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quarta-feira, 19 de agosto de 2020

América Latina: o abismo tão temido - Andres Serbin

América Latina: o abismo tão temido

Ano de 2020 trouxe a pandemia, que produzirá a pior recessão da história da região

O ano de 2019 foi um annus horribilis para a América Latina. Junto com uma acentuada desaceleração e um crescimento econômico magro que apenas alcançou 0,1%, a região experimentou uma multiplicação de mobilizações e protestos sociais que afetaram tanto os governos de esquerda quanto os de direita, em um contexto de uma reconfiguração –através de eleições– do mapa político da região.
Mas o ano 2020 trouxe a pandemia que, apesar das diferenças nacionais, aprofundou algumas das tendências e semelhanças existentes, e acentuou algumas características estruturais que constituem o pano de fundo dos múltiplos desafios que a região enfrentará para entrar em uma fase de pós-pandemia. A CEPAL antecipou que, como consequência da pandemia, se produzirá a pior recessão da história da região, com uma contração do PIB de 5,3% em 2020 e o aumento do índice de pobreza de 30,3% para 34,7%. O Banco Mundial mostrou que a contração poderia chegar a mais de 7%, como parte da pior crise da região desde 1901.
Sob o título genérico de Informe Iberoamérica 2020, um documento recente apresentado pela Fundación Alternativas de Madrid aponta os maus momentos que a região atravessa e atravessaria. O relatório aponta algumas dessas características, como a desigualdade pré-existente que afeta a estabilidade política da região, o aumento das demandas e expectativas associadas aos avanços sociais dos anos anteriores, que respondem a lutas redistributivas, e demandas por melhores políticas públicas por parte de diversos setores sociais.
O relatório também destaca que este é o pior desempenho econômico dos últimos sessenta anos, o que agrava os problemas estruturais da região associados à baixa diversificação produtiva e à excessiva dependência de matérias-primas (e a demanda da China pelas mesmas). Esta situação é agravada por uma crise de representação que marca retrocessos democráticos associados tanto a baixos níveis de confiança nas instituições políticas quanto ao desencanto (e consequente deslegitimação) em relação à capacidade das elites políticas e das lideranças existentes de atender às demandas dos cidadãos.
A polarização política gerada por esta combinação fatídica de fatores não apenas alimenta as fraturas ideológicas, mas também impacta na capacidade de moldar respostas regionais diante de um ambiente internacional que, por sua vez, está passando por uma transição complexa. A rivalidade entre os Estados Unidos e a China não é o único eixo deste processo. A crescente incidência de atores extrarregionais faz da América Latina e do Caribe, apesar de sua aparente natureza periférica, um campo de conflitos e lutas geopolíticas e geoeconômicas que tornam sua inserção internacional mais complexa. Além dessas duas potências, Rússia, Irã, Turquia e, mais recentemente, a Índia estão fazendo incursões na região, além dos tradicionais laços com a União Europeia e o Japão.
Três fatores adicionais –e eventualmente relacionados entre si– tendem a tornar a crise multinível na região ainda mais complexa. Primeiro, existe a corrupção das elites que tende a permear diferentes níveis das respectivas sociedades. O reaparecimento dos militares como um ator político, processo que ameaça as instituições democráticas já enfraquecidas e dá origem a várias modalidades autoritárias. E a expansão do crime organizado em suas múltiplas encarnações, do tráfico de drogas ao tráfico humano.
Neste contexto, ao desafio de lidar com a pandemia se somam obstáculos difíceis. Os países devem enfrentar a recessão e a crise econômica que afetam tanto os setores mais vulneráveis quanto a sociedade como um todo. A resiliência da democracia e de suas instituições enfraquecidas deve ser reforçada através da promoção de estratégias e políticas públicas que demanda a cidadania. E, finalmente, uma coordenação regional mais eficiente deve ser desenvolvida para enfrentar os desafios globais e para promover a inserção internacional com maiores graus de autonomia e de diversificação.
Desafios do mal momento que exigem acordos sociais complexos e sofisticados e consensos regionais, em uma América Latina devastada pela pandemia, mas também pela polarização social e política, e pela atomização regional.

Andrés Serbin é cientista político e presidente-executivo da Coordenação Regional de Pesquisa Econômica e Social (CRIES). Ele é membro pleno do Conselho Argentino de Relações Internacionais (CARI) e ex-diretor de Assuntos Caribenhos do Sistema Econômico Latino-Americano (SELA).
www.latinoamerica21.com, um projeto plural que dissemina diferentes visões da América Latina.