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sexta-feira, 20 de setembro de 2013
terça-feira, 17 de setembro de 2013
Embargos infringentes: sua inconstitucionalidade - Eduardo Dutra Aydos
Art. 96. Compete privativamente:
I – aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos com observância das normas de processo, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. (Constituição da República Federativa do Brasil)
A Constituição é clara e inequívoca: os tribunais têm o poder/dever de elaborar seus regimentos internos para dispor sobre a competência e o funcionamento dos seus órgãos jurisdicionais e administrativos. E fazendo isso devem observar as normas processuais e as garantias processuais das partes que, obviamente, estão definidas nas normas processuais – cuja formulação não cabe aos tribunais... mas ao poder legislativo.
A matéria processual que integra os regimentos dos tribunais não deve, portanto, conter divergência de qualquer sorte, seja por colisão, por extrapolação, ou por restrição, ao que estritamente dispõe a lei processual.
Se o legislador, por sua vez, vier a inovar, ampliar ou restringir, normas processuais que, acessoriamente integram os regimentos dos tribunais, cabe a estes o dever impositivo de alterar os seus regimentos, de par com o dever impositivo de submeter-se aos editos da lei e não decidir contra-legis, mesmo enquanto não tiverem efetuado a modificação dos seus próprios regimentos.
No caso dos embargos infringentes, que ora se discute no STF, a Lei nº 8.038/1990, enunciou-se como instituidora de normas procedimentais para os processos que especifica (inclusive, e com realce no presente caso, para o processo penal originário) perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
Todos os recursos que esta lei especial contemplou expressamente , configuram, também,dispositivos da lei geral que disciplina o processo nos Tribunais regionais . Em, alguns destes recursos a lei especial modificou sua processualística, com repercussão direta no que dispunha a lei geral (caso dos recursos especial e extraordinário – circunstância que ensejou a revogação expressa dos arts. 541 a 546 do Código de Processo Civil e da Lei e da Lei 3.396/58); em outros casos a lei especial simplesmente remeteu a disciplina processualística dos tribunais superiores aos dispositivos da lei geral (casos do habeas corpus, ação rescisória, etc.). No caso dos embargos infringentes, a lei especial não contemplou a sua aplicação pelos tribunais superiores. Não os autorizando, portanto, prevalecem subsidiariamente os dispositivos conformes da lei geral, os quais expressamente restringem o cabimento desse recurso em face de decisões de segunda instância: verbis –
Art. 530 – Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória... (Código de Processo Civil Brasileiro – grifei e sublinhei); e,
Art. 609 (...) Parágrafo único- Quando não for unânime a decisão de segunda instância desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade... (Código de Processo Penal Brasileiro – grifei e sublinhei)
Sob tais jurídicos fundamentos, os embargos infringentes, seja no direito civil, seja no direito penal, por definição, supõem uma decisão de segunda instância (no direito civil são amparados por uma razão pro-societatis – oferecendo uma segunda chance para a validação das razões do juiz natural; no direito criminal configuram um recurso pró-réu, capaz de reverter uma decisão que lhe é desfavorável no julgamento de segundo grau).
Rigorosamente, pois, os embargos de infringência não são aplicáveis nos julgamentos originários dos tribunais superiores – eis que, nestes casos, estes tribunais julgam em primeira e única instância. Isso não significa que os julgamentos dos tribunais superiores sejam carentes de recurso em face de omissões, obscuridades ou contradições da decisão sentencial. Nem que sejam irrevogáveis em razão de errores in procedendum (nulidades processuais absolutas) ou de errores in judicandum (tais como erros de fato, resultante de atos ou documentos do processo, falsidade da prova, etc.). O fato juridicamente relevante, entretanto, é que, no sistema processual vigente, deverão exercitar esses recursos e garantias processuais através de outros meios, que não os embargos infringentes.
Com efeito, do que foi até exposto, é impositivo deduzir-se que a iniciativa do STF de dotar, via Regimento Interno, a processualística daquele Tribunal do recurso dos embargos infringentes, inovando sobre o que dispõem as normas processuais gerais, deu uma utilização imprevista e desconforme ao manejo desse recurso no nosso sistema processual.
Nestes termos, o que dispõe o art. 333 do RISTF é flagrantemente inconstitucional e, como tal, sua adoção e aplicação na processualística do STF é arbitrária, afronta o regime constitucional das competências daquele tribunal e constitui violação direta das normas processuais vigentes.
Constituindo-se, pois, o art. 333 do RISTF num edito nulo de pleno direito, não carecia de ser expressamente revogado pela lei especial que instituiu a processualística do processo penal originário e dos respectivos recursos nos tribunais superiores. Rigorosamente, não merece nem que se lhe estenda a consideração do dispositivo genérico do “revogam-se as disposições em contrário”. Em direito, não se revoga o que juridicamente inexiste.
Por isso que resulta particularmente pífio, o argumento utilizado pelo Ministro Luis Roberto Barroso, que sustentou a vigência do art. 333 RISTF, por não ter sido o mesmo expressamente revogado pela Lei 8.038/1990. Com efeito aquele artigo não carece de revogação legal, mas sim do exame consequente, ex officio, da sua desconformidade constitucional e legal pelo STF.
Formalmente considerado, o argumento da admissibilidade dos embargos infringentes, pela única e exclusiva razão do seu enunciado pelo art. 333 do RISTF, representa a defesa da desídia do STF no exercício do seu poder/dever constitucional, resultante em desconformidade flagrante da sua processualística regimental com ditames da Lei Processual brasileira.
Materialmente considerado, o argumento que sustenta a formalidade ilegal do art. 333 do RISTF, em detrimento do sistema processual introduzido pela Lei 8.038, representa a defesa de uma formalidade defeituosa e perniciosa, em detrimento da efetividade da decisão de mérito no julgamento dos mensaleiros. Ou seja, representa uma arguição da incúria e da inépcia administrativas do próprio STF, em sustentação da corrupção provada e processada na forma da lei – a sagração da impunidade que estiola a institucionalidade democrática neste país.
Numa democracia, nenhum dos poderes de Estado está acima da lei: o Presidente, os Tribunais e o próprio Legislativo devem se submeter à Constituição e às Leis; a admissibilidade de embargos infringentes ao julgamento dos mensaleiros pelo STF, representa o achincalhe desse princípio constitucional.
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
Existem embargos infringentes no STF? Nao, segundo um jurista não politico... - Lenio Luiz Streck
"Não cabem embargos infringentes no Supremo"
Não há respostas antes das perguntas. Trata-se de uma máxima da hermenêutica. Por isso, a resposta antecipada acerca do cabimento dos embargos infringentes em ação penal originária no âmbito do Supremo Tribunal Federal parecia esgotar a matéria. Assim, quando a Folha de S.Paulotrouxe a afirmação de que, em caso de condenação dos acusados na AP 470 (mensalão), estes ingressarão com o Recurso denominado “embargos infringentes”, com base no Regimento Interno do STF, por pouco não sucumbi à tese.
Corro para explicar. O RISTF, anterior a Constituição de 1988, estabelece, no artigo 333, o cabimento de embargos infringentes nos casos de procedência de ação penal, desde que haja quatro votos favoráveis à tese vencida. Em síntese, é o que diz o RISTF. Simples. Fácil de entender.
Penso, no entanto, que a questão não é tão singela. A decisão do STF se referiu a um caso determinado. Não tratava de embargos infringentes (art. 333 do RISTF). E a assertiva da recepção tem limites, porque deve ser lida no sentido de que “essa recepção não se sustenta quando o legislador pós-Constituição de 1988 estabelece legislação que trata a matéria de forma diferente daquela tratada no Regimento Interno”. Caso contrário, o Regimento Interno estaria blindado a qualquer alteração legislativa ou ainda se correria o risco de conferir ao STF o mesmo poder legiferante que possui a União, uma vez que ele estaria autorizado a legislar sobre matéria processual contrariando, assim, o que dispõe o inc. I do art. 22 da CF.
Qual era o case nessa ADI 1289? Tratava-se de uma ADI ajuizada antes da entrada em vigor da Lei 9.868/99. Mas qual é a importância disso? Ai é que está. O STF (ADI 1591) admitia a interposição de embargos infringentes em ADI até o advento da Lei 9.868. Como essa lei não previu a hipótese de embargos infringentes, o STF passou a não mais os admitir. Só admitiu embargos infringentes – como é o caso da ADI 1289 – nas hipóteses que diziam respeito ao espaço temporal anterior à Lei 9.868.
Percebe-se, desse modo, que não estamos em face de um easy case, embora, na esteira de Dworkin e Castanheira Neves, não acredite na dicotomia easy-hard cases. Na verdade, o que determina a complexidade do caso é a relação circular que se estabelece entre a situação hermenêutica do intérprete e as circunstâncias que determinam o caso. Trata-se de uma questão de fusão de horizontes (Gadamer). Um dado caso pode parecer fácil porque o intérprete incauto se deixa levar logo pelos primeiros projetos de sentido que se instalam no processo interpretativo. Não há suspensão de prejuízos tampouco um ajuste hermenêutico com a coisa mesma (die Sache selbst). Assim, as diversas nuances e cores que conformam o caso escapam à compreensão d interprete e seu projeto interpretativo, inevitavelmente, fracassa. Por outro lado, por razões similares, um determinado caso pode se mostrar difícil em face da precariedade da situação hermenêutica do intérprete.
Qual é o papel do RI do STF? Pode ele dizer mais do que a lei que regulamenta a Constituição? Pode um dispositivo do RI instituir um “recurso processual” que a lei ignorou/desconheceu? Sabe-se que o RI é “lei material”. Entretanto, não pode o RI tratar especificamente de “processo”.[1] Caso contrário, não precisaríamos sequer de uma reforma do CPC ou do CPP: o STF poderia tratar de tudo isso em seu Regimento Interno... Em outros termos, tornaríamos sem eficácia o inciso I do art. 22 da CF.
Mas, o conjunto de indagações não para por aqui. Pensemos na seguinte questão: para uma declaração de inconstitucionalidade – questão fulcral e maior em um regime democrático – são necessários seis votos para o desiderato de nulificação (de um ato normativo). Pois é. Mas, em matéria criminal, sete votos não seriam suficientes para uma condenação... (considerando que quatro Ministros votem pela absolvição). Indo mais longe: também seis votos (maioria absoluta), pelo RISTF, não são suficientes para colocar fim à discussão penal... Com isso, chega-se ao seguinte paradoxo: no Brasil, é possível anular uma lei do parlamento e até emenda constitucional com seis votos da Suprema Corte. Entretanto, não é possível tornar definitiva uma decisão que dá procedência a uma ação penal originária. Isto porque, segundo o RISTF, havendo no mínimo quatro votos discrepantes, cabe “recurso por embargos infringentes”.