Não há mais "gordura" para queimar na área fiscal
Ribamar Oliveira | Brasília
Valor Econômico, 02/05/2014
Brasil
Como os treinadores de futebol, que lutam para acumular pontos no início de um campeonato, os governos também costumam fazer superávit primário mais elevado no início do ano, pois as despesas são maiores no segundo semestre. Em ambos os casos, a ideia é fazer uma "gordura" no início para poder queimar quando as dificuldades aparecerem. O governo não está adotando essa estratégica neste ano.
Alguns podem lembrar que isso também não ocorreu em 2013. É verdade. Mas, no ano passado houve um componente atípico, pois 57,6% do superávit primário do governo central (Tesouro, Previdência e BC) foram feitos nos meses de novembro e dezembro. Nos últimos dois meses de 2013, o governo obteve receita extraordinária superior a R$ 35 bilhões e, com isso, garantiu a meta de superávit primário. Sem essa receita extra, a meta não teria sido cumprida.
Não há notícia de que uma receita extraordinária na dimensão da ocorrida no ano passado vá ingressar nos cofres do Tesouro Nacional em novembro e dezembro deste ano. Por essa razão, seria prudente que o governo federal fizesse um superávit primário mensal médio maior do que fez em 2013. Mas o que está acontecendo é o oposto.
No primeiro trimestre de 2014, o superávit do governo central foi de apenas R$ 12,3 bilhões ou 1,02% do Produto Interno Bruto (PIB) do período - é o menor da série histórica desde 1999, em proporção do PIB. No ano passado, o superávit acumulado de janeiro a março ficou em R$ 20 bilhões, ou 1,79% do PIB e, em 2012, em R$ 33 bilhões ou 3,22% do PIB.
São os Estados e municípios que estão sustentando, até agora, um nível mínimo para a meta fiscal. De janeiro a março, eles acumularam um superávit de R$ 13,2 bilhões, ou 1,09% do PIB do período. Mesmo com esse excelente resultado, o superávit primário de todo o setor público acumulado no primeiro trimestre ficou em 2,12% do PIB - o menor para o primeiro trimestre do ano em todo o governo da presidente Dilma Rousseff.
Em março, no entanto, o resultado de Estados e municípios começou a fraquejar, quando eles registraram um superávit de apenas R$ 482 milhões (sem considerar suas estatais), o menor para o mês desde 2000.
Em janeiro e fevereiro, o superávit dos governos estaduais e das prefeituras bateu recorde por causa das grandes transferências de recursos feitas pela União nesses dois meses. Parte dessa receita transferida era devida em 2013 e foi postergada para 2014, como é o caso do auxílio financeiro decorrente da chamada Lei Kandir e a quantia devida a eles pela arrecadação extraordinária do parcelamento de débitos tributários, que ingressou nos cofres do Tesouro em novembro e dezembro.
A meta fiscal do governo central no primeiro quadrimestre deste ano é de R$ 28 bilhões. Para obtê-la, o governo central terá que fazer um superávit primário de R$ 15,7 bilhões em abril, ou seja, um resultado maior do que o registrado no acumulado dos primeiros três meses do ano. É possível que isso ocorra, pois abril é um mês em que se registra uma receita muito forte do Imposto de Renda.
Há também, no entanto, despesas extraordinárias, que não ocorreram no ano passado, como a transferência de recursos do Tesouro para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e um repasse de R$ 1,5 bilhão para os municípios, que foi acertado no ano passado pela presidente Dilma. Neste último caso, o repasse é uma despesa para a União, mas ajudará a melhorar o superávit de Estados e municípios.
Os números fiscais mostram que o governo está operando no limite, na linha d'água. Não há "gordura" para queimar e qualquer dificuldade adicional do lado das despesas, ou uma frustração maior da receita, poderá comprometer a meta fiscal deste ano.
O problema maior é que a receita tributária está crescendo em ritmo mais lento do que o projetado pelo governo. De janeiro a março, a arrecadação de impostos aumentou apenas 7%, em termos nominais, em comparação com igual período de 2013. A receita de contribuições cresceu menos, apenas 6,3%. A previsão oficial é de crescimento de 8,3% da receita com impostos e contribuições neste ano.
Para piorar o quadro, os gastos públicos estão aumentando em ritmo superior ao do crescimento da economia. No primeiro trimestre deste ano, as despesas do Tesouro aumentaram 10,8% acima da variação nominal do PIB, na comparação com o mesmo período de 2013, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional.