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quarta-feira, 19 de agosto de 2020

América Latina: o abismo tão temido - Andres Serbin

América Latina: o abismo tão temido

Ano de 2020 trouxe a pandemia, que produzirá a pior recessão da história da região

O ano de 2019 foi um annus horribilis para a América Latina. Junto com uma acentuada desaceleração e um crescimento econômico magro que apenas alcançou 0,1%, a região experimentou uma multiplicação de mobilizações e protestos sociais que afetaram tanto os governos de esquerda quanto os de direita, em um contexto de uma reconfiguração –através de eleições– do mapa político da região.
Mas o ano 2020 trouxe a pandemia que, apesar das diferenças nacionais, aprofundou algumas das tendências e semelhanças existentes, e acentuou algumas características estruturais que constituem o pano de fundo dos múltiplos desafios que a região enfrentará para entrar em uma fase de pós-pandemia. A CEPAL antecipou que, como consequência da pandemia, se produzirá a pior recessão da história da região, com uma contração do PIB de 5,3% em 2020 e o aumento do índice de pobreza de 30,3% para 34,7%. O Banco Mundial mostrou que a contração poderia chegar a mais de 7%, como parte da pior crise da região desde 1901.
Sob o título genérico de Informe Iberoamérica 2020, um documento recente apresentado pela Fundación Alternativas de Madrid aponta os maus momentos que a região atravessa e atravessaria. O relatório aponta algumas dessas características, como a desigualdade pré-existente que afeta a estabilidade política da região, o aumento das demandas e expectativas associadas aos avanços sociais dos anos anteriores, que respondem a lutas redistributivas, e demandas por melhores políticas públicas por parte de diversos setores sociais.
O relatório também destaca que este é o pior desempenho econômico dos últimos sessenta anos, o que agrava os problemas estruturais da região associados à baixa diversificação produtiva e à excessiva dependência de matérias-primas (e a demanda da China pelas mesmas). Esta situação é agravada por uma crise de representação que marca retrocessos democráticos associados tanto a baixos níveis de confiança nas instituições políticas quanto ao desencanto (e consequente deslegitimação) em relação à capacidade das elites políticas e das lideranças existentes de atender às demandas dos cidadãos.
A polarização política gerada por esta combinação fatídica de fatores não apenas alimenta as fraturas ideológicas, mas também impacta na capacidade de moldar respostas regionais diante de um ambiente internacional que, por sua vez, está passando por uma transição complexa. A rivalidade entre os Estados Unidos e a China não é o único eixo deste processo. A crescente incidência de atores extrarregionais faz da América Latina e do Caribe, apesar de sua aparente natureza periférica, um campo de conflitos e lutas geopolíticas e geoeconômicas que tornam sua inserção internacional mais complexa. Além dessas duas potências, Rússia, Irã, Turquia e, mais recentemente, a Índia estão fazendo incursões na região, além dos tradicionais laços com a União Europeia e o Japão.
Três fatores adicionais –e eventualmente relacionados entre si– tendem a tornar a crise multinível na região ainda mais complexa. Primeiro, existe a corrupção das elites que tende a permear diferentes níveis das respectivas sociedades. O reaparecimento dos militares como um ator político, processo que ameaça as instituições democráticas já enfraquecidas e dá origem a várias modalidades autoritárias. E a expansão do crime organizado em suas múltiplas encarnações, do tráfico de drogas ao tráfico humano.
Neste contexto, ao desafio de lidar com a pandemia se somam obstáculos difíceis. Os países devem enfrentar a recessão e a crise econômica que afetam tanto os setores mais vulneráveis quanto a sociedade como um todo. A resiliência da democracia e de suas instituições enfraquecidas deve ser reforçada através da promoção de estratégias e políticas públicas que demanda a cidadania. E, finalmente, uma coordenação regional mais eficiente deve ser desenvolvida para enfrentar os desafios globais e para promover a inserção internacional com maiores graus de autonomia e de diversificação.
Desafios do mal momento que exigem acordos sociais complexos e sofisticados e consensos regionais, em uma América Latina devastada pela pandemia, mas também pela polarização social e política, e pela atomização regional.

Andrés Serbin é cientista político e presidente-executivo da Coordenação Regional de Pesquisa Econômica e Social (CRIES). Ele é membro pleno do Conselho Argentino de Relações Internacionais (CARI) e ex-diretor de Assuntos Caribenhos do Sistema Econômico Latino-Americano (SELA).
www.latinoamerica21.com, um projeto plural que dissemina diferentes visões da América Latina.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

O Covid e a próxima Grande Depressão - Der Spiegel

The Coronavirus Could Cripple Public Finances

Spring forecasts: EU Commissioner for Economy Paolo Gentiloni spoke of a looming recession of historic proportions
Spring forecasts: EU Commissioner for Economy Paolo Gentiloni spoke of a looming recession of historic proportions
Kenzo Tribouillard/ dpa
Johannes Slawig hasn't had a lot of down time in the past few weeks. The head of the coronavirus task force in the German city of Wuppertal has had to procure protective equipment for the health department, hire doctors for the makeshift hospital in a local gymnasium and check the financing of the fire department's new test center.
Slawig hasn't even found the time to check out the webcams on the municipal zoo's website, which have been documenting the first steps of the newborn elephant, Kimana.

The broadcast has been a small consolation for the patrons of the temporarily shuttered zoo. But for Slawig, who normally works as Wuppertal's treasurer, it's just another source of stress when he looks at the numbers. The closure of the zoo alone had cost the city 600,000 euros ($651,000) in lost income by the end of April. This only added to lost tax revenues due to the largely shutdown economy (about 75 million euros), lost revenues from municipal theaters (around 2 million euros) and rising expenditures for the unemployed whose incomes have dipped below the threshold for qualifying for welfare (10 million euros).
According to Slawig's calculations, the city's debt will grow to 150 million euros due to the coronavirus. "I'm afraid the pandemic will eat up all the money we've managed to save in recent years," he says.

Prelude to a Massive Crash?

Whether in cities or states, private households or companies, the pandemic is causing revenues to shrink, even as costs continue to mount. For many, the only way out is through debt. Hardly any other event in the post-World War II era has created such a dramatic level of debts as the coronavirus.
Even before the outbreak, the global debt load had reached more than $250 trillion (230 trillion euros) -- three times higher than the world's annual combined gross domestic product. Governments around the world are issuing debt-financed bailouts worth trillions. The European Central Bank (ECB) and other central banks are injecting money into the economy with virtually no limits to prevent a collapse.
But how is this new mountain of debt ever going to be paid off? And by whom? In the end, some economists worry that the bailouts could result in a fatal combination of inflation and stagnation. A sort of post-crisis crisis, the bill for which will be footed by future generations. It begs the question: Is the pandemic merely the prelude to a massive crash? A financial crisis of epochal proportions that will drag companies, banks and governments into the abyss?
It's a bleak scenario. Companies that have lost business have been forced to take on debt and lay off employees. Ordinary people who were already heavily indebted before the coronavirus hit are no longer able to pay back their loans. Particularly in the United States, the land of installment credit, there is growing concern that millions of people could default on their car, house and student loans. But in Germany, too, consumers have paid for a lot of new things on credit thanks to low interest rates. If people, companies or even governments go bankrupt, this would hit the banks with full force and could trigger a new credit crisis like the one after the collapse of Lehman Brothers in 2008.

Uncharted Territory

Hans-Joachim Ziems has seen many companies go bankrupt. In 2002, the Cologne-based management consultant helped patch up Leo Kirch's media group. In 2009, during the financial crisis, Ziems helped prevent the collapse of Adolf Merckle's empire. Merckle's flagship companies, Heidelberg Cement and Ratiopharm, survived, though the self-made billionaire took his own life out of grief and shame over the debt he had accrued.
But a recession on such a massive scale, "from trade and industry to the service sector. This is uncharted territory for me too," Ziems says. In some sectors, the losses that are now being incurred cannot be made up. The crisis will cause companies' debt loads to rise sharply and lead to a wave of insolvencies.
Ziems is seeing first-hand how quickly liquidity can dwindle as debt piles up. A few months before the coronavirus had reached Europe, he was called in. First as a consultant for the automotive supplier Leoni, then to its restructuring board. The company produces cable harnesses and wiring systems for car manufacturers and had gotten itself into financial trouble. Ziems was asked to help get Leoni back on track. On March 13, the companies' lenders signed off on the company's restructuring plan. Ziems could expect 200 million euros in new liquidity. "A few days later, the lockdown began and we had to come up with a new plan," he says.
Leoni had to close down some of its plants and scale back employees' hours. The company wasn't able to lower its costs as quickly as its sales collapsed, and Ziems had to again ask the banks for more liquidity. The German government ultimately provided guarantees for new loans worth 330 million euros.

No Guarantees

Like Leoni, countless other companies have been going through the same thing in recent weeks. Corporations like Lufthansa as well as some tourism, catering and retail companies have watched as their sales have plummeted by more than 90 percent. Meanwhile, they're still on the hook for salaries, rent and other expenses. "Many companies must close the gap between revenues and costs by incurring new debts," says Jörg Krämer, chief economist at Commerzbank.
According to the Bank for International Settlements, no other recession in the modern era has hit companies around the world as hard as the shock from COVID-19. Without government assistance, half of all businesses would not be able to pay back their loans on time.
Wherever possible, firms have obtained money from capital markets or banks. The ECB has relaxed its capital rules and allowed European banks to grant up to 1.8 trillion euros in additional loans. Corporations like Daimler, Bertelsmann and Eon have issued bonds worth more than 100 billion euros since mid-March.
For companies that are unable to raise money in this way, the government is offering its assistance. Berlin is providing loans and guarantees worth more than a trillion euros through the state-owned development bank KfW. Within five weeks, the bank received more than 25,500 applications for loans worth 33 billion euros.
But this is only alleviating the immediate need for cash. The companies will eventually have to make good on their bonds and pay back their KfW loans, plus interest. Once the economy bounces back -- an outcome everyone is hoping will come sooner rather than later -- many companies will enter the next phase with a heavy debt load. And even that's not guaranteed.

A High Risk of Defaults

Credit rating agencies such as Standard & Poor's (S&P) assess the creditworthiness of companies, banks and countries. Currently, they're lowering ratings across the board due to soaring debts, indicating an increased risk of default. For companies seeking new loans, this means they'll have to pay higher interest rates to lenders, thereby further aggravating the difficult financial situation. At the same time, if an economic rebound is going to be possible, companies will need more capital in order to ramp up their production again. "Often it's the upswing after a crisis that breaks companies' backs," says Tobias Mock, S&P's managing director for corporates in Germany, Switzerland and Austria.
Mock expects that many companies won't be able to free themselves from this vicious cycle. "Defaults will increase significantly in the coming months and are expected to peak in 2021," he says. For bonds that S&P has rated "speculative," Mock expects the default rate in Europe to rise as high as 10 percent. Last December, that rate was only 2 percent.
That kind of development is not unusual. After the bursting of the dot com bubble in 2000, the real estate bubble in 2007 and the euro debt crisis in 2012, many companies started saving as their debt loads grew. "That was a brake on growth," says Commerzbank's Krämer. He suspects this will happen again: Companies will invest less and cut back on staff, which will "noticeably slow down the economic recovery."
Whether companies will even have time to recover from the crisis will largely depend on the banks. If experts like Mock are right, bad loans will soon begin piling up on bank's balance sheets. Then, just like in 2008 and 2009, it will become apparent which banks are strong enough to support ailing companies. Even before the coronavirus struck, European banks already had close to 600 billion euros worth of non-performing loans on their books. In Greece, bad loans account for more than 30 percent of banks' loan portfolios. In Italy, they account for 6.7 percent.

First Public Health, Then Public Finances

Concerns over banks' stability has apparently also reached the political realm. There is currently a debate in the European Union over whether rules for bailing out banks that were established after 2008 should be relaxed in order to provide ailing institutions with taxpayer money.
In the end, governments will be saddled with much of the risk anyway. Governments cannot allow a wave of bankruptcies among businesses or another crash in the banking sector. Former ECB President Mario Draghi recently admonished governments to take on the deficits of the private sector.
This would cause national debt all over the world to explode at a rate that is otherwise only seen in times of war. This year alone, the International Monetary Fund (IMF) expects government debt loads to grow by $8 trillion. That would put it at around 100 percent of annual global economic output. That would be almost as much as in Greece before the euro crisis.
Once it's finished ravishing public health, does this mean the virus will also destroy public finances?
Many economists consider this unlikely. In most developed countries, such loans are "easily affordable," says Olivier Blanchard of the New York-based Peterson Institute. Low interest rates made it easy for many governments to live on credit. Therefore, Blanchard says, there's little reason not to spend a lot of money. The more loans, the better.
But not all economists are convinced that the crisis can be overcome so easily. Hans-Werner Sinn, for example, the former president of the Munich-based Ifo Institute, considers it "appropriate to cushion the temporary crisis with higher government debt." But he's concerned by the fact that central banks around the world are helping governments by buying bonds on such a large scale.

Dangerous Inflation

The amount of central bank money in the eurozone will quadruple this year compared to what it was before the financial crisis, Sinn says. The coronavirus is causing the supply of goods and services to shrink. Too much money for too few goods -- this could usher back in an economic evil that seemed to have been eradicated: inflation. It's not a huge threat at the moment, Sinn says. "But once prices start to rise, it's hard to slow them down again."
Relieving the government's debt load through devaluation was a method that even late Roman rulers used. Since then, governments have repeatedly rid themselves of debt through inflation. Economists, including Sinn, therefore predicted a new wave of inflation even after the eurozone debt crisis was over.
But this never materialized. Instead, key interest rates fell to zero -- and in some cases, into negative territory or at least under the inflation rate. This has caused debt to shrink, albeit slowly. At the same time, however, it has caused the savings of those who invested their money in interest-bearing accounts or securities to shrink as well. The pandemic could keep interest rates extremely low for years or even decades to come. This is the only way for states, banks and companies to bear their debt burden without going bankrupt.
The countries most in danger of going bankrupt are the ones that were highly indebted long before the coronavirus struck. Many emerging and developing countries have taken out massive loans, often in foreign currencies like the dollar.
Now the markets for raw materials are collapsing, tourism has practically come to a standstill and their currencies are losing value. All this makes it even more difficult for these countries to service their debts. It's true that the International Monetary Fund recently temporarily suspended its interest and repayment claims for 25 of the world's poorest countries. But this is little more than symbolism.
Without drastic debt relief, economists predict that a number of states in Africa, Latin America and Asia will be forced to declare bankruptcy. The consequences for the financial industry would be catastrophic.

An 'Economy of Creeping Stagnation'

In Europe, too, the pandemic is exacerbating the economic divide. While northern countries have enough leeway to issue bailouts in the billions, many southern European states in the eurozone are being driven to the brink of ruin. In Spain, the looming recession will cause the country's debt ratio to skyrocket to just under 116 percent of its gross domestic product this year. In Italy, that ratio will jump to around 159 percent.
Ever since eurozone members began debating coronabonds and bickering over reconstruction loans again, the old doubts over the viability of the monetary union have returned. While southern countries feel abandoned by their northern bretheren, countries like the Netherlands, Austria and Germany are worried that Italy in particular could collapse under the weight of its credit burden. "Euroskeptics" in some important countries are "on the rise again," says Holger Schmieding, chief economist at the Hamburg investment bank Berenberg. This "political risk" for the monetary union is making financial markets nervous, he says. The interest rate differential between Italian and German government bonds has almost doubled since mid-February, increasing the danger that Europe could plunge into a currency crisis.
This new debt reality is creating a two-tiered global society. Many countries won't find it difficult to live on credit for a long time. For others, the loans they take on to get them through the coronavirus could be their downfall. They are facing a difficult balancing act: On the one hand, economic depression and unemployment are lurking. On the other, government bankruptcy.
Some countries could also face a fate like Japan's, which for many years has lived with extremely high national debt and an ultra-loose monetary policy. For Sinn, the former Ifo head, this could lead to a zombie economy of sorts, an "economy of creeping stagnation" characterized by ailing banks, sluggish companies and weak growth figures. "Germany should not strive for this outcome."

domingo, 1 de dezembro de 2019

Brasil vive entre riscos de extrema direita e recaída lulista - Paulo Hartung, Marcos Lisboa, Samuel Pessôa




OPINIÃO
Brasil vive entre riscos de extrema direita e recaída lulista
País precisa retomar diálogo para evitar radicalismos e reencontrar equilíbrio, afirmam autores
Folha de São Paulo, Ilustríssima, domingo 1//12/2019

Paulo Hartung, Marcos Lisboa, Samuel Pessôa


[RESUMO] Políticas equivocadas de governos petistas, hoje ignoradas por Lula e seu partido, produziram crise e alimentaram a ascensão da extrema direita. País precisa retomar diálogo para evitar radicalismos e reencontrar equilíbrio.

Lula foi solto e mobilizou o debate político nas últimas semanas. Em tempos conturbados na América Latina, havia a possibilidade de um discurso pacificador que convidasse ao diálogo. Afinal, quando eleito presidente pela primeira vez, em 2002, depois de seguidas derrotas, optou pela cautela na economia e pela negociação na política.
Em vez disso, resgatou frases de efeito dos tempos em que tratava a política como disputa sindical. O paraíso está logo ali, desde que se derrotem os inimigos, afirmou com a veemência dos mercadores de ilusões.
O ex-presidente preferiu a bravata, e não foi a primeira vez. Extasiado pelo sucesso de seu primeiro mandato conservador na política econômica, Lula resgatou a promessa populista que desconsidera as restrições para distribuir favores a grupos organizados, aos movimentos sociais aos setores empresariais.
Em tempos de vacas gordas, seu segundo mandato (2007-10) retomou os planos mirabolantes de desenvolvimento da ditadura militar, acreditando que a disseminação dos subsídios e proteções ao investimento local resultaria em crescimento sustentado.

Na América Latina, o populismo se caracteriza pela retórica dominada por referências a inimigos que devem ser derrotados. Há interesses escusos da elite e de forças externas, que exploram o país em meio a uma agenda de dominação.
Esse discurso procura congregar grupos diversos da sociedade, por vezes antagônicos, enfatizando o inimigo comum a ser combatido. Podem ser a agenda neoliberal e o imperialismo americano, para os mais à esquerda; ou o comunismo e seus países de origem, para os mais à direita.
No caso do petismo, há os vínculos do partido com as ditaduras de esquerda do continente. Há o apoio ao governo venezuelano responsável pela maior crise humanitária no continente (15% da população já emigrou), além de eventos obscuros, como a devolução dos dois boxeadores cubanos que buscaram asilo no Brasil ou a defesa veemente do italiano Cesare Battisti.
Quando esses eventos são lembrados, moderados ligados ao PT afirmam que se trata de “discurso para a militância”, de retórica sem muita importância. Discordamos. Parece ilustrar um sentimento genuinamente autoritário presente no partido. Se não for esse o caso, resta a pergunta: então mentir vale?
Frente a esses sinais autoritários, a figura sóbria de Fernando Haddad defendendo a social-democracia da Suécia não é convincente.

A outra face do populismo é o desprezo pelas evidências sobre o impacto das propostas econômicas.
Ambos os extremos populistas, à esquerda e à direita, supõem que os problemas se resumem a um conflito distributivo: de um lado, a imensa maioria da sociedade, oprimida; de outro, os inimigos exploradores. Por essa razão, para os líderes populistas interessa apenas a hegemonia na política e a implementação de medidas que protejam os interesses imediatos de seus apoiadores.
Uma característica importante dessa retórica é avaliar a política pública apenas pelos objetivos, sendo irrelevante discutir seus custos e eficácia. Em 2003, alguns economistas alertaram que a política do primeiro emprego fracassaria. A reação foi declarar que os críticos eram contra proteger os mais jovens.
Perón, um dos pais do populismo latino, certa vez escreveu ao então presidente do Chile, Carlos Ibáñez:
“Meu caro amigo: dê ao povo tudo o que for possível. Quando lhe parecer que você está dando muito, dê mais. Você verá o resultado. Todos irão apavorá-lo com o espectro de um colapso econômico. Mas tudo isso é mentira. Não há nada mais elástico do que a economia, que todos temem tanto porque ninguém a entende”.
A má notícia é que os ganhos se revelam fugazes, e a conta chega em meio a desastres econômicos. A economia não é tão elástica assim. Perón inaugurou as décadas de decadência da economia argentina, e o governo Lula desperdiçou talvez a melhor oportunidade de desenvolvimento sustentado do país.
Lula livre falou contra a reforma da Previdência. Cometeu o erro crasso de afirmar que o projeto aprovado neste ano era a implantação do modelo chileno por capitalização. Falou contra as reformas em geral, entre as quais a trabalhista. Certamente, rejeita a administrativa.


Como todo populista latino-americano, Lula defende os interesses dos grupos organizados, sem mencionar seus efeitos colaterais sobre o restante da população, como obter surtos de expansão da atividade e do emprego à custa de comprometer o crescimento sustentado do país. Trocam-se alguns anos de expansão moderada da economia por uma década de retrocesso.
Entre os anos de 2003 e 2010, o Brasil cresceu, segundo dados do FMI, 4,0%, ante 4,1% do restante da América Latina e 4,2% da economia mundial. Enquanto isso, os demais países emergentes cresciam a taxas bem mais elevadas.
De 2011 até 2014, o Brasil ficou para trás. A taxa média de crescimento da economia mundial caiu para 3,6%, bem próxima da média do restante da América Latina. No caso do Brasil, porém, o crescimento anual médio caiu para 2,2% nesse período, com tendência de queda. A renda aumentou apenas 0,5% em 2014, na transição para uma das mais severas recessões da nossa história.
Os sinais de perda de dinamismo de nossa economia são bem anteriores ao agravamento da crise em 2015. Entre 2010 e 2014 a lucratividade das empresas negociadas na Bovespa e das principais empresas de capital fechado, segundo levantamento do Cemec (Centro de Estudo de Mercado de Capitais) conduzido pelo professor Carlos Rocca, caiu de 5,3% do PIB para 1,2% em meio à queda da produtividade.

