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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

CIEX: o Itamaraty e a ditadura militar - Fabiano Post (Opera)

Ciex: A espúria relação do Itamaraty com os porões da ditadura

por Fabiano Post | Revista Opera
(Foto: Diego Baravelli)
Uma elaborada e austera malha de proteção – de desinformação e escamotagem – institucionalizada pelo Ministério das Relações Exteriores, que serviu de cortina de fumaça e supriu de forma eficaz, durante anos, o vazamento de informações sobre a íntima e vergonhosa relação de cooperação e conluio do Itamaraty com o regime militar. Associação essa que sempre foi negada, veementemente, pela instituição máxima da diplomacia nacional.
A luz esclarecedora dos fatos chegou no mês de julho de 2007, a partir da análise de 20 mil páginas de documentos secretos – acumulados ao longo de 19 anos -, e a partir dos quais foram produzidas uma série de reportagens pelo Correio Braziliense, que tiveram no entanto pouca visibilidade na mídia nacional.
Escancarou a inglória e nefasta operação que foi secretamente conduzida nos anos de chumbo no gabinete 410, 4º andar, do anexo I do palácio do Itamaraty, e que colocou em “xeque” os brios da imagem “ilibada” da diplomacia brasileira.
O Ciex (Centro de Informações do Exterior), pouco ou nada conhecido do grande público em geral, ainda hoje, foi uma poderosa agência de inteligência nos moldes do M16 e CIA, tutelada pelo SNI (Serviço Nacional de Inteligência) no âmago do corpo diplomático brasileiro, o Itamaraty, que atuou nas sombras, entre 1966 e 1985.
Seu mentor e criador foi o ultraconservador, conspirador, colaborador da CIA e apoiador do Golpe de 64, o embaixador Manoel Pio Corrêa – ungido e amigo dos déspotas Humberto de Alencar Castello Branco e Golbery do Couto e Silva – que do Uruguai, em 66, onde foi embaixador, engendrou o “plano piloto” do que viria a ser o CIEX.
No mesmo ano, Pio Corrêa foi nomeado secretário-geral do Itamaraty. Todo poderoso, trava um caçada “moral”, política e pessoal a diplomatas que considerava “inadequados”, como “pederastas, bêbados e vagabundos” – o poeta Vinicius de Morais foi uma das vítimas – e leva a cabo a materialização de seu sonho ultranacionalista; o Centro de Informações do Exterior, através de portaria¹, oficialmente batizado de Assessoria de Documentação de Política Exterior (ADOC).
Para saber mais sobre a personalidade do “pai do Ciex”, vale a leitura esclarecedora de seu livro de memórias, “O mundo em que vivi”, onde Pio escancara sua caixa de pandora pessoal com a soberba e empáfia típicas dos reacionários.
Mais do que um simples órgão de informação, o Ciex foi o aparato de repressão, da ditadura, responsável por espionar, no exterior, os brasileiros exilados e banidos pelo regime militar; políticos, militares, intelectuais, guerrilheiros, estudantes, que tiverem seu ir e vir, fora do país, monitorados de perto, passo a passo.
João Goulart, Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso, Brizola – considerado extremamente perigoso, foi o exilado brasileiro mais monitorado – Miguel Arraes, Darcy Ribeiro: são essas algumas das personalidades vítimas da rede de espionagem do Itamaraty.
As missões dos arapongas da diplomacia incluíam “repatriação involuntária”, através de sequestro, e “delivery na bandeja” dos asilados nas mãos de seus algozes, para depoimentos e longas e sádicas sessões de tortura.
Constam nos arquivos do Ciex o nome de pelo menos 64 dos 380 cidadão brasileiros vítimas², mortos ou desaparecidos durante os anos de chumbo no Brasil. Foi uma atroz “caça as bruxas” patrocinada pela diplomacia brasileira.
Para tanto, se fez valer do recrutamento e aliciamento de diplomatas, agentes e informantes para compor sua ampla malha de atuação no exterior, que se estendia da América Latina, passando pela Europa, antiga União Soviética e norte da África.
Como pré-requisito eram muito “bem vindos” diplomatas – com viés “traíra” – que promoviam perseguições políticas em embaixadas brasileiras, que tivessem curso de planejamento estratégico da ESG (Escola Superior de Guerra), ou treinamento de agente da ESNI (Escola Nacional de Informações).
Consta que os diplomatas “espiões” eram malquistos entre os seus, porém subiam rapidamente na escadaria hierárquica da diplomacia tupiniquim, cortando caminho por “lamberem coturno”. Nos corredores do Itamaraty, existia uma espécie de hierarquia de “castas diplomáticas”, sub-dividida em três grupos distintos.
Os diplomatas “destiladores da quinta essência”, “doutos” e aplicados em temas jurídicos, politica internacional e defesa comercial; a baixo deles, os chamados “estivadores”, ou burocratas, atolados em toneladas de papel; e por fim, um degrau a baixo, chafurdando na lama, se encontravam os “lixeiros”, o pessoal capitaneado para o trabalho de informação e contra-informação, a arapongagem.
Os malfadados espiões jogaram no lixo as mais pétreas tradições da diplomacia internacional, com a sistemática prática de ações extralegais, onde deliberadamente violaram o direito internacional e o princípio da soberania, fazendo o monitoramento de cidadão estrangeiros, contrários ao Estado de exceção no Brasil, em seus países de origem.
O grande diferencial do “modus operandi” do Ciex versus seu tutor “bronco”, o SNI, era a sua abordagem sofisticada no campo da espionagem, muito por conta do nível intelectual e cultural de seus colaboradores e de uma ampla e sólida noção hierárquica – o contexto em que estava imersa ia além da simples operação de espionagem. Uma teia simbiótica sofisticada de informações, contra-informações e intrigas extremamente bem elaboradas tornavam as operações quase sempre um grande sucesso.
Os integrantes do Ciex faziam os agentes da SNI parecem ordinários guardas de trânsito. Em sua “távola hermética” os espiões do Itamaraty acreditavam compor uma elite de espiões dentro do aparato de informação da repressão.
É inegável que o alto escalão do Itamaraty sabia de tudo o que acontecia. Isso quer dizer que figuras bem dimensionadas de nossa diplomacia, reconhecidas internacionalmente, foram coniventes com a barbárie e respaldaram em níveis diferentes as operações ilegais do Ciex. O que contraria ética e moralmente aquilo que se espera e deseja do corpo diplomático de um país; uma ferramenta fomentadora da paz.
Coube ao embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima – secretário-geral entre 1985 e 1990 – salvaguardar a destruição, a contra gosto do SNI, do constrangedor material, uma chaga aberta da diplomacia nacional, composto por 32 arquivos com 8 mil informes.
Aqui consta uma lista de “distintos” diplomatas brasileiros colaboradores, ex-membros, do alto escalão do Ciex.
Interpretar empiricamente o turbulento momento político-econômico-social, pelo qual o país atravessa, se faz necessário. A quimera trevosa do autoritarismo novamente espreita a nação partida, e ameaça a nossa democracia com “esperanças” vazias. Nessa horas nebulosas as instituições fragilizadas, em bico de sinuca, se tornam alvo fácil para o aparelhamento ideológico austero e com finalidades vis.
Que sirva de alerta e lição o lamentável e vergonhoso episódio histórico ocorrido no tutano da diplomacia brasileira, através do Ciex. Que estejamos atentos e cientes sobre os impactos profundos, para o bem e para o mal, que nossas escolhas políticas – no conjunto da sociedade – podem ter sobre nossas vidas; afinal, a democracia não vive de trivialidades tampouco admite desaforos.
Notas:
1. O documento de classificação ultrasecreto sobre a criação do Ciex se encontra em um cofre colossal no subsolo do Itamaraty, segundo apurou o Correio Brasiliense com ex- integrantes do órgão.
2. O número oficial de vítimas – entre mortos e desaparecidos – segundo o relatório final da Comissão da Verdade seria de 434 pessoas. Algumas fontes dizem que esses números são bem mais expressivos, mas de difícil investigação, e que não foram contemplados pela CNV.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Mocao de louvor das esquerdas a CIA - Paulo Roberto de Almeida

