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domingo, 1 de dezembro de 2019

Brasil vive entre riscos de extrema direita e recaída lulista - Paulo Hartung, Marcos Lisboa, Samuel Pessôa




OPINIÃO
Brasil vive entre riscos de extrema direita e recaída lulista
País precisa retomar diálogo para evitar radicalismos e reencontrar equilíbrio, afirmam autores
Folha de São Paulo, Ilustríssima, domingo 1//12/2019

Paulo Hartung, Marcos Lisboa, Samuel Pessôa


[RESUMO] Políticas equivocadas de governos petistas, hoje ignoradas por Lula e seu partido, produziram crise e alimentaram a ascensão da extrema direita. País precisa retomar diálogo para evitar radicalismos e reencontrar equilíbrio.

Lula foi solto e mobilizou o debate político nas últimas semanas. Em tempos conturbados na América Latina, havia a possibilidade de um discurso pacificador que convidasse ao diálogo. Afinal, quando eleito presidente pela primeira vez, em 2002, depois de seguidas derrotas, optou pela cautela na economia e pela negociação na política.
Em vez disso, resgatou frases de efeito dos tempos em que tratava a política como disputa sindical. O paraíso está logo ali, desde que se derrotem os inimigos, afirmou com a veemência dos mercadores de ilusões.
O ex-presidente preferiu a bravata, e não foi a primeira vez. Extasiado pelo sucesso de seu primeiro mandato conservador na política econômica, Lula resgatou a promessa populista que desconsidera as restrições para distribuir favores a grupos organizados, aos movimentos sociais aos setores empresariais.
Em tempos de vacas gordas, seu segundo mandato (2007-10) retomou os planos mirabolantes de desenvolvimento da ditadura militar, acreditando que a disseminação dos subsídios e proteções ao investimento local resultaria em crescimento sustentado.

Na América Latina, o populismo se caracteriza pela retórica dominada por referências a inimigos que devem ser derrotados. Há interesses escusos da elite e de forças externas, que exploram o país em meio a uma agenda de dominação.
Esse discurso procura congregar grupos diversos da sociedade, por vezes antagônicos, enfatizando o inimigo comum a ser combatido. Podem ser a agenda neoliberal e o imperialismo americano, para os mais à esquerda; ou o comunismo e seus países de origem, para os mais à direita.
No caso do petismo, há os vínculos do partido com as ditaduras de esquerda do continente. Há o apoio ao governo venezuelano responsável pela maior crise humanitária no continente (15% da população já emigrou), além de eventos obscuros, como a devolução dos dois boxeadores cubanos que buscaram asilo no Brasil ou a defesa veemente do italiano Cesare Battisti.
Quando esses eventos são lembrados, moderados ligados ao PT afirmam que se trata de “discurso para a militância”, de retórica sem muita importância. Discordamos. Parece ilustrar um sentimento genuinamente autoritário presente no partido. Se não for esse o caso, resta a pergunta: então mentir vale?
Frente a esses sinais autoritários, a figura sóbria de Fernando Haddad defendendo a social-democracia da Suécia não é convincente.

A outra face do populismo é o desprezo pelas evidências sobre o impacto das propostas econômicas.
Ambos os extremos populistas, à esquerda e à direita, supõem que os problemas se resumem a um conflito distributivo: de um lado, a imensa maioria da sociedade, oprimida; de outro, os inimigos exploradores. Por essa razão, para os líderes populistas interessa apenas a hegemonia na política e a implementação de medidas que protejam os interesses imediatos de seus apoiadores.
Uma característica importante dessa retórica é avaliar a política pública apenas pelos objetivos, sendo irrelevante discutir seus custos e eficácia. Em 2003, alguns economistas alertaram que a política do primeiro emprego fracassaria. A reação foi declarar que os críticos eram contra proteger os mais jovens.
Perón, um dos pais do populismo latino, certa vez escreveu ao então presidente do Chile, Carlos Ibáñez:
“Meu caro amigo: dê ao povo tudo o que for possível. Quando lhe parecer que você está dando muito, dê mais. Você verá o resultado. Todos irão apavorá-lo com o espectro de um colapso econômico. Mas tudo isso é mentira. Não há nada mais elástico do que a economia, que todos temem tanto porque ninguém a entende”.
A má notícia é que os ganhos se revelam fugazes, e a conta chega em meio a desastres econômicos. A economia não é tão elástica assim. Perón inaugurou as décadas de decadência da economia argentina, e o governo Lula desperdiçou talvez a melhor oportunidade de desenvolvimento sustentado do país.
Lula livre falou contra a reforma da Previdência. Cometeu o erro crasso de afirmar que o projeto aprovado neste ano era a implantação do modelo chileno por capitalização. Falou contra as reformas em geral, entre as quais a trabalhista. Certamente, rejeita a administrativa.


Como todo populista latino-americano, Lula defende os interesses dos grupos organizados, sem mencionar seus efeitos colaterais sobre o restante da população, como obter surtos de expansão da atividade e do emprego à custa de comprometer o crescimento sustentado do país. Trocam-se alguns anos de expansão moderada da economia por uma década de retrocesso.
Entre os anos de 2003 e 2010, o Brasil cresceu, segundo dados do FMI, 4,0%, ante 4,1% do restante da América Latina e 4,2% da economia mundial. Enquanto isso, os demais países emergentes cresciam a taxas bem mais elevadas.
De 2011 até 2014, o Brasil ficou para trás. A taxa média de crescimento da economia mundial caiu para 3,6%, bem próxima da média do restante da América Latina. No caso do Brasil, porém, o crescimento anual médio caiu para 2,2% nesse período, com tendência de queda. A renda aumentou apenas 0,5% em 2014, na transição para uma das mais severas recessões da nossa história.
Os sinais de perda de dinamismo de nossa economia são bem anteriores ao agravamento da crise em 2015. Entre 2010 e 2014 a lucratividade das empresas negociadas na Bovespa e das principais empresas de capital fechado, segundo levantamento do Cemec (Centro de Estudo de Mercado de Capitais) conduzido pelo professor Carlos Rocca, caiu de 5,3% do PIB para 1,2% em meio à queda da produtividade.

Lula não falou sobre seu legado, mas fica a pergunta: o intervencionismo de seu governo foi positivo?
A política para desenvolver a indústria naval, a terceira tentativa em 60 anos, funcionou? Foi eficaz a agenda do PT de transferir mais de R$ 500 bilhões ao BNDES para fomentar a concessão de crédito direcionado com subsídio? Deu certo estimular a construção de inúmeras refinarias de petróleo pelo Brasil, sem que a proposta atendesse a critérios mínimos de viabilidade econômica?
A mudança do marco regulatório do petróleo e o atraso de cinco anos nos leilões do pré-sal atenderam aos interesses nacionais? As políticas de desoneração tiveram sucesso? Foi benéfico para o país ter rejeitado o ajuste fiscal estrutural proposto por Antonio Palocci em 2005? A política de conteúdo nacional resultou em desenvolvimento? 
Gostaríamos imensamente que Lula respondesse a essas perguntas em seus próximos pronunciamentos.
Melhor ainda seria se Lula e seus assessores descrevessem que políticas adotadas desde 2009 foram bem-sucedidas. Quais empresas apoiadas pelo seu governo continuam produzindo eficientemente ou estão isentas de escândalos de corrupção?
Não se trata de descartar de antemão a necessidade de intervenção estatal em várias circunstâncias; afinal, muitos países desenvolvidos se beneficiaram de políticas públicas durante a crise de 2008. Trata-se apenas de reconhecer que os instrumentos e políticas adotados pelo petismo fracassaram, revelando erro de diagnóstico ou falta de técnica. 
A opção por intervenções públicas discricionárias, em que o burocrata de plantão escolhe a quem beneficiar, resultou em investimentos ineficientes e baixa produtividade que comprometem o crescimento da economia brasileira.
Serão precisos muitos anos para corrigir as imensas decisões de produção fracassadas do petismo, dos estaleiros ineficientes aos estádios de futebol vazios, das empresas pouco competitivas beneficiadas pela proteção oficial aos projetos de logística que prometiam muito e entregam pouco.
Nos últimos anos, as lideranças do PT inventaram uma narrativa sobre a história recente. A economia vinha bem, porém Dilma cometeu pequenos erros ao atender à agenda Fiesp de intervenções setoriais, como no setor elétrico, e ao conceder desonerações a setores selecionados. Aécio não aceitou o resultado eleitoral e estimulou as pautas-bomba. A Operação Lava Jato e seu impacto sobre a construção civil, em conjunto com o “austericídio” de Joaquim Levy, completaram o serviço. O resultado foi a maior crise dos últimos 120 anos.

Essa narrativa responsabiliza terceiros pela crise e tenta salvar o populismo de esquerda. Afirma que o intervencionismo petista não foi ineficaz nem custou centenas de bilhões de reais ao Tesouro. A crise da Petrobras não seria o resultado de suas dificuldades financeiras (a dívida ficou cinco vezes maior do que a geração de caixa), mas da Lava Jato. Ainda, a queda do investimento público não teria decorrido do esgotamento dos recursos do Tesouro Nacional ou dos bancos públicos. 
De acordo com essa narrativa, não há desequilíbrio no Estado brasileiro. Um coronel da PM pode se aposentar aos 50 anos de idade, com proventos vitalícios de R$ 30 mil mensais. Funcionários do setor privado podem parar de trabalhar com menos de 55 anos de idade e acumular aposentadoria com pensão. Os professores da rede pública podem se aposentar após 25 anos de serviço com remuneração integral.
Entre os anos de 2003 e 2015, o governo dobrou a despesa por aluno do ensino fundamental, descontada a inflação. O Brasil atualmente gasta bem mais com educação que outros países emergentes, porém temos resultados constrangedores nos exames internacionais de aprendizado no ensino médio.
Para o velho populismo, no entanto, nenhuma reforma na gestão pública é necessária. Basta tributar os mais ricos e teremos recursos para tudo. Hugo Chávez, com petróleo acima de US$ 100, deixou como herança um país bem pior do que recebera. Não faltavam recursos, faltava racionalidade e sobrava populismo.
Alguns ainda duvidam que a reforma da Previdência atenda aos interesses dos mais necessitados e corrija parte da nossa injustiça. Os céticos deveriam ler o relatório do Instituto Mercado Popular sobre o tema.
Vale lembrar que o período do presidente Lula se iniciou com forte ajuste fiscal e uma agenda extensa de reformas liberais. No seu primeiro ano de governo, houve aumento da meta de superávit primário e da taxa de juros para equilibrar as contas públicas e controlar a inflação. Foi encaminhada ao Congresso a reforma da Previdência dos servidores públicos, em meio a diversas medidas para aperfeiçoar o mercado privado de crédito.

A política econômica ortodoxa do primeiro governo Lula foi bem-sucedida em reduzir a inflação e em retomar o crescimento econômico, além de ter se beneficiado da expansão do comércio mundial.
O sucesso do governo, no entanto, resultou em escolhas trágicas. 
A retomada do crescimento permitiu a volta do populismo e dos delírios de grandeza. A então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, reagiu violentamente à proposta de controle dos gastos públicos, que aumentavam bem mais do que a renda. “Gasto é vida”, disse a ministra, apoiada pelo presidente.
Nos anos seguintes, a gestão Lula retomou a agenda desenvolvimentista do governo Geisel (1974-79), revelando uma perturbadora semelhança entre as políticas econômicas da direita e a da esquerda. Ambos acreditaram que a disseminação de estímulos à produção local conduziria ao crescimento econômico sustentado. Ambos legaram um país com contas públicas desorganizadas e uma crise econômica anunciada.
Todos os grandes projetos iniciados pelo segundo governo Lula fracassaram. Ele passou o bastão para Dilma, deixando como herança obras de infraestrutura caras, muitas vezes inoperantes, e empresas ineficientes, em meio a um impressionante desperdício de recursos públicos. Nada diferente do que ocorrera com os delírios do período militar.
Esse populismo e seus resultados catastróficos foram o que terminou por fortalecer a extrema direita, que não hesita em justificar a truculência do AI-5 como reação aceitável frente a manifestações democráticas.
Para agravar, existe uma imensa parte da elite brasileira beneficiada pelos favores oficiais, mas que acredita ser parte da classe média de um país rico, apenas desigual.
O excesso de discricionariedade da política econômica favorece empresas que se beneficiam de regimes tributários especiais, além de entidades privadas que recebem recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade, como o Sistema S.

A imensa desigualdade de oportunidades no país explica o apoio da parte importante da população ao discurso populista. Famílias com crianças sem acesso a serviços públicos essenciais, como saneamento ou educação fundamental, produzem novas gerações à margem da sociedade formal.
As periferias das grandes cidades, com jovens que não estudam nem trabalham, que optam pelo crime ou engravidam precocemente, revelam a fonte da tragédia que alimenta discursos oportunistas e violentos.
A imensa pobreza no Brasil tem muitas causas, mas a principal, segundo a evidência disponível, é a falta de acesso das novas gerações ao cuidado na primeira infância e à educação fundamental de qualidade, que garanta o aprendizado em português e matemática. Sem a aquisição dessas competências, os resultados são baixa produtividade e pouca mobilidade social.
A direita se revela indignada com os equívocos da social-democracia; no entanto parece ignorar o desastre de um país que descuida das novas gerações. Numa nação com tamanha desigualdade de oportunidades, não deve surpreender o apelo persistente da velha retórica.
O discurso da extrema direita contra as escolhas individuais e a liberdade de expressão acaba por conferir legitimidade à oposição raivosa da esquerda, que alega se preocupar com os mais pobres e a solidez da democracia. Essa direita é filha do populismo irresponsável patrocinado pelo PT, porém, com sua insensibilidade e brutalidade, acaba por favorecer o renascimento da esquerda autoritária.
A arrumação do desastre produzido pelo petismo, de um lado, e pelo primarismo de certa direita que rejeita a ciência, de outro, requer a opção pelo diálogo e o reconhecimento dos nossos problemas. Temos um Estado caro em meio a um país pobre. Três horas do dia de trabalho de um brasileiro são apropriadas pelo poder público, boa parte usada para pagar servidores ou distribuir as incontáveis meias-entradas da nossa sociedade.
Podemos continuar nessa trajetória disfuncional, em que os muitos setores organizados disputam as benesses do poder público. Ou podemos optar por outro caminho, que permita a retomada do crescimento sustentado com solidariedade social.
Essa agenda passa pela reforma do Estado e pela reconstrução do centro progressista. Sem maior eficiência do poder público na provisão dos serviços de saúde, educação e segurança, além do cuidado com a imensa população das periferias urbanas, não avançaremos em direção à maior igualdade de oportunidade.
A reforma administrativa é essencial para essa agenda. Novos aumentos da carga tributária não resultarão em melhoria da qualidade da educação fundamental, caso não se alterem a estrutura de incentivos dos servidores públicos e os instrumentos de gestão, como reconhecer os melhores servidores públicos com maior remuneração.
A política pública deve ser avaliada por seus resultados. A criação de municípios desde a redemocratização melhorou o acesso a políticas públicas em regiões antes não atendidas? Os alunos passaram a aprender mais? A saúde da população melhorou?

Não basta, porém, corrigir os graves desvios do setor público. É necessário também que a economia volte a crescer.
Nos últimos 35 anos, a produtividade do trabalho no Brasil cresceu 0,5% ao ano, bem menos que na economia americana, a mais rica do mundo, afastando-nos ainda mais da fronteira do desenvolvimento, da qual, em tese, deveríamos estar nos aproximando, como tem ocorrido com tantos países emergentes.
A melhoria da educação contribui para aumentar a produtividade. A agenda para a retomada do crescimento inclui ainda a redução das distorções tributárias. As decisões de investimento devem ser motivadas pela sua rentabilidade para a sociedade, não por benefícios decorrentes do menor pagamento de impostos.
A abertura da economia ao comércio exterior permitiria o maior acesso a bens de capital mais eficientes ou a insumos mais baratos, contribuindo para o aumento da produção e da renda.
A desigualdade é tão profunda em nossa sociedade, no entanto, que não bastam políticas de igualdade de oportunidade e de aumento da produtividade. É necessário que o poder público intervenha, reduzindo a inequidade de renda entre os adultos por meio da progressividade dos impostos. Essa agenda, além de reduzir a desigualdade, ajuda a dotar o Estado de orçamento para financiar suas ações.

O caminho aqui é escorregadio. A retórica populista afirma que os ricos pagam pouco imposto, afinal dividendos são isentos de tributação. Não é bem assim. Lucros são tributados da mesma forma que salários. A sutileza decorre da nossa escolha por um modelo mais prático de arrecadação: tributar a geração de renda na fonte, na pessoa jurídica. Isso vale tanto para os trabalhadores quanto para os acionistas, que recebem salários e lucros já descontados os tributos devidos.
Nos últimos anos, diversos países têm optado por reduzir a cobrança de impostos sobre os lucros nas empresas, aumentando, por outro lado, a tributação na distribuição de dividendos. A conta, porém, deve considerar o total do imposto pago pelo lucro, quando gerado pela empresa, e do quanto é pago pelo acionista ao receber o dividendo.
As maiores distorções na tributação se encontram nas empresas que optam pelos regimes tributários especiais, Simples e lucro presumido, que, tudo considerado, pagam bem menos tributos que assalariados ou acionistas das empresas tributadas pelo lucro real.
O populismo dá voltas. Na Argentina, os descendentes de Perón herdarão uma economia em recessão, inflação de 60% ao ano e déficit primário de 1% do PIB. Néstor e Cristina Kirchner desorganizaram a economia que Eduardo Duhalde havia arrumado. A desconstrução foi lenta, pois as condições eram favoráveis, com o aumento no preço das commodities e uma economia que partia do fundo do poço da mais profunda recessão do século 20.
Mauricio Macri optou por não enfrentar os problemas, enganou a turma do mercado financeiro e agora passa o bastão de uma economia em crise severa. A conta ficou para o peronismo, que terá de enfrentar o dilema entre fazer o ajuste ou assistir à volta da hiperinflação.
No Brasil, tangenciamos o abismo nesta década. Lula solto recupera a sua velha retórica populista. Num país em que radicais de esquerda e de direita se alimentam mutuamente, existe a opção pelo resgate da agenda social-democrata, que procura equilibrar os benefícios de uma economia de mercado com políticas públicas que cuidem dos mais vulneráveis.
Podemos continuar a repetir compulsivamente a retórica populista do passado ou optar pelo diálogo, reconhecendo erros e aprendendo com a experiência. 

Paulo Hartung, economista, foi por duas vezes governador do Espírito Santo (2003-11 e 2015-19).
Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-05).
Samuel Pessôa, doutor em economia pela USP, pesquisador do Ibre da FGV e sócio da Julius Bär Family Office, é colunista da Folha.
Ilustração de André Stefanini, artista gráfico e ilustrador.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Opinioes sobre o processo eleitoral e um convite a razao - Paulo Roberto de Almeida e Paulo Hartung

Opiniões sobre o processo eleitoral e um convite à razão

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2018
 [Objetivo: considerações sobre o momento eleitoral; finalidade: convite à razão]


Com a aproximação do primeiro turno das eleições, e preocupado como muitos brasileiros bem informados com a crescente polarização do processo eleitoral, produzi, nas últimas semanas e dias recentes, uma série de pequenos textos oferecendo opiniões pessoais e considerações sobre a importância do pleito para algumas grandes definições para o nosso futuro imediato, em meio a uma crise sem precedentes em nossa história, e na perspectiva de uma radicalização indesejável do cenário político em torno das candidaturas mais salientes, podendo desembocar num acirramento ainda maior do clima político-ideológico, sem que se possa excluir, a priori, consequências ainda mais nefastas no plano dos embates entre grupos, movimentos e partidos opostos.
Reuni aqui alguns desses textos, oferecendo outros à consulta em meu próprio blog, uma vez que eles foram objeto de divulgação anterior; todos eles fazem parte da primeira parte do título deste texto: “opiniões sobre o processo eleitoral”. O “convite à razão” refere-se à recente entrevista dada pelo governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, ao jornalista Geraldo Samor, que me pareceu um primor de equilíbrio e de sensatez; ela vai transcrita ao final, por se tratar de texto relativamente longo. Minha opinião, a esse respeito, é a de que ele próprio deveria ser o objeto dessa reunião dos “centristas” em torno de uma candidatura única, uma vez que os candidatos já em liça não parecem pretender renunciar em favor de qualquer um dos demais; ele seria, então, o único representante do bloco centrista, perspectiva que me parece extremamente difícil. 

(A) Minhas opiniões pessoais sobre o processo eleitoral: 
Sou minoria, tenho plena consciência disso, e pretendo continuar minoria, por absoluta fidelidade a certos valores, princípios e posturas políticas e econômicas, devidamente declaradas aqui mesmo, neste espaço.
Pretendo apenas deixar clara esta minha reflexão preventiva, às vésperas de um desastre anunciado, catástrofe decidida democraticamente pela maioria da população brasileira, na completa abstenção, inépcia e corrupção das pretensas elites brasileiras, que, mais uma vez, nestes quase 200 de Estado nacional, se revelam novamente incompetentes na tarefa de construção de uma nação digna e próspera.
Não culpo o povo pelo desastre já previsto. Culpo sim as elites, entre as quais me incluo, por mais este fracasso como sociedade.
Bye-bye Brasil: nos vemos novamente em mais quatro anos, quando aliás estaremos “comemorando” patéticos duzentos anos de má construção da nação, pela mediocridade absoluta dessas elites às quais pertenço.

1) “Por que votarei em João Amoedo?”
(Brasília, 3312; 3 agosto 2018, 4 p.) Digressão sobre um Brasil melhor. Blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/08/por-que-votarei-em-joao-amoedo-paulo.html).

2) Mini-reflexão sobre o atual momento político brasileiro” 
(Brasília, 3318; 10 agosto 2018, 2 p.) Considerações pessimistas sobre a mediocridade que parece predominar no cenário político. Blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/08/mini-reflexao-sobre-o-momento-politico.html).

3) “Minha postura político-eleitoral”
(Brasília, 3327; 10 setembro 2018, 3 p.) Desmentido, pela terceira vez, de que eu possa trabalhar ou apoiar o candidato da direita nas eleições de outubro de 2018, ou de que vá servir a um governo dessa linha; com acréscimo em 24/09/2018. Blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/09/nao-sou-eleitor-de-bolsonaro-nem-vou.html).

4) Apelo para um voto realmente útil, benéfico e necessário”
(Brasília, 3328; 16 setembro 2018, 2 p.) Considerações sobre um processo de reagrupamento centrista, o único capaz de tornar o atual processo eleitoral brasileiro menos propenso a uma concentração nos extremos, o que seria prejudicial à superação da fragmentação atual do cenário político. Postagem no blog Diplomatizzando(https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/09/apelo-para-um-voto-realmente-util.html).

5) “Mini-reflexão às vésperas de um desastre”
(Brasília, 3335; 25 setembro 1 p.) Pessimismo num alerta preventivo em face de mais quatro anos de mediocridade. Postado no blog Diplomatizzando  (https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/09/mini-reflexao-as-vesperas-do-desastre.html).

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(B) Um convite à razão: entrevista com o governador Paulo Hartung
Minha introdução a esta entrevista magnífica. Trata-se de leitura absolutamente imperdível: uma grande entrevista, de um grande político (de um pequeno estado), um grande ser humano.
Quem fará o gesto não apenas magnânimo, mas simplesmente inteligente, e absolutamente necessário, de tomar a iniciativa de sentar, conversar e se dispor ao sacrifício absolutamente imprescindível de renunciar às suas ambições pessoais, mesquinhas, de pequena política, para pensar no destino do Brasil e dos brasileiros?
A incapacidade de esses quatro ou cinco candidatos centristas de se concertarem entre si para formar uma coalizão dos “bons”, nos deixará, e ao Brasil, entregues a um dos polos, ambos inadequados e indesejados na situação atual do país. Se tal conferência dos “razoáveis” não for conduzida rapidamente, os brasileiros se dividirão nos dois polos atualmente melhor posicionados. Isto será um desastre para o país, com toda a ênfase que eu posso emprestar à palavra DESASTRE. 
Será a confirmação definitiva de que nossas pretensas “elites” são efetivamente ineptas, inconscientes e declaradamente estúpidas. Elas próprias estarão decretando a falência da construção de uma nação razoável, e estarão convidando outras elites, os quadros de classe média bem formados, a deixarem definitivamente o Brasil, como muitos já estão fazendo. Quando um país perde os seus melhores quadros, como já aconteceu na Venezuela, ela já está convidando oportunistas criminosos a tomarem conta do Estado. 
A Grande Guerra (1914-18) arruinou absolutamente a Europa e o mundo: os grandes problemas atuais ainda derivam de seus efeitos deletérios, sobretudo em termos de ideias (fascismo, comunismo, dirigismo, etc.). Ela não teria acontecido se os líderes (imperadores e um presidente) tivessem conversado mais uns com os outros do que terem ouvido seus generais, que prometiam uma guerra curta e vitoriosa. Pois eu proclamo a necessidade de os quatro ou cinco candidatos de centro de se reunirem numa conferência política pré-guerra (eleições) para decidirem sobre o destino maior do Brasil, que não será resolvido por um dos dois polos. Leiam a entrevista do Paulo Hartung e tenham esse gesto magnânimo e inteligente. Do contrário teremos uma Grande Guerra no Brasil e todos os seus efeitos devastadores (fascismo, comunismo, dirigismo, etc.).
Não terá sido por falta de aviso de minha parte. 
De um leitor da História.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2018

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Paulo Hartung: união dos reformistas exige o 'primeiro passo'
Governador fala em 'ambiente péssimo' e defende agenda em torno de ideias
Geraldo Samor
Brazil Journal, 22/09/2018 às 12h58

VITÓRIA — Quando assumiu o Governo do Espírito Santo em janeiro de 2015, Paulo Hartung teve que renegociar o orçamento daquele ano com o Legislativo, que o aprovara meses antes. O novo orçamento cortou R$ 1,3 bilhão da receita que estava superestimada.
Não só a Assembleia aprovou a alteração, como o Ministério Público, a Justiça estadual e o Tribunal de Contas também aceitaram reduzir seus orçamentos.

No fim daquele ano, a receita do Estado bateu exatamente com a receita prevista, e Hartung nunca atrasou pagamentos a servidores ou fornecedores. 
Em seguida, o Governador enfrentou o que alguns de seus assessores chamam de ‘as sete pragas do Egito’: a queda no preço do petróleo, o desastre ambiental que levou à paralisação da Samarco, que movimenta 5% do PIB capixaba; a maior seca da história do Estado; uma greve na Polícia Militar, e, para completar, a descoberta de que o Governador estava com um câncer (do qual ele já se curou).

Logo no início do mandato, o governador conseguiu aprovar a 'PEC da Impessoalidade’, removendo logomarcas das propagandas do Estado e acabando com a foto oficial do governador nas repartições públicas.

Hartung é um homem público exemplar numa era de descrédito profundo com a classe política; uma voz de ponderação num ambiente marcado pelo entrincheiramento e tribalização; e um gestor com todas as contas em dia — numa época em que a maioria dos estados está quebrada.  

Por tudo isso, o Brazil Journal procurou o governador para falar sobre a eleição e o futuro do País.

O senhor vê espaço para um acordo que leve a uma candidatura única de centro nos próximos dias, ou o país está condenado a um segundo turno entre dois candidatos cujo maior mérito é ser o anti-outro? 
Espaço nós temos, porque as eleições no mundo inteiro vem sendo decididas em cima da hora. Qual o problema que eu vejo? Quem vai dar o primeiro passo. E todos também acham que a convergência deve ser em torno do seu nome. O fato é que nós temos eleições polarizadas entre os extremos, mas se a gente somar os extremos não chega a 60%. Ou seja, esse campo que eu chamo de reformista, que é onde eu me encontro, estão uns 40% do eleitorado brasileiro. Se este campo sair da fragmentação em que se encontra – uma fragmentação brutal, com cinco candidaturas – e conseguir alguma unidade, ele está disputando o segundo turno, o que seria ideal até para qualificar o debate, que está muito raso. 

Se os candidatos não fizerem isso, é possível que o eleitor faça por eles. Talvez esteja faltando um curto-circuito, uma fagulha que possa provocar isso. Seguramente esse curto-circuito não será uma facada nem tiro, e sim uma percepção da população de que não é com mais populismo e com mais demagogia que vamos enfrentar este momento difícil que o País está vivendo. 

O Brasil está totalmente quebrado, com suas contas desorganizadas. Está perdendo espaço num mundo integrado que – sim, tem problemas – mas também tem enormes oportunidades, e nós estamos perdendo essa janela. Se o eleitor perceber isso, pode ser a fagulha que está faltando. 

Em quem o senhor vai votar?
Eu já decidi. Eu vou votar num candidato que flerte com essa agenda reformista, na qual eu acredito, e que esteja, ali nos últimos três ou quatro dias, em condições de disputar o segundo turno. Eu acho que não está na hora da gente ficar com grupinho, facção, partidarismo. Está na hora da gente tentar dar rumo ao País, porque o povo brasileiro não merece viver esse sofrimento que está vivendo.

Um acordo entre os candidatos nesta reta final seria um fato histórico e, em última análise, daria o status de 'estadistas' aos envolvidos. É muito difícil para um político colocar o País acima da sua ambição pessoal?
Acho que não. O problema é que o sistema político do Brasil fez água. Está literalmente destruído. Um partido é uma parte do pensamento da sociedade, mas o que está aí não tem nada a ver com a busca do pensamento da sociedade, é a busca ao tesouro do fundo partidário e do tempo de televisão para fazer negociação. Os partidos estão no vinagre. A nossa estrutura eleitoral já era ultrapassada desde a Constituição de 1988. 

Falta o sentido do interesse público a esses agentes? Eu não diria isso. Talvez se um dos candidatos tomasse a atitude de desistir da candidatura, poderia ser um dominó. Vários seguiriam o mesmo caminho e eu acho que eles ganhariam muito respeito da sociedade se assim praticassem. Não é falta de espírito público, o que está faltando é o primeiro passo, a primeira atitude a ser tomada nesse processo eleitoral, porque algumas candidaturas não conseguiram decolar. Então, se eles dessem esse passo seria importante. 

O senhor fez parte de um grupo que defendeu a entrada de 'outsiders' na disputa eleitoral deste ano. Conversou com Luciano Huck, Joaquim Barbosa, sobre isso. Qual era sua visão naquele momento? 
Eu conversei com muita gente, com o Luciano, que é uma agradável surpresa. Eu não conhecia o Luciano. É uma pessoa sensível, preparada, com uma boa reflexão de Brasil. O ministro Joaquim já conhecia e admirava há muito anos. É uma relação mais antiga. Conversei muito com o Bernardinho, outra figura que trabalha o conceito de liderança. Citei três nomes, mas podia citar 30. Eles tiveram muito entusiasmo para entrar na vida pública, foram para perto, conhecer essa bagunça da estrutura política e partidária do País e acabaram recuando. E tem razões de sobra para recuar, porque o sistema que está aí é avesso à inovação, ele bloqueia a inovação. É um muro de contenção para não deixar o processo de alternância de lideranças ser processado no nosso país. 
Na minha visão, esta era uma eleição boa para um outsider disputar. Um outsider que tenha uma visão da economia, que tenha uma boa sensibilidade social… Nosso país é muito desigual, não dá para você ter uma visão apenas da economia, você tem que ter uma visão de como você cria e estrutura o reino da oportunidade para todos. Eu acho que era um momento interessante para um outsider porque quebraria o monopólio desses extremos. 

Desde o início eu achava que viriam os extremos. Só os extremos conseguem falar a uma nação desesperançosa. No mundo inteiro foi assim. Na hora que colapsa, são os extremos que conseguem dialogar com a sociedade colapsada – e a sociedade brasileira está literalmente colapsada. E eu achava que entrando ali uma pessoa fora do jogo da política não viria com esse desgaste das estruturas políticas e teria a capacidade de falar e ser ouvido.
Se os candidatos de centro não se unirem ou nenhum deles passar para o segundo turno, ainda assim o centro político vai ter que conversar com os dois extremos que passarem. O senhor acha que essa conversa tem que ser ao redor de quê? 
Eu acho que o que deve presidir a nossa ação no primeiro ou no segundo turno, der o que der – e eu estou torcendo para que algum candidato com a agenda correta vá para o segundo turno – é programa. Toda vez que as forças políticas – até as forças razoáveis do nosso país – flertaram com esse negócio de cargo, de ocupação em governo, fizeram bobagem. Agora, recentemente, fizeram mais uma. Não é isso que tem que estar em disputa. 

O que tem que estar em disputa é o programa que nós vamos implementar. Como a gente tira esse país da crise fiscal, como reorganiza a Previdência, quando a gente sabe que estamos vivendo mais e não pode ter um país com idade mínima? Como a gente tira os privilégios da área previdenciária? Vamos ser o país dos privilégios e dos privilegiados a vida inteira? Temos que quebrar isso. Como faz? Como é que a gente conserta as contas públicas? Como é que a gente dá competitividade à nossa economia frente a um mundo que tem a economia globalizada? Como a gente integra a economia brasileira nas grandes cadeias internacionais de produção, de consumo e assim por diante? Esse é o nosso desafio. Eu estou focado nisso. Se a gente tomar o caminho certo, a gente dá jeito no país. Se a gente continuar flertando com o caminho fácil, que é o caminho da demagogia, do populismo, vamos continuar vendo nosso país perdendo espaço no mundo e nossa população vivendo cada vez pior. 

O senhor disse que vai votar no candidato reformista que estiver mais bem colocado às vésperas da eleição. Hoje, no debate político, mesmo as pessoas que votam em candidatos reformistas tem muitas reservas quanto aos outros candidatos. O senhor diria que este é o momento de focar no que é comum, em vez de focar nas diferenças?
Acho que sim, até porque essas diferenças são minúsculas quando comparadas com as posições que estão no extremo da política brasileira e liderando as pesquisas. Aí é meu sentido prático – e eu sou uma pessoa muito prática. Eu acho que a gente precisa ter uma noção do quadro que nós estamos vivendo e do perigo que nós temos, que é um perigo objetivo. Não é criar pânico nas pessoas. 

O país nesses últimos anos fez tudo errado. Queimou o que tinha, queimou o que não tinha. Se o País não acerta o passo, ele não suporta mais quatro anos de aventura, de inexperiência administrativa, de testar coisas que já deram errado no mundo inteiro e repete aqui no Brasil de novo. Não tem espaço para uma 'nova matriz econômica'. Não adianta ir para o governo com a cabeça de que governo pode tudo, faz e acontece. Não é isso. Nós sabemos que não é isso. Precisamos sair do caminho fácil da demagogia e seguir o caminho certo das reformas que precisamos enfrentar. 

Vai ter sacrifício. Tem que falar abertamente para a população. A vida é assim. Você planta, você cuida e daqui a pouco está colhendo. Neste mandato, estou colhendo resultados na educação. As pessoas falavam: "educação, fazendo tudo certo, em 10 anos você começa a colher resultado". Não é verdade. Fizemos o certo, buscamos as boas experiências educacionais no Brasil: de Pernambuco, de Sobral, implantamos o 'Pacto pela Aprendizagem' aqui para cuidar do ensino infantil e fundamental, pegamos uma experiência do Instituto Unibanco, que também é uma intervenção importante na escola de ensino médio, de tempo parcial… e agora colhemos aí a melhor nota do Ideb… E o que é mais importante que a nota: uma evolução positiva dentro de toda a rede capixaba. 

Você tem que plantar, cuidar para poder colher. 

O que o senhor diria para as pessoas que estão desanimadas com a perspectiva de um segundo turno Bolsonaro X Haddad?
Escolha um candidato com a boa agenda, com bons propósitos, vota nesse candidato, e arranja mais uns 10 votos, para ver se tem algum bom candidato lá no segundo turno criando opção [risos]. Eu estou brincando aqui, mas vou falar sério: eu acredito na política. As pessoas falam assim: "com esse Congresso não se governa o País". Não é verdade! Governa. Tem que ir lá. Esse é o Congresso que o povo brasileiro colocou? Quem vai interagir com o Congresso tem que ir lá conversar, dialogar, explicar porque nós precisamos mudar uma lei. Por que essa lei do jeito que está escrita está prejudicando a competitividade das empresas brasileiras. 

Eu acredito na política como ferramenta civilizatória. Eu acho que nós humanos quando descobrimos a política ficamos mais humanos. Esse é o sentido. A política – estou falando da política com P maiúsculo – pega uma situação de conflito paralisante e transforma aquilo ali numa ação renovadora. Esse é o papel da política. Quando eu falo que a política brasileira precisa ser transformada, estou falando das instituições que o homem criou e precisam ser atualizadas. Mas a política como ferramenta tem uma potência enorme. 

O que vier aí, no primeiro e no segundo, dá para tratar com a política. Com o diálogo, procurando caminho e assim por diante. A minha palavra não é de desespero, não. Eu estou operando nessa realidade. É uma realidade adversa? É claro que é. O solo que nós estamos pisando nessa eleição é movediço, fruto de tudo o que o país viveu, somado ao que a democracia está vivendo de problemas. 

Quem está botando esses dois candidatos na frente? Qual o sentimento? 
Tem de tudo. Tem um sentimento de decepção, misturado com raiva de tudo que vem acontecendo no Brasil. O sentimento da população é de chutar o pau da barraca, não tendo a paciência de pensar na cabeça de quem vai cair a danada dessa barraca. 

Eu não vou tirar a razão da população. Passar por tudo isso aí que nós passamos e continuamos passando, assistir o que a gente assiste na televisão toda noite – desvios, maus feitos – a reação da população é natural. Agora, nós, que temos um papel de liderança, temos que saber direcionar essa energia para um caminho que seja positivo para o Brasil.

Momentos como esse produziram, na caminhada civilizatória, resultados muito ruins. Eu sou um leitor inveterado de história e sei que ambientes péssimos como esse muitas vezes produziram caminhos políticos que são verdadeiros descaminhos. A gente precisa estar atento, dialogando muito, conversando muito. E volto a dizer: acho que a gente tem que fazer um esforço final de colocar o nosso pensamento no segundo turno ou dar um tamanho a ele para que, em qualquer circunstância, ele possa sentar à mesa para dialogar o futuro do país. E dialogar não em termos de pessoas e funções, mas dialogar em termos de ideias. É um diálogo programático para o País, coisa que nós ainda não estamos acostumados a fazer.
O que motivou a sua decisão de não buscar a reeleição este ano?
Primeiro, uma carreira muito longa. Foram oito eleições que eu disputei: já fui deputado estadual, federal, senador, prefeito da capital, três vezes governador, três vezes eleito em primeiro turno, sempre com muito apoio e carinho da população. Eu confesso aqui, pela primeira vez, que eu já vinha pensando que eu tinha que parar em algum momento. Essa coisa tem que saber a hora de entrar e a hora de parar. Muito mais bonito que o milésimo gol do Pelé foi ele saber a hora de parar. Precisa ficar um gostinho de 'quero mais', de saudade. Não pode esperar que você chegue a um final ruim, melancólico; sempre tentei desviar disso, vou ser muito franco. 

Evidente que o ambiente da política também não é o melhor, nem no mundo, muito menos no Brasil, que eu acho que é o pior ambiente que eu acompanho mundo afora: soma a crise da democracia representativa, o sombreamento que está vivendo a política, com os problemas de recessão econômica, as famílias empobrecendo e a crise ética. 

Eu sempre pensei que tinha uma hora para parar e soma-se a isso essa crise da política. Eu tomo muito cuidado para falar disso porque eu fico preocupado em não passar uma mensagem errada para os jovens, que eu quero que entrem na política. Eu sou um formador de quadros, em todo lugar que eu fui eu tive a preocupação de formar quadros. Mas isso pesou também na minha decisão. 

Mas não vou deixar de fazer política. Aqui eu dou um recado bom para a juventude: eu vou morrer militando na política. Eu vou morrer escrevendo artigos, dando palestras, defendendo boas teses, boas ideias. Eu vou lutar a vida inteira para melhorar nosso País, para que ele deixe de ser o eterno país do futuro que não se realiza. Se a gente realizar o potencial do Brasil, nós vamos devolver a esperança aos nossos jovens, que é uma coisa que me preocupa muito. A juventude brasileira está descrente de tudo, e com razão. Nós precisamos injetar esperança nos jovens.

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