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sábado, 1 de setembro de 2018

Meu caso com um certo partido (2003) - Paulo Roberto de Almeida

No mesmo impulso que me fez criticar as críticas dos militantes de esquerda (inclusive membros do próprio PT) à política econômica do governo do PT, redigi uma pequena nota, para divulgar os trabalhos que eu vinha escrevendo em defesa, não do PT ou do governo do PT, mas da racionalidade, do simples bom-senso na formulação das políticas públicas, sobretudo a econômica. A mesma nota era acompanhada de uma lista de trabalhos redigido até ali, nem todos divulgados devidamente.
Esta a ficha do trabalho: 

1049. “Meu caso com um certo partido”, Washington, 15 mai. 2003, 2 p. Introdução a compilação de textos de caráter “polêmico-partidário”, para divulgar de forma agrupada trabalhos de debate “unilateral” com uma certa maioria social. Inédito. 

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1/09/2018

Meu caso com um certo partido

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 15 de maio de 2003

No curso dos últimos anos, ou talvez mesmo duas décadas, tenho sido um observador constante, fiel e interessado, das transformações em curso no sistema político-partidário brasileiro. Não poderia ser de outra forma: participante ativo, embora discreto, do movimento em prol da redemocratização política e social do Brasil (tendo escolhido um período de auto-exílio na fase mais dura da ditadura militar), considero ser meu dever de cidadão dar minha contribuição voluntária ao aperfeiçoamento das práticas políticas e dos comportamentos éticos no plano nacional, na modesta dimensão de minhas possibilidades, obviamente limitadas por um trabalho profissional absorvente, pelas necessárias ocupações familiares e por uma dedicação exemplar e paralela às lides acadêmicas, ainda que de modo amador, improvisado e tentativo.
Os textos que se seguem podem ser considerados como representando, ainda que de modo seletivo, uma combinação exemplificativa dessa vocação participativa na vida cidadã com o espírito crítico da abordagem acadêmica, isto é, um posicionamento firme em favor da mudança política e do progresso social no Brasil, sem descurar contudo da preservação da racionalidade econômica e da honestidade intelectual.
Estas são as características que, precisamente, marcam a maior parte dos textos aqui reunidos: uma boa disposição em apoiar, de modo claro, o partido da reforma no Brasil, mas um compromisso nunca questionado com uma postura crítica em relação ao que me parecem ser “desvios” da “boa” racionalidade econômica ou da honestidade intelectual que são encontrados em qualquer agrupamento político-ideológico. Não tenho a pretensão de deter a “verdade” sobre os temas aqui debatidos ou de me apresentar em “censor” ou “mestre” de quem quer que seja. Meu único compromisso é com uma exposição sincera dos fatos que observo na realidade política e econômica do País e com uma defesa firme de princípios que me parecem estar na base de qualquer ação social digna desse nome numa sociedade democrática: o debate aberto, sincero, honesto, sem preconceitos ou intolerância com as posturas adversas ou discordantes.
Um pecado confesso, porém: uma certa ironia, fina ou aberta, em relação a posições que me parecem inconsistentes com a realidade ou indefensáveis do ponto de vista da lógica e da coerência intrínseca dos argumentos. Defendo, a esse propósito, um método socrático de debate e argumentação, mas a veemência de certas posições assumidas, a pouca paciência com idéias que me parecem francamente fora do lugar e o desejo de vencer pela força de uma razão prática mais afirmada podem dar a impressão, a muitos de meus interlocutores, ou adversários, de arrogância intelectual, quando meu único desejo é o de fazer avançar o debate. Devo ter vários outras insuficiências pessoais, que não caberia discutir aqui, mas um grande defeito quero crer que não tenho: o dom da hipocrisia. Ao contrário: tenho também essa desvantagem de falar a verdade, muitas vezes de modo direto, e sem atenção às suscetibilidades ou sensibilidades do parceiro, o que já me causou mais de um problema ao longo de uma vida no geral pacata, mas também feita de debates e polêmicas. 
Sem mais delongas, desejo remeter os frequentadores desta página a esta seleção de trabalhos produzidos ao longo dos dois últimos anos, dentre muitos outros que pertencem a uma mesma temática obsessiva: a correção das imensas desigualdades e iniquidades que caracterizam o Brasil, pelo método de maior racionalidade econômica e de menor custo social, sem prejuízo da já mencionada honestidade intelectual.
Bom proveito.

Washington, 15 de maio de 2003 

Seleção de trabalhos de caráter “polêmico-partidário”:


1) 819. “O PT e as relações econômicas internacionais  do Brasil: análise do programa econômico “Um outro Brasil é possível”, Washington, 14 outubro 2001, 25 pp. Comentários gerais e tópicos ao programa do grupo de economistas do PT, representando a tendência majoritária do partido, identificando pontos obscuros e equívocos em matério de política externa do Brasil e de relações internacionais. Reelaboração ampliada do trabalho nº 808, para divulgação pública. Revisão em 18.10.01. Publicado em Espaço Acadêmico (Maringá: UEM, Ano I, nº 6, novembro de 2001; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/35900). Postado no blog Diplomatizzando em 27/02/2016 (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/02/o-pt-volta-2001-com-sua-politica.html). 



4) 958. “Preparado para o poder?: pense duas vezes antes de agir: As consequências econômicas da vitória; Parte 3 (da série: manual de nova economia política para a fase de transição)”, Washington, 8 out. 2002, 9 p. Continuidade da série, com ênfase nos amigos-inimigos da nova maioria (e do velho pensamento econômico). Publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico(Maringá, a. II, n. 17, out. 2002). Revisto em 18.11.02, com ampliação do texto. Incorporado ao livro (Trabalhos n. 976) A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Códex Editora, 2003). Divulgado no blog Diplomatizzando(22/10/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/preparado-para-o-poder-pense-duas-vezes.html).

5) 978. “Consequências econômicas da derrota: identificando vencedores e vencidos”, Washington, 2 novembro 2002, 10 p. Último ensaio (5) da série “novo manual de economia política”, identificando ideias vencedoras e perdedoras no seguimento do embate eleitoral e antes de iniciar o próximo governo. Publicada na revista Espaço Acadêmico (Maringá: ano II, n. 18, novembro 2002). Incorporado ao livro (Relação de Trabalhos n. 976) A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil (São Paulo: Códex Editora, 2003). Divulgado no blog Diplomatizzando (22/10/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/consequencias-economicas-da-derrota.html).

6) 989. “Avaliando a transição: Balanço da vitória, no momento da subida ao poder (da série: Consequências econômicas da vitória, parte 7)”, Washington, 8 dez. 2002, 8 p. Continuidade da série, a partir do texto “vitória na fase de transição” (Trabalho n. 970), com avaliação sintética do desempenho da equipe da nova maioria, e propondo um sistema objetivo de avaliação quantificada. Revisto e ampliado (11 p.), em 28/12/02, com inclusão de quadros de indicadores objetivos para avaliação dos resultados econômicos e sociais da nova administração. Publicado na revista Espaço Acadêmico(n. 20, jan. 2003). Divulgado no blog Diplomatizzando (22/10/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/consequencias-economicas-da-vitoria.html).

7) 1043. “O “novo Brasil” em ação: observações sobre a primeira Resolução do PT no poder”, Washington, 30 abril 2003, 17 p. Reformulação do trabalho n. 1018, de 16/03/2003, fazendo análise e observações tópicas sobre a resolução emitida pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) em sua primeira reunião desde sua chegada ao poder, realizada em São Paulo, em 15-16/03/2003, com nota explicativa agregada. Publicado na revista eletrônica Revista Autor (a. III, n. 25, jul. 2003; ISSN: 1677-3500; não disponível). Divulgado no blog Diplomatizzando(1/09/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/09/a-primeira-resolucao-do-pt-no-poder.html).



Observação: Vários desses trabalhos e muitos outros aqui não compilados encontram-se disponíveis em meu livro A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil(São Paulo: Editora Códex, 2003), enquanto que outros, talvez de caráter mais polêmico ou sensível, não se encontram momentaneamente disponíveis.

"Intelequituais" criticam Lula no poder (1/05/2003) - Paulo Roberto de Almeida

As contestações feitas ao “neoliberalismo” do PT no poder continuaram durante toda a primeira metade do seu primeiro mandato, e até recrudesceram, com a saída de dissidentes, que depois fundariam o PSoL. No dia 1o. de maio de 2003, data simbólica para os trabalhadores e para o PT, um grupo de “intelectuais” (assim foram autodesignados) divulgou uma carta ao Presidente com fortes críticas à sua política econômica, ao presidente do Banco Central (Henrique Meirelles) e ao próprio ministro da Fazenda, Antonio Palocci, um trotsquista da boa cepa – dizem que os trotsquistas fazem os melhores capitalistas, quando convertidos – e a vários outros aspectos da condução do governo, que eles certamente esperavam “revolucionária”, e que estavam achando reformista, ou burguesa demais. Pela primeira vez explicitamente saí em defesa do presidente, não por ele, claro, mas em defesa da racionalidade da política econômica. Esse texto ficou inédito, ou teve circulação extremamente restrita, o que me leva a divulgá-lo neste momento (trabalho n. 1044).
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1 de setembro de 2018

Uma segunda carta de 1º de maio ao Presidente Lula (Comentando algumas idéias expostas na “Carta ao Presidente Lula”)

Washington, 3 de maio de 2003.

Senhor Presidente Luis Inácio Lula da Silva,

            No dia 1º de maio de 2003, um grupo de personalidades, identificadas pela imprensa como sendo “intelectuais”, resolveu ajudá-lo na dura tarefa de governar o Brasil, oferecendo-lhe, sem terem sido solicitados ao que sei, algumas “recomendações” de caráter negativo: não faça isto, não faça aquilo. Nesse manifesto ideológico em forma de carta (transcrita em sua íntegra ao final), o Brasil aparece como imerso nos perigos da globalização e submetido aos ditames do império e das empresas multinacionais, o que suspeito não corresponda à sua própria posição sobre a situação do País. Esses perigos, segundo o texto da carta, seriam representados pelos projetos da Alca e de autonomia do Banco Central, vistos por seus autores como ameaças à soberania do Brasil. 
            Como não estou seguro de que essas “recomendações” estejam de acordo com as suas próprias orientações de governo e como entendo que os autores da carta, ao divulgá-la simultaneamente pela imprensa, estejam na verdade mais interessados em exercer pressão sobre as diretrizes de política econômica e de política externa de seu governo do que em manter um diálogo leal e aberto sobre os problemas nela levantados, resolvi comentar trechos dessa carta com a única intenção de tentar oferecer à opinião pública uma melhor compreensão das implicações dessas questões. Minhas observações tópicas, muitas delas sob a forma de perguntas adicionais, devem ser lidas como uma tentativa de exegese preliminar dessa carta que contém posições e argumentos que reputo confusos e desencontrados. Voltarei a esses temas se assim julgar necessário.
            Transcrevo em primeiro lugar trechos dessa carta-manifesto, agregando logo em seguida meus próprios comentários críticos.


1) “Caro Presidente
Essa carta lhe é endereçada por pessoas que o prezam, admiram sua trajetória política e desejam prestar-lhe toda ajuda, a fim de que o Senhor possa corresponder às enormes esperanças que sua vitória despertou no povo brasileiro.”

Comentário: Explicando as reais intenções dos missivistas: Nós que passamos as últimas décadas tentando explicar o Brasil e o mundo para os nossos alunos, para o público em geral e para o PT em especial, achamos que podemos lhe dar alguns conselhos sobre como melhor governar o Brasil. Não estamos certos de que o governo que diz representar o povo brasileiro tenha bem compreendido a complexidade da tarefa que tem pela frente. Nós estamos aqui para lhe ajudar.
  
2) “Cientes da situação econômico-financeira do país temos uma clara percepção das dificuldades internas e externas que tem levado o governo a editar medidas de restrição de gastos e elevação de juros.” 

Comentário: Traduzindo: Que coisa é essa de continuar praticando a mesma política econômica neoliberal do seu predecessor? Quando, finalmente, começará a ser cumprido a promessa explicitada na “Carta ao Povo Brasileiro” (26.06.02) de que “se vencermos as eleições começaremos a mudar a política econômica desde o primeiro dia”? Somos bastante compreensivos mas não estamos totalmente de acordo com as medidas adotadas.


3) “Sabemos, além disso, que a globalização provocou modificações substantivas na economia mundial e que será muito difícil desenvolver o país sem participar de algum modo da comunidade financeira internacional.”

Comentário: Imaginando o que poderia ser: Teríamos preferido que não existisse esse processo de globalização capitalista, desigual e excludente, e que o Brasil estivesse totalmente livre para determinar o seu destino, mas, já que é assim, façamos que a nossa dependência financeira seja a menor possível.


4) “Contudo, esses constrangimentos não podem significar renúncia à nossa soberania. Duas medidas são particularmente preocupantes em relação a este aspecto: a negociação da ALCA e a pretendida autonomia do Banco Central.”

Comentário: Tentando corrigir o itinerário: Mal suportando essa inserção na globalização, vamos pegar os dois assuntos da atualidade política e apresentá-los como ameaças à soberania do povo brasileiro.


5) “A primeira, como alguns de nós já argumentaram em extensos e repetidos arrazoados, exporá nossos produtores industriais, agrícolas e de serviços a uma concorrência absolutamente desigual, cuja primeira conseqüência será uma desnacionalização ainda maior do nosso parque produtivo. E por sua abrangência que extrapola acordos comerciais, mas envolve a agricultura, investimentos, compras estatais, moeda, serviços, deixa clara a intenção do Governo Estadunidense em recolonizar o continente de acordo com seus interesses apenas.”

Comentário: Um acordo de comércio com intenções políticas: Apesar de nossos extensos e repetidos (talvez enfadonhos?) arrazoados, ainda não conseguimos convencer a todos de que a Alca representará, de fato, o desmantelamento de nossa indústria e a desnacionalização da nossa economia. Mas uma vez que se trata de projeto americano só pode ser malévolo e prejudicial aos nossos interesses enquanto Nação. Muito melhor o acordo com a UE, uma entidade sem malícia, totalmente comprometida com o nosso bem-estar e que propôs um acordo comercial de outro tipo, sem reciprocidade e não-assimétrico, e sem nada daquilo que vem sendo exigido pelos americanos. Como os europeus já nos colonizaram uma vez, eles não podem querer repetir os velhos erros, apenas novos, de resto não intencionais. Mas, quem foi mesmo o idiota que nos disse que a Alca envolve “moeda” entre seus objetivos?


6) “A segunda implica a entrega do controle da nossa moeda aos capitais externos e, portanto, a renúncia ao projeto nacional. Não se pode ocultar que, estando os setores mais dinâmicos da nossa economia em mãos de empresas estrangeiras, a autonomia do Banco Central significa transferir para elas a fixação do valor da nossa moeda.”

Comentário: Tentando entender: O Dr. Meirelles está sabendo que a autonomia da sua “caixa preta” (literalmente) significa entregar o“controle da nossa moeda aos capitais externos”? Ele tem consciência dessas enormes consequências de uma simples medida administrativa? Ele sabe, pelo menos, que a fixação do valor da moeda tem tudo a ver com o caráter mais ou menos (des)nacional da nossa economia? São essas empresas estrangeiras que vão passar a ter assento no Conselho de Política Monetária? E será que elas vão querer valorizar o real, para poder remeter mais dólares para o exterior nos lucros e dividendos, ou será que elas vão preferir desvalorizá-lo para poder assim afastar a concorrência estrangeira e exportar mais para poder ganhar mais dinheiro? 
Meus Deus, que dilema! E logo agora que o mercado vinha se encarregando ele mesmo de determinar a paridade do real, vem essa autonomia estragar tudo, jogando incertezas no que já nos parece muito confuso. Melhor voltar aos manuais de economia para ler um pouco sobre câmbio, sobre a fixação do “valor” da moeda pelo Banco Central e sua relação com a desnacionalização.
E o que seria mesmo esse tal de “projeto nacional” ao qual estaríamos renunciando com a autonomia do BC? Está publicado em algum sitede fácil acesso? Foi elaborado pelo mesmo grupo de “intelectuais”? Como renunciar a algo pouco explícito?


7) “Por estas razões, tomamos a decisão de enviar-lhe esta carta. Em nosso entender, tanto a ALCA quanto a autonomia do Banco Central são questões inegociáveis, posto que implicam na intocabilidade da própria soberania da Nação.” 

Comentário: Um pouco de Português e algo de lógica: se essas questões fosse “negociáveis” elas implicariam ipso factona “tocabilidade” da soberania? O caráter mais ou menos “tocável” da soberania depende de que uma questão seja negociável ou não? Mas, se elas já vem sendo negociadas, isso significa que nossa soberania já foi “tocada” e sendo assim ela já está danificada, fissurada, diminuída? Dá para medir quanto?
Em que medida o acordo do Mercosul “tocou” a nossa soberania? E o antigo acordo do GATT, pelo qual o Brasil se obrigava a tratar todos os parceiros comerciais da mesma forma, imperialistas e subdesenvolvidos? E os novos acordos da OMC, que trouxeram novas obrigações em campos antes não cobertos pelos velhos acordos comerciais, eles também comprometem nossa soberania? Daria para retornar à velha e boa “intocabilidade” anterior?
            Nessa lógica, os países membros da UE, que é uma Alca super-desenvolvida, renunciaram a muito mais soberania do que os membros do Nafta: eles estão todos tocados por isso, inclusive por essa tremenda renúncia de soberania que é a adoção de uma moeda única? E aqueles países que já têm bancos centrais autônomos, por acaso os mesmos membros da UE, por exemplo, ou ainda os EUA, com o Federal Reserve, eles seriam menos soberanos do que o Brasil pretende ser quando der autonomia ao BC?
            Fazendo um último esforço para entender: com que diabos um órgão formalmente autônomo mas de fato controlado pelo Senado ameaça tanto a soberania do País? O BC deveria trazer este aviso em seu frontão: “Não me toques”?


8) “Decisão de tamanha magnitude deve ser tomada pelo detentor dessa soberania: o povo brasileiro. Assim, cada brasileiro e cada brasileira deveriam ser chamados a se pronunciar sobre ambas questões em um plebiscito convocado para esse expresso fim.
O plebiscito ensejaria um grande debate nacional sobre os dois temas, dando assim fundamento a uma decisão verdadeiramente democrática sobre os mesmos.”

Comentário: Plebiscitos: Se a intenção é essa mesma, porque não aproveitar os resultados do anterior, também sobre Alca, e poupar o esforço de fazer uma nova consulta popular para chegar a resultados tão previsíveis e bem conhecidos? No de setembro de 2002, houve pelo menos 98% de “não”, com alguns poucos indecisos e um número ridículo de mal informados ou de irredutíveis neoliberais que votaram pelo “sim”. Com base nessa consulta, sabemos que a Alca já foi explicada, reexplicada, esconjurada e banida nos altares da CNBB e supostamente rejeitada pelo povo brasileiro. Para que fazer repeteco de unanimidade? (A menos, é claro, que as perguntas sejam formuladas de outra forma e não da maneira intencionalmente malévola como da primeira vez.)
            Falando aliás de consultas por sim ou não, será que questões complexas como a autonomia do BC e o acordo da Alca (que terá provavelmente mais de 500 páginas) se prestam a respostas tão definitivas e conclusivas? Como acomodar todas os matizes das vantagens e desvantagens de um acordo comercial, com concessões e benefícios sendo trocados num espaço de tempo superior a 15 anos, no âmbito de uma simples resposta negativa ou positiva? A complexidade de um acordo desse tipo, cujos resultados aliás vão depender de um número enorme de variáveis que estarão sendo movimentadas antes, durante e depois de ter sido ele concluído, conseguiria ser acomodada no esquema maniqueísta de uma consulta plebiscitária?
            Da mesma forma, como encaixar todas as implicações da autonomia do BC num simples jogo de sim ou não? Por fim, esse “grande debate nacional sobre os dois temas” já não estaria sendo irremediavelmente comprometido – quando não contaminado – pela decisão pré-anunciada de se resolver tudo pelo sim ou não?
Que tal fazer antes um plebiscito para saber se se vai mesmo fazer um plebiscito para resolver esses dois problemas? E que tal fazer um plebiscito preliminar sobre o tipo de questões que estariam sendo colocadas no verdadeiro plebiscito ulterior? Mas será que não seria melhor fazer eleições para esse tipo de consulta, uma vez que as questões que colocariam os partidários do “não” seriam presumivelmente muito diferentes daquelas que seriam formuladas pelos adeptos do “sim”? E que tal fazer antes um plebiscito para tentar saber quantos partidários do “não” poderia haver nesse tipo de plebiscito, e quantos já se deixaram “tocar” pelo abandono de soberania, para assim poder formular as questões do futuro plebiscito com algum tipo de conhecimento prévio do que estão esperando os eleitores (perdão, plebiscitores) desse tipo de consulta?
Mas todas essas perguntas pouco plebiscitárias me parecem muito confusas: o ideal talvez seria encomendar ao mesmo grupo de redatores da carta-manifesto um julgamento “definitivo” sobre a Alca e a autonomia do BC: o resultado é igual de previsível e nos pouparia algum esforço, muita saliva e um certo dinheiro com um debate e uma consulta tão inúteis quanto viciados. 


9) “Estamos convencidos de que uma atitude firme do Brasil mudará a postura das forças que nos estão pressionando e abrirá caminho para que possamos construir autonomamente os caminhos que mais convém ao nosso desenvolvimento.”

Comentário: Ufa!: É isso aí Brasil: cresça, apareça e faça uma cara bem feia que essas forças não identificadas se assustarão e nos deixarão tranquilos, construindo nosso próprio processo de desenvolvimento na santa paz da anti-globalização. Mas, por que esses intelectuais, tão sapientes que já sabem dizer quais serão os resultados catastróficos da Alca e da autonomia do BC, não nos dizem claramente que forças são essas? São aquelas mesmas “forças terríveis” que levaram os presidentes Getúlio Vargas ao suicídio e Jânio Quadros à renúncia? São forças tão ocultas que não podem ser desvendadas nem num manifesto de “intelectuais”? Elas serão capazes de também provocar a queda do presidente Lula, tão simpático a ponto de recolher a adesão de seus antigos adversários políticos?
É pena que eles não nos dizem isso claramente, pois até já sabem que uma atitude firme do Brasil bastará para mudar a postura dessas forças, mesmo desconhecidas. Eu sugeriria, aliás, que esses “intelectuais” fossem colocados na linha de frente do processo negociador da Alca e nas tribunas do Congresso onde estará sendo debatido a questão da autonomia do BC: eles saberão como impedir qualquer consequência negativa de uma atitude mais pusilânime que por acaso diplomatas e parlamentares queiram ostentar no tratamento desses dois problemas. Afinal, eles têm o segredo das “forças ocultas”.


10) “Porém, se assim não for, e o governo vier a ser colocado na contingência de romper com as forças que o estão pressionando, creia Sr. Presidente, que as represálias não serão insuportáveis. Nossa economia já é suficientemente forte para resistir a elas e nosso povo suficientemente politizado para dar-lhe o apoio necessário nesse enfrentamento.”

Comentário: Explicando uma vez mais: Veja Senhor Presidente, tudo o que dissemos antes sobre as fraquezas de nossa economia já não vale mais, pois ela é suficientemente forte para suportar quaisquer represálias, que aliás não se sabe bem de onde virão, pois tomamos o cuidado de ocultar essa informação desta carta-manifesto pública. Apenas revelaremos a fonte do mal em caráter reservado, para não afetar a nossa estratégia de fazer cara feia.
Mas ainda estamos discutindo entre nós de que maneira a politização do nosso povo afeta a revelação do inimigo e da estratégia a ser empregada para derrotá-lo. Tudo o que podemos dizer neste momento é que este enfrentamento será terrível e que ele consumirá a maior parte de nossas energias mentais, religiosas, acrobáticas, sociológicas, literárias, arquitetônicas, psicanalíticas, geográficas, jurídicas, musicais, filosóficas, econômicas, educacionais, militares, teatrais e, por último mas não menos importante, humorísticas.


PS.: Senhor Presidente: Acredito sinceramente que não se deve prestar muita atenção a essa carta-manifesto de um punhado de personalidades que raramente tiveram a seu encargo dirigir um país, um ministério ou sequer uma empresa ou escola, obtendo seu ganha-pão, no mais das vezes, de aulas dadas a alunos que não sabem avaliar quantas bobagens eles falam sobre assuntos que desconhecem inteiramente, e que só se distinguem na mídia porque estão sempre prontos a assinar sem ler o próximo manifesto “progressista” que lhes é apresentado. Continue a dirigir o Brasil com o bom-senso e o pragmatismo que lhe são peculiares e não se preocupe sequer em responder a esse amontoado de bobagens. Seus assessores poderão apresentar argumentos em defesa de seu governo e das políticas adotadas com a sua concordância. Seu único avaliador que conta, finalmente, é o próprio povo brasileiro, que votará da próxima vez em função do bem-estar que seu governo for capaz de lhe trazer, não em razão desses “argumentos” totalmente irrelevantes agitados por um bando de ideólogos. 

Pela leitura crítica:
[sem identificação]
3 de maio de 2003

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Transcrição do teor integral da:

CARTA AO PRESIDENTE LULA

Caro Presidente
Essa carta lhe é endereçada por pessoas que o prezam, admiram sua trajetória política e desejam prestar-lhe toda ajuda, a fim de que o Senhor possa corresponder às enormes esperanças que sua vitória despertou no  povo brasileiro.
Cientes da situação econômico-financeira do país temos uma clara percepção das dificuldades internas e externas que tem levado o governo a editar  medidas de restrição de gastos e elevação de juros. Sabemos, além disso, que a globalização provocou modificações substantivas na economia mundial e que será muito difícil desenvolver o país sem participar de algum modo da comunidade financeira internacional.
Contudo, esses constrangimentos não podem significar renúncia à nossa soberania.
Duas medidas são particularmente preocupantes em relação a este aspecto: a negociação da ALCA e a pretendida autonomia do Banco Central.
A primeira, como alguns de nós já argumentaram em extensos e repetidos arrazoados, exporá nossos produtores industriais, agrícolas e de serviços a uma concorrência absolutamente desigual, cuja primeira conseqüência será uma desnacionalização ainda maior do nosso parque produtivo. E por sua abrangência que extrapola acordos comerciais, mas envolve a agricultura, investimentos, compras estatais, moeda, serviços, deixa clara a intenção do Governo Estadunidense em recolonizar o continente de acordo com seus interesses apenas.
A segunda implica a entrega do controle da nossa moeda aos capitais externos e, portanto, a renúncia ao projeto nacional. Não se pode ocultar que, estando os setores mais dinâmicos da nossa economia em mãos de empresas estrangeiras, a autonomia do Banco Central significa transferir para elas a fixação do valor da nossa moeda.
Por estas razões, tomamos a decisão de enviar-lhe esta carta. Em nosso entender, tanto a ALCA quanto a autonomia do Banco Central são questões inegociáveis, posto que implicam na intocabilidade da própria soberania da Nação. Decisão de tamanha magnitude deve ser tomada pelo detentor dessa soberania: o povo brasileiro. Assim, cada brasileiro e cada brasileira deveriam ser chamados a se pronunciar sobre ambas questões em um plebiscito convocado para esse expresso fim.
O plebiscito ensejaria um grande debate nacional sobre os dois temas, dando assim fundamento a uma decisão verdadeiramente democrática sobre os mesmos.
Estamos convencidos de que uma atitude firme do Brasil mudará a postura das forças que nos estão pressionando e abrirá caminho para que possamos construir autonomamente os caminhos que mais convém ao nosso desenvolvimento.
Porém, se assim não for, e o governo vier a ser colocado na contingência de romper com as forças que o estão pressionando, creia Sr. Presidente, que as represálias não serão insuportáveis. Nossa economia já é suficientemente forte para resistir a elas e nosso povo suficientemente politizado para dar-lhe o apoio necessário nesse enfrentamento.

Carta-manifesto feita no Brasil, em 1 de maio de 2003 e assinada pelos “intelectuais”:
Alfredo Bosi; Ana Maria Freire; Ana Maria Castro; Ariovaldo Umbelino de Oliveira;Augusto Boal; Benedito Mariano; Bernardete de Oliveira; Carlos Nelson Coutinho; Chico Buarque; Dom Demetrio Valentini; Dom Paulo Arns; Dom Pedro Casaldaliga; Dom Tomas Balduino; Emir Sader; Fabio Konder Comparato, Fernando Morais; Francisco de Oliveira; Haroldo Campos; Joanna Fomm, Leonardo Boff; Luis Fernando Verissimo, Margarida Genovois; Maria Adelia de Souza; Manuel Correia de Andrade; Marilena Chauí; Nilo Batista; Pastor Ervino Schmidt/IECLB; Plínio Arruda Sampaio; Oscar Niemeyer; Ricardo Antunes; Sergio Haddad; Sergio Ferolla, brigadeiro; Tatau Godinho; Valton Miranda.