Moção de louvor das esquerdas à CIA

Paulo Roberto de Almeida


Em nome das esquerdas em geral (mas não autorizado por elas), as organizações, partidos e movimentos seguintes, mas não limitados a eles, PCB (ou o que restou dele), PCdoB, PCBR, PT, PSOL, PSTU, PCO, antigos movimentos guerrilheiros (ALN, VPR, MRE-8, VAR-Palmares, Colina, Destacamento do Araguaia, Grupo dos Onze, etc., etc., etc.), neobolcheviques esquizofrênicos de todos os matizes (MST, MTST, etc., etc.), veem a público declarar sua satisfação (desculpando-se pelo tardio da hora) e emitir esta nota de louvor e de reconhecimento enfático à excelente organização profissional que é a CIA, que sempre foi, e que continua sendo (com alguns deslizes, claro, que ninguém é perfeito), pela exposição fiel, objetiva, clara e inegável da verdade histórica dos fatos que cercam ainda o submundo da repressão a todos os companheiros torturados, mortos e desaparecidos nos anos de chumbo da ditadura militar.
A gratidão de todos nós (ou seja, das esquerdas, que continuam alopradas), à CIA, ao Departamento de Estado, ao imperialismo americano (ainda assim democrático e liberal), por essa demonstração cabal de que a verdade histórica acaba prevalecendo contra ventos e marés (aliás, até mesmo contra a nossa versão dos fatos, quando pretendemos fraudulentamente que estávamos lutando pela democracia, quando de fato estávamos empenhados em criar uma ditadura do proletariado no Brasil, um horroroso regime stalinista, do qual nos salvaram os militares, a CIA, o imperialismo americano, etc., etc., etc.).
Impossibilitados de vir a público decentemente para emitir esta nota de louvor à CIA e para reconhecer nossos erros e grandes equívocos do passado, que nem a Comissão da (Meia)Verdade foi capaz de reconhecer (o fato de que fomos nós que provocamos a "tigrada" dos quarteis), delegamos a alguém mais conectado na verdade do que nas fantasias de direita e de esquerda, este encargo de sinceramente reconhecer o papel positivo, objetivamente fiel aos fatos, intelectualmente honesto, altamente profissional, da CIA e de todas essas agências imperialistas, que mesmo tardiamente, acabam por completar o teatro de sombras sob o qual ainda vive o Brasil.
As esquerdas agradecem ao autor destas linhas (direitistas: abstei-vos de comentários indesejados e equivocados, p.f.)

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de maio de 2018


1.     Home 
2.      Historical Documents 
4.     Document 99
FOREIGN RELATIONS OF THE UNITED STATES, 1969–1976, VOLUME E–11, PART 2, DOCUMENTS ON SOUTH AMERICA, 1973–1976
99. Memorandum From Director of Central Intelligence Colby to Secretary of State Kissinger 1
Washington, April 11, 1974.
SUBJECT
·      Decision by Brazilian President Ernesto Geisel To Continue the Summary Execution of Dangerous Subversives Under Certain Conditions
1. [1 paragraph (7 lines) not declassified]
2. On 30 March 1974, Brazilian President Ernesto Geisel met with General Milton Tavares de Souza (called General Milton) and General Confucio Danton de Paula Avelino, respectively the outgoing and incoming chiefs of the Army Intelligence Center (CIE). Also present was General Joao Baptista Figueiredo, Chief of the Brazilian National Intelligence Service (SNI).
3. General Milton, who did most of the talking, outlined the work of the CIE against the internal subversive target during the administration of former President Emilio Garrastazu Médici. He emphasized that Brazil cannot ignore the subversive and terrorist threat, and he said that extra-legal methods should continue to be employed against dangerous subversives. In this regard, General Milton said that about 104 persons in this category had been summarily executed by the CIE during the past year or so. Figueiredo supported this policy and urged its continuance.
4. The President, who commented on the seriousness and potentially prejudicial aspects of this policy, said that he wanted to ponder the matter during the weekend before arriving at any decision on [Page 279]whether it should continue. On 1 April, President Geisel told General Figueiredo that the policy should continue, but that great care should be taken to make certain that only dangerous subversives were executed. The President and General Figueiredo agreed that when the CIE apprehends a person who might fall into this category, the CIE chief will consult with General Figueiredo, whose approval must be given before the person is executed. The President and General Figueiredo also agreed that the CIE is to devote almost its entire effort to internal subversion, and that the overall CIE effort is to be coordinated by General Figueiredo.
5. [1 paragraph (12½ lines) not declassified]
6. A copy of this memorandum is being made available to the Assistant Secretary of State for Inter-American Affairs. [1½ lines not declassified] No further distribution is being made.
W.E. Colby

1.Summary: Colby reported that President Geisel planned to continue Médici’s policy of using extra legal means against subversives but would limit executions to the most dangerous subversives and terrorists.
Source: Central Intelligence Agency, Office of the Director of Central Intelligence, Job 80M01048A: Subject Files, Box 1, Folder 29: B–10: Brazil. Secret; [handling restriction not declassified]. According to a stamped notation, David H. Blee signed for Colby. Drafted by Phillips, [names not declassified] on April 9. The line for the concurrence of the Deputy Director for Operations is blank.

sábado, 12 de maio de 2018

Ditadura militar brasileira: a "tigrada" solta, mas sob comando superior (O Globo)

O Globo, sexta-feira, 11 de maio de 2018

Documento da CIA indica que Geisel autorizou execuções

 
Memorando da agência americana para Kissinger diz que assassinato de opositores era política de Estado
 
Documento de um ex-diretor da CIA para o então secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger, de 11 de abril de 1974, afirma que o então presidente Ernesto Geisel sabia da execução de 104 opositores da ditadura militar durante o governo Médici. O texto afirma que ele autorizou que as execuções continuassem, como política de Estado, com apoio do general João Figueiredo, então chefe do SNI, que o sucederia na Presidência, em 1979. O memorando foi encontrado pelo pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas, que o classificou como “o documento mais perturbador” que leu em 20 anos de pesquisa. Em nota, o Exército informou que os documentos relativos ao período foram destruídos.
 
Execuções oficiais
 
Documento da CIA revela que Geisel autorizou assassinato de ‘subversivos perigosos’
 
Juliana Dal Piva, Daniel Salgado | O Globo
 
Um memorando feito pelo ex-diretor da CIA William Colby, em 11 de abril de 1974, e destinado ao então Secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, descreveu como o ex-presidente Ernesto Geisel soube do assassinato de 104 opositores políticos e autorizou que as execuções dos presos continuassem como forma de política de Estado. O documento foi localizado ontem pelo pesquisador de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) Matias Spektor. Para ele, o memorando é a evidência mais direta já encontrada do envolvimento dos ex-presidentes Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo com a política de assassinatos.
 
— Este é o documento secreto mais perturbador que já li em 20 anos de pesquisa — afirmou Matias Spektor.
 
No ofício, Colby descreve um encontro ocorrido em 30 de março de 1974, 15 dias após a posse de Geisel. Na ocasião, além do presidente, estavam presentes três generais que lideravam o combate armado aos opositores. Entre eles, Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente os chefes de saída e chegada do Centro de Inteligência do Exército (CIE). No encontro, também estava o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI). Figueiredo sucedeu a Geisel em 1979.

EXÉRCITO: DOCUMENTOS FORAM DESTRUÍDOS
 
Segundo o memorando da CIA, o general Milton Tavares de Souza informou a Geisel, na reunião, a execução sumária de 104 pessoas feita pelo CIE durante o governo de seu antecessor, o presidente Emílio Garrastazu Médici. Em seguida, o chefe do CIE pediu autorização para que os militares continuassem a “política” de extermínio no novo governo.
 
Segundo Colby, o general Milton Tavares “enfatizou que o Brasil não poderia ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e métodos extralegais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos”. Mais adiante, completou: “A este respeito, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pela CIE durante pouco mais de um ano (1973), aproximadamente. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade”.
 
Na reunião, Geisel pediu para pensar durante o fim de semana sobre a continuidade da “política”. O memorando da CIA informa que, em 1º de abril, o presidente disse ao general Figueiredo que a “política deveria continuar”. No entanto, Geisel orientou que “apenas subversivos perigosos fossem executados”. Ele e Figueiredo concordaram que todas as execuções deveriam ser então aprovadas pelo então chefe do SNI. “Quando a CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe da CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O presidente e o general Figueiredo também concordaram que a CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral da CIE será coordenado pelo General Figueiredo”, descreve o documento.
 
O Exército afirmou ontem em nota que os documentos não existem mais: “O Centro de Comunicação Social do Exército informa que os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados, foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época — Regulamento da Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS)”.
 
Segundo a rede do governo americano onde esses documentos estão sendo disponibilizados desde 2015, uma cópia do memorando vai ser entregue ao Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. Atualmente, apenas a descrição do conteúdo do arquivo está disponível no site dos documentos históricos americanos. O original ainda está guardado na CIA. Na leitura, é possível reparar que o primeiro e o quinto parágrafos do memorando continuam secretos e não foram divulgados.
 
O CIE tinha alta influência na cúpula do regime, pois era uma estrutura do próprio gabinete Afinados. Geisel (à esquerda) determinou que execuções deveriam ser aprovadas pelo general João Figueiredo do ministro do Exército. Até a posse de Geisel, o cargo era ocupado por seu irmão, Orlando. Depois, foi nomeado o general Vicente de Paulo Dale Coutinho. Desde a criação pelo regime em 1967, o CIE tinha sede no Rio. Quando Geisel chegou ao Palácio do Planalto, em 1974, o escritório foi transferido para Brasília.
 
Antes do memorando da CIA, as únicas informações existentes de que os ex-presidentes militares sabiam e autorizaram execuções eram dois diálogos publicados pelo jornalista Elio Gaspari na coleção “Ditadura”, da editora Intrínseca. No terceiro volume, “A ditadura derrotada”, Gaspari registrou uma conversa entre Geisel e Dale Coutinho, em 14 de fevereiro de 1974.
 
Na ocasião, ambos afirmam que o Brasil só se tornou um “oásis” para investidores depois que os militares “começaram a matar”. Na conversa, Coutinho diz a Geisel: “Agora, melhorou, aqui entre nós, foi quando nós começamos a matar”. O presidente concorda: “Porque antigamente você prendia o sujeito e o sujeito ia lá para fora. [...] Ó Coutinho, esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”.
 
Gaspari também relata outro diálogo ocorrido, em janeiro de 1974, entre o tenente-coronel Germano Pedrozo e o presidente Geisel. Eles falavam sobre um grupo de pessoas presas no Paraná e que vinham do Chile, passando pela Argentina. Geisel questiona Pedrozo: “E não liquidaram, não?”. Pedrozo então confirma as execuções: “Ah, já, há muito tempo. É o problema, não é? Tem elemento que não adianta deixar vivo, aprontando. Infelizmente, é o tipo da guerra suja em que, se não se lutar com as mesmas armas deles, se perde. Eles não têm o mínimo escrúpulo.” O presidente, depois, completa: “É, o que tem que fazer é que tem que nessa hora agir com muita inteligência, para não ficar vestígio nessa coisa”.
 
Entre 1972 e 1973, a Comissão Nacional da Verdade identificou 138 vítimas, 69 em cada ano. Esse número inclui tanto os mortos oficiais como os chamados desaparecidos políticos, que, depois do governo Geisel, chegaram a um total de 53 só em 1974. Ao todo, durante os 21 anos da ditadura as vítimas fatais chegaram a 434, sendo 208 desaparecidos.
 
Alguns episódios ficaram conhecidos pelo grau de crueldade usado contra os opositores. Em janeiro de 1973, no município de Paulista, em Pernambuco, ocorreu a “Chacina da Chácara de São Bento”. O caso levou à execução de seis integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). O grupo foi denunciado por José Anselmo dos Santos, conhecido como cabo Anselmo, que agia como agente duplo das Forças Armadas dentro da organização e deu informações até sobre sua então companheira Soledad Barret Viedma.
 
No período, muitas mortes também ocorreram durante a chamada Guerrilha do Araguaia. Entre 1972 e 1974, as Forças Armadas fizeram incursões no Pará para eliminar integrantes do PCdoB. Nessas operações, mais de 70 guerrilheiros desapareceram ou foram mortos após os confrontos com os agentes do Exército, que chegou a usar bombas de napalm contra os revolucionários

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Blog do Noblat | Veja
 
Memorando da CIA revela o que o Exército sempre escondeu
 
A História havia sido benevolente até agora com o general Ernesto Geisel, o quarto presidente da ditadura militar que governou o país entre 15 de março de 1974 e 14 de março de 1979. Sabia-se que ele fora conivente com a tortura, o assassinato e o desaparecimento de corpos de presos políticos.
 
Mas graças a ele a tigrada foi pouco a pouco sendo posta sob freio curto, e afinal teve início o processo de abertura política lenta e gradual conduzido por Geisel que culminaria com a eleição em janeiro de 1985 do primeiro presidente civil e o restabelecimento da democracia eclipsada há 21 anos.
 
Um memorando do ex-diretor da CIA William Egan Colby em 11 de abril de 1974 endereçado ao então Secretário de Estado dos Estados Unidos Henry Kissinger deixa claro que Geisel foi muito mais do que apenas tolerante com os crimes cometidos por seus colegas de farda. Ele sabia e autorizou muitos deles.
 
Descoberto pelo pesquisador de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas Matias Spektor entre documentos recentemente liberados para publicação pelo governo americano, o memorando descreve um encontro em 30 de março de 1974 entre Geisel e um grupo de generais.
 
Estavam presentes Milton Tavares de Souza, chefe de saída do Centro de Inteligência do Exército, e Confúcio Danton de Paula Avelino, chefe de chegada. E mais o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), que mais tarde seria escolhido por Geisel para sucedê-lo.
 
A reunião serviu para que Tavares de Souza informasse a Geisel sobre a execução sumária de 104 pessoas feita pelo Centro de Inteligência do Exército até ali. E para que Figueiredo recomendasse a manutenção de tal política. Geisel pediu alguns dias para pensar. Depois deu seu aval, mas com uma ressalva.
 
Doravante, sempre que se prendesse algum opositor do regime que devesse ser eliminado, Figueiredo deveria ser consultado a respeito. Seria dele a última palavra, segundo contou Colby em seu memorando. A sede do Centro de Informações do Exército funcionava no Rio. Mudou-se com Geisel para Brasília.
 
O livro “A Ditadura derrotada”, do jornalista Elio Gaspari, está repleto de fatos que incriminam Geisel e os chefes militares da época com a tortura e o assassinato de presos. Faltava talvez o carimbo oficial de algum organismo de informação ou de espionagem. Não falta mais. A CIA assinou embaixo.
 
A tortura e o assassinato de opositores do regime foi política de Estado enquanto durou a ditadura militar de 64. Tais práticas são consideradas crimes contra a humanidade, segundo tratados internacionais assinados pelo Brasil. Por serem assim, simplesmente não estão cobertas por anistia alguma.
 
Países da América Latina, mas não só, que passaram por ditaduras muito mais atrozes julgaram e condenaram os responsáveis por elas. A Argentina é um exemplo. Aqui se fez de conta que a violação dos direitos humanos foi obra de subalternos enlouquecidos e fora de controle. Não foi.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Frank D. McCann: tentando entender os militares brasileiros - Entrevista Estadao

'Vivi com o golpe toda a minha carreira'
Em entrevista ao Estado, historiador americano explica em que 1964 foi diferente das outras tentativas de golpe
Entrevista: Frank D. McCann
Wilson Tosta
O Estado de S. Paulo28 de março de 2014

Entender 1964 tem sido um dos desafios profissionais do historiador norte-americano Frank McCann. “Vivi com o golpe toda a minha carreira”, conta o pesquisador, que era estudante da pós-graduação em História do Brasil na Universidade de Indiana quando o governo João Goulart caiu. Ele relata que ainda lembra de quando viu a foto do presidente Castelo Branco pela primeira vez no New York Times e afirma que acompanhou “obsessivamente” o noticiário da época, tentando compreender o que acontecia em seu objeto de estudo. Em 1965, saciou um pouco da curiosidade no Brasil, para onde se mudara com a família para pesquisar e preparar sua dissertação. McCann ainda se lembra de ler as manchetes sobre o AI-2, que acabou com os partidos, nas bancas da Avenida Rio Branco, no Centro do Rio de Janeiro. O ambiente, diz, era muito tenso, devido a rumores de uma rebelião de linha dura na Vila Militar.
“Eu não tinha ideia, então, de que eu passaria muito da minha vida tentando entender os militares brasileiros", afirma
A seguir, os principais trechos de sua entrevista ao Estado:

Antes de 64, o Brasil viveu várias tentativas de golpe militar de direita: 54, 55 , 61, além das Revoltas de Jacareacanga e Aragarças. Todas fracassaram . Por que a tentativa de 64 foi vitoriosa?
As tentativas de golpe anteriores a 64 fracassaram porque não foram suficientemente apoiadas por todas as Forças Armadas, porque faltou apoio civil em grande escala ou porque foram localizadas dentro de uma das Forças. Oficiais superiores e a elite civil culparam Goulart e seus aliados , como Brizola , da extensa agitação social em todo o Brasil. As imagens das manifestações das Ligas Camponesas no Nordeste permaneceram na memória dos opositores do governo. A discussão da necessidade de reforma agrária , da expansão da educação, do controle dos recursos naturais, foi considerada muito radical, de alguma forma contaminada pelo comunismo. A opinião pública foi manipulada para alimentar o medo. As elites civis e a Igreja Católica viram a ameaça vermelha à sua porta. Brizola falando em armar um tipo de milícia deixou as pessoas assustadas. O Brasil parecia prestes a explodir. Discussão racional, calma, dos problemas nacionais tornou-se rara.

De onde veio o golpe?
Para mim, a grande questão é: por que os militares pensavam que tinham o direito ou dever de criticar publicamente , atacar ou depor um governo? Historicamente, eles têm dito muitas vezes que seus antecessores tinham deposto a monarquia e instalado a República, e tinham o dever de defendê-la e protegê-la. Claro que era uma responsabilidade autoassumida. Infelizmente, na República Velha políticos civis aparentemente encorajaram esse tipo de pensamento, de envolver os militares em seus esquemas partidários. A disciplina solta no Exército permitiu que oficiais acreditassem que eram os guardiães da República. A muito antiga prática de dar anistia a todos os envolvidos em revoltas diminuiu o autocontrole. Em 1904, 1922 e 1924, os rebeldes foram expulsos, mas depois de um tempo tiveram permissão para retornar e ter carreiras normais. Isso significava que os rebeldes não eram fortemente penalizados por sua rebelião. A instituição era muito insular, uma coisa à parte da sociedade, muito controlada pelo próprio corpo de oficiais. A estrutura das Forças Armadas tornou o controle civil extremamente difícil, se não impossível.

Mas o que diferencia o golpe de 64 das tentativas anteriores?
Uma coisa que aconteceu em 54, 55 e 61 foi que a intervenção dos militares levou à passagem da Presidência para outro civil. Em 64 não havia apoio suficiente para qualquer político civil. As figuras proeminentes foram, cada um, um pouco divisionistas, Carlos Lacerda  foi o mais divisionista. Antes do golpe, Castelo Branco tinha passado semanas de reuniões reservadas  com os líderes civis e ganhou sua confiança. Ao determinar a deposição de Goulart, os políticos civis pensaram que o golpe seria apenas empurrá-lo de lado, e um deles levaria o Planalto. Eles não sabiam que um conjunto significativo de oficiais passou a acreditar que seu caminho para servir à nação era dirigi-la. Claro que é necessário lembrar que foi um período quente da Guerra Fria, e os militares brasileiros estavam imersos na mentalidade do anticomunismo. Eles faziam um culto a 1935, a rebelião financiada por Moscou no Exército. Os generais de 64 tinham sido jovens oficiais em 1930 e abraçaram os mitos sobre 1935, como o de oficiais brasileiros assassinados durante o sono, o que não aconteceu, mas eles acreditavam. A falta de disciplina que mencionei anteriormente foi um fator que contribuiu para a revolta de 1935 . Oficiais legalistas afrontados pelos rebeldes derrotados riram quando eles foram levados para a prisão.

Sem o cabo Anselmo e sem a reunião dos sargentos no Automóvel Club teria havido golpe?
Certamente o motim dos marinheiros e a revolta dos sargentos contrariaram e preocuparam os oficiais, que viram essas ações como quebra de disciplina. Foi bom para os oficiais insuflar a revolta , mas não para a tropa mais baixa. O cabo Anselmo foi, naturalmente , muito problemático, porque era um agente dos golpistas que agia como um provocador . Mas veja, realmente, todos os participantes no golpe estavam quebrando a cadeia de comando , quebrando hierarquia.

 Por que o suposto esquema militar de apoio ao presidente Jango falhou?
Era muito pequeno, muito desorganizado e sem saber o que estava acontecendo até muito tarde. Eu suspeito que muitos oficiais acharam mais fácil apenas serem arrastados na corrente e não estavam dispostos a se opor a seus comandantes e colegas.

Os militares eram um grupo coeso na ditadura ou havia divisões significativas entre eles?
Durante os anos militares, houve uma divisão, com aqueles que eram oficiais profissionais e não pensavam que governar o país era o seu papel (de um lado). Havia outros, menos comprometidos com a profissão de soldado, que foram corrompidos pelas oportunidades de remuneração extra e benefícios ilegais. Sem dúvida, houve alguns que gostaram dos papéis repressivos, da espionagem, do sigilo, na verdade talvez até gostassem de ferir os outros. Alguns, talvez por causa de sua educação limitada, não conseguiam entender que o que as pessoas que queriam era uma sociedade justa , com oportunidades reais de possuir terra , obter educação e expressar seus pensamentos. Lembro-me de, em 1976, um coronel em uma reunião em Brasília, que me disse que ele e seu irmão, também um coronel, mal podiam falar um com o outro, porque discordaram totalmente ao longo da "Revolução" . O irmão aparentemente justificava as prisões , desaparecimentos e torturas, enquanto ele acreditava que esse tipo de comportamento repressivo estava abaixo da dignidade de um oficial do Exército.

