FÉ DEMAIS
Alexandre Schwartsman
Em
países de poupança elevada (portanto baixo consumo), a produção tipicamente
supera por larga margem o volume destinado ao mercado doméstico, o que gera
excedentes exportáveis e, como consequência, taxas de câmbio mais
desvalorizadas do que em países de consumo elevado, bem como crescimento mais
vigoroso…
Publicado originalmente na
Folha de S.Paulo, Coluna do autor, edição de 23 de janeiro de 2019
O
conveniente silêncio da turma nos últimos tempos poderia fazer alguns se
esquecerem da seita autodenominada “neodesenvolvimentista”, que jurava resolver
os problemas do Brasil com o alinhamento de “dois dos preços fundamentais” da
economia: a taxa de juros e a taxa de câmbio. Em particular, no final de 2017
garantiam que, com uma taxa de câmbio entre R$ 3,80-4,00 a indústria se
recuperaria e, com ela, o país.
Desde
então o dólar subiu de R$ 3,30 para acima de R$ 4,00 e flutuou durante todo o
segundo semestre do ano ao redor de R$ 3,80, enquanto a taxa básica de juros
foi reduzida ao menor valor da história. Ajustado à diferença entre a inflação
nacional e a americana, o dólar se valorizou cerca de 15% na segunda metade do
ano passado em relação à primeira e 20% na comparação com o mesmo período de
2017.
Apesar
disto, a indústria, que vinha em firme trajetória de recuperação do final de
2016 ao começo de 2018, passou a andar de lado, senão para baixo, e deve ter
crescido no ano passado menos do que em 2017. Não por acaso, acredito, cessaram
as juras sobre a “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, que nos levaria ao
Nirvana, talvez na expectativa que a combinação de silêncio e falta de memória
pudesse lavar as reputações dos sectários. A má notícia, para eles, é que há
alguns de nós prestando atenção.
Em
parte o erro grotesco decorre da falta de cuidado com as estimativas da suposta
“taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, cujas bases precárias tratei neste espaço há alguns meses. Em bom
português, trata-se de um número chutado, que, aliás, sobe cada vez
que a taxa observada de câmbio se aproxima do suposto ideal.
O
erro mais grave, porém, decorre da visão que o governo conseguiria controlar a
taxa real de câmbio, isto é, o valor ajustado à inflação sem alterar condições
econômicas concretas, em particular a taxa de poupança da sociedade.
Em
países de poupança elevada (portanto baixo consumo), a produção tipicamente
supera por larga margem o volume destinado ao mercado doméstico, o que gera
excedentes exportáveis e, como consequência, taxas de câmbio mais
desvalorizadas do que em países de consumo elevado, bem como crescimento mais
vigoroso. Em outras palavras, é a poupança mais elevada que leva, ao mesmo
tempo, a mais crescimento e câmbio mais fraco.
Quem
ignora este fenômeno cai no conto do dólar mais forte e crescimento mais rápido
como os adeptos da seita “neodesenvolvimentista”.
Há
ampla literatura sobre as causas do crescimento sustentado apontando para
fatores como a qualidade das instituições, o papel da educação na formação do
capital humano e a abertura comercial como fator de difusão de novas
tecnologias. Nada sugere que crescimento é resultado do ato do príncipe sobre
as taxas de câmbio.
Como
todo problema complexo, há uma solução simples e errada, em que apenas os
picaretas acreditam.
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* ALEXANDRE
SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA
CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL
DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS