências unilaterais, ou seja, sem contrapartidas.
Essa outra revolução na política externa vem sendo contida, controlada e propriamente tutelada pelos militares membros do governo, que têm atuado como verdadeiros diplomatas, ao contrário do atual chanceler, cuja adesão ao aventureirismo eleitoral trumpista, no caso da Venezuela, beira a intervenção nos assuntos internos de outro Estado, o que colide não só com a nossa Constituição (artigo 4º), como também com princípios consagrados do direito internacional. Esse comitê de tutela militar sobre o chanceler também se exerceu precocemente quando da inacreditável aceitação de um projeto de base militar americana no Brasil, prontamente e cabalmente rejeitada pelo ministro da Defesa e pelos demais militares.
Existem ainda vários aspectos bizarros na atual política externa, como essa luta insana contra o monstro metafísico do “globalismo”, uma fantasmagoria sem qualquer fundamento na realidade, mas que foi inculcada no atual chanceler – que a ela aderiu provavelmente de maneira oportunista – por aquele a quem eu chamo de “sofista da Virgínia” e de “Rasputin de subúrbio”. As iniciativas mais danosas em relação a Israel ou à China também foram contidas, revertidas ou minimizadas, por mentes mais sensatas da atual administração ou de fora dela, como a comunidade de negócios, os próprios chineses ou os mesmos militares.
Em resumo, nos cem primeiros dias da administração Bolsonaro coexistiram iniciativas certamente inéditas no terreno da diplomacia e da política externa, sem que preocupações cruciais com respeito ao papel do Brasil no tocante à agenda externa – em comércio, Mercosul, meio ambiente, direitos humanos e democracia, e no respeito aos valores e princípios caros à nossa tradição diplomática – tenham sido sequer tocados em termos de planejamento ou de ações diplomáticas visando maior inserção internacional do Brasil. O Itamaraty permanece em grande medida paralisado pelas coisas estranhas que vem ocorrendo na Casa de Rio Branco desde o início de 2019, e não parece perto de enveredar pelo dinamismo conhecido em tempos mais amenos de exercício normal de sua diplomacia profissional.
Se durante o lulopetismo, tivemos o que pode ser chamado de “diplomacia partidária”, a do partido hegemônico, e que levou o Brasil a alinhar-se com algumas das mais execráveis ditaduras do continente ou alhures, nos tempos atuais temos, ao que parece, uma espécie de “diplomacia familiar”, feita de preconceitos mal informados, de iniciativas francamente bizarras e vários outros erros na seleção de prioridades para a agenda diplomática nacional, inciativas voluntaristas e carentes de qualquer exame técnico mais acurado, que podem custar caro ao Brasil, se efetivamente implementadas, nos meses e anos à nossa frente. Um consenso parece estar se formando na chamada comunidade epistêmica de relações internacionais do Brasil, no sentido em que os aspectos mais “heterodoxos” da atual diplomacia e na política externa precisam ser contidos, e talvez revertidos, em benefício do próprio Brasil e no de seu atual governo.
Em política externa, como na interna, tudo depende dos resultados efetivos, mas, num julgamento talvez precipitado, os resultados registrados até aqui – a aliança com Trump, a escolha de um lado nos difíceis problemas do Oriente Médio e outras opções altamente divergentes com respeito à memória histórica da diplomacia profissional do Brasil – são bastante preocupantes para os que vivem nessa comunidade setorial. Cem dias talvez sejam um prazo muito curto para julgar quanto a esses resultados, mas estaremos atentos aos desenvolvimentos futuros.

Paulo Roberto de Almeida
Autor do livro: Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019).
Brasília, 2 de abril de 2019



segunda-feira, 18 de março de 2019

Acordo de salvaguardas tecnologicas de Alcantara: a questão da soberania - Paulo Roberto de Almeida (2001)

A propósito do novo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, assinado nesta segunda-feira entre o Brasil e os Estados Unidos, jornalistas e outros comentaristas vêm repetidamente afirmando que o antigo acordo tinha "problemas de soberania", sem nunca apontar onde estariam esses problemas.
Posso dizer que isso é incorreto, e já o acordo anterior estava plenamente habilitado a defender a soberania brasileira ao mesmo em que promovia nossos interesses nacionais, ao possibilitar a exploração comercial da Base de Alcântara.
Agora, como na época, essa conversa mole em torno da soberania não faz muito sentido.
Leiam o que escrevi em 2001, em defesa desse acordo, que foi sabotado pela esquerda, inclusive pelo atual presidente, que em nome de um nacionalismo enviesado terminou por recusá-lo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de março de 2019



Acordo de Alcântara: soberania e interesse nacional


Paulo Roberto de Almeida


Washington, 31 de agosto de 2001


(http://www.pralmeida.org)
 (opiniões e argumentos emitidos a título pessoal)

Muito tem sido escrito e afirmado, algumas vezes em tom inflamado, a respeito do Acordo Brasil-Estados Unidos sobre Salvaguardas Tecnológicas (dito acordo sobre Alcântara), assinado em 18 de abril de 2000 e atualmente submetido à apreciação do Congresso Nacional, como etapa prévia à sua ratificação pelo poder executivo e ulterior entrada em vigor. Parecer contrário à sua aprovação foi preparado (mas ainda não votado) pelo relator da matéria na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, Deputado Valdir Pires (PDT-BA), cujos argumentos se prendem basicamente à adequação desse acordo a princípios historicamente defendidos pela diplomacia brasileira, à sua conveniência para o interesse nacional e seus efeitos eventualmente negativos em termos de acesso brasileiro à tecnologia de ponta no setor espacial, adicionalmente a outras considerações de caráter político ou econômico.
Gostaria de oferecer a seguir alguns comentários pessoais e gerais sobre algumas dessas importantes questões levantadas no parecer do deputado, defensor do interesse nacional tanto quanto vários outros funcionários públicos, inclusive os diplomatas, complementando minha linha de raciocínio por uma série de considerações tópicas relativas aos argumentos defendidos no parecer submetido à apreciação da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Para melhor apreciação destas considerações tópicas transcrevo, in fine, a íntegra do relatório do deputado Valdir Pires.

         QUESTÃO DA SOBERANIA BRASILEIRA E DO INTERESSE NACIONAL:
A soberania brasileira pode, por definição, ser melhor defendida a partir de uma posição de forte capacitação tecnológica e de inserção plena na economia internacional do que em uma situação de isolamento ou de tentativa de manutenção da antiga autarquia econômica, até os anos 90, quando o sistema produtivo brasileiro realizava cerca de 95% do PIB no interior da própria economia nacional, o que implica, obviamente, diversos elementos de irracionalidade.
À luz desse critério, pergunta-se de que forma essa soberania estaria mais perto de ser realizada?: com a plena utilização de Alcântara, colocando o Brasil num mercado dinâmico, lucrativo e dotado de alta densidade tecnológica, como ocorre com os lançamentos de satélites?; ou numa tentativa de reproduzir isoladamente todo o ciclo da conquista espacial, com todos os custos econômicos e a delonga de tempo daí decorrentes?
O acordo de salvaguardas pode não ser o modelo ideal se examinado pelo critério da cooperação espacial, mas deve-se considerar, justamente, que ele não é, não pretende ser e não pode ser um acordo de cooperação em bases recíprocas. Ele é, tão simplesmente, uma garantia, considerada como exigência absoluta pelos Estados Unidos, de que sua tecnologia espacial – fruto de enormes investimentos públicos e privados ao longo das últimas décadas – não será repassada sem a concordância dos detentores. Ora, estes não desejam, por razões que lhes são próprias, repassar essa tecnologia, provavelmente porque esperam poder conservar uma liderança tecnológica durante um certo tempo, além de outras considerações de natureza estratégica e de segurança.
Não está em poder do Brasil modificar essa situação, apenas tentar alcançar capacitação similar, ou equivalente, no mais curto espaço de tempo possível. Os processos de equiparação tecnológica são geralmente conduzidos em bases comerciais ou mediante cooperação. Como esta segunda modalidade não pode ser implementada neste caso específico, caberia ao Brasil começar a construir as melhores condições possíveis para apresentar oportunidades interessantes de parceria com empresas do setor privado. Ora, a utilização plena de Alcântara oferece, ainda que não possa garantir com segurança, as condições iniciais para que essa inserção do Brasil no mercado dos lançamentos se faça da maneira mais rápida possível. É pela via comercial que essa cooperação indireta se dará, uma vez que, pouco a pouco, empresas brasileiras serão chamadas a fornecer determinados serviços ou equipamentos, em lugar de sua importação contínua pelas empresas americanas de lançamento.
Nesse sentido, o acordo de Alcantara está mais próximo de lograr aumentar a soberania brasileira, do que um não acordo, como seria o caso de uma não adoção pelo Congresso brasileiro.

         QUESTÃO DA SIMETRIA-ASSIMETRIA DO ACORDO:
         A simetria não quer dizer necessariamente a existência de uma perfeita similaridade de concessões e benefícios entre as partes de um acordo, como se fosse um perfeito espelho, pois os países nunca são perfeitamente iguais ou situados no mesmo nível ou patamar de desenvolvimento.
         A simetria pode ser igualmente interpretada como o fato de que as partes alcançam benefícios equivalentes, em termos de seu potencial econômico e tecnológico. Ora, no caso estamos falando da maior potência econômica do planeta, situada na vanguarda do desenvolvimento tecnológico, e de uma potência média como o Brasil, ainda incipiente em matéria de tecnologia espacial.
         A pergunta a ser colocada é a seguinte: o Brasil retirará vantagens desse tratado? Inegavelmente, em termos de resultados comerciais e retornos tecnológicos, ainda que indiretos e, no início, extremamente modestos. Os EUA retirarão vantagem? Também, pois que suas empresas realizarão lançamentos a menor custo, podendo inclusive beneficiar-se de uma série de serviços locais adicionais (equipamentos simples, fornecimentos de material não durável, hotelaria, lazer etc) a preços sensivelmente menores do que em suas bases, onde a mão-de-obra, por exemplo, é reconhecidamente mais cara.
         Ou seja, os benefícios e vantagens não são absolutamente simétricos e nem poderiam ser, dada a disparidade de partida e de objetivos de cada parte. Do ponto de vista do Brasil, trata-se tão simplesmente de oferecer uma base de lançamento, do ponto de vista dos EUA, o aluguel dessa base a um preço razoável.
         Qual o preço a pagar por isso? A preservação do segredo tecnológico embutido nos lançamentos de empresas dos EUA. Mas, podemos estar seguros que nossos técnicos, engenheiros e outros especialistas espaciais saberão retirar ensinamentos de todo o know-how que estiver sendo mobilizado num lançamento, ainda que os equipamentos em si permaneçam, por vontade do cliente, como uma “caixa-preta”. Essas situações não são eternas, e mesmo as caixas pretas acabam sendo refeitas, copiadas indiretamente, inspirando métodos similares ou funcionalmente equivalentes, enfim, a vontade política e o contato com situações reais atuam como poderosos estimulantes ao catch-up tencológico.

         QUESTÃO DA “CESSÃO DE TERRITÓRIO” BRASILEIRO:
         Tal “cessão” simplesmente não existirá: as empresas americanas estarão alugando, e portanto terão o direito de controlar, uma determinada parcela da base de Alcântara. Empresas estrangeiras e brasileiras também restringem o acesso a determinadas áreas de suas instalações, nos mais diversos pontos do País, para a guarda de seus segredos industriais.

         QUESTÃO DO “SEGREDO” TECNOLÓGICO:
A proteção do segredo tecnológico já ocorre hoje, em empresas brasileiras ou estrangeiras operando com tecnologias de ponta em outras partes do território nacional. A lei protege plenamente o segredo comercial e os métodos ou processos de fabricação que uma empresa deseja manter em regime de confidencialidade, em lugar de patenteá-lo por exemplo. Trata-se de uma escolha ditada por considerações puramente comerciais ou, no caso de países, de uma estratégia orientada por questões de segurança. Não nos cabe contestar a legitimidade dessas preocupações, apenas constatá-las e tentar fazer da adversidade – que é a desigualdade existente no mundo em matéria tecnológica – uma fonte de vontade política para tentar superar essa assimetria.
         Ainda no caso do chamado segredo tecnológico, a modalidade mais flagrante e mais conhecida dessa situação – ainda que muitas vezes ignorada pela maior parte das pessoas – é a da fórmula da famosa e popularíssima Coca-Cola: essa bebida, que tem 150 anos de existência, não está protegida, nem nunca esteve, por nenhum tipo de patente, nem de produto, nem de processo de fabricação (apenas e tão somente de marca de fábrica e de design industrial).
Nada, nem ninguém, pode impedir uma outra empresa de tentar copiar, imitar e fabricar por sua própria conta a bebida identificada como “coca-cola” (desde que oferecida sob outro nome, outra marca e outro desenho), assim como nada, nem ninguém pode obrigar a fábrica original da Coca-Cola a revelar o seu segredo industrial. Não há lei conhecida no mundo civilizado que determine a revelação de um segredo comercial. Quando essa tentativa ocorreu, na Índia, nos anos 50, a Coca-Cola preferiu abandonar o país – e perder um mercado promissor de vários milhões de consumidores – do que ceder ou revelar seu segredo comercial, a famosa fórmula do xarope (que não tem nada de muito surpreendente, diga-se de passagem). De fato, nos EUA e em outros países, muitos concorrentes tentaram alcançar o sucesso da Coca-Cola, não pela cópia mas pela imitação. Nunca ninguém conseguiu. O segredo da Coca-Cola não está, na verdade, na “caixa-preta” da fórmula mágica, mas na imensa quantidade de dinheiro empregado em sua propaganda e comercialização (distribuição).
O segredo do sucesso de Alcântara não está na caixa-preta americana, mas na capacidade soberana do Brasil de saber inovar e de oferecer um produto equivalente, ou similar, a um preço menor. Esse objetivo pode, eventualmente, ser alcançado sem o acordo de Alcântara, mas em sua ausência o caminho será mais longo e certamente mais caro e difícil.


COMENTÁRIOS TÓPICOS:
Elementos de apreciação sobre o parecer do deputado Valdir Pires à mensagem nº 296 do Poder Exectuivo, que submeteu ao Congresso nacional Acordo Brasil-Estados Unidos sobre Salvaguardas Tecnológicas (Alcântara), de 18 de abril de 2000. Estas notas estão organizadas de forma dialogal, ou socrática: após transcrição de trechos do relatório do deputado, identificado como VP, emito minhas próprias opiniões ou comentários, em caráter pessoal (PRA).

VP: Um dos princípios básicos do Direito Internacional Público é o da igualdade jurídica entre os Estados: distribuição equilibrada das obrigações; compromissos consensuais que devem ser obedecidos, de igual modo, por ambas as Partes.
PRA: Nem todos os acordos entre Estados soberanos são absolutamente simétricos, com obrigações e direitos igualmente distribuídos: um acordo de cessão de bases, por exemplo, como ocorre frequentemente no âmbito da OTAN, não apresenta caráter simétrico. Nem por isso, retira o poder soberano do Estado concedente, ainda que possa definir obrigações desiguais para as Partes. De fato, nem todos os acordos bilaterais podem ser absolutamente simétricos, por força de seu próprio conteúdo. A simetria, neste caso, deveria ser analisada tendo presente os objetivos e as vantagens comparativas de cada parte, ou seja, o interesse econômico-comercial brasileiro, associado ao uso do CLA, de um lado, e a proteção dos segredos tecnológicos americanos envolvidos, de outro.

VP: Acordo de Alcântara: suas cláusulas criam obrigações exclusivamente, ou quase que exclusivamente, para o nosso país.
PRA: Ele foi contraido precisamente com esse objetivo: definir obrigações brasileiras de preservar o segredo tecnológico embutido em equipamentos de origem norte-americana e de vetar o acesso à tecnologia neles contida. É um direito dos EUA definirem tais obrigações e um direito soberano de o Brasil aceitar ou não tais condições. A obrigação foi contraída voluntária e soberamente e poderá ser declarada perempta quando o Brasil assim o desejar (vencido o prazo de extinção das obrigações).

VP: Perguntamo-nos se há quaisquer motivos que justifiquem essa grosseira e gritante assimetria.
PRA: A “assimetria” é uma característica deste acordo específico: não se trata de um acordo bilateral de cooperação, mas sim de assunção de compromissos, como pode existir, no direito privado, num contrato de locação com cláusulas muito restritas, por exemplo. No direito comercial, um contrato de franquia ou um licenciamento de tecnologia ou know-how protegidos pelo segredo comercial apresentam igualmente caráter assimétrico, nem por isso o locatário da franquia ou da licença farão qualquer objeção de princípio contra cláusulas restritivas que sóem acompanhar tais contratos.

VP: O Brasil vem demonstrando firme compromisso com a causa do desarmamento e da não-proliferação.
PRA: O acordo não tem por objeto o desarmamento, mas sim o controle de tecnologias sensíveis que seu detentor julga por bem não disseminar, por razões comerciais ou de segurança estratégica. Ele não interfere em absoluto com a vontade e a decisão brasileira de se dotar de armas ou de eliminá-las.

VP: A adesão do Brasil ao MTCR foi precedida de negociações com os EUA sobre controles sobre a exportação de tecnologias sensíveis, especialmente a de mísseis e componentes de mísseis.
PRA: A adesão ao MTCR não impede o Brasil de desenvolver sua tecnologia espacial.

VP: O acordo é inteiramente dispensável, já que o Brasil assumiu compromissos que impedem o repasse, a divulgação e a apropriação indevida de tecnologias sensíveis ou de uso dual.
PRA: O acordo não tem esse objetivo multilateral e sequer está dirigido a tecnologias brasileiras. Seu objeto é tão somente o de proteger tecnologia norte-americana. Desse ponto de vista, a assimetria é inevitável. Caberia observar, a esse respeito, que o MTCR é um regime informal e voluntário, e não, um tratado multilateral, vinculante. Por esse motivo, o argumento de que o acordo com os EUA seria dispensável (por supérfluo) mostra-se injustificado, mesmo em uma análise preliminar, ou seja, sem que seja preciso entrar no mérito da questão.

VP: A desconfiança é injustificável e desrespeitosa.
PRA: Não cabe ao governo do Brasil fazer julgamento de valor sobre a atitude do governo dos EUA. O Brasil tem o direito ou não de aceitar tal atitude de desconfiança. O principal objetivo do Brasil neste acordo não era vencer uma batalha de opinião contra o governo dos EUA, mas tão simplesmente de definir condições que viabilizassem operações de lançamento contendo tecnologia norte-americana.

VP: O Brasil firmou com Ucrânia, Rússia, China, França e Argentina acordos visando a cooperação mútua nos usos pacíficos do espaço exterior, os quais não prevêem as salvaguardas tecnológicas.
PRA: Acordos de cooperação, como o conceito indica, visam benefícios mutuamente benéficos para as partes, que prometem empreender atividades conjuntas segundo regras mutuamente acordadas. O acordo em apreço tem como título: Acordo sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos EUA nos Lançamentos a partir de Alcântara,

VP: O governo norte-americano controlará diretamente áreas do Centro de Lançamento de Alcântara, as quais serão inacessíveis para os próprios técnicos brasileiros que lá tPRAalham.
PRA: Acordos de sede, com organismos internacionais, ou acordos de relações diplomáticas, segundo dispositivos da Convenção de Viena, também prevêm imunidades, privilégios e áreas de acesso proibido ou restrito. O acordo de Alcantara pode ser considerado uma modalidade particular no gênero. A Embaixada do Brasil em Washington só é acessível a pessoal norte-americano com autorização expressa das autoridades brasileiras; nas áreas de comunicações ou arquivos, por exemplo, tal acesso é simplesmente vedado. Pode-se igualmente observar que não há falta de legitimidade em reconhecer que um país, detentor de tecnologias avançadas, pode pretender protegê-las contra seu uso não autorizado. Neste caso é importante enfatizar o caráter específico (certas operações espaciais em particular) e limitado do controle de acesso no acordo em questão (isto é, só às áreas definidas como sensíveis). Também deve ser observado que os técnicos brasileiros não têm acesso proibido, mas apenas se sujeitarão a uma sistemática de verificação de identidade, estabelecida.

VP: A alfândega brasileira será proibida de revistar e inspecionar qualquer remessa de material norte-americano que ingresse no território nacional.
PRA: A alfândega norte-americana também não pode revistar o conteúdo de malas diplomáticas brasileiras que transitam por seus aeroportos.

VP: O governo brasileiro não terá nenhum controle efetivo sobre o material que a Parte norte-americana utilizará nos lançamentos a partir de Alcântara.
PRA: O governo norte-americano não tem nenhum tipo de controle sobre equipamento ou programa de criptografia que a Parte brasileira utiliza em sua Embaixada em Washington.

VP: O governo dos EUA poderá, se quiser, lançar do CLA satélites de uso militar ( espiões) contra países com os quais o Brasil mantém boas relações diplomáticas.
PRA: Argumentando ad absurdum, pode-se arguir que governo brasileiro também pode, teoricamente, utilizar postos diplomáticos no exterior para monitorar eletronicamente comunicações de terceiros países com os quais os EUA mantém boas relações diplomáticas, mas isto não está efetivamente em qustão. No caso do acordo de Alcântara, a possibilidade de ingresso no Brasil de material indevido, de acordo com o ATS, só poderia, a rigor, ocorrer em caso de declaração inverídica do governo dos EUA sobre o equipamento enviado a Alcântara, pois nos termos do Artigo VIII, item B, é exigida uma declaração oficial, escrita, sobre o conteúdo dos respectivos “containers”. Além disso, no item C, do mesmo Artigo, há o requisito de que as firmas americanas licenciadas assegurem, por escrito, às autoridades dos EUA, que nada “não relacionado com o lançamento em vista” estará dentro dos “containers” enviados ao CLA. Assim, na hipótese de os “containers” trazerem material diferente do especificado, ficaria incontestavelmente caracterizada a violação do acordo e do Direito Internacional (que afirma que os acordos devem ser implementados de boa fé). Creio, pois, que esses dispositivos (apesar da dificuldade prática de detecção da infração) deverão ter efeito inibidor no que tange à introdução no Brasil de material ou equipamento diverso do autorizado.

VP: O dispositivo (de recuperação de escombros”) não se coaduna com os princípios do direito internacional aplicáveis ao caso: “Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico” (22.04.1968).
PRA: Tal acordo multilateral visa à cooperação internacional na área que é a sua, não se substituindo ou se sobrepondo a acordos bilaterais que países membros possam contrair entre si em atividades definidas nesses instrumentos bilaterais. Os acordos multilaterais também possuem salvaguardas de arranjos específicos entre países, não constituindo norma absoluta, obrigatória ou derrogatória da vontade das partes em acordo específico entre si.

VP: As salvaguardas tecnológicas previstas no Acordo são rigorosas e minuciosas, elas levantam dúvidas quanto à sua adequação ao princípio da soberania nacional.
PRA: A soberania nacional não está minimamente em causa, pois o Brasil, de livre e espontânea vontade, contraiu obrigações de respeitar segredos tecnológicos, em troca da utilização comercial de sua base de lançamentos. A compensação da cessão mediante salvaguardas se fará pelo retorno financeiro e comercial aberto pelo uso de tal base.

VP: Ao proibir a assistência e cooperação tecnológica, o Acordo suscita questionamentos sobre a sua real utilidade para o País. O único benefício que o Brasil poderá usufruir do acordo será o dinheiro proveniente do uso do CLA, que é, diga-se de passagem, muito pouco.
PRA: O acordo não se destina à cooperação ou à transferência de tecnologia na área espacial; num certo sentido, ele é mesmo o contrário disso: ele visa a fechar a tecnologia, segundo critérios próprios ao detentor dessa tecnologia. Do ponto de vista brasileiro, o fim precípuo do acordo é, essencilmente, o de viabilizar a utilização comercial de Alcântara. Quanto aos montantes percebidos, os critérios são o custo-oportunidade e a existência de alternativas mais baratas. O mercado determina o preço das bases de lançamento: quanto mais lucrativo o empreendimento, mais países se sentirão motivados a oferecer bases similares (como parecia ocorrer no caso da Guiana, em experiência frustrada de acordo com empresa americana).

VP: O Acordo estabelece que o Brasil não permitirá o lançamento de Cargas ou Veículos de países sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer das Partes, tenham dado, repetidamente, apoio a atos de terrorismo internacional. Os Estados Unidos poderão proibir que o Brasil possa lançar satélites para nações desafetas dos EUA.
PRA: O MTCR, assim como o Clube de Londres sobre tecnologia da área nuclear, já estabelecem mecanismos de cooperação e de monitoramento controlado pelos pares, visando a obstaculizar o acesso à tecnologia por parte de estados em relação aos quais existam presunções de proliferação. O Brasil consultará os EUA em casos desse gênero. Práticas discriminatórias existiram em diferentes conjunturas da história mundial do século XX: nos anos 1930, por exemplo, EUA e Alemanha, cada qual a sua maneira, visaram controlar o acesso a minerais estratégicos e combustíveis de vizinhos ou aliados, dificultando ou obstaculizando o acesso a rivais potenciais (Japão ou URSS, por exemplo). Preocupações com segurança, legítimas ou apenas percebidas como reais, podem levar à adoção de medidas severas a esse respeito. No que respeita aos países sujeitos a sanções do CSNU, o Brasil teria, mesmo, que respeitá-las, como os demais membros da ONU. Quanto aos países que “a juizo de qualquer das partes, tenham dado, repetidamente, apoio ao terrorismo”, a própria linguagem do acordo sugere uma decisão negociada, ou, pelo menos, uma troca de comunicações, a respeito, e não um procedimento impositivo da parte americana.

VP: O Brasil perde a autonomia de utilizar a sua base como bem entenda.
PRA: O Brasil pode conservar tal faculdade, bastando não se vincular a acordo restritivo (como existente na área de franquias, por exemplo) com nenhuma nação. A assunção de obrigações visa a determinadas contrapartidas materiais, que poderiam não se materializar sem as salvaguardas.

VP: O dispositivo proíbe que o Brasil estabeleça laços significativos de cooperação com países que não façam parte do MTCR (apenas 32 países).
PRA: O Brasil já assumiu compromissos de não-proliferação ao abrigo do MTCR e de outros instrumentos. Trata-se de um dispositivo de tipo “religioso”, pois a adesão voluntária de um crente a uma determinada seita também impõe obrigações comportamentais que limitam sua liberdade (a monogamia não tradição cristão, por exemplo).

VP: A China não pertence ao MTCR, por considerá-lo injusto, irracional e pouco eficiente, além de ser um instrumento que tende a perpetuar as desigualdades tecnológicas entre as nações.
PRA: A China escolheu tal caminho, o que lhe veda cooperação em certas áreas e portanto o acesso a determinadas tecnologias. Sua capacitação tecnológica tem, assim, de ser feita com base em seus próprios recursos e possibilidades, o que implica auto-financiamento e cronograma condizente com tal escolha. A experiência histórica ensina que a igualdade tecnológica entre as nações á mais facilmente atingida mediante intercâmbios comerciais e acordos voluntários de cooperação e que as experiências solitárias de catch-up tecnológico (como no caso da ex-URSS) podem apresentar alto preço material e humano.

VP: O Brasil tem com a China acordo bilateral de cooperação espacial: os satélites sino-brasileiros poderão não ser lançados da base de Alcântara.
PRA: O acordo Brasil-China se destina ao lançamento de satélites brasileiros mediante foguetes chineses a partir de bases chinesas: isto não será afetado pelo acordo de Alcântara. De fato, na cooperação espacial Brasil/China não se visualiza o lançamento de foguetes chinêses a partir do CLA. Vale pecisar, contudo, que a China, embora não seja membro do MTCR, emitiu declaração oficial em que se associa, não só ao espírito, mas até mesmo à linguagem utilizada pelo MTCR , para assegurar sua observância aos controles de exportação de tecnologia de mísseis. Na época, as autoridades americanas vislumbraram, mesmo, a possibilidade de cooperação entre empresas americanas e chinesas para lançamento de satélites americanos na China. Isso demonstra que, sujeito à interpretação do ATS, não é absolutamente claro que a China viesse a ser, de plano, excluida de lançamentos do CLA, já que, de certa forma, ela poderia ser considerada “parceira”do Regime.

VP: O Brasil não poderá usar os recursos provindos do uso do CLA pelos norte-americanos para o programa espacial brasileiro.
PRA: Cláusula absolutamente irrelevante, pois o Brasil pode dotar orçamentariamente o CLA com tantos recursos quanto suas disponibilidades de Tesouro o permiterem. A proibição de uso dos recursos auferidos em Alcântara em atividades espaciais, no Brasil, parece ter sido incluída no texto do CLA mais para “efeito interno”, nos EUA, já que, evidentemente, o uso das verbas em comunicações, ou obras de outra natureza, liberaria recursos governamentais brasileiros, provenientes de outras fontes, para serem utilizadas no programa espacial, o que torna irrelevante a ressalva feita no acordo.

VP: O objetivo verdadeiro e último do acordo: inviabilizar o programa do VLS e colocar a Política Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais (PNDAE) na órbita dos interesses estratégicos dos EUA.
PRA: O acordo não tem qualquer impacto, direto ou indireto, sobre o programa espacial brasileiro, que continuará a ser desenvolvido de forma autônoma. Ele é absolutamente neutro em relação a decisões nessa área que serão tomadas unica e exclusivamente pelo Brasil.

VP: Pelo “Ajuste Complementar entre o Brasil e os EUA para o Programa da Estação Espacial Internacional (ISS)”, a AEB forneceria à NASA uma série de caros equipamentos que seriam instalados na ISS; a NASA cederia à AEB quotas para a utilização da ISS Muitos cientistas contestam a oportunidade e o mérito de tal acordo, pois o projeto é absurdamente caro, em detrimento do desenvolvimento do veículo brasileiro lançador de satélites; o acordo e o ajuste complementar fazem parte de uma mesma estratégia destinada a colocar o programa espacial brasileiro na estrita dependência econômica, tecnológica e política dos EUA, o que já aconteceu com o programa espacial argentino.
PRA: O Brasil sempre soube definir acordos e parcerias em função de seus interesses nacionais e não há motivo para pensar que o VLS e o programa espacial brasileiro sejam colocados na dependência de quem quer que seja.

VP: O Brasil se obriga a assinar acordos de salvaguardas com o mesmo objetivo e do mesmo teor com outros países, que deverão obrigar os outros governos a exigir dos seus Licenciados (empresas que dominam tecnologia espacial) o que o governo norte-americano exige dos seus. Trata-se, conforme nossa concepção, de aberração jurídica que contraria princípios do direito internacional.
PRA: Trata-se de extensão das medidas de não-proliferação já assumidas anteriormente pelo País e que o Brasil assume voluntariamente, não obrigado por qualquer outro nação.

VP: Não é “praxe internacional” que lançamentos comerciais sejam amparados por acordos de salvaguardas tecnológicas. Na realidade, trata-se de prática que vem sendo imposta pelo governo dos EUA aos outros países do mundo.
PRA: Contratos amparados em cláusulas de direito comercial costuma ter cláusulas restritivas quanto ao uso, cessão ou comercialização da tecnologia ou licença de know-how cedida comercialmente.

VP: O acordo, na medida em que proíbe transferência de tecnologia e impõe cláusulas abusivas ao Brasil, cria situação discriminatória contra o País, o que fere frontalmente o artigo 1º do Tratado do Espaço.
PRA: Não se trata de acordo multilateral de cooperação ou regulando a transferência de tecnologia, mas de um acordo de salvaguardas, com todas as restrições associadas a esse tipo de acordo. Rússia, Ucrânia e China, por exemplo, já detêm a tecnologia de lançamento e mantêm agressiva política comercial de atração de firmas de telecomunicações.

VP: Se o governo dos EUA estivesse disposto a permitir a utilização das instalações do CLA e a cooperar com o Brasil seguindo diretrizes consentâneas com o direito internacional e com base na reciprocidade e respeito mútuo, que sempre devem pautar as relações entre as nações, tenham elas o mesmo nível de desenvolvimento ou não, aplaudiríamos quaisquer iniciativas destinadas a cumprir tal finalidade.
PRA: O Brasil não pode obrigar o governo dos EUA a adotar contra sua vontade, uma visão cooperativa em matéria de lançamento de veículos, assimilados por esse país a vetores missilísticos e sujeitos, portanto, a restrições existentes em sua legislação interna. O que o Brasil pode fazer é ampliar as áreas de cooperação e de intercâmbio comercial, confiando em que tais práticas servirão para capacitar paulitinamente o país do ponto de vista científico e tecnológico.

VP: Um acordo de salvaguardas tecnológicas aceitável teria de ter as seguintes características:
1. a proteção da tecnologia sensível seria responsabilidade, por igual, de ambas as Partes Contratantes, conforme os compromissos internacionais anteriormente assumidos;
PRA: Igual proteção implica igual patrimônio a proteger, o que manifestamente não é ainda o caso para o Brasil, nesta área. A tecnologia sensível do Brasil será, contudo, objeto de proteção adequada.

VP: 2. as “áreas restritas” seriam controladas por ambos os governos e as autoridades e técnicos brasileiros devidamente credenciados pelo Brasil teriam inteira liberdade de nelas adentrarem;
PRA: O conceito de “áreas restritas” implica, justamente, restrição de alguma ordem a nacionais da outra parte, como ocorre, por exemplo, no território da Embaixada do Brasil em Washington.

VP: 3. eventuais vetos políticos de lançamentos só se concretizariam mediante consenso de ambos os países;
PRA: Não existem vetos políticos no caso de tecnologias genuinamente nacionais, desenvolvidas de forma independente.

VP: 4. a República Federativa do Brasil teria a inteira liberdade de usar o dinheiro provindo do uso do CLA para investir onde bem entendesse, inclusive no desenvolvimento do seu veículo lançador;
PRA: Essa liberdade já existe, apenas que o dinheiro “carimbado” das operações colocadas ao abrigo do acordo de salvaguardas não poderá fluir diretamente para atividades vinculadas ao programa espacial brasileiro, devendo ser recolhido ao Tesouro. Como o dinheiro é fungível, nada impede que ele retorne de onde saiu, sem qualquer tipo de carimbo.

VP: 5. a alfândega da República Federativa do Brasil poderia, sempre que julgasse necessário, abrir os “containers” enviados, contando com apoio de técnicos norte-americanos para identificar o material ali contido;
PRA: Malas diplomáticas brasileiras não são examinadas pela alfândega americana. Um ponto relevante, entretanto, precisa ficar claro: segundo o Artigo VIII, item B, do ATS, as autoridades americanas se obrigam a fornecer delcaração escrita sobre o conteúdo dos “containers” a serem enviados a Alcântara. Isso demonstra que o acordo não estabelece obrigações só para a parte brasileira, pois esta exigência é claramente de interesse da parte brasileira.

VP: 6. a República Federativa do Brasil, na condição de nação soberana, a qual deveria ser óbvia para todos, poderia negociar transferência de tecnologia com terceiros países e cooperar com nações que não fossem membros do MCTR nos usos pacíficos do espaço exterior e na utilização de sua base;
PRA: Dispondo de autonomia tecnológica, o Brasil poderá decidir livremente o escopo e o leque geográfico de sua cooperação com terceiros países. Obrigações internacionais são no entanto assumidas voluntariamente pelos países com o objetivo de aumentar o grau de segurança internacional e diminuir o potencial de conflito inerente à ordem internacional relativamente “anárquica” que ainda caracteriza o mundo atual.

VP: 7. além do pagamento pelo uso do CLA, o acordo deveria contemplar transferência de tecnologia espacial destinada aos usos pacíficos do espaço exterior.
PRA: O governo dos EUA não estava interessado em negociar um acordo de transferência de tecnologia nessa área com o Brasil, além do acordo geral de cooperação científica e tecnológica existente. O Brasil poderá fazê-lo com outros países interessados.

VP: O ato internacional representa o oposto de qualquer acordo baseado no princípio da reciprocidade e no respeito mútuo.
PRA: A reciprocidade e o respeito existem, mas o acordo em causa não pode substantivamente reger uma relação de demandante a demandado de forma simétrica, em função de sua própria natureza: salvaguardar segredos tecnológicos de apenas uma das partes, não de ambas simultaneamente.

VP: Ante o exposto, o nosso voto é pela rejeição do texto do Acordo.
PRA: A inexistência de um acordo de salvaguardas teoricamente não inviabilizará o desenvolvimento da base de Alcântara, mas tornará muito difícil a sustentação de uma série de atividades a ela vinculadas, aumentando o custo geral de todo o projeto e delongando a implementação de etapas mais avançadas do programa espacial.

Paulo Roberto de Almeida

Washington, 806: 31/08/2001