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domingo, 22 de novembro de 2020

A revolta CONTRA as elites - Brendan O’Neill, entrevista com Thomas Frank

 "As pessoas têm toda a razão em desconfiar das elites"


Thomas Frank fala sobre seu novo livro, 'The People, No', e por que o populismo pode ser uma força para o bem. Entrevista de Brendan O'Neill, da Spiked, com o historiador Thomas Frank, via Oeste:


Populismo se tornou um palavrão. Cada vez mais, é usado pelas elites para descrever movimentos políticos de que não gostam, em especial aqueles que são populares entre o público mais amplo. Sem conseguirem explicar de nenhuma outra forma as recentes revoltas democráticas desde o Brexit até Donald Trump, essas elites caracterizam suas derrotas humilhantes como resultado da manipulação de eleitores ingênuos por demagogos sinistros. Mas, quando apresentam essas revoltas populares como as agitações ignorantes dos pobres incultos, elas ignoram a história radical e democratizante do populismo.

O mais recente livro do historiador Thomas Frank, The People, No: A Brief History of Populism (O povo, não: uma breve história do populismo), conta essa história democrática. Frank conversou sobre o tema com o editor-chefe da revista Spiked, Brendan O’Neill.

BRENDAN O’NEILL — Em seu livro, você descreve a persistência do antipopulismo. Somos constantemente alertados sobre o “populismo autoritário”, os idiotas, as massas iletradas, que são apresentados como ameaça à democracia. Mas a verdade é o oposto. Os antipopulistas — as pessoas que quiseram anular a maior votação democrática na história da Inglaterra, o Brexit, ou anular a eleição de Trump em 2016 — é que são a ameaça. Você destaca que os antipopulistas contemporâneos não se veriam como os capitalistas dos anos 1890 ou 1930, ou os racistas de Jim Crow da década de 1950. No entanto, eles têm algo bem importante em comum. Eles vêm da classe dominante e estão tentando defender sua autoridade contra as revoltas das classes mais baixas. Ainda que reconheça que o antipopulismo mudou com o tempo, você estabelece uma linha explícita entre a reação antipopulista dos anos 1890 e a dos anos 2020.

THOMAS FRANK — Sim, com algumas ressalvas. Não acho que Trump seja populista — eu o considero um demagogo e uma fraude. Os Estados Unidos têm uma tradição de demagogos e de fraudes. Reagan fez uma performance populista muito boa, assim como Bill Clinton e também o movimento Tea Party. Mas tudo pareceu desenvolvido em laboratório — de tão maligno. O antipopulismo estava e ainda está lá, e ele hoje envenena qualquer tentativa de construção de uma oposição de fato a Trump e ao trumpismo.

As pessoas que desprezam e denunciam o populismo representam a classe dominante. Foi criada uma casta que é definida por onde seus membros são formados e pelo desempenho deles lá. Para eles, os Estados Unidos são o país das maravilhas, e o resto de nós fica para trás. Cada vez mais, eles se identificam com os democratas. Eu nem deveria dizer “cada vez mais” — está feito. A mudança foi feita. O Partido Democrata é o partido dessas elites administrativas, de colarinho-branco, dessa classe de profissionais. Aonde quer que você vá em bairros muito abastados dos Estados Unidos que costumavam ser republicanos, todo mundo está se tornando democrata. Os antipopulistas usam o termo populismo para descrever o que desprezam. Todos deixam de fora o fato de os especialistas terem estragado bastante as coisas ultimamente. É possível escrever um livro inteiro sobre o fracasso da elite. Está diante de você e acontece o tempo todo. No entanto, eles nunca reconhecem isso. Vamos pensar na Guerra do Iraque e na bolha dos subprimes. Vamos pensar no colapso de Wall Street — foram as pessoas mais espertas ali que fizeram isso.

Meu exemplo favorito de fracasso da elite é a campanha de Hillary Clinton em 2016, coordenada pelos consultores políticos com a melhor formação nos Estados Unidos. Sua campanha foi muito mais bem financiada que a de Trump. Houve um encontro de tribos da elite que foram contra o candidato mais odiado da história dos Estados Unidos — Donald Trump. A campanha dele foi comandada por Steve Bannon, que nunca tinha administrado uma campanha política antes, quanto mais uma campanha presidencial. E a máquina do Partido Democrata perdeu para esse cara! Foi como um mestre do xadrez ser derrotado por um jogador do time da escola. Foi absolutamente esmagador.

O momento do Brexit foi bem parecido com muitas das coisas que você descreve em seu livro. Na corrida para o referendo em 2016, toda instituição supostamente especializada estava praticamente de joelhos implorando ao povo britânico para votar no Ficar. Teve o efeito previsível de fazer com que as pessoas refletissem sobre como tinham visto esses especialistas errar e prever coisas que não aconteceram. As pessoas sentiram que os experts tendem a defender os próprios interesses, em vez dos nossos.

As pessoas têm todo o motivo para desconfiar das elites. Não sei como eu teria votado no Brexit, porque não vivo no Reino Unido. Mas lembro do FMI emitindo um alerta para a população britânica dizendo para não ousar votar a favor. Sinto muito — se o FMI me diz para fazer uma coisa, sei muito bem que vou fazer o contrário.

Quero voltar a um momento hilário em 1936, depois de outra reunião das tribos da elite. Elas tinham se juntado e se voltado contra Franklin D. Roosevelt, e perderam de forma impressionante. Os jornais se uniram contra Roosevelt, foram para cima dele com tudo e perderam. Depois que a poeira baixou, as pessoas refletiram sobre o que tinha dado errado. Uma das coisas que notaram foi que Roosevelt foi melhor nas cidades onde não havia um único jornal do lado dele. Ou seja: a unanimidade da elite afastou as pessoas. Existe uma lição para os nossos tempos que parecemos incapazes de aprender.

Quando estava lendo seu livro, pensei na Guerra Civil Inglesa dos anos 1640. O movimento radical Leveller foi descrito por Oliver Cromwell — ele mesmo bastante radical — como uma tentativa de “atiçar a grosseria das multidões contra a sentimentalidade da elite”. Então, nos anos 1700, veio John Wilkes, um grande guerreiro pela liberdade de imprensa, e a reação contra ele. E houve o movimento cartista e as sufragistas, e tudo o que você descreve no livro nos Estados Unidos nos anos 1890 e 1930. Nos últimos trezentos ou quatrocentos anos, um argumento bem parecido foi defendido: as elites sabem o que é melhor, e a grande esperança das pessoas comuns é a democracia representativa, porque ela é bem mensurada e temperada. Qualquer coisa mais direta e exigente é sempre denunciada como estupidez em massa ou ignorância. Você é otimista quanto à possibilidade de esse preconceito antipopulista ser combatido ou transformado?

É aqui que eu rompo com o populismo. O populismo assume um tipo de otimismo que eu simplesmente não tenho. Um dos grandes heróis de meu livro, Lawrence Goodwyn, foi um historiador que escreveu sobre o populismo. Para resumir, é muito difícil. É por isso que esses movimentos são tão raros. Uma das coisas que ele disse é que você precisa praticar o que chamou de paciência ideológica. A razão é porque está trabalhando com pessoas simples — pessoas que não chegaram à universidade. Elas não conhecem o jargão. Você não pode simplesmente usar o jargão policial com elas, estalar o chicote e esperar e voltem para a fila.

Não conheço ninguém que queira praticar a paciência ideológica hoje. Estamos no que chamo de utopia da reprimenda. As pessoas acham que, se repreenderem, riscarem da lista e cancelarem todos os demais, vão vencer algum tipo de competição cósmica. Não faz sentido para mim, porque não é assim que se constrói um movimento.

Brendan O’Neill é editor da Spiked e apresentador do podcast The Brendan O’Neill Show. No Instagram: @burntoakboy.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Eleitores que ficaram sem candidato - Isabelle Anchieta de Melo

Os “sem-lugar”: os brasileiros que não aderiram à guerra ideológica

Isabelle Anchieta de Melo

O Estado de S. Paulo, 14/11/2018

Como ficam os brasileiros que não se identificam com nenhum dos lados da recente disputa eleitoral e querem construir uma nova face política para o País ‘sem resistência’?


Somos 40 milhões. E isso não é uma força de expressão. Somados os votos brancos, nulos e abstenções. Os “sem-lugar” na última eleição representam cerca de um terço do total dos ‘eleitores’. Desde 1989, não se via algo igual. Destaco ‘eleitores’, porque, ao contrário do que se propaga no senso comum, a suposta não escolha é, sim, uma escolha de um lugar por vir. Um lugar em que o combate à corrupção e à violência possa associar-se, sem contradições, a interações humanas equânimes e à priorização da cultura e da educação ─ setores estratégicos e motivadores para a superação das pobrezas simbólicas e reais de nosso País. Um lugar em que não seja necessário falar grosserias movidas a testosterona para ser forte e que não abuse da ideia de vitimização como estratégia política para manobrar as massas e uma elite de intelectuais e artistas ─ que julgam combater o bom combate.
Os “sem-lugar” são capazes de colocar à prova suas certezas, examiná-las, desconfiando sempre de cartilhas prontas, de ideologias com cheiro de mofo, de palavras de ordem e de salvadores da pátria. Não vestem camisas com frases prontas. Não adotam identidades partidárias. Críticos de si mesmos, riem daqueles que se julgam superiores moralmente por saberem que o homem é processo. “O homem é superável”. 
Não são anarquistas, muito menos deslegitimam os vencedores só porque eles não os representam. Os “sem-lugar” não fazem “resistência a priori”. Irão apoiar e defender as boas decisões do governo para o País, questionar os possíveis retrocessos e não farão oposição por oposição que, no fundo, almeja somente desestabilizar o candidato eleito democraticamente para roubar-lhe poder. Os que agem assim são os verdadeiros inimigos da democracia (e do País), e não o contrário, como tentam fazer crer. 
Nesse mesmo sentido, o teórico franco-búlgaro Tzetan Todorov, sagazmente, afirma que os inimigos da democracia “têm a aparência menos assustadora do que os de ontem, que a atacavam de fora; não projetam instaurar a ditadura do proletariado, não preparam um golpe de estado militar. Eles usam os trajes da democracia e, por essa razão, podem passar despercebidos. Nem por isso deixam de representar um verdadeiro perigo: se não lhes for posta nenhuma resistência, um dia eles acabam por esvaziar esse regime de sua substância”. 
Não sem razão temi quando esses inimigos íntimos da democracia fingiam protegê-la e iniciavam um suposto movimento em sua defesa. Havia um grande risco do esvaziamento do sentido forte dessa palavra. Assim como foi feito com a ideia de “golpe”. Mesmo a ideia de “tortura” foi desvirtuada no momento em que o candidato do PT acusou falsamente o vice de Bolsonaro de torturador. A mentira acaba por macular a força da verdade, a memória e mesmo a legítima resistência daqueles que passaram, sim, por essa barbárie da nossa História. Foi desrespeitoso.   
Nem a esquerda, nem a direita, esse lugar sem nome e sem rosto, mira um futuro comum em que o equilíbrio e a imparcialidade sejam uma busca inquietante, nunca uma parada. Uma busca em nada pacífica. Exige um esforço para não se deixar levar; por ter autonomia; por criar seu próprio juízo após a apreciação dos contrários. Reconhece e apoia as conquistas de lado a lado, sem, no entanto, deixar de manter um distanciamento crítico de seus excessos. Mas não se trata somente de uma exigência racional. Ela requer, sim, a paixão pela busca da verdade, por uma aproximação possível dela.   
É a paz depois de um longo período de guerra. 
Esse lugar que os “sem-lugar”, hoje, ocupam não é o da indecisão ou de uma postura reticente. Trata-se apenas de um movimento não nomeado e que terá de ser construído. Criado. “São sujeitos sem predicados. Mas, certamente, estão em processo de autocriação como sujeitos políticos. Em algum momento, acabarão por encontrar com uma ideia com a força de nomeá-los”.
São pessoas cansadas dos ‘ismos’ e de suas armadilhas retóricas, que intuem haver algo além do já conhecido e apontando para a autossuperação histórica. Mesmo que esse ‘algo’ seja um híbrido do que já existiu, combinando a liberdade econômica com a responsabilidade social. Sim, responsabilidade social. É preciso ter coragem de dizer que “a solidariedade humana não é um palavrão. As pessoas precisam de proteção e isso é um direito. O trabalho, a educação, a saúde e a aposentadoria”.  Entenda-se: trabalho e aposentadorias mais dignas do que as existentes hoje no país, além de uma educação de excelência, com professores selecionados, avaliados e bem remunerados. 
Um Estado atuante no que é necessário ser, inclusive como sendo aquele que detém o ‘monopólio da violência’ para coibir a ‘guerra de todos contra todos’ e a justiça feita pelas próprias mãos, típicos de uma barbárie social à qual não queremos retornar.  Mas ao mesmo tempo em que possamos construir uma sociedade fluída em termos de comportamento e afetos, que valorize a meritocracia, a livre concorrência, o empreendedorismo, a pesquisa e a educação. Em outras palavras, uma sociedade que desse conta de somar “a inovação da sociedade com a proteção social”, escapando tanto de um populismo hipócrita como de um capitalismo sem freios. 
Os “sem-lugar” são pessoas que se deram conta de que os seus desejos não estavam representados por ‘nenhuma alternativa acima’ e resolveram correr o risco de apostar no vazio. Se toda mudança pressupõe risco, quanto mais se fizer necessária a mudança, maior terá de ser a nossa aposta, já que “toda produção de um novo sujeito político é também a produção de sua sombra e de novos riscos”.
Por isso, enganam-se profundamente os que pensam que os “sem-lugar” saíram do jogo político. Ao contrário. Eles serão o futuro, são os que abrirão o caminho para a mediação e a conciliação social e política. Ao não assumirem um lado, são livres para apoiar e mesmo compor o que há de bom e mesmo apresentar elementos que escapam a mirada dos partidários. Costumo dizer que estar “em cima do muro” é a melhor posição estratégica para ver as coisas por cima. Para não se envolver em brigas desnecessárias, mas, sobretudo, para indicar aos que não conseguem enxergar de seu ângulo de visão que há, sim, um caminho comum no horizonte. 

Isabelle Anchieta de Melo é doutora em Sociologia pela USP, jornalista, mestre em Comunicação Social pela UFMG. Recebeu prêmio como Jovem Socióloga brasileira pela Associação Internacional de Sociologia com apoio da UNESCO