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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

E agora, ao que interessa: Paris (com Janer Cristaldo)

Ninguém é de ferro: essas coisas de política, de corrupção, Cuba, Venezuela, roubalheira, incultura, são um porre, literalmente.
Vamos falar do que interessa: turismo etílico-gastronômico, e em Paris, para onde vou daqui a exatamente nove dias...
E com um conhecedor-apreciador...
Paulo Roberto de Almeida

BON VOYAGE!
Janer Cristaldo
Segunda-feira, Setembro 26, 2011

Alexandre Breveglieri está com o pé no estribo e me pede dicas sobre Paris. Como não houve jeito de responder (seu email parece estar errado), segue aqui o mapa da mina.

Atenho-me principalmente à geografia etilogastronômica, informação que nem sempre encontramos nos guias de turismo. Cabe lembrar que esta oferta é imensa em Paris, e cada viajante sempre encontrará seus rumos. Cito aqueles que encontrei e gostei. São quase todos centenários e podem ser facilmente encontrados no Google ou no Google Earth.

Fora o Chartier e o Polydor, não são restaurantes baratinhos. Mas tampouco são caros. Praticam os preços médios de Paris. Normalmente, entre duas pessoas, janto por algo entre 60 e 90 euros, vinho incluído. Mas pode-se comer por dez euros naqueles restaurantes do Quartier Latin e Mouffetard. Há menus executivos que constam de entrada, prato principal, sobremesa e eventualmente um demi pichet de vin. Nem sempre se come bem. Mas também se pode comer bem por esse preço, é questão de ter olho clínico. Evite os que ficam em ruas com alto tráfego de turistas.

Bares

• Os grandes bares de esquina ou de bocas de metrô são sempre mais caros que os botecos mais discretos. Lá, se paga pela paisagem. Num botequinho modesto de meio de rua, pode-se tomar a mesma cerveja dos bares mais imponentes, quase pela metade de preço. Vale o mesmo para cafezinho ou refeições
• Mesmo assim, estacionar em pelo menos um dos dois cafés frente ao metrô Odéon: o Danton e o Relais Odéon, um quase em frente ao outro. Apanhar um jornal, pedir algo e olhar a fauna. Vale a consumação. Por outro lado, sentar numa terrasse numa tarde de inverno, mesmo que o cafezinho custe um pouco mais, é uma boa hipótese para observar as gentes
• Se você quiser uma taça de vinho, deve pedir um ballon, rouge ou blanc, conforme seu gosto
• Dar um giro pela rue Mouffetard, perto do Panteon. Há uma feira deliciosa nas manhãs de domingo. Almoços ótimos e abordáveis. Gosto em particular de um deles, o Tire Bouchon, na rua Descartes, ao lado da Mouff. É daqueles onde se come bem por dez euros, ao meio-dia. O patron se chama Antoine e sempre me recebe de braços abertos. A Mouff merece uma visita, é uma rua para onde os parisienses tentaram fugir, para escapar ao Quartier Latin. Se bem que o turismo já chegou lá. Saindo da Sorbonne, dá uns 10 ou 15 minutos a pé
• Um restaurante interessante a visitar é o Polydor, na rue Monsieur Le Prince, a uns cinco minutos da Sorbonne. Almoços relativamente baratos. Gosto muito, particularmente quando tem boudin no cardápio, o que não acontece todos os dias. Modesto, honesto e tradicional. Bom para um almoço sem maiores pretensões.
• Bem no início da Rue du Faubourg Montmartre, há um restaurante peculiar, o Chartier, bem no início, à esquerda, no fundo de uma “cour”. Simpático, folclórico e muito barato. Foi construído no final do século XIX, hoje está classificado como monumento histórico e gaba-se de servir o mesmo cardápio desde a inauguração. À noite, fecha às nove. Só pelo ambiente, vale a visita. Lembrar que em Paris as mesas, mesmo pequenas, são coletivas. Não se importe de sentar junto a estranhos ou que eles sentem em sua mesa. É normal
• Na Gare de Lyon há um restaurante suntuoso, um teto de cair o queixo, o Train Bleu. Vale a pena a visita, que mais não seja para tomar um cerveja no bar e contemplar o ambiente. Não aconselho comer nele. Muito caro. Rapport prix/qualité nada conveniente
• Na Rue de l’Ancienne Comédie, quase ao lado do Relais Odéon, há o Procope, fundado em 1686. Lá almoçaram desde Racine, Voltaire, Rousseau, D’Alembert até os revolucionários de 89 e Napoleão. Este deixou lá um chapéu a título de pindura. Está lá também a mesa em que Voltaire escrevia. Preços normais de Paris
• Há um belíssimo restaurante, o Julien, na rue du Faubourg Saint-Denis. Pratos excelentes, nada caros em termos de Paris. A rua é de prostituição, está um pouco deteriorada, mas é freqüentável sem problema algum
• Na rue Mabillon, procurar o Charpentier, excelente cozinha, preços humanos. Recomendo vivamente. Cuisine du terroir. O restaurante, simpaticíssimo, é ligado ao movimento de Compagnonage, uma confraria meio paralela à maçonaria. Recomendo vivamente as andouilletes AAAAA. Isto é, as andouilletes aprovadas pela Association Amicale des Amateurs d'Andouillettes Authentiques. O boudin aux pommes é superbe
• Na Île St. Louis, ilha ao lado da ilha da Notre Dame, na rue St. Louis en l’Île, procurar Le Sergeant Recruteur ou, ao lado, Nos Ancêtres, les Gaulois. São dois restaurantes com menu a preço fixo. Entradas, queijos e vinhos à vontade. Quanto aos pratos propriamente ditos, você escolhe um entre três opções. Não esquecer que o vinho é “à la volontê”. Não é lugar para se ir sozinho. Como é ambiente de alegria coletiva, o solitário fica um tanto deslocado. Se o garçom demora e você está sedento, estenda sua taça a seu vizinho de mesa e peça um pouco de seu vinho. Ele não vai negar. Nem estranhar
• Algo mais sofisticado e, evidentemente, mais caro: o Bofinger, numa pequena travessa da Place de la Bastille. É só chegar na Place e perguntar pelo restaurante. Sem falar na cozinha, só o interior vale uma tarde e alguns euros a mais. Quando sento lá, não tenho mais vontade de sair. Em frente, o Petit Bofinger, caso o Bofinger esteja lotado. Mas a arquitetura do Petit não se compara à do primeiro
• Um excelente restaurante, o preferido do Mitterrand, é a Brasserie Lipp, no boulevard Saint Germain. Abrigou várias gerações de intelectuais franceses. As esquerdas sempre sabem onde se come bem. Recomendo fortemente. O plat de resistance é o cassoulet, uma espécie de protofeijoada. Mas o jarret de porc tampouco é de se jogar fora
• Frutos do mar há por toda parte. Mas um dos locais mais reputados é o Au Pied de Cochon, no Les Halles. Em matéria de ostras, minhas diletas são as fines de Claire
• Em quase todos os restaurantes que arrolo, se você quiser vinho, em vez da bouteille pode pedir um pichet, ou, para amadores, un demi pichet ou un quart pichet. Ou seja, uma jarra de vinho, uma meia jarra ou um quarto de jarra. Em geral, o vinho é potável. Em restaurante bom, o vinho sempre é bom

• Tivesse eu de visitar apenas cinco restaurantes, pela ordem, eu começaria pelo Julien e Charpentier, continuaria pelo Procope e Bofinger, e terminaria com a Brasserie Lipp

• Não esquecer as virtudes da comida de rua. Há um sanduíche árabe em Paris que adoro, é o merguez au chili. Merguez é uma lingüicinha picante. Compra-se em quiosques de esquina. Atenção: munir-se de água. Pega fogo na garganta

• A gorjeta vem sempre incluída na conta. Lei do Mitterrand

• Fora isso, deve existir mais uns cinco mil restaurantes e cafés por lá, à sua espera


Outra dicas

• comer ou beber sentado custa uns 20 % a mais do que no balcão. Para um café da manhã, nada melhor que uma tartine au beurre, que é uma baguetinha com manteiga
• em compensação, se você pede um cafezinho ou chope numa mesa, pode a rigor passar uma hora sem que o garçom o incomode
• jamais pedir “une bière”, isto o denuncia como marinheiro de primeira viagem. Se o garçom for sacana, lhe empurra um litro de cerveja. Pede-se “un demi”, ou seja, un demi-verre.
• em boa parte dos bares há uma cerveja belga que gosto muito, é a Abbaye de Leffe. Esta geralmente não é servida em demi, mas em um copo um pouco maior. É mais cara que as triviais, mas vale a pena. Tem três versões: blonde, brune e radieuse. Qualquer uma é boa aposta
• se você vai ficar coisa de uma semana, tratar da carte orange (une semaine, deux zones). A semanal vale de segunda a domingo. Levar fotos 3 x 4. Ou tirá-las nas dezenas de máquinas automáticas, encontradiças em todas as ruas do centro. No metrô, se enfia o tiquete na catraca, no ônibus basta mostrar a carta ao motorista. Outra opção, carnê de dez bilhetes, mais conveniente se você chega no meio da semana e vai ficar pouco tempo
• Comprar a revista Pariscope, ou L’Officiel des Spectacles, em qualquer banca. Saem às quartas e dão toda a programação cultural da cidade. Lembrar que em Paris gastronomia também é cultura
• Usar ônibus tem a vantagem de lhe mostrar Paris. Neste sentido, o 69 é ótimo. Se você fizer o percurso de início a fim de linha, terá o melhor da cidade

Visitas a meu ver obrigatórias

No “centrão”, se é que se pode falar de centro em Paris:

As tradicionais: Notre Dame (tem concertos de órgão, domingo, às 17 hs, maravilhoso e grátis) Louvre, Sorbonne. (Na Sorbonne, depois do 11/9, não dá pra entrar mais. Só sendo estudante ou professor). Frente à Sorbonne há uns botecos agradáveis, para um lanche rápido ou leituras.
• Além do Louvre, há o Musée d’ Orsay, às margens do Sena, belíssimo. (E mais umas duas ou três centenas de museus, é claro). Conforme seu tempo, terá de passar rapidinho por museus, ou não verá nada da cidade
• Saint Chapelle, no Palais de Justice, no Boul'Mich. Belíssima
• Les catacombes, metrô Denfert-Rochereaux. Antes abriam apenas um domingo por mês. Agora estão abertas durante a semana toda. Imperdível
• Centro Beaubourg, conjunto com biblioteca, exposições, etc. Se você subir ao último andar, terá uma bela vista de Paris, sem ter de enfrentar as filas nem os preços da torre Eiffel. Deambular pelas adjacências
• Um passeio pelo parque Luxembourg, a cinco minutos da Sorbonne é algo imperativo. Diria que são quatro parques em um só: a cada estação do ano, uma beleza diferente
• Le Forum des Halles. Arquitetura subterrânea criada no espaço do antigo mercado, Les Halles. Hoje é um imenso centro comercial. A bem da verdade, passei por lá em minha última viagem a Paris e não gostei. Me pareceu muito deteriorado. Mas a arquitetura em seus entornos é interessante
• Dedicar pelo menos uma hora percorrendo as gôndolas da FNAC, a mais poderosa livraria do país. Acho que há três FNACs em Paris. Nas FNAC há muita oferta em matéria de som e eletrônicos. Música que você jamais encontrará aqui. Neste sentido, a FNAC de Montparnasse é mais diversificada
• Tudo isto pode ser feito a pé e a arquitetura, por si só, já é uma festa. Se você se perde em algum pedaço, vai descobrindo novas geografias
• Perambular pelo Marais (bairro onde está o centro Beaubourg), Palais Royal, Place des Vosges, principalmente esta última, último reduto da aristocracia parisiense. (Mas já vi mendigos dormindo por lá)
• Dar uma olhadela no café Deux Magots (metrô Saint Germain), pelo menos em homenagem aos existencialistas dos anos 60. Fica em frente ao Chez Lipp.
• Dar uma passada no Boulevard Montparnasse, à noite. Há uma livraria interessante, L’ Oeil qui écoute. Mais cafés dos existencialistas, La Coupole, Le Dôme, também caros e turísticos. Eu gostava particularmente do Select Latin, onde curti centenas de horas de leitura
• Pode-se subir a Montmartre de barco. É só pegar no Sena, às 9 da manhã, um barquinho chamado La Patache, que ancora ao lado da piscina Deligny. Vai subindo por canais subterrâneos e eclusas, até o Canal Saint Martin. Chega-se ao pé do morro lá pelas 11. (Não sei se este barco existe ainda. Conferir no Pariscope)

Saindo do “centrão”:

• Perambular pela Champs Elysées, Trocadero, Eiffel, Arco do Triunfo, etc
• Pegar um metrô expresso, o R.E.R., e ir até La Défense. Ver a Arche, que os jornalistas brasileiros insistem em chamar de Arco. É o lado modernoso de Paris, frio e imponente. Acho que deve ser visto, para não se ficar com uma idéia apenas da Paris que imaginávamos. Estando lá, dar uma olhadela no Omnimax, o cinema de 360 graus. Vale
• Cité de la Science et de l’Industrie, em La Villette, ao norte, no XXe. Tem de tudo. Cabe uma visita ao Geode, outra sala de cinema com uma tela de 360°. Sessões de hora em hora. Melhor escolher um só setor da Cité, senão perde-se um dia todo
• Se der tempo, mas só se der tempo, visitar La Grande Bibliothèque, último monumento faraônico do Mitterrand. Aqueles quilômetros e quilômetros de mogno que forram paredes e pisos foram surripiados do Brasil, via o cacique Paulinho Paiakan.
• Père Lachaise, é claro. Em Asnières, ao sul de Paris, há um cemitério de cães que vale a pena como folclore. Há um outro em Villepinte. Visitá-los em dia de Finados é um espetáculo à parte
• Procurar a Promenade Plantée. É um passeio belíssimo. Apanhá-la de manhã, por exemplo, de modo a chegar pela 1h ou 2h da tarde na Bastille e aproveitar para um almoço no Bofinger.
Et bon voyage!


sábado, 22 de outubro de 2011

Um hotel em Paris, com algum escritor famoso (sempre tem um...) - Inácio de Loyola Brandão

Em Paris, se você tirar os olhos do chão -- agora já é possível, pois mesmo que os donos de cachorros não façam seu trabalho obrigatório, logo vem uma "moto-crotte" e recolhe os residuos animais -- e começar a olhar para as paredes verá que a cada duas casas, uma tem alguma placa dizendo que "fulano de tal" morou ali, foi morto pelos alemães ali, se suicidou ali, namorou ali, enfim, qualquer coisa famosa ou menos famosa.
O nosso escritor de Araraquara também passou por isso, e talvez ele mesmo seja objeto de uma placa, algum dia no futuro...
Paulo Roberto de Almeida

Dividindo o quarto com García Márquez

Inácio de Loyola Brandão
PARIS - O Estado de S.Paulo, 21/10/2011
Somente no terceiro dia percebi a pequena placa, à direita da porta de entrada do Hotel Trois Collèges. Na minha chegada, após 12 horas de voo e o táxi cortando a cidade em meio a congestionamentos provocados por blitz da policia, por acidentes e pelo acúmulo de carros (pensam que é só em São Paulo?), chegamos esbodegados ao hotel, às 6 da tarde. Banho, jantar e cama. No segundo dia, a saída foi acelerada, era o último dia de uma exposição muito comentada, Espadas, histórias e mitos, no Museu Cluny, que sabe tudo da Idade Média. Na volta, fim da tarde, estávamos chapados por um calor que fazia os parisienses se indagarem: será o fim do mundo? O outono começara, as folhas estavam caindo sobre as calçadas e parques e o sol esturricava num céu sem uma nuvem. Não verás Paris nenhum, pensei.
Na manhã do terceiro dia, esperávamos Camila, amiga de minha filha, que tinha ido buscar um vestido de noiva. Feito de encomenda, lindo, de bom gosto, custou 1.300, cerca de R$ 3 mil. "Por esse preço, em São Paulo, eu nem alugava um vestido. Para mandar fazer, pediam por volta de R$ 12 mil. E acham barato. Volto feliz", ela confessou.
Então, vi a plaquinha de bronze:
Neste hotel, em 1957, Gabriel García Márquez, prêmio Nobel, escreveu seu romance Ninguém Escreve ao Coronel.
Foi o terceiro livro escrito pelo colombiano e o primeiro em que ele acertou, começou a ter público. Corri a perguntar ao concierge se ele sabia em que apartamento García Márquez tinha escrito e ele me disse que foi no 63, o mesmo que eu estava ocupando. Mas que na época era menor, tinha apenas uma cama. Passei a olhar diferente aquele cubículo em que eu estava com Marcia e Maria Rita, o único que conseguimos na alta estação, por ter feito planejamento de ultimíssima hora. Um duas estrelas muito simples, simpático, limpo, pessoal afável, café da manhã servido por uma cabo-verdiana alta, a Alice. No segundo dia, ouvi-a falando português e me admirei:
- Então, você fala português?
- Pois desde ontem estou a falar português contigo e você me respondia em francês.
Na sua autobiografia, Márquez conta que estava na cidade como correspondente de um jornal, mas que o jornal fechou e ele ficou lá com um restinho de dinheiro. Passou a enviar cartas aos amigos, pedindo socorro. "Morava no sexto andar de um hotel sem elevador, e todos os dias descia para ver se havia uma carta, e nunca havia. Foi quando a história de meu avô começou a se desenhar na minha cabeça, porque este avô passou a vida esperando a carta que confirmaria o seu direito a uma pensão do governo, por ter lutado na guerra civil. Todos os dias até morrer foi ao porto esperar a carta que nunca chegou. Meu avô ia ao porto, eu descia à portaria, e nada de cartas; assim a história se escreveu."
Foi quando descobri uma segunda placa comemorativa. Andando por Paris, olhem para as paredes e as portas. São milhares de placas contando que um escritor, um cantor, uma celebridade morou ali. Ou indica o ponto em que alguém da Resistência morreu. Você vai refazendo a história. A outra placa nos conta que o escritor húngaro Miklós Radnoti, um dos mais queridos pelos seus compatriotas, morou no Trois Collèges no fim dos anos 1930. Durante a guerra, foi feito prisioneiro na Iugoslávia e enviado a Auschwitz, onde morreu aos 35 anos.
Também fiquei sabendo que o poeta Raoul Ponchon morou no hotel entre 1911 e 1937, quando morreu. Um poeta que o Zé Celso, cultor de Baco, adoraria. Segundo Apollinaire, Raoul ao cantar o vinho, as mulheres e as flores, com bom humor, foi o último dos poetas báquicos. Verlaine o amava. Bela companhia a minha. Passei a respeitar mais o Trois Collèges em sua humildade. Também, das janelas dos quartos você dá com o maciço da Sorbonne. Imagino que o nome seja em homenagem à Sorbonne, ao Collège de France, bastante próximo, e à Faculdade de Medicina.
No avião, um dos filmes foi À Meia-Noite em Paris. Na madrugada, na TV de minha poltrona acabei vendo dublado, sabe Deus por quê. E me diverti. A certa altura, o tradutor traduziu Left Bank (a velhíssima Rive Gauche) como "o banco da esquerda". De certo, o banco onde o Zé Dirceu e o Lula põem o dinheirinho. Desliguei, dormi. Ao menos, me ficaram do filme, entre outras, as imagens de restaurantes como o Le Polidor, onde acabamos indo comer, e a galinha de angola é ótima; do Balsar, na Rua Des Écoles, onde a Noix de Saint Jacques é delicada e o risoto de lagosta e lasgotins estupendo, e demos uma olhada no Le Grand Velfour, dos mais sofisticados da cidade. O menu mais barato custa 96, ali pelos R$ 250. Por pessoa!!! Mas existe o Menu Plaisir pela "módica" quantia de 282 (vinho à parte), perto de R$ 800. Preciso levar um personal gourmet que me ensine a comer cada prato, sozinho não dou conta. Ah! Agora o Trois Collèges tem elevador. Meu modesto sonho, delírio de posteridade: será que um dia colocarão uma placa dizendo que ali reescrevi a terceira versão de minha novela Os Olhos Cegos dos Cavalos Loucos?