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terça-feira, 14 de junho de 2022

Cúpula das Américas - Rubens Barbosa (OESP)

 CÚPULA DAS AMÉRICAS

 Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 14/06/2022


A 9ª. Cúpula das Américas, reunindo Chefes de Estado dos países da região, ocorreu na semana passada em Los Angeles, nos EUA, em circunstâncias muito diferentes da primeira reunião, organizada em Miami em 1994, quando os EUA apresentaram a proposta de uma área de livre comércio nas Américas (ALCA). O encontro foi realizado em um momento difícil para o anfitrião, `as voltas com o apoio `a Ucrânia na guerra contra a Rússia e a disputa pela hegemonia global com a China. A divisão interna nos EUA impediu que propostas dos dois partidos pudessem ser formuladas e apresentadas por Biden. A América Latina está bem abaixo nas prioridades da política externa dos EUA. Em pronunciamento recente sobre as prioridades da política externa, o Secretário de Estado, Anthony Blinken, nem mencionou a América Latina. O diálogo entre os EUA e a América Latina e Caribe encontra-se hoje em um dos piores momentos desde o fim da guerra fria.

Os EUA formularam sugestões consistentes e coerentes com seus próprios interesses na defesa da democracia e do meio ambiente, na imigração e na expansão do comércio e investimento, mas ignoraram questões sociais relacionadas com a desigualdade social e as dificuldades econômicas em praticamente todos os países da região. Mal preparada pelo atraso na organização dos documentos e na escolha dos temas para discussão, os EUA não convidaram Cuba, Venezuela, Nicarágua. Essa decisão equivocada de Washington acarretou o esvaziamento parcial da reunião pelo boicote dos presidentes do Mexico, Guatemala, Honduras, El Salvador e Bolívia, que junto com outros países, reconhecem que as sanções e o isolamento impostos por Washington não trouxeram de volta a democracia. O Brasil, apesar de o Itamaraty recomendar a presença presidencial, só decidiu participar depois do oferecimento de encontro com Biden, a margem da reunião, cujo único intuito foi atender `a prioridade de política eleitoral interna de Bolsonaro, ou seja, a chance de uma foto. 

Nesse contexto, os EUA perderam uma oportunidade para tentar recuperar a liderança junto aos países hemisféricos, quando estão enfrentando crescente desafio econômico e comercial na região em virtude da cada vez maior presença da China, da Rússia e do Irã, além da ameaça do envio de tropas da Rússia para a Venezuela e Cuba a depender da evolução da guerra na Ucrânia. A Cúpula, que poderia ser uma oportunidade para Washington mostrar a força de sua liderança ameaçada, expos a queda da influência dos EUA no hemisfério. O diálogo com os EUA tornou-se mais difícil também pela fragmentação econômica e ideológica dos países e pelo populismo de esquerda e de direita emergente, o que impede o aparecimento de uma liderança regional efetiva. A liderança tem um preço. O Brasil, nos últimos anos, renunciou à liderança sul-americana. Será que os EUA seguirão os passos do Brasil na América Latina e Caribe?

A ideia central dos EUA foi a proposta de uma “Parceria para a Prosperidade Econômica” no hemisfério para se contrapor `a crescente influência da China na região, com investimentos, o fortalecimento das cadeias de suprimento e uma evolução dos acordos comerciais existentes. Ainda vaga e sem detalhes, a proposta focará “parceiros com posições políticas parecidas que já tenham acordos comerciais com os EUA.” O pacote inclui ainda uma declaração sobre imigração e a promessa de US$ 300 milhões em ajuda. Foi anunciada também a criação de um Corpo de Saúde das Américas, talvez para se contrapor aos “médicos cubanos” e a doação de US$ 12 milhões ao Brasil e Colômbia para a preservação da Amazonia. Foi também assinado, por apenas 14 países, documento sobre boas práticas regulatórias no comércio. 

Além da retorica (“a América Latina não é o nosso quintal, mas nosso jardim”), os documentos divulgados ao final da Cúpula focalizaram, entre outros temas, o fortalecimento da democracia, direitos humanos, novas tecnologia, desenvolvimento sustentável e futuro verde, não significam uma mudança de política e pouco acrescentaram. Não por acaso, o documento com maior divulgação foi a Declaração sobre imigração, assinada por 20 chefes de Estado, entre os quais o presidente Bolsonaro. Esse foi o tema de maior interesse do governo americano, mas 11 países não assinaram e os quatro países de maior imigração para os EUA, México, Guatemala, Honduras e El Salvador não compareceram com seus chefes do Estado. A Declaração, que não é obrigatória, propõe a busca de financiamento de bancos internacionais para as questões migratórias, o reforço de modelos de migração temporária para trabalho e a retomada de programas de reagrupamento familiar de imigrantes. Os objetivos declarados são melhorar o acesso aos serviços públicos, como saúde, e promover a inclusão social e econômica desse grupo.

Como expressão clara da reduzida importância da Cúpula das Américas para os EUA, nem o New York Times, nem o Washington Post, nas edições de sábado, publicaram qualquer informação sobre os resultados do encontro, limitando-se a noticiar que o presidente Biden, em campanha para aumentar o isolamento da Rússia, está encontrando resistência dos países latino-americanos que mantem relações econômicas e comerciais com Moscou.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)