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sábado, 1 de setembro de 2018

O presidente hesita (2003), entre a primeira viagem à Africa e a reforma da Previdência

Em meados de 2003, eu tinha recebido convite para trabalhar no “Núcleo de Assuntos Estratégicos”, mas também para assessorar diretamente o seu chefe, enquanto um dos ministros mais próximos do presidente. Durante os dois anos em que o assessorei, elaborei uma série de “memos” sobre os mais diversos assuntos, que talvez um dia consolide numa pequena brochura informativa sobre meu trabalho, à margem da agenda normal do NAE. Mas, comecei a assessorá-lo imediatamente, ainda em Washington, enviando material que considerava útil ou pertinente à própria agenda externa da Presidência da República. Exemplo disso é o trabalho 1083, elaborado numa curta passagem por Brasília (exatamente para definir o meu futuro profissional), quando o presidente hesitava em fazer sua primeira viagem à África, por causa de greve de funcionários públicos – os mandarins da República – contra projetos de reforma da Previdência. Elaborei parágrafos para pronunciamento do chefe de Estado à nação, tocando nas duas questões, mas no caso da África, nunca tive essa ideia, formulada pelos petistas e outros “intelequituais” da mesma vertente, de que nós, brasileiros, tivéssemos uma “divida histórica” com os africanos por causa dos séculos de escravidão. Acredito que meu texto não serviu para nada, como vários outros que elaborei ao longo desse período em que fui colaborador direto do regime (embora nunca tenha abandonado meu olhar crítico sobre o regime e suas políticas). 
1083. “Sugestões para Pronunciamento”, Brasília, 23 jul. 2003, 2 p. Texto em forma de pronunciamento público do Presidente da República sobre reforma da Previdência, contendo igualmente elementos sobre viagem à África. Encaminhado ao Ministro-Chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e de Gestão Estratégica (xxx), com cópia ao presidente do IPEA (xxx).
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1/09/2018

Algumas sugestões para pronunciamento (do PR)

Caros brasileiros e brasileiras, meus concidadãos,

            Dentro de alguns dias estarei partindo para a África, um continente cujo grau de sofrimento humano, nos últimos anos, não encontra paralelo com o mais iníquo grau de miséria social porventura existente em quaisquer outros continentes, e também no Brasil.
            Estarei levando não apenas uma mensagem de solidariedade do povo brasileiro, o mais africano de todos os povos da América Latina, mas também uma promessa de cooperação que nós, brasileiros, devemos e iremos cumprir em benefício de nossos irmãos africanos. Faremos isso por uma simples questão de justiça e de solidariedade humana e também porque queremos dar um testemunho sincero de que reconhecemos os laços históricos e sobretudo afetivos que nos unem àquele tão sofrido continente.
            A África, não apenas por culpa do colonialismo europeu, conheceu devastações humanas inimagináveis em qualquer outra experiência social em nosso século: guerras civis, epidemias cruéis como a da AIDS, a incúria de elites e das classes governantes, a negligência pouco benigna de nações mais poderosas, bem como barreiras inaceitáveis e a concorrência desleal dos subsídios agrícolas abusivos e do protecionismo deslavado dos países ricos, onde as vacas dispõem de uma renda superior à da média dos africanos.
            Estarei, portanto, levando uma mensagem de solidariedade e de esperança, para dizer que o povo brasileiro deseja e vai participar do processo de soerguimento das nações africanas, com toda a generosidade que permitem nossos limitados recursos para cooperação internacional. Mas faremos um esforço especial em direção de nossos irmãos africanos.
            
            Não quero, porém, partir sem antes dirigir algumas palavras a meus concidadãos, em face das ameaças de greve anunciadas por uma categoria de funcionários públicos contra os projetos de reforma da Previdência, projetos que foram há muito anunciados pelo meu partido e pelo próprio Governo.
            Não desejo entrar em polêmicas públicas sobre o conteúdo mesmo dessas reformas, pois que a responsabilidade pela sua aprovação incumbe soberanamente ao Congresso Nacional, que a elas dedicará o melhor dos seus esforços, com a convicção de que estará restaurando padrões de equidade e de moralidade públicas que há muito todo o Brasil reclama.
            Sinto-me, no entanto, no dever de trazer aos brasileiros e brasileiras, inclusive aos milhares de funcionários públicos que se sentem intranquilos com os rumos dessas reformas, algumas palavras de esclarecimento e alguns elementos de informação sobre o sentido e a justificativa moral da reforma da Previdência.

            Em primeiro lugar, cabe advertir que a reforma da Previdência não está dirigida contra os funcionários públicos. Ela se coloca, sim, a favor e em benefício de todos os brasileiros, de todas as categorias profissionais e de todas as camadas sociais.
            A reforma não está sendo feita para retirar direitos de alguns, mas para garantir a todos os brasileiros, sem qualquer discriminação, o direito de se aposentarem com a certeza de que as suas pensões não serão um dia atingidas pela falência do Estado e pela inadimplência geral do sistema previdenciário injusto e iníquo que existe hoje.
            A reforma não está sendo feita para retirar benefícios de uma categoria para atribuí-los a outras, mas para evitar que os nossos filhos e netos, e provavelmente até nós mesmos, nos deparemos com um rombo criminoso e inaceitável nas contas públicas, rombo que vem sendo construído nos últimos anos e décadas justamento pelo fato de que alguns poucos são absurdamente privilegiados com pensões abusivamente altas, enquanto a vasta maioria dos aposentados sobrevive com pensões ridículas, mas que ainda assim também estão ameaçados pela falência futura de todo o sistema.

            Gostaria que vocês contemplassem estes poucos gráficos para se darem conta do que estou falando. [exemplos em anexo, não transcritos]
            Como vocês podem constatar aqui, a quase totalidade dos brasileiros aposentados, seja no sistema geral, seja no sistema público, tem uma média de proventos de (xxx) reais por mês. Apenas uma porção mínima dos inativos, menor do que (x) por cento, dispõe de uma renda média de (xxx) reais. Estes se situam no setor público (em especial no Judiciário e no Legislativo).
            A média de contribuição dos brasileiros ativos é de (xx) anos, para (xx) anos de benefícios. Na outra ponta, assistimos a funcionários que se aposentam em média com 48 ou 50 anos, e cujos proventos, durante 20 ou 25 anos adicionais, por vezes extensíveis às viúvas ou filhas solteiras durante mais 10 ou 15 anos, superam largamente a média de suas contribuições durante a atividade.
            
            Quero também dizer a vocês que não existe um único país no mundo, mesmo entre os mais ricos dos desenvolvidos, que mantenha, como o Brasil, um sistema segundo o qual o inativo continua a ganhar, na inatividade, tanto quanto, ou por vezes mais, do que ganhava na sua vida ativa.
            Também são muito poucos os países, se é que existe algum, nos quais um trabalhador se aposenta com 48 ou 50 anos, passando a receber a integralidade do que ganhava até então.
            Ao contrário, sei de países que fizeram plebiscitos, sim, para reformar a Previdência, mas foi para elevar a idade mínima de aposentadoria de 60 a 65 anos, com tendência inclusive à equiparação entre o homem e a mulher.
            Eu, pessoalmente, acho que apesar de a mulher viver mais do que o homem, ela merece se aposentar alguns anos mais cedo, em virtude da dupla jornada que as companheiras são obrigadas a fazer, com os encargos domésticos e de criação dos filhos que muitas vezes não são compartilhados pelos companheiros. 

            Por isso eu quero fazer um apelo a todos os meus concidadãos, em especial aos funcionários públicos para que não deixemos que interesses particularistas se sobreponham ao bem comum de todos os brasileiros.

            O Brasil precisa dessa reforma, NÃO para obedecer algum organismo internacional, nem para contentar especuladores externos. 
            O Brasil precisa dessa reforma para que, em primeiro lugar, a justiça social prevaleça nesta terra, e para que, em segundo lugar, nós tenhamos simplesmente o que retribuir para todos aqueles que trabalharam a vida inteira e que têm o direito de se aposentarem com uma pensão condigna.

            O Brasil precisa dessa reforma NÃO para salvar banqueiros e acalmar os mercados. Mas o Brasil precisa dessa reforma para dar dignidade aos seus filhos e para salvar-se a si mesmo.

            Meus caros brasileiros e brasileiras,
            A reforma não é contra ninguém. A reforma é a favor do Brasil. 
            Ajudem-me a fazer deste País uma pátria de todos e não o país de apenas alguns.
            Eu quero fazer do Brasil uma Nação de pessoas que possam ter a certeza de que, ao nascer, TODOS terão oportunidades e direitos iguais.

            Ajudem-me a dar ESPERANÇA a nossos filhos e netos, e também a nós mesmos.

            Muito obrigado a vocês. Boa noite a todos e a todas.


(PRA: Brasília, 23 de julho de 2003)