Sobre o atual estado das relações internacionais
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre os impasses atuais no cenário internacional.
Vamos primeiro ao terreno das responsabilidades no atual quadro conflito das relações internacionais:
A responsabilidade principal pela atual GUERRA FRIA cabe inteiramente aos EUA, ao elegerem, equivocadamente, a China como sua adversária estratégica e ao tentarem, inutilmente, contê-la. O mundo poderia ter evoluído de forma diferente se não fosse a postura arrogante do grande Hegemon, o império americano, independentemente da postura interna da ditadura leninista da China, que preside à maior aventura capitalista dirigida da história.
Quanto à Rússia, trata-se apenas de uma ditadura cleptocrática gangsterista, responsável pela GUERRA ATUAL contra a Ucrânia, o grande fator de rompimento da paz e da segurança internacional, em face da qual a ONU tem sido incapaz de atuar. A Rússia já não tem nenhum poder econômico efetivo no mundo, a não ser o de chantagear outros países com seu poderio atômico e algumas commodities, mas que podem ter alternativas de mercado.
Vamos agora ao atual sistema defeituoso da ordem mundial:
É um fato que o CSNU foi concebido como um esquema de monopólio de poder metternichiano sobre o resto do mundo. Isso já tinha ocorrido em Viena (1815), em Paris (1919) e em Yalta (1945), e ocorreu ainda recentemente, com a visita do Metternich do século XX (Kissinger) a Beijing. Para mudar esse quadro, existem teoricamente duas vias:
1) Uma ruptura catastrófica e imprevisível da atual ordem mundial, o que só depende de eventual loucura de algum dos atuais dirigentes;
2) Um amplo acordo da quase totalidade dos membros da ONU em favor de uma abolição do direito de veto, a única reforma realmente necessária da Carta da ONU, no atual jogo do poder global, seguida da aplicação do dispositivo que regula uma Comissão Militar da ONU, com mandatos atribuídos por um novo CSNU, ampliado, em bases de maioria simples.
As duas “opções” representariam uma espécie de ruptura, mas a primeira seria violenta e possivelmente desastrosa, a segunda mais institucional e necessariamente consensual, mas ambas, de toda forma, se afiguram improváveis.
O que é mais provável de ocorrer então?
O mais provável é que nenhuma dessas rupturas ocorra, e que o mundo permaneça no atual estado de tensão, com uma nova (sempre presente) corrida armamentista, que pode até ter spill-overs para a indústria civil, mas se daria, como sempre ocorreu, em detrimento dos países em desenvolvimento e do equilíbrio fiscal nos países armamentistas.
Este tem sido o cenário global dos últimos cinco séculos ou mais, ou seja, desde que o mundo se tornou global, com a ascensão e o declínio de impérios e de Estados nacionais, alguns mais poderosos do que outros, e dispostos a aumentar seu poder relativo no concerto conjuntural das relações internacionais.
Estamos numa espécie de Westfália da era atômica. Esta talvez seja a única garantia da não ocorrência de um novo confronto global, mas as proxy wars continuarão...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4440, 10 julho 2023, 2 p.; revisão: 31/12/2023.