 Por que a transição política foi tão lenta, com a demora em desmontar o aparato repressivo, com o SNI, em contraste com países vizinhos, como a Argentina?
Boa pergunta . Acho que Geisel não sabia como domar o tigre. Talvez ele pensasse que, dando tempo suficiente, as emoções fortes iriam passar, e o discurso racional seria possível. Por que demoraram tanto tempo para desmantelar o SNI eu não sei, mas suspeito que era de alguma utilidade para Sarney. Provavelmente vai demorar muitos anos para que todos os arquivos sejam estudados. A Argentina foi um caso muito diferente. O Exército não tinha histórico de assumir o governo. O caso argentino foi mais brutal e ainda mais irracional do que o brasileiro. Foi uma sorte que os generais fossem loucos o suficiente para atacar as Malvinas e fossem derrotados pelo Reino Unido.

 Um dos grupo mais perseguidos, talvez o mais perseguido, durante a ditadura foi o dos militares. Houve 7.500 militares cassados. Ocorreu uma guerra à parte entre militares durante o período?
Sim, houve uma purga interna nas Forças Armadas. Estou certo de que muitos inocentes sofreram. O pensamento cego que passou no Exército sobre o comunismo é notável . Alguns oficiais que estavam simplesmente a favor da regra constitucional foram rotulados como radicais e, portanto, comunistas . O livro de Shawn Smallman, “Fear and Memory in the Brazilian Army and Society, 1889-1954” (Univ. of North Carolina Press, 2001) estudou os aspectos da purga . O livro de Maud Cahirio, “A Política nos Quartéis” ( Zahar , 2012) traça as lutas internas . As instituições militares sofreram com tudo isso e perderam um pouco de sua capacidade 
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 Na Argentina, no Uruguai e no Chile, as ditaduras não foram nacionalistas nem estatizantes. Por que no Brasil os governos militares criaram e fortaleceram empresas estatais e mantiveram a legislação de direitos trabalhistas , além de tentar desenvolver alguns setores nacionais, diferentemente do que aconteceu em ditaduras vizinhas?
Os militares brasileiros estiveram profundamente comprometidos com o desenvolvimento econômico por décadas. Eles costumavam dizer que um país pobre não poderia ter um bom establishment militar. Eles se sentiram no dever de desenvolver e melhorar o País, para que pudessem ter os meios para se defender adequadamente. Eles não queriam os recursos naturais do País em mãos de estrangeiros . Curiosamente, alguns oficiais me disseram que na década de 1990, quando conversaram com ex-comunistas , ficaram surpresos ao descobrir que eles queriam as mesmas coisas para o Brasil. Um coronel intelectual disse que pensou que a coisa toda, o golpe , o regime militar , tudo tinha sido um erro enorme.

 A tortura foi excesso de fanáticos e sádicos ou foi política de Estado, estimulada pelo topo da hierarquia?
O uso de tortura é algo que faz pouco sentido. Oficiais , mesmo seniores como o general Carlos Meira Mattos, a justificavam como a única forma rápida para encontrar o a bomba-relógio ligada. Mas a realidade é que havia poucas bombas em funcionamento, e pior que muitas pessoas foram torturadas semanas e meses depois de serem presas quando não poderiam ter nenhuma informação útil. Uma estudante minha de pós-graduação, Martha K. Huggins , fez dois estudos, “Political Policing: the United States and Latin America” (Durham: Duke University Press, 1998) e “Violence Workers: Police Torturers and Murderers Reconstruct Brazilian Atrocities” (Berkeley: University of California Press, 2002), que mostraram alguma influência americana no uso da tortura . Lembro-me de estar no Rio em 1969 e de relatos de americanos estarem presentes durante as sessões de tortura no quartel-general da Marinha. De meus estudos de história do Exército , eu diria que nenhum estrangeiro tinha nada a ensinar aos brasileiros sobre como torturar ou maltratar prisioneiros. É verdade que os brasileiros estavam longe de serem tão perversos quanto os argentinos ou chilenos no uso de tortura ou assassinato, mas isso não é algo de que se orgulhar . Alguns dos abusos foram protagonizados por pessoal das polícias militares estaduais, mas porque o Exército brasileiro colocou seus oficiais no comando de cada PM estadual, o que traz a responsabilidade de volta para o Exército. A tortura era generalizada.
Claro que os leitores vão dizer que os Estados Unidos fizeram o mesmo contra supostos terroristas após o 11 de setembro. Infelizmente isso é verdade, mas eu acho que não foram os Estados Unidos , mas o governo de George W. Bush , que fez isso. Até onde sei, o Exército dos Estados Unidos não estava envolvido, pelo menos até o episódio da prisão no Iraque. Como cidadão americano estou profundamente envergonhado com o que o gangue de Bush fez.
 Agora, assassinato é algo ainda pior do que tortura. Sabemos a partir do caso da Casa da Morte de Petrópolis que as pessoas presas lá foram torturadas até morrerem e foram enterradas em segredo. Segundo a imprensa, os torturadores eram pessoal do Exército . Talvez mais vergonhoso de um ponto de vista militar foi o assassinato de prisioneiros no Araguaia. Em combate é matar ou ser morto , mas a honra militar exige que os prisioneiros sejam protegidos. Foram esses assassinatos encomendados? Por quem? Por quê? Parece que alguns oficiais generais estavam cientes de que isso estava acontecendo . É muito possível que Ernesto Geisel soubesse .

 O que fica do golpe para o Brasil de hoje?
A questão desde 1985 tem sido: como evitar que tudo aconteça de novo? É bom que presidente Dilma tenha proibido os militares de comemorar 1964 e o regime posterior , mas isso não é suficiente. As escolas militares deveriam estar ensinando sobre tudo isso como um exemplo do que os militares brasileiros não devem fazer. A melhor proteção para as Forças Armadas é ver o golpe como um erro grave. Não foi uma vitória sobre o comunismo, mas um ataque à democracia e ao Brasil como um país livre. Devo lembrar que as Forças Armadas de hoje não são as mesmas que as de 1964.
Os instituições militares de hoje no Brasil são politicamente neutras e totalmente engajadas na sua missão de defesa nacional.
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Original das respostas, em inglês, do historiador, como recebido do próprio:

Questions sent by Wilson Tosta as an ‘interview’ on Golpe of 1964.
Ah Wilson, these are very good questions.  I have lived with the coup of 1964 for my whole career.  I was a graduate student at Indiana University specializing in Brazilian history when it occurred.  I remember where I was the day I first saw Castello Branco’s photo in the New York Times.  I followed the news reports obsessively trying to understand what was happening.  Then in 1965 my wife and I and our two little girls went to Rio for a year so I could research my dissertation.  I remember reading the headlines at the news stands on Av. Rio Branco when the AI-2 was decreed abolishing the then political parties.  The atmosphere was very tense due to rumors of a rebellion of hard liners at Vila Militar.  I had no idea then that I would spend much of my life trying to understand the Brazilian military.
1) Antes de 64, o Brasil viveu várias tentativas de golpe militar de direita: 54, 55, 61, além das revoltas de Jacareacanga e Aragarças, no governo Juscelino. Todas fracassaram. Por que a tentativa de 64 deu certo? O que a diferenciou das outras?
The earlier coup attempts failed because they were not sufficiently supported throughout the armed forces, lacked large scale civilian backing, or were localized within one service. 
Higher officers and the civilian elite blamed Goulart, and his allies such as Brizola, for the extensive social unrest throughout Brazil.  The images of the demonstrations of the Peasant Leagues in the northeast lingered in the memories of government opponents.  Talk of the need for land reform, expanded education, control of natural resources was perceived as very radical, somehow tainted by communism.  Public opinion was manipulated to stoke fear.  The civilian elites and the Catholic Church saw the Red Menace at their doorsteps.  Brizola talking about arming a type of militia frightened people.  Brazil seemed to be ready to explode.  Rational, calm discussion of national problems became rare.  
For me the big question is why would military officers (in Brazil this mostly means army officers) think that they had the right (duty??) to publicly criticize, attack, or depose a government?  Historically they have often said that their predecessors had deposed the monarchy and installed the republic and they had the duty thereby to defend and protect it.  Of course that was a self-assumed ‘responsibility’.  Unhappily in the Old Republic civilian politicians seemingly encouraged that kind of thinking to involve the military in their partisan schemes. 
The loose discipline in the army allowed officers to believe that they were the guardians of the republic. The very old practice of giving amnesty to those involved in revolts diminished self-control.   In 1904, 1922, and 1924 rebels were expelled from the ranks, but after a while allowed to return and have normal careers.  That meant that rebels were not heavily penalized for their rebellion.  A basic lack of discipline was bred into the officer corps.   The institution was too insular, too much a thing apart from society, too much controlled by the officer corps itself.  The structure of the armed forces made civilian control extremely difficult, if not impossible.
The plotting in 1954 against Getúlio was cut short by his suicide and the huge popular reaction in the streets.  Some scholars think it delayed the seizure of power until the next decade, I think it was more complicated and that the events of the next years produced the climate that made 64 possible. 
One thing that happened in 54, 55, and 61, was that whatever intervention the military took, they supported the passing of the presidency to another civilian.  In 64 there was not sufficient elite support for any particular civilian politician.  The outstanding figures were each somewhat divisive, Carlos Lacerda being the most divisive.  Prior to the coup Castello Branco had spent weeks meeting quietly with civilian leaders and had gained their confidence.  By determining to depose Goulart the civilian politicians thought that a coup would merely push him aside and one of their number would take the Planalto.  They were unaware that a significant body of officers had come to believe that the way for them to serve the nation was to direct it. 
Of course it is necessary to remember that it was a hot period of the Cold War and the Brazilian military mentally was deep into the mindset of anti-communism.  They had made a cult out of the 1935 Moscow- funded rebellion in the army.   The generals of 64 had been young officers in the 1930s and they embraced the myths about 1935 , such as Brazilian officers being shot in their sleep.  that did not happen but they believed that it did.  The lack of discipline that I mentioned earlier was a contributing factor to the 1935 revolts.  Loyalist officers long remembered and were affronted that the defeated rebels laughed as they were marched to prison. 
2) Qual foi o papel da quebra de hierarquia para o sucesso do golpe? Podemos dizer que, sem o cabo Anselmo, sem o motim dos marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio e sem o almoço dos sargentos no Automóvel Clube, teria havido golpe bem-sucedido?

Certainly the sailors’ mutiny and the earlier sergeant’s revolt upset and worried the officers, who saw these actions as breaking of discipline.  It was fine for officers to plot and revolt but not for the lower ranks.  Cabo Anselmo was, of course, really problematic because he was an agent of the golpistas acting as a provocateur.   Legally everyone participating in the coup was breaking the chain of command, quebrando hierarquia.  Just because Generals were leading and giving orders did not make the rebellion legal or right.
3) Como era o jogo dos generais na época? Quem ficou com João Goulart, quem mudou de lado e quem estava contra ele desde o início, nas Forças Armadas? E quais eram os motivos dessas posições (ou suas mudanças)?
A few general officers attempted to side with the government, the Third Army in Rio Grande do Sul comes to mind.  But supporters were quickly pushed aside, arrested, retired. 
4) Golpistas civis esperavam que os militares apenas derrubassem o governo Goulart e lhes passassem o poder. Por que isso não aconteceu e os militares ficaram 21 anos mandando no Brasil?
I think I mentioned this above.   But it is important to remember that a lot of civilians supported the military’s intervention. 
5) Por que o suposto esquema militar de apoio ao presidente Jango falhou?
Why did it fail?  It was too small, too disorganized and unaware what was happening until too late.   I suspect that many officers found it easier just to be swept along in the current and were unwilling to oppose their commanders and colleagues. 
 6) A visão de que os militares eram um grupo coeso durante o regime é verdadeira ou havia divisões políticas significativas entre eles? Quais eram essas divisões?
During the military years there was a division between those who were professional officers who did not think that running the country was their role.   There were others less committed to the profession of soldiering who were corrupted by the opportunities for extra pay and illegal benefits.  Undoubtedly there were some who enjoyed the repressive roles, the spying, the secrecy, indeed maybe even enjoyed hurting others.  Some, perhaps because of their limited education, could not understand that people who wanted a just society with real opportunities to own land, get an education, and to express their thoughts, could be anything other than communists.
   I remember in 1976 meeting a colonel in Brasilia who told me that he and his brother, also a colonel, could barely speak with each other because they disagreed completely over the course of the “Revolution”.   His brother apparently justified the arrests, disappearances, and torture, while he believed such repressive behavior was beneath the dignity of an army officer.
7) A abertura política começou em 1975, e os militares só deixaram o poder dez anos depois. Mesmo assim, por pelo menos mais dez anos os militares eram vistos com receio pelos brasileiros. Houve ainda demora no desmonte de estruturas repressivas - o SNI só acabou em 1990, por exemplo. Qual foi o motivo de uma transição tão lenta? Como comparar essa transição com as de países vizinhos, como Argentina e Uruguai?
Why so slow a transition?  Good question.  I think that Geisel did not know how to get off the tiger.  Perhaps he thought that given enough time the high emotions would pass and rational discourse would be possible.  Why it took so long to dismantle the SNI I do not know, but I suspect that it was of some use to Sarney.   Likely it will take many years for all those files to be studied.
 Argentina was a very different case.  The army there had a history of coup making and taking over the government.  The Argentine case was more brutal and even more irrational than the Brazilian one.  It was fortunate that the generals were crazy enough to attack the Falklands and get routed by the British.  Today, the Argentines should be thanking the British rather than posturing ridiculously about the islands being theirs. 
8) Fala-se que os militares perseguiram adversários durante a ditadura. Um dos grupos mais atingidos, talvez aquele que foi mais perseguido, era formado por militares: 7.500 integrantes das Forças Armadas foram cassados no período. Pode-se falar que houve uma guerra à parte entre os militares naquela época?
Yes there was an internal purge within the armed forces.  I am sure that many innocents suffered.  The blind thinking that went on in the army about communism is notable.  Some officers who were simply in favor of constitutional rule were labeled as radicals and thus communists.  Shawn Smallman’s book Fear and Memory in the Brazilian Army and Society, 1889-1954 (Univ. of North Carolina Press, 2001) studied aspects of the purge.  Maud Cahirio’s A Política nos Quartéis (Zahar, 2012) traces the internal struggles.  The military institutions suffered from all this and lost some of their capability.
9) Na Argentina, no Uruguai e no Chile, as ditaduras não foram nacionalistas nem estatizantes. Por que no Brasil os governos militares criaram e fortaleceram empresas estatais e mantiveram a legislação de direitos trabalhistas, diferentemente do que acontecia em países vizinhos?
 The Brazilian military was deeply committed to economic development going back decades.  They used to say that a poor country could not have a good military establishment.  They felt a duty to develop and improve the country so that they could have the means to defend it adequately.  They did not want the nation’s natural resources in the hands of foreigners.  Interestingly, some officers told me that in the 1990s they had conversations with ex-communists, they were surprised to find that they wanted the same things for Brazil.  One intellectual colonel said he thought the whole thing, the golpe, the military regime, had all been a huge mistake.
10) A tortura e o extermínio de oposicionistas foi fruto de excessos de subordinados ou havia aquiescência do topo da hierarquia para que se torturasse, em defesa do regime?
The use of torture is something that makes little sense.  Officers, even senior ones like General Carlos Meira Mattos justified it as the only quick way to find the ticking “time bomb”.   But the reality is that there were few such ticking bombs and worse that many people were tortured weeks and months after being arrested when they could have no useful information.  A graduate student of mine, Martha K. Huggins, who did two studies: Political Policing: the United States and Latin America (Durham: Duke University Press, 1998) and Violence Workers: Police Torturers and Murderers Reconstruct Brazilian Atrocities (Berkeley: University of California Press, 2002) that showed some American training in the use of torture.   I recall being in Rio in 1969 and hearing reports of Americans being present during torture sessions in the Naval headquarters. 
From my studies of army history I would say that no foreigner had to teach Brazilians how to torture or mistreat prisoners.  It is true that the Brazilians were nowhere near as bad as the Argentines or Chileans in the use of torture or murder, but that is not something of which to be proud.   Some of the abuses were carried out by state Policia Militar personnel, but because the Brazilian army placed one of its officers in command of every state PM, that brings the responsibility back to the army.  Torture was widespread.  
 Of course your readers will say that the United States did the same against supposed terrorists after 9/11.  Sadly that is true, but I think it was not the United States, but the George W. Bush administration, that did it.  As far as I know the United States Army was not involved, at least until the prison episode in Iraq.  As an American citizen I am deeply, deeply ashamed of what the Bush gang did.
Now murder is something even worse than torture.  We know from the case of the ‘Death House’ in Petropolis that people taken there were tortured to death and buried in secret.  According to press accounts the torturers were army personnel.
Perhaps more shameful from a military point of view was the murder of prisoners in the Araguaia.  In combat it is kill or be killed, but military honor demands that prisoners be protected.  Were these murders ordered?  By whom?  Why?  It seems that some general officers were aware that this was happening.  It is very possible that Ernesto Geisel knew.  Elio Gaspari laid it out clearly.  Interested readers will find more than they want to know in Claudio Guerra’s Memórias de uma Guerra Suja (Topbooks, 2012).   He tells of his experiences as a DOPS agent working with a parallel army chain of command to murder leftists.
The question since 1985 has been how to prevent all this happening again?  It is good that Presidenta Dilma has forbidden the military to commemorate 1964 and the subsequent regime, but that is not enough.  The military schools should be teaching about all this as an example of what the Brazilian military should not do.  The best protection is for the armed forces to see it as a serious mistake.  It was not a victory over communism, rather it was an attack on democracy and on Brazil as a free country.   

Devo lembrar aos leitores que as Forças Armadas de hoje não são as mesmas que as de 1964. Os instituições militares de hoje no Brasil são politicamente neutra e totalmente engajados na sua missão de defesa nacional.