Lula não falou sobre seu legado, mas fica a pergunta: o intervencionismo de seu governo foi positivo?
A política para desenvolver a indústria naval, a terceira tentativa em 60 anos, funcionou? Foi eficaz a agenda do PT de transferir mais de R$ 500 bilhões ao BNDES para fomentar a concessão de crédito direcionado com subsídio? Deu certo estimular a construção de inúmeras refinarias de petróleo pelo Brasil, sem que a proposta atendesse a critérios mínimos de viabilidade econômica?
A mudança do marco regulatório do petróleo e o atraso de cinco anos nos leilões do pré-sal atenderam aos interesses nacionais? As políticas de desoneração tiveram sucesso? Foi benéfico para o país ter rejeitado o ajuste fiscal estrutural proposto por Antonio Palocci em 2005? A política de conteúdo nacional resultou em desenvolvimento? 
Gostaríamos imensamente que Lula respondesse a essas perguntas em seus próximos pronunciamentos.
Melhor ainda seria se Lula e seus assessores descrevessem que políticas adotadas desde 2009 foram bem-sucedidas. Quais empresas apoiadas pelo seu governo continuam produzindo eficientemente ou estão isentas de escândalos de corrupção?
Não se trata de descartar de antemão a necessidade de intervenção estatal em várias circunstâncias; afinal, muitos países desenvolvidos se beneficiaram de políticas públicas durante a crise de 2008. Trata-se apenas de reconhecer que os instrumentos e políticas adotados pelo petismo fracassaram, revelando erro de diagnóstico ou falta de técnica. 
A opção por intervenções públicas discricionárias, em que o burocrata de plantão escolhe a quem beneficiar, resultou em investimentos ineficientes e baixa produtividade que comprometem o crescimento da economia brasileira.
Serão precisos muitos anos para corrigir as imensas decisões de produção fracassadas do petismo, dos estaleiros ineficientes aos estádios de futebol vazios, das empresas pouco competitivas beneficiadas pela proteção oficial aos projetos de logística que prometiam muito e entregam pouco.
Nos últimos anos, as lideranças do PT inventaram uma narrativa sobre a história recente. A economia vinha bem, porém Dilma cometeu pequenos erros ao atender à agenda Fiesp de intervenções setoriais, como no setor elétrico, e ao conceder desonerações a setores selecionados. Aécio não aceitou o resultado eleitoral e estimulou as pautas-bomba. A Operação Lava Jato e seu impacto sobre a construção civil, em conjunto com o “austericídio” de Joaquim Levy, completaram o serviço. O resultado foi a maior crise dos últimos 120 anos.

Essa narrativa responsabiliza terceiros pela crise e tenta salvar o populismo de esquerda. Afirma que o intervencionismo petista não foi ineficaz nem custou centenas de bilhões de reais ao Tesouro. A crise da Petrobras não seria o resultado de suas dificuldades financeiras (a dívida ficou cinco vezes maior do que a geração de caixa), mas da Lava Jato. Ainda, a queda do investimento público não teria decorrido do esgotamento dos recursos do Tesouro Nacional ou dos bancos públicos. 
De acordo com essa narrativa, não há desequilíbrio no Estado brasileiro. Um coronel da PM pode se aposentar aos 50 anos de idade, com proventos vitalícios de R$ 30 mil mensais. Funcionários do setor privado podem parar de trabalhar com menos de 55 anos de idade e acumular aposentadoria com pensão. Os professores da rede pública podem se aposentar após 25 anos de serviço com remuneração integral.
Entre os anos de 2003 e 2015, o governo dobrou a despesa por aluno do ensino fundamental, descontada a inflação. O Brasil atualmente gasta bem mais com educação que outros países emergentes, porém temos resultados constrangedores nos exames internacionais de aprendizado no ensino médio.
Para o velho populismo, no entanto, nenhuma reforma na gestão pública é necessária. Basta tributar os mais ricos e teremos recursos para tudo. Hugo Chávez, com petróleo acima de US$ 100, deixou como herança um país bem pior do que recebera. Não faltavam recursos, faltava racionalidade e sobrava populismo.
Alguns ainda duvidam que a reforma da Previdência atenda aos interesses dos mais necessitados e corrija parte da nossa injustiça. Os céticos deveriam ler o relatório do Instituto Mercado Popular sobre o tema.
Vale lembrar que o período do presidente Lula se iniciou com forte ajuste fiscal e uma agenda extensa de reformas liberais. No seu primeiro ano de governo, houve aumento da meta de superávit primário e da taxa de juros para equilibrar as contas públicas e controlar a inflação. Foi encaminhada ao Congresso a reforma da Previdência dos servidores públicos, em meio a diversas medidas para aperfeiçoar o mercado privado de crédito.

