Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017
A China globalizada mas (ainda) nao globalizante - Marcos Troyjo
Eu me estenderia também sobre os aspectos mais problemáticos dessa ascensão irresistível: direitos humanos e democracia, ademais de mais liberdade econômica (ainda que nesse quesito a China seja um país bem mais livre, economicamente, do que o Brasil, por exemplo).
Será que teremos algum novo Tocqueville para escrever um ensaio "De la démocratie en Chine"?
Seu eu pudesse eu faria, mas não tenho competência ou conhecimento para tanto.
Sinólogos tocquevilleanos (existem?), habilitai-vos...
Paulo Roberto de Almeida
Não será fácil para a China liderar a globalização
Folha de S. Paulo, Quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017
MARCOS TROYJO
Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas
Chineses têm de mostrar não apenas o que querem "do" mundo, mas "para" o mundo
Há cinco anos, concluía-se em Pequim uma das sessões do Comitê para a Reinvenção de Bretton Woods, grupo que busca refletir sobre o futuro do sistema econômico multilateral.
Os gentis anfitriões chineses ofereciam então um de seus notoriamente pantagruélicos jantares de confraternização. Pato laqueado e Lux Regis (vinho produzido na região de Ningxia de que os chineses não se envergonham) eram servidos à vontade.
Li Tao -11.nov.2016/Xinhua
O presidente da China, Xi Jinping, em reunião do Partido Comunista em novembro de 2016
Ao meu lado no jantar, dois altos executivos do Eximbank chinês sorviam seguidas taças do tinto nacional. Conversávamos sobre o futuro da China como superpotência para além da economia.
Eles diziam: "vocês no Ocidente esperam demais da China. Claro que temos peso e tamanho. Acertamos muito em nossa estrategia nessas últimas três décadas. Note, porém, que a China ainda é pouco mais que um país em desenvolvimento".
Se a lógica do 'in vino veritas" também funciona em chinês, claramente meus companheiros de mesa estavam argumentando que a China está longe de poder liderar a globalização.
Nesses tempos trumpianos, há, é claro, uma enorme tentação em buscar compreender o tabuleiro global como um jogo de soma zero.
Se, de fato, Washington e Pequim são os protagonistas —o "G2" do mundo contemporâneo—, EUA em voluntária reclusão significa maior escala específica para a China.
Tal percepção foi amplamente reforçada nas últimas semanas.
Xi Jinping foi saudado como grande timoneiro da globalização por Klaus Schwab no Fórum de Davos.
Em março deste ano, o Chile sediará uma reunião de alto nível com os países que negociaram a TPP (Parceria Transpacífico), exceto os EUA —e a China está convidada.
É também notável, na Europa, que mesmo em termos econômicos a noção de "Atlântico Norte" está se enfraquecendo. Seja a partir da plataforma comunitária em Bruxelas, seja como decisão de cada capital, os países europeus parecem operar seu próprio "pivô para a Ásia".
E na América Latina, com a óbvia exceção do México, ficou difícil encontrar diplomacia que não enxergue em Pequim oportunidades mais promissoras para parcerias econômicas do que é possível vislumbrar com a Washington de Trump.
Acrescente-se a essa conjuntura insularizada e individualista dos EUA um poderio econômico chinês que vai além do comércio.
Se, desde 2013, com marca superior a US$ 4 trilhões na soma de importações e exportações, a China já ultrapassara os EUA como principal nação comerciante, esse vigor também é crescentemente sentido nas áreas de investimentos estrangeiros diretos (IEDs), financiamento para o desenvolvimento e empréstimos "governo a governo".
Tudo isso credencia, então, a China como "líder da globalização"?
Embora nos últimos dias os chineses tenham elogiado aos quatro ventos as benesses da interdependência econômica, a ideia de assumir a frente organizadora de um novo sistema global é algo distante do consenso nos círculos decisórios de Pequim.
A mundialização da China ademais da economia não é nada fácil. A China não é um "role model". Pouco irradia em termos de "poder suave". Os chineses têm plena consciência disso.
No sistema coletivo de paz e segurança, a China está menos no palco e mais na plateia. Pouco tem oferecido em tropas ou recursos para missões de paz ordenadas pelo Conselho de Segurança da ONU.
Ainda assim, não se mexe para promover uma reforma modernizante do quadro de membros permanentes daquele órgão de elite da diplomacia multilateral.
Mesmo em sua própria estrutura de projeção de poder, mera comparação com os EUA revela grandes distâncias. Um norte-americano gasta em média dezoito vezes mais a cada ano em defesa que um chinês.
E mais: liderar a globalização significa defender ideais e padrões que sejam —ao menos como tarefa em construção— "universalizáveis".
É possível imaginar a China à frente de negociações para a padronização transnacional de práticas em áreas como propriedade intelectual, meio ambiente ou compras governamentais?
Muitos países obviamente se enamoram com a trajetória de crescimento econômico na China. E pode-se, de fato, aprender muito com o modelo chinês. Ele, no entanto, não é replicável em outros contextos nacionais.
Ainda que a atual pujança chinesa seja inquestionável – e seu poder relativo só deva aumentar nos próximos anos – o que a China teve até agora foi apenas uma "grande estratégia" para si.
Para liderar, os chineses têm de saber não apenas o que querem "do" mundo, mas "para" o mundo.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcostroyjo/2017/02/1858809-nao-sera-facil-para-a-china-liderar-a-globalizacao.shtml?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter