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domingo, 1 de dezembro de 2019

Brasil vive entre riscos de extrema direita e recaída lulista - Paulo Hartung, Marcos Lisboa, Samuel Pessôa




OPINIÃO
Brasil vive entre riscos de extrema direita e recaída lulista
País precisa retomar diálogo para evitar radicalismos e reencontrar equilíbrio, afirmam autores
Folha de São Paulo, Ilustríssima, domingo 1//12/2019

Paulo Hartung, Marcos Lisboa, Samuel Pessôa


[RESUMO] Políticas equivocadas de governos petistas, hoje ignoradas por Lula e seu partido, produziram crise e alimentaram a ascensão da extrema direita. País precisa retomar diálogo para evitar radicalismos e reencontrar equilíbrio.

Lula foi solto e mobilizou o debate político nas últimas semanas. Em tempos conturbados na América Latina, havia a possibilidade de um discurso pacificador que convidasse ao diálogo. Afinal, quando eleito presidente pela primeira vez, em 2002, depois de seguidas derrotas, optou pela cautela na economia e pela negociação na política.
Em vez disso, resgatou frases de efeito dos tempos em que tratava a política como disputa sindical. O paraíso está logo ali, desde que se derrotem os inimigos, afirmou com a veemência dos mercadores de ilusões.
O ex-presidente preferiu a bravata, e não foi a primeira vez. Extasiado pelo sucesso de seu primeiro mandato conservador na política econômica, Lula resgatou a promessa populista que desconsidera as restrições para distribuir favores a grupos organizados, aos movimentos sociais aos setores empresariais.
Em tempos de vacas gordas, seu segundo mandato (2007-10) retomou os planos mirabolantes de desenvolvimento da ditadura militar, acreditando que a disseminação dos subsídios e proteções ao investimento local resultaria em crescimento sustentado.

Na América Latina, o populismo se caracteriza pela retórica dominada por referências a inimigos que devem ser derrotados. Há interesses escusos da elite e de forças externas, que exploram o país em meio a uma agenda de dominação.
Esse discurso procura congregar grupos diversos da sociedade, por vezes antagônicos, enfatizando o inimigo comum a ser combatido. Podem ser a agenda neoliberal e o imperialismo americano, para os mais à esquerda; ou o comunismo e seus países de origem, para os mais à direita.
No caso do petismo, há os vínculos do partido com as ditaduras de esquerda do continente. Há o apoio ao governo venezuelano responsável pela maior crise humanitária no continente (15% da população já emigrou), além de eventos obscuros, como a devolução dos dois boxeadores cubanos que buscaram asilo no Brasil ou a defesa veemente do italiano Cesare Battisti.
Quando esses eventos são lembrados, moderados ligados ao PT afirmam que se trata de “discurso para a militância”, de retórica sem muita importância. Discordamos. Parece ilustrar um sentimento genuinamente autoritário presente no partido. Se não for esse o caso, resta a pergunta: então mentir vale?
Frente a esses sinais autoritários, a figura sóbria de Fernando Haddad defendendo a social-democracia da Suécia não é convincente.

A outra face do populismo é o desprezo pelas evidências sobre o impacto das propostas econômicas.
Ambos os extremos populistas, à esquerda e à direita, supõem que os problemas se resumem a um conflito distributivo: de um lado, a imensa maioria da sociedade, oprimida; de outro, os inimigos exploradores. Por essa razão, para os líderes populistas interessa apenas a hegemonia na política e a implementação de medidas que protejam os interesses imediatos de seus apoiadores.
Uma característica importante dessa retórica é avaliar a política pública apenas pelos objetivos, sendo irrelevante discutir seus custos e eficácia. Em 2003, alguns economistas alertaram que a política do primeiro emprego fracassaria. A reação foi declarar que os críticos eram contra proteger os mais jovens.
Perón, um dos pais do populismo latino, certa vez escreveu ao então presidente do Chile, Carlos Ibáñez:
“Meu caro amigo: dê ao povo tudo o que for possível. Quando lhe parecer que você está dando muito, dê mais. Você verá o resultado. Todos irão apavorá-lo com o espectro de um colapso econômico. Mas tudo isso é mentira. Não há nada mais elástico do que a economia, que todos temem tanto porque ninguém a entende”.
A má notícia é que os ganhos se revelam fugazes, e a conta chega em meio a desastres econômicos. A economia não é tão elástica assim. Perón inaugurou as décadas de decadência da economia argentina, e o governo Lula desperdiçou talvez a melhor oportunidade de desenvolvimento sustentado do país.
Lula livre falou contra a reforma da Previdência. Cometeu o erro crasso de afirmar que o projeto aprovado neste ano era a implantação do modelo chileno por capitalização. Falou contra as reformas em geral, entre as quais a trabalhista. Certamente, rejeita a administrativa.


Como todo populista latino-americano, Lula defende os interesses dos grupos organizados, sem mencionar seus efeitos colaterais sobre o restante da população, como obter surtos de expansão da atividade e do emprego à custa de comprometer o crescimento sustentado do país. Trocam-se alguns anos de expansão moderada da economia por uma década de retrocesso.
Entre os anos de 2003 e 2010, o Brasil cresceu, segundo dados do FMI, 4,0%, ante 4,1% do restante da América Latina e 4,2% da economia mundial. Enquanto isso, os demais países emergentes cresciam a taxas bem mais elevadas.
De 2011 até 2014, o Brasil ficou para trás. A taxa média de crescimento da economia mundial caiu para 3,6%, bem próxima da média do restante da América Latina. No caso do Brasil, porém, o crescimento anual médio caiu para 2,2% nesse período, com tendência de queda. A renda aumentou apenas 0,5% em 2014, na transição para uma das mais severas recessões da nossa história.
Os sinais de perda de dinamismo de nossa economia são bem anteriores ao agravamento da crise em 2015. Entre 2010 e 2014 a lucratividade das empresas negociadas na Bovespa e das principais empresas de capital fechado, segundo levantamento do Cemec (Centro de Estudo de Mercado de Capitais) conduzido pelo professor Carlos Rocca, caiu de 5,3% do PIB para 1,2% em meio à queda da produtividade.

Lula não falou sobre seu legado, mas fica a pergunta: o intervencionismo de seu governo foi positivo?
A política para desenvolver a indústria naval, a terceira tentativa em 60 anos, funcionou? Foi eficaz a agenda do PT de transferir mais de R$ 500 bilhões ao BNDES para fomentar a concessão de crédito direcionado com subsídio? Deu certo estimular a construção de inúmeras refinarias de petróleo pelo Brasil, sem que a proposta atendesse a critérios mínimos de viabilidade econômica?
A mudança do marco regulatório do petróleo e o atraso de cinco anos nos leilões do pré-sal atenderam aos interesses nacionais? As políticas de desoneração tiveram sucesso? Foi benéfico para o país ter rejeitado o ajuste fiscal estrutural proposto por Antonio Palocci em 2005? A política de conteúdo nacional resultou em desenvolvimento? 
Gostaríamos imensamente que Lula respondesse a essas perguntas em seus próximos pronunciamentos.
Melhor ainda seria se Lula e seus assessores descrevessem que políticas adotadas desde 2009 foram bem-sucedidas. Quais empresas apoiadas pelo seu governo continuam produzindo eficientemente ou estão isentas de escândalos de corrupção?
Não se trata de descartar de antemão a necessidade de intervenção estatal em várias circunstâncias; afinal, muitos países desenvolvidos se beneficiaram de políticas públicas durante a crise de 2008. Trata-se apenas de reconhecer que os instrumentos e políticas adotados pelo petismo fracassaram, revelando erro de diagnóstico ou falta de técnica. 
A opção por intervenções públicas discricionárias, em que o burocrata de plantão escolhe a quem beneficiar, resultou em investimentos ineficientes e baixa produtividade que comprometem o crescimento da economia brasileira.
Serão precisos muitos anos para corrigir as imensas decisões de produção fracassadas do petismo, dos estaleiros ineficientes aos estádios de futebol vazios, das empresas pouco competitivas beneficiadas pela proteção oficial aos projetos de logística que prometiam muito e entregam pouco.
Nos últimos anos, as lideranças do PT inventaram uma narrativa sobre a história recente. A economia vinha bem, porém Dilma cometeu pequenos erros ao atender à agenda Fiesp de intervenções setoriais, como no setor elétrico, e ao conceder desonerações a setores selecionados. Aécio não aceitou o resultado eleitoral e estimulou as pautas-bomba. A Operação Lava Jato e seu impacto sobre a construção civil, em conjunto com o “austericídio” de Joaquim Levy, completaram o serviço. O resultado foi a maior crise dos últimos 120 anos.

Essa narrativa responsabiliza terceiros pela crise e tenta salvar o populismo de esquerda. Afirma que o intervencionismo petista não foi ineficaz nem custou centenas de bilhões de reais ao Tesouro. A crise da Petrobras não seria o resultado de suas dificuldades financeiras (a dívida ficou cinco vezes maior do que a geração de caixa), mas da Lava Jato. Ainda, a queda do investimento público não teria decorrido do esgotamento dos recursos do Tesouro Nacional ou dos bancos públicos. 
De acordo com essa narrativa, não há desequilíbrio no Estado brasileiro. Um coronel da PM pode se aposentar aos 50 anos de idade, com proventos vitalícios de R$ 30 mil mensais. Funcionários do setor privado podem parar de trabalhar com menos de 55 anos de idade e acumular aposentadoria com pensão. Os professores da rede pública podem se aposentar após 25 anos de serviço com remuneração integral.
Entre os anos de 2003 e 2015, o governo dobrou a despesa por aluno do ensino fundamental, descontada a inflação. O Brasil atualmente gasta bem mais com educação que outros países emergentes, porém temos resultados constrangedores nos exames internacionais de aprendizado no ensino médio.
Para o velho populismo, no entanto, nenhuma reforma na gestão pública é necessária. Basta tributar os mais ricos e teremos recursos para tudo. Hugo Chávez, com petróleo acima de US$ 100, deixou como herança um país bem pior do que recebera. Não faltavam recursos, faltava racionalidade e sobrava populismo.
Alguns ainda duvidam que a reforma da Previdência atenda aos interesses dos mais necessitados e corrija parte da nossa injustiça. Os céticos deveriam ler o relatório do Instituto Mercado Popular sobre o tema.
Vale lembrar que o período do presidente Lula se iniciou com forte ajuste fiscal e uma agenda extensa de reformas liberais. No seu primeiro ano de governo, houve aumento da meta de superávit primário e da taxa de juros para equilibrar as contas públicas e controlar a inflação. Foi encaminhada ao Congresso a reforma da Previdência dos servidores públicos, em meio a diversas medidas para aperfeiçoar o mercado privado de crédito.

A política econômica ortodoxa do primeiro governo Lula foi bem-sucedida em reduzir a inflação e em retomar o crescimento econômico, além de ter se beneficiado da expansão do comércio mundial.
O sucesso do governo, no entanto, resultou em escolhas trágicas. 
A retomada do crescimento permitiu a volta do populismo e dos delírios de grandeza. A então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, reagiu violentamente à proposta de controle dos gastos públicos, que aumentavam bem mais do que a renda. “Gasto é vida”, disse a ministra, apoiada pelo presidente.
Nos anos seguintes, a gestão Lula retomou a agenda desenvolvimentista do governo Geisel (1974-79), revelando uma perturbadora semelhança entre as políticas econômicas da direita e a da esquerda. Ambos acreditaram que a disseminação de estímulos à produção local conduziria ao crescimento econômico sustentado. Ambos legaram um país com contas públicas desorganizadas e uma crise econômica anunciada.
Todos os grandes projetos iniciados pelo segundo governo Lula fracassaram. Ele passou o bastão para Dilma, deixando como herança obras de infraestrutura caras, muitas vezes inoperantes, e empresas ineficientes, em meio a um impressionante desperdício de recursos públicos. Nada diferente do que ocorrera com os delírios do período militar.
Esse populismo e seus resultados catastróficos foram o que terminou por fortalecer a extrema direita, que não hesita em justificar a truculência do AI-5 como reação aceitável frente a manifestações democráticas.
Para agravar, existe uma imensa parte da elite brasileira beneficiada pelos favores oficiais, mas que acredita ser parte da classe média de um país rico, apenas desigual.
O excesso de discricionariedade da política econômica favorece empresas que se beneficiam de regimes tributários especiais, além de entidades privadas que recebem recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade, como o Sistema S.

A imensa desigualdade de oportunidades no país explica o apoio da parte importante da população ao discurso populista. Famílias com crianças sem acesso a serviços públicos essenciais, como saneamento ou educação fundamental, produzem novas gerações à margem da sociedade formal.
As periferias das grandes cidades, com jovens que não estudam nem trabalham, que optam pelo crime ou engravidam precocemente, revelam a fonte da tragédia que alimenta discursos oportunistas e violentos.
A imensa pobreza no Brasil tem muitas causas, mas a principal, segundo a evidência disponível, é a falta de acesso das novas gerações ao cuidado na primeira infância e à educação fundamental de qualidade, que garanta o aprendizado em português e matemática. Sem a aquisição dessas competências, os resultados são baixa produtividade e pouca mobilidade social.
A direita se revela indignada com os equívocos da social-democracia; no entanto parece ignorar o desastre de um país que descuida das novas gerações. Numa nação com tamanha desigualdade de oportunidades, não deve surpreender o apelo persistente da velha retórica.
O discurso da extrema direita contra as escolhas individuais e a liberdade de expressão acaba por conferir legitimidade à oposição raivosa da esquerda, que alega se preocupar com os mais pobres e a solidez da democracia. Essa direita é filha do populismo irresponsável patrocinado pelo PT, porém, com sua insensibilidade e brutalidade, acaba por favorecer o renascimento da esquerda autoritária.
A arrumação do desastre produzido pelo petismo, de um lado, e pelo primarismo de certa direita que rejeita a ciência, de outro, requer a opção pelo diálogo e o reconhecimento dos nossos problemas. Temos um Estado caro em meio a um país pobre. Três horas do dia de trabalho de um brasileiro são apropriadas pelo poder público, boa parte usada para pagar servidores ou distribuir as incontáveis meias-entradas da nossa sociedade.
Podemos continuar nessa trajetória disfuncional, em que os muitos setores organizados disputam as benesses do poder público. Ou podemos optar por outro caminho, que permita a retomada do crescimento sustentado com solidariedade social.
Essa agenda passa pela reforma do Estado e pela reconstrução do centro progressista. Sem maior eficiência do poder público na provisão dos serviços de saúde, educação e segurança, além do cuidado com a imensa população das periferias urbanas, não avançaremos em direção à maior igualdade de oportunidade.
A reforma administrativa é essencial para essa agenda. Novos aumentos da carga tributária não resultarão em melhoria da qualidade da educação fundamental, caso não se alterem a estrutura de incentivos dos servidores públicos e os instrumentos de gestão, como reconhecer os melhores servidores públicos com maior remuneração.
A política pública deve ser avaliada por seus resultados. A criação de municípios desde a redemocratização melhorou o acesso a políticas públicas em regiões antes não atendidas? Os alunos passaram a aprender mais? A saúde da população melhorou?

Não basta, porém, corrigir os graves desvios do setor público. É necessário também que a economia volte a crescer.
Nos últimos 35 anos, a produtividade do trabalho no Brasil cresceu 0,5% ao ano, bem menos que na economia americana, a mais rica do mundo, afastando-nos ainda mais da fronteira do desenvolvimento, da qual, em tese, deveríamos estar nos aproximando, como tem ocorrido com tantos países emergentes.
A melhoria da educação contribui para aumentar a produtividade. A agenda para a retomada do crescimento inclui ainda a redução das distorções tributárias. As decisões de investimento devem ser motivadas pela sua rentabilidade para a sociedade, não por benefícios decorrentes do menor pagamento de impostos.
A abertura da economia ao comércio exterior permitiria o maior acesso a bens de capital mais eficientes ou a insumos mais baratos, contribuindo para o aumento da produção e da renda.
A desigualdade é tão profunda em nossa sociedade, no entanto, que não bastam políticas de igualdade de oportunidade e de aumento da produtividade. É necessário que o poder público intervenha, reduzindo a inequidade de renda entre os adultos por meio da progressividade dos impostos. Essa agenda, além de reduzir a desigualdade, ajuda a dotar o Estado de orçamento para financiar suas ações.

O caminho aqui é escorregadio. A retórica populista afirma que os ricos pagam pouco imposto, afinal dividendos são isentos de tributação. Não é bem assim. Lucros são tributados da mesma forma que salários. A sutileza decorre da nossa escolha por um modelo mais prático de arrecadação: tributar a geração de renda na fonte, na pessoa jurídica. Isso vale tanto para os trabalhadores quanto para os acionistas, que recebem salários e lucros já descontados os tributos devidos.
Nos últimos anos, diversos países têm optado por reduzir a cobrança de impostos sobre os lucros nas empresas, aumentando, por outro lado, a tributação na distribuição de dividendos. A conta, porém, deve considerar o total do imposto pago pelo lucro, quando gerado pela empresa, e do quanto é pago pelo acionista ao receber o dividendo.
As maiores distorções na tributação se encontram nas empresas que optam pelos regimes tributários especiais, Simples e lucro presumido, que, tudo considerado, pagam bem menos tributos que assalariados ou acionistas das empresas tributadas pelo lucro real.
O populismo dá voltas. Na Argentina, os descendentes de Perón herdarão uma economia em recessão, inflação de 60% ao ano e déficit primário de 1% do PIB. Néstor e Cristina Kirchner desorganizaram a economia que Eduardo Duhalde havia arrumado. A desconstrução foi lenta, pois as condições eram favoráveis, com o aumento no preço das commodities e uma economia que partia do fundo do poço da mais profunda recessão do século 20.
Mauricio Macri optou por não enfrentar os problemas, enganou a turma do mercado financeiro e agora passa o bastão de uma economia em crise severa. A conta ficou para o peronismo, que terá de enfrentar o dilema entre fazer o ajuste ou assistir à volta da hiperinflação.
No Brasil, tangenciamos o abismo nesta década. Lula solto recupera a sua velha retórica populista. Num país em que radicais de esquerda e de direita se alimentam mutuamente, existe a opção pelo resgate da agenda social-democrata, que procura equilibrar os benefícios de uma economia de mercado com políticas públicas que cuidem dos mais vulneráveis.
Podemos continuar a repetir compulsivamente a retórica populista do passado ou optar pelo diálogo, reconhecendo erros e aprendendo com a experiência. 

Paulo Hartung, economista, foi por duas vezes governador do Espírito Santo (2003-11 e 2015-19).
Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-05).
Samuel Pessôa, doutor em economia pela USP, pesquisador do Ibre da FGV e sócio da Julius Bär Family Office, é colunista da Folha.
Ilustração de André Stefanini, artista gráfico e ilustrador.

sábado, 7 de outubro de 2017

Macartismo no Itamaraty?; seria preciso dizer qual foi...

Como fui citado nesta matéria enviesada de #Carta, creio que tenho o dever de contextualizar o que disse, e esclarecer o meu caso. Eu já tinha sido citado em outra matéria -- "Diplomata pode criticar o governo?" -- e também respondi por meio de postagem no Facebook.
Eis o que disse a nova matéria:

Autor do blog Diplomatizzando, Paulo Roberto de Almeida bradou contra o “lulopetismo diplomático” por anos a fio. Recentemente, reafirmou o teor das críticas no Facebook, e emendou: “Se o governo do lulopetismo me tivesse punido ou censurado, eu teria achado absolutamente normal e legítimo, pois infringi a Lei do Serviço Exterior. Ou seja, não me “puniram”, mas poderiam tê-lo feito com toda razão”, afirmou, antes de acusar as gestões petistas de vetá-lo para o exercício de cargos na Secretaria de Estado de Relações Exteriores.

Esclareço: não "bradei" contra o "lulopetismo diplomático", apenas escrevi artigos razoavelmente críticos das excrescências praticadas, segundo minha opinião (que nunca me eximi de expressar) contra os interesses exteriores do Brasil pelos responsáveis políticos, e os publiquei em veículos disponíveis, divulgando-os em meu blog Diplomatizzando. Digo que infringi a Lei do Serviço Exterior pois não os submeti previamente ao conhecimento da hierarquia do Itamaraty, e poderia, portanto, ter sido punido segundo à Lei do Serviço Exterior. Não me cabe opinar sobre a "não punição", pois a decisão é soberana das autoridades.
Mas cabe esclarecer que, durante TODO o regime lulopetista no Brasil fui vetado (a palavra é essa) e obstado de exercer cargos na Secretaria de Estado, por motivos que desconheço, mas que imagino possam estar vinculados ao fato de que nunca escondi minha opinião sobre os governos lulopetistas.
Quem, na verdade, praticou Macartismo?
Paulo Roberto de Almeida

https://www.cartacapital.com.br/revista/973/no-itamaraty-o-macartismo-a-espreita





 No Itamaraty, o Macartismo à espreita

Política

Truculência

No Itamaraty, o Macartismo à espreita

por Rodrigo Martins publicado 07/10/2017 00h16
Aloysio Nunes Ferreira remove de Nova York o jovem diplomata que criticou o governo em CartaCapital
Geraldo Magela/Agência Senado
Aloysio Nunes
Desde o golpe de 2016, instalou-se uma política de "caça às bruxas" no Itamaraty



O chanceler do governo ilegítimo, Aloysio Nunes Ferreira, que um dia se disse de esquerda e até guerrilheiro, removeu o segundo-secretário Julio de Oliveira Silva, de 32 anos, do Consulado-Geral do Brasil em Nova York, em retaliação às críticas feitas pelo jovem diplomata à política externa de Michel Temer, em artigo publicado por CartaCapital. Medida “truculenta e desnecessária”, fulminou Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores de Lula.

A portaria de remoção foi assinada pelo tucano em 28 de setembro, dois dias após estreia de sua coluna no site da publicação. No texto, o diplomata afirma que “o compromisso das forças políticas atuais com o atraso, não apenas na economia, denota a intenção explícita em reverter o pacto social civilizatório duramente obtido em 1988”.

Ao analisar a recente visita de Temer à China, avaliou que o Brasil se apresentou como uma “colônia em potencial”, limitando-se a ofertar projetos de privatizações e concessões. O presidente, observou Oliveira Silva, levou consigo um séquito de parlamentares e assessores, mas nenhum empresário brasileiro com interesses no país asiático, à exceção de Blairo Maggi, ministro da Agricultura e “Rei da Soja”.

Sem aviso prévio nem explicação, o diplomata surpreendeu-se com a publicação da transferência no Diário Oficial da terça-feira 3. A CartaCapital, ele relata ter feito críticas semelhantes nas redes sociais anteriormente, mas nunca sofreu represálias.
De acordo com o regulamento interno do Itamaraty, o funcionário que deseje publicar artigos de opinião em livros, blogs ou veículos de comunicação pode fazê-lo livremente, não sendo necessário submeter o texto a autorização prévia.
Pede-se, no entanto, a inclusão no texto de um disclaimer, isto é, uma ressalva de que as opiniões são de inteira responsabilidade do autor, não coincidindo necessariamente com as posições do Ministério das Relações Exteriores. “Foi exatamente o que fiz. Cheguei a consultar a assessoria de imprensa do gabinete (do chanceler) para me certificar do procedimento correto.”
Julio de Oliveira Silva, a vítima mais recente (Foto: Reprodução Facebook)
Com oito anos dedicados ao Itamaraty, o diplomata não tem dúvidas de tratar-se de uma retaliação às críticas veiculadas na coluna em CartaCapital, em razão da proximidade de datas entre a publicação do primeiro artigo e o despacho de Nunes Ferreira. Além disso, seu nome não figurava no plano de remoções do Departamento do Serviço Exterior. “Foi uma medida totalmente atípica”, diz. “Por já ter cumprido três anos em Nova York, em breve eu seria incluído no plano de remoções. Imaginava que eles pudessem contrariar as minhas vontades ou oferecer postos ruins, mas jamais que seria chamado de volta a Brasília.”

De fato, a manobra parece contrariar a tradição do Itamaraty. “Há uma expectativa normal dos jovens diplomatas de ocuparem ao menos dois postos no exterior antes de regressar ao Brasil”, explica Amorim. “Um diplomata deve respeitar hierarquia, mas também exercer o espírito crítico, indispensável à execução da política externa”, emenda o ex-chanceler.

Após a destituição de Dilma Rousseff, instalou-se uma política de “caça às bruxas” no serviço diplomático, iniciada pelo então chanceler José Serra, antecessor e colega de partido de Nunes Ferreira. Uma das primeiras vítimas foi Milton Rondó Filho.
Em março de 2016, o diplomata enviou telegramas a embaixadas e representações brasileiras no exterior sobre a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil. Recebeu uma advertência do Itamaraty, ainda sob a liderança de Mauro Vieira, chanceler de Dilma.
Em junho, um mês após Temer assumir interinamente a Presidência, Rondó Filho foi exonerado da chefia da área de combate à fome do Ministério de Relações Exteriores.

Em julho de 2016, uma semana antes do início das Olimpíadas, o governo decidiu destituir o chefe do cerimonial, o embaixador Fernando Igreja, responsável pela recepção dos chefes de Estado da Rio 2016. O motivo? Internamente, o diplomata era visto como “simpático” ao governo Dilma, no qual foi o chefe do cerimonial do Itamaraty por três anos e meio. Após a dispensa, o “dilmista” foi enviado para Cuba.

A mesquinharia não tem limites. Contrariado com uma entrevista concedida por Rubens Ricupero à Folha de S.Paulo, Temer ordenou ao Itamaraty o cancelamento da festa de lançamento do livro do embaixador, A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016 (Versal Editores), uma das mais completas e atualizadas obras sobre a história da política externa nativa.
Ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco, integrante do corpo diplomático de 1961 a 2004, Ricupero afirmou ao jornal o óbvio: nenhum líder mundial desejava posar ao lado de Temer para uma foto.
“Hoje a imagem do Brasil não é nem pessimista nem otimista, corresponde à realidade: trata-se de um país com uma corrupção terrível, um presidente com uma segunda denúncia, ministros sendo investigados, uma crise que é a mais grave da história”, disse à jornalista Patrícia Campos Mello.

Se a crítica está interditada, o puxa-saquismo está liberado. Primeiro-secretário lotado no departamento de Europa Central e Oriental, Igor Abdalla publicou o artigo “Temos de volta o Itamaraty!”, logo após a consumação do impeachment, no site do Instituto Teotônio Vilela, ligado ao PSDB.
Filiado ao partido, ele celebrava o fim do ciclo “lulopetista” na diplomacia. Não consta que tenha sido alvo de qualquer advertência ou pedido de moderação sobre as manifestações de cunho político.
Celso Amorim: Nunes Ferreira adotou uma medida 'truculenta e desnecessária' (Foto: Antonio Araujo/Câmara dos Deputados)
Nas gestões anteriores, diversos diplomatas desfiaram críticas aos governos petistas, sem remoções ou exonerações. Atual diretor do Departamento de Serviço Exterior, Alexandre Porto foi colunista da Folha entre 2013 e 2016. Jamais poupou críticas a Dilma. Em março de 2016, escreveu a coluna “Caloteiro Ostentação”, na qual criticava os atrasos do Brasil em repasses para organismos multilaterais, enquanto o governo esbanjava dinheiro nas viagens ao exterior. De acordo com ele, não pegava bem a presidenta se hospedar em Nova York no Hotel Saint Regis, “onde uma suíte média, não a presidencial, onde ela fica, sai pela bagatela de 17 mil reais a noite”, um indício de que o diplomata pode ter obtido informação privilegiada dentro do Itamaraty para atacar Dilma.

Em 2013, Eduardo Saboia criou um incidente diplomático entre Brasil e Bolívia. Deu um jeito de trazer para o Brasil, de forma clandestina, um senador da oposição do governo de Evo Morales que estava asilado na embaixada do Brasil em La Paz. Sofreu um processo administrativo disciplinar e tomou uma breve suspensão. Hoje, é o chefe de gabinete de Nunes Ferreira.

Autor do blog Diplomatizzando, Paulo Roberto de Almeida bradou contra o “lulopetismo diplomático” por anos a fio. Recentemente, reafirmou o teor das críticas no Facebook, e emendou: “Se o governo do lulopetismo me tivesse punido ou censurado, eu teria achado absolutamente normal e legítimo, pois infringi a Lei do Serviço Exterior.
Ou seja, não me “puniram”, mas poderiam tê-lo feito com toda razão”, afirmou, antes de acusar as gestões petistas de vetá-lo para o exercício de cargos na Secretaria de Estado de Relações Exteriores.

Em nota, o Sindicato dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores disse acompanhar o processo de remoção de Oliveira Silva do Consulado-Geral do Brasil em Nova York, além de prestar assistência jurídica ao diplomata.
“Aproveitamos o episódio para, mais uma vez, reforçar o posicionamento do Sinditamaraty em relação à falta de clareza nos processos de remoção. Critérios parciais e intempestividade expõem os servidores e seus familiares a situação vulnerável, particularmente quando lotados no exterior”, diz o texto.

Procurado pela reportagem, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que não vai se posicionar sobre o caso. Diante da falta de transparência, o deputado federal Nelson Pellegrino, do PT da Bahia, protocolou um requerimento de pedido de informações a Nunes Ferreira sobre a atípica transferência.

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Comentei o que segue no Facebook: 
"Esse pessoal da Carta (sem) Capital me ignorou durante os treze anos durante os quais eu critiquei o “lulopetismo diplomático”, com muito orgulho, aliás, pois logo detectei o seu caráter nefasto para as relações exteriores do Brasil. Agora que um de seus simpatizantes perpetrou um ataque infantil contra a política externa do atual governo, eles se lembram que eu “bradei” (sic) contra a tal “altiva e ativa”, sem nunca ter sido punido. Engano deles, e posso retificar: fui duramente punido, da forma mais vergonhosa que possa existir, mas se o tivesse sido ao abrigo da lei, não teria nada a argumentar contra. Não o fizeram porque não quiseram, mas praticaram Macartismo de esquerda."

No que se refere à primeira matéria -- "Diplomata pode criticar o governo?" -- , eu respondi da seguinte forma:
Matéria cita o meu caso, por ter, no passado, em pleno governo Lula, criticado a política externa dessa coisa que eu sempre chamei de "lulopetismo diplomático". Não apenas confirmo o que escrevi como reafirmo: se o governo do lulopetismo me tivesse punido ou censurado, eu teria achado absolutamente normal e legítimo, pois infringi a Lei do Serviço Exterior. Ou seja, não me "puniram", mas poderiam tê-lo feito com toda razão. Se não o fizeram, foi talvez por vergonha, pelo fato de eu ter sido "vetado", a palavra é essa mesma, para o exercício de cargos na SERE, o que configura aliás uma infração administrativa.
E ainda isto: 
 O autor da matéria parece lamentar que eu não tenha sido punido pelo fato de ter criticado o governo Lula, esquecendo de mencionar que eu fui punido desde o primeiro dia desse governo, ao me terem sido recusados, vetados, proibidos, quaisquer cargos na Secretaria de Estado, tendo aliás permanecido nessa situação durante os treze anos e meio dos governos lulopetistas. O autor acha que não é punição bastante?