A política econômica ortodoxa do primeiro governo Lula foi bem-sucedida em reduzir a inflação e em retomar o crescimento econômico, além de ter se beneficiado da expansão do comércio mundial.
O sucesso do governo, no entanto, resultou em escolhas trágicas. 
A retomada do crescimento permitiu a volta do populismo e dos delírios de grandeza. A então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, reagiu violentamente à proposta de controle dos gastos públicos, que aumentavam bem mais do que a renda. “Gasto é vida”, disse a ministra, apoiada pelo presidente.
Nos anos seguintes, a gestão Lula retomou a agenda desenvolvimentista do governo Geisel (1974-79), revelando uma perturbadora semelhança entre as políticas econômicas da direita e a da esquerda. Ambos acreditaram que a disseminação de estímulos à produção local conduziria ao crescimento econômico sustentado. Ambos legaram um país com contas públicas desorganizadas e uma crise econômica anunciada.
Todos os grandes projetos iniciados pelo segundo governo Lula fracassaram. Ele passou o bastão para Dilma, deixando como herança obras de infraestrutura caras, muitas vezes inoperantes, e empresas ineficientes, em meio a um impressionante desperdício de recursos públicos. Nada diferente do que ocorrera com os delírios do período militar.
Esse populismo e seus resultados catastróficos foram o que terminou por fortalecer a extrema direita, que não hesita em justificar a truculência do AI-5 como reação aceitável frente a manifestações democráticas.
Para agravar, existe uma imensa parte da elite brasileira beneficiada pelos favores oficiais, mas que acredita ser parte da classe média de um país rico, apenas desigual.
O excesso de discricionariedade da política econômica favorece empresas que se beneficiam de regimes tributários especiais, além de entidades privadas que recebem recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade, como o Sistema S.

A imensa desigualdade de oportunidades no país explica o apoio da parte importante da população ao discurso populista. Famílias com crianças sem acesso a serviços públicos essenciais, como saneamento ou educação fundamental, produzem novas gerações à margem da sociedade formal.
As periferias das grandes cidades, com jovens que não estudam nem trabalham, que optam pelo crime ou engravidam precocemente, revelam a fonte da tragédia que alimenta discursos oportunistas e violentos.
A imensa pobreza no Brasil tem muitas causas, mas a principal, segundo a evidência disponível, é a falta de acesso das novas gerações ao cuidado na primeira infância e à educação fundamental de qualidade, que garanta o aprendizado em português e matemática. Sem a aquisição dessas competências, os resultados são baixa produtividade e pouca mobilidade social.
A direita se revela indignada com os equívocos da social-democracia; no entanto parece ignorar o desastre de um país que descuida das novas gerações. Numa nação com tamanha desigualdade de oportunidades, não deve surpreender o apelo persistente da velha retórica.
O discurso da extrema direita contra as escolhas individuais e a liberdade de expressão acaba por conferir legitimidade à oposição raivosa da esquerda, que alega se preocupar com os mais pobres e a solidez da democracia. Essa direita é filha do populismo irresponsável patrocinado pelo PT, porém, com sua insensibilidade e brutalidade, acaba por favorecer o renascimento da esquerda autoritária.
A arrumação do desastre produzido pelo petismo, de um lado, e pelo primarismo de certa direita que rejeita a ciência, de outro, requer a opção pelo diálogo e o reconhecimento dos nossos problemas. Temos um Estado caro em meio a um país pobre. Três horas do dia de trabalho de um brasileiro são apropriadas pelo poder público, boa parte usada para pagar servidores ou distribuir as incontáveis meias-entradas da nossa sociedade.
Podemos continuar nessa trajetória disfuncional, em que os muitos setores organizados disputam as benesses do poder público. Ou podemos optar por outro caminho, que permita a retomada do crescimento sustentado com solidariedade social.
Essa agenda passa pela reforma do Estado e pela reconstrução do centro progressista. Sem maior eficiência do poder público na provisão dos serviços de saúde, educação e segurança, além do cuidado com a imensa população das periferias urbanas, não avançaremos em direção à maior igualdade de oportunidade.
A reforma administrativa é essencial para essa agenda. Novos aumentos da carga tributária não resultarão em melhoria da qualidade da educação fundamental, caso não se alterem a estrutura de incentivos dos servidores públicos e os instrumentos de gestão, como reconhecer os melhores servidores públicos com maior remuneração.
A política pública deve ser avaliada por seus resultados. A criação de municípios desde a redemocratização melhorou o acesso a políticas públicas em regiões antes não atendidas? Os alunos passaram a aprender mais? A saúde da população melhorou?

Não basta, porém, corrigir os graves desvios do setor público. É necessário também que a economia volte a crescer.
Nos últimos 35 anos, a produtividade do trabalho no Brasil cresceu 0,5% ao ano, bem menos que na economia americana, a mais rica do mundo, afastando-nos ainda mais da fronteira do desenvolvimento, da qual, em tese, deveríamos estar nos aproximando, como tem ocorrido com tantos países emergentes.
A melhoria da educação contribui para aumentar a produtividade. A agenda para a retomada do crescimento inclui ainda a redução das distorções tributárias. As decisões de investimento devem ser motivadas pela sua rentabilidade para a sociedade, não por benefícios decorrentes do menor pagamento de impostos.
A abertura da economia ao comércio exterior permitiria o maior acesso a bens de capital mais eficientes ou a insumos mais baratos, contribuindo para o aumento da produção e da renda.
A desigualdade é tão profunda em nossa sociedade, no entanto, que não bastam políticas de igualdade de oportunidade e de aumento da produtividade. É necessário que o poder público intervenha, reduzindo a inequidade de renda entre os adultos por meio da progressividade dos impostos. Essa agenda, além de reduzir a desigualdade, ajuda a dotar o Estado de orçamento para financiar suas ações.

O caminho aqui é escorregadio. A retórica populista afirma que os ricos pagam pouco imposto, afinal dividendos são isentos de tributação. Não é bem assim. Lucros são tributados da mesma forma que salários. A sutileza decorre da nossa escolha por um modelo mais prático de arrecadação: tributar a geração de renda na fonte, na pessoa jurídica. Isso vale tanto para os trabalhadores quanto para os acionistas, que recebem salários e lucros já descontados os tributos devidos.
Nos últimos anos, diversos países têm optado por reduzir a cobrança de impostos sobre os lucros nas empresas, aumentando, por outro lado, a tributação na distribuição de dividendos. A conta, porém, deve considerar o total do imposto pago pelo lucro, quando gerado pela empresa, e do quanto é pago pelo acionista ao receber o dividendo.
As maiores distorções na tributação se encontram nas empresas que optam pelos regimes tributários especiais, Simples e lucro presumido, que, tudo considerado, pagam bem menos tributos que assalariados ou acionistas das empresas tributadas pelo lucro real.
O populismo dá voltas. Na Argentina, os descendentes de Perón herdarão uma economia em recessão, inflação de 60% ao ano e déficit primário de 1% do PIB. Néstor e Cristina Kirchner desorganizaram a economia que Eduardo Duhalde havia arrumado. A desconstrução foi lenta, pois as condições eram favoráveis, com o aumento no preço das commodities e uma economia que partia do fundo do poço da mais profunda recessão do século 20.
Mauricio Macri optou por não enfrentar os problemas, enganou a turma do mercado financeiro e agora passa o bastão de uma economia em crise severa. A conta ficou para o peronismo, que terá de enfrentar o dilema entre fazer o ajuste ou assistir à volta da hiperinflação.
No Brasil, tangenciamos o abismo nesta década. Lula solto recupera a sua velha retórica populista. Num país em que radicais de esquerda e de direita se alimentam mutuamente, existe a opção pelo resgate da agenda social-democrata, que procura equilibrar os benefícios de uma economia de mercado com políticas públicas que cuidem dos mais vulneráveis.
Podemos continuar a repetir compulsivamente a retórica populista do passado ou optar pelo diálogo, reconhecendo erros e aprendendo com a experiência. 

Paulo Hartung, economista, foi por duas vezes governador do Espírito Santo (2003-11 e 2015-19).
Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-05).
Samuel Pessôa, doutor em economia pela USP, pesquisador do Ibre da FGV e sócio da Julius Bär Family Office, é colunista da Folha.
Ilustração de André Stefanini, artista gráfico e ilustrador.