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sábado, 28 de agosto de 2010

Petrobras e pre-sal: alguns esclarecimentos

O Brasil real e o Brasil oficial
Crítica conjuntural das falácias governamentais
Blog Conectando Leitores - Você é aquilo que lê
Carlos U. Pozzobon

Recentemente ouvi um barulho em minha porta e acudi para saber do que se tratava. Haviam jogado um folheto tapado por um calendário de entrega da Liquigás. Inicialmente pensei que se tratasse de material publicitário, mas depois vi que por trás do calendário estava um folheto da Petrobras com a finalidade de explicar as mudanças que estavam ocorrendo na área do pré-sal.

Estranhei a panfletagem e, ao olhar para fora, vi 2 homens de macacão com o logotipo da Liquigás se afastando da minha pequena rua. Percebi que não eram entregadores de gás de botijão, mas gente com a inequívoca aparência de trabalhar em escritório e estar nas ruas por razões outras que a entrega de gás. Acrescentando-se a isso o fato de que uso gás encanado e, portanto, não tenho relações com essa empresa, a coisa foi ficando clara à medida que dei a primeira folheada no livreto de 22 páginas chamado Marco Regulatório de Exploração e Produção de Petróleo e Gás: 30 Perguntas e Respostas (tamanho 20 x 13,5 cm). Trata-se de uma clara campanha para explicar à população o que pensa a Petrobras sobre o pré-sal e as mudanças que estão sendo introduzidas na legislação. Mas por que uma campanha de esclarecimento de porta em porta? Qual a razão de se publicarem milhares de panfletos explicativos?

A resposta para isso está dada neste site e explica a razão de sua existência: trata-se da impressionante diferença que existe entre o Brasil oficial e o Brasil real.

Quando estudamos a história política do Brasil, através de seus acadêmicos, temos uma visão totalmente diferente da mesma história contada pelos analistas sociais, pois estes são pessoas que não têm um cargo universitário e que escrevem apenas como testemunhos do que viveram e perceberam nos meandros dos gabinetes, nas notícias dos jornais, nas ruas e nas repartições públicas. Enquanto o cientista social baseia suas observações nos documentos oficiais, o analista social baseia seus dados na interpretação dos documentos, no clamor da sociedade expresso pela imprensa, ou na sua própria interpretação. Assim, é muito diferente escrever sobre um assunto, por exemplo, o da segurança pública, baseado nos relatórios da polícia do que nos testemunhos de vítimas da violência urbana. São textos completamente diferentes: o primeiro é o ranço acadêmico, o segundo, a alma viva da sociedade.

O primeiro texto contém a visão oficial do Estado, o segundo, uma visão particular da sociedade. O segundo ponto diz respeito à ideologia de interpretação. A narrativa da história política baseada no legado do marxismo tem sido uma das causas do ensino de humanidades no Brasil estar completamente sucateado. Quando estudamos a história do Brasil, contada por viajantes que aqui estiveram nos séculos XVIII e XIX, começando por La Condamine, depois Saint-Hilaire, Schlichthorst, Paul Marcoy, Richard Burton, vemos que suas descrições sociais são bem diferentes daquelas feitas pelos estudiosos. Isso não é acidental: Euclides da Cunha, quando descreve a epopéia de Os Sertões, não o faz como um “scholar”, mas como um misto de escritor barroco, jornalista investigativo, analista social e expedicionário militar completamente independente das “obsoletas estruturas arcaicas” do seu tempo. Era alguém cuja formação intelectual cosmopolita e temperamento irridente lhe tinham dado o privilégio de estar acima da estrutura em que se movia, a ponto de não poupar críticas aos dirigentes de seu próprio exército na campanha de Canudos. Que intelectual em nosso meio acadêmico escreve desmistificando — à Euclides — as nossas mazelas burocráticas, o almofadismo de chefes militares, a desordem institucional?
Brasil real x oficial

Com isso, percebe-se que o pensamento da Petrobras sobre o novo marco regulatório do pré-sal se enquadra dentro daquilo que se chama ‘Brasil oficial’ em oposição ao ‘Brasil real’ — que não se enquadra na superfície dos fatos, que não se detém nas boas intenções, que revela as pretensões ocultas, a lógica dos interesses e as particularidades do “sistema”.

Para se ter uma idéia da distância que vai de um ponto de vista a outro, basta compararmos os argumentos que estão contidos neste folheto sobre o Marco Regulatório com os da realidade dos fatos. O folheto apresenta um bem organizado conjunto de 30 perguntas e respostas sobre o pré-sal dividido em 6 partes: 1. contexto e regulação do setor; 2. sistema de partilha; 3. Petro-sal; 4. fundo social; 5. cessão onerosa e 6. dúvidas gerais.

1. Contexto e regulação do setor
Inicialmente, o folheto trata de explicar as diferenças entre os sistemas de concessão e de partilha. Nas palavras do texto, sabemos que no sistema de concessão, “as atividades são realizadas pelo próprio concessionário, sem interferência ou maior controle dos governos nos projetos de exploração e produção, respeitada a regulação existente. Caso haja uma descoberta e ela seja desenvolvida, o petróleo e gás natural, uma vez extraídos, passam a pertencer aos concessionários após o pagamento de royalties e de outras participações governamentais” (p. 2).

Por outro lado, no sistema de partilha “a companhia ou consórcio que executa as atividades assume o risco exploratório. Em caso de sucesso, tem os seus investimentos e custos ressarcidos em óleo (o chamado óleo-custo). O lucro da atividade resulta da dedução dos investimentos e custos de produção da receita total. Convertido em óleo, esse valor é chamado de óleo-lucro, que passa a ser repartido entre a companhia (ou consórcio) e o governo, em porcentagens variáveis” (p. 2).

Havendo ainda a possibilidade de sistemas mistos, em regime de monopólio ou compartilhado, o folheto informa sobre o sistema adotado no Brasil, no caso das concessões: “no sistema adotado vence a empresa ou consórcio que obtiver a maior pontuação em três fatores: o bônus de assinatura (valor em dinheiro ofertado à União pelo direito de assinar um contrato de concessão); o índice de nacionalização das compras de equipamentos e serviços para as atividades de exploração e desenvolvimento; e finalmente, um programa de trabalho mínimo a ser seguido” (p. 4).

Um programa de trabalho não há como ser julgado. É importante para que o governo possa acompanhar o ritmo em que o poço será trabalhado, mas não tem como ser um fator quantitativo em uma avaliação de licitação. Quanto ao índice de nacionalização, não deveria ser também um fator de exigência de licitação porque pode ser manipulado facilmente. Uma rodada de licitação deve se concentrar no interesse público (representado pelo governo) para a obtenção do máximo de benefícios. Para não desnacionalizar totalmente o processo, o governo deveria estabelecer um índice percentual e depois controlar sua execução. Quanto ao bônus de assinatura, está correto e não há nada a acrescentar.

2. Sistema de partilha
O problema vem agora com o modelo de partilha em si. A pergunta que não quer calar é: como o governo, representando o interesse público, poderá fiscalizar os custos de produção representados pela fatia chamada óleo-custo? Como a Petrobras, que nunca conseguiu estabelecer para o governo o preço de custo em seus 50 anos de reinado, poderá convencer o governo de que os custos ali embutidos na exploração são verdadeiros? Eis aí a diferença entre o Brasil real e o Brasil oficial. Oficialmente sabemos, pelas denúncias da imprensa e do Congresso Nacional, que a Petrobras vinha financiando diversas entidades ligadas a parlamentares. Então cabe a pergunta realíssima de um país jovem e trigueiro: não seria o sistema de partilha o mais adequado para que a Petrobras, através de sua diretoria de ocasião (a partir de 2011), aumente a fatia de custos para repassar dinheiro a apaniguados?

Não existe nesta proposta de partilha uma possibilidade tentadora de que se turbine no Brasil um de seus mais nocivos costumes, que vem sendo combatido desde o Padre Anchieta, e que faz parte do seu DNA e que se chama corrupção? Não seria o sistema de partilha uma solução para criar receitas para as mais variadas correntes político-ideológicas dentro e fora da Petrobras? Não seria uma solução em que no jogo do esconde-esconde os amigos levam a melhor e o governo (que representa o interesse público) a pior?

Quem vai dizer que o óleo-custo do poço tal está superfaturado? E se for verdade, o que fará a Petrobras? Se no presente momento, as condenações pelo TCU dos contratos em andamento nas mais variadas refinarias estão simplesmente ignoradas, se as investigações na CPI são detonadas por políticos aliados, alguns sabidamente na lista dos “patrocínios” da estatal, e se algumas empresas contratadas não estão passando pela lei de licitação e tantas denúncias apavorantes não deram em nada, pergunta-se, por que a Petrobras seria daqui para a frente o exemplo de lisura e ética? Não seria exatamente a consolidação do que já está sendo denunciado?

Por que o modelo de concessão, que é claro e transparente, pois basta contar o total de barris e calcular os royalties, foi repudiado pela atual diretoria? Quem disse que o interesse público fica melhor representado pelo modelo de partilha? A Petrobras tenta uma explicação para modificar o marco regulatório, mas fica longe do essencial:

Quando a atual legislação que regula o setor de petróleo foi criada, em 1997, o Brasil e a Petrobras estavam inseridos num contexto de instabilidade econômica e o preço do petróleo estava baixo (US$ 19 o barril). Além disso, os blocos exploratórios tinham alto risco, perspectiva de baixa rentabilidade, e o País era grande importador de petróleo. O marco regulatório que adotou o sistema de concessão foi criado, à época, para possibilitar retorno àqueles que assumiram esse alto risco.
Hoje o contexto é outro. O Brasil alcançou estabilidade econômica, foi atingida a autossuficiência, os preços do petróleo estão significativamente mais elevados, e as descobertas no pré-sal, uma das maiores províncias petrolíferas do mundo, poderão, apenas com as áreas de Tupi, Iara, Guará e Jubarte, dobrar o volume de reservas brasileiras. Pelos testes realizados, sabe-se que o risco exploratório é baixo e a produtividade é alta nas descobertas localizadas na camada pré-sal.


Com o regime de partilha, o governo pretende obter maior controle da exploração dessa riqueza e fazer com que os recursos obtidos sejam revertidos de maneira mais equânime para a sociedade brasileira. Portanto, esse modelo é mais apropriado ao contexto atual e ao desenvolvimento social, econômico e ambiental do País (p. 7).

A princípio a Petrobras fala pelo governo, o que me parece estranho, para não dizer outra coisa. E quem tem que dizer o que melhor lhe parece para a sociedade certamente não é o que vem das palavras de um monopólio, seja este ou qualquer outro do mundo, hoje como em qualquer época histórica.

Ora se, como argumenta o folheto, hoje (31/5/2010) o barril vale US$118,00 e o risco exploratório é baixo, pelo conhecimento que se tem das perfurações bem-sucedidas na bacia de Santos, então nada indica que o sistema de royalties seja pior nem para o Brasil, nem para a Petrobras. Se diminui o risco, aumenta a oferta e portanto as licitações ganham mais vulto, o que é bom para o governo e ruim para a Petrobras, e qualquer outra, pois a disputa tende a aumentar as apostas.

Agora vem o segundo ponto: o da monopolização. Pelo sistema de partilha proposto nas áreas ainda não licitadas do pré-sal, a União poderá fazer contratos ou exclusivamente com a Petrobras, ou com outras empresas, mas com 30% garantidos para a Petrobras em consórcio. O que acontece neste caso? Que a Petrobras é sócia forçada de qualquer consórcio que vier a ser formado. O que ocorrerá imediatamente é uma desvalorização da disputa, pois não só o valor do bônus fica reduzido, como a simples negativa da Petrobras inviabiliza qualquer iniciativa das outras, já que ela se transforma em jogador e juiz da partida ao mesmo tempo, com seu poder de veto para qualquer área que lhe pareça mais recomendável “deixar para o futuro”.

Embora a Petrobras não pense e não fale nestes termos e garanta que nas licitações (questão 11, p. 10 ) “vence a empresa que oferecer o maior percentual do excedente em óleo (óleo-lucro) para a União. Caso a Petrobras não ganhe a licitação, deverá acompanhar o percentual ofertado à União pela empresa vencedora”.

O que aconteceria, apenas para especular, se fosse licitado um campo adjacente a outro onde as reservas conhecidas tenham sido anunciadas na casa dos bilhões de barris? Evidentemente que as demais empresas iriam partir para o leilão. E se a Petrobras disser “não, não quero”, o que aconteceria? As demais empresas teriam o direito de participar sozinhas à revelia da Petrobras? Poderia a Petrobras espertamente vetar e esperar mais algum tempo até assumir o bloco sozinha, já que a lei lhe faculta?

Nesse caso, não poderia todo o processo de exploração do pré-sal sofrer um engessamento por pura birra das demais petrolíferas, para forçar uma interrupção no processo, como aliás já vem acontecendo desde 2009, quando as notícias sobre o “mar de petróleo da bacia de Santos” contaminaram toda a nação com irrefreável otimismo?

3. Projeto Petro-sal
A Petro-sal seria uma nova estatal com capital 100% da União, criada para representar os interesses da União na partilha, como cuidar dos contratos e participar das decisões. Esta proposta nem merece ser discutida. A pergunta que cabe é: para quê mais uma empresa no processo se estas atribuições são da ANP? O que o governo tem contra a ANP? No triunvirato Ministério de Minas e Energia, Conselho Nacional do Petróleo e ANP, o governo precisa de mais um ente para cuidar de contratos e participar de decisões? Trata-se do mais puro desperdício de recursos públicos e energia humana, pois é mais um ente opinando, dando parecer, solicitando dados, enviando cartas, retardando decisões, enchendo de carimbos, certamente mais confundindo que esclarecendo pela sobreposição de atribuições que hoje são da ANP. Ou seja, uma empresa totalmente dispensável.

4. Fundo Social
Trata-se de parte da parcela obtida pela União, no processo de partilha, que seria obtida com o óleo-lucro e destinada às atividades de combate à pobreza, educação, cultura, etc. Nada a objetar, a União entretanto poderia pensar grande e imaginar que o Brasil deveria se preocupar urgentemente em ser um grande exportador de petróleo, considerando a pressão internacional cada vez maior para pesquisas de fontes energéticas alternativas, carros elétricos e por aí afora. Se o acidente com a BP no Golfo do México inquietar os EUA com suficiente desconforto em relação à exploração de Petróleo, a pressão ambiental por novos combustíveis, ou novas baterias, etc., aumentará a ponto de num horizonte não muito distante o mundo colher os benefícios de energia limpa. Nada nos impede de imaginar que em 50-80 anos o consumo de Petróleo entre em declínio cada vez maior chegando a uma situação de não se poder mais extrair petróleo, por decisões políticas impostas pela forças ambientalistas e não pelo esgotamento de jazidas. Aí não vai adiantar chorar sobre o leite derramado.

Neste caso, o pensamento deveria ser voltado para o máximo de exploração no presente, na área da bacia de Santos, com tantos participantes quanto seja o capital disponível. Os recursos obtidos pelo modelo de concessão permitiriam não só a criação de um fundo social como até uma reforma tributária que desonerasse impostos da produção e fossem aplicados na recuperação salarial e no crescimento do país como um todo. Aí sim teríamos um grande horizonte pela frente, com um novo paradigma de progresso e desenvolvimento. E nos aparelhando cada vez mais para sermos autossuficientes em biocombustíveis, em uma estratégia para o final do século XXI.

5. Cessão Onerosa de Direitos
Esse foi o nome que inventaram para a capitalização da Petrobras. Dentro dos círculos sindicalistas, existia o desconforto da Petrobras ser uma empresa de economia mista, onde a União só detém 1/3 das ações ordinárias. Queriam os sindicalistas que a parcela da União fosse 100%. Mas o que fazer com a abertura de capital para os pequenos investidores? Bem, na verdade os pequenos investidores ficam com suas ações na bolsa, e se quiserem acompanhar a Petrobras que o façam investindo mais dinheiro para se equipararem com o equivalente aos 5 bilhões de barris de petróleo de graça da fatia do governo, como forma de capitalização. Isso é no mínimo um absurdo. A Petrobras, então uma empresa de economia mista, se apropria de um patrimônio que é de todos os brasileiros com a promessa de trocar esse petróleo por títulos da dívida pública? Quem será que vai ganhar com os descontos dos títulos? Nesse ponto, a proposta que já era a pior para o povo brasileiro, se transforma em uma comédia. Mas comédia Molieresca das boas, onde não se sabe se a peça tem os personagens de Tartufo ou do Doente Imaginário. Ou quem sabe o governo não faz o papel de O Burguês Ridículo para a Petrobras? Enfim, parece uma demonstração de que o futuro será sombrio na área petrolífera, a menos que o próximo governo seja capaz de assumir os verdadeiros interesses do povo brasileiro.

6. Dúvidas frequentes
O folheto fala sobre a indecisão da proposta do pré-sal no Legislativo, mas promete grandes progressos para seus fornecedores. A Petrobras garante que o sistema de concessão poderá continuar valendo para as áreas já licitadas e para as áreas fora do pré-sal que não sejam consideradas estratégicas. Isso significa colocar nas mãos do governo o papel de árbitro. É deixar uma porta aberta no marco regulatório. Será que a Petrobras e seus sindicalistas não pensam que é muito perigoso deixar nas mãos do governo a decisão? Ou ela fez as contas e decidiu abocanhar a bacia de Santos e deixar o resto para o governo de ocasião? E se um governo qualquer que se suceda neste futuro incerto resolve definir uma área não estratégica, como por exemplo, no nordeste ou RS, e essa área se revelar muito mais promissora que todas as outras conhecidas?

Nenhuma dessas questões é mais preocupante do que a possibilidade de se criar um monstruoso sistema de suborno. Se o sistema de partilha for de fato implantado, a Petrobras pode estar abrindo mais um oleoduto para a incerteza: quem garante que num futuro não muito distante, uma nova diretoria não passe a utilizar o sistema de partilha para superfaturar despesas de investimento e usar estes recursos para contemplar a fila de políticos batendo por uma porta, a fila de sindicalistas batendo na outra, a fila de patrocínios ainda em outra, e assim sucessivamente? Tudo pago com o dinheiro que deveria ir para o óleo-lucro.

Como garantir que o país não mergulhe num sistema de favorecimentos, propinas e desperdícios — à moda getulista da fila do beija-mão —, com um sistema de custos em que o governo facilmente pode ser enganado? Quem vai conferir despesas? E se elas não fecharem com os relatórios do TCU vai ficar por isso mesmo, como está acontecendo com os presentes contratos? Não seria muito melhor que os custos fossem um assunto da própria empresa e que o governo tivesse uma participação direta e medida apenas pelo volume extraído? Não seria o sistema proposto uma contemplação da ineficiência, um dar de ombros ao desperdício, uma vez que os custos podem ser facilmente transferidos para o óleo-custo? E, vejam bem, não só pela Petrobras, pois todas as outras empresas podem fazer a mesma coisa, inclusive empresas representantes de governos estrangeiros!!! Será que não se percebe que pode haver a abertura de um propinoduto por parte das outras empresas também?

Para quem conhece a política nacional e a história do Brasil, a proposta é a pior possível, e nem sequer deveria ser considerada pelo Senado, se não estivessem parte dos nossos senadores comprometidos com as benesses da Petrobras. Em consequência, olhando para o que se conhece do nosso passado, trata-se de uma proposta extremamente cavilosa que, e ao ser distribuída de porta em porta, comprova que sindicatos agindo internamente na Petrobras já podem se dar à liberdade de servir de cabo eleitoral do partido no Poder. Em maio de 2010, a primeira fase da campanha presidencial foi a distribuição de folhetos. Quando é que os sindicalistas petroleiros vão começar a falar do aterrorizante fantasma da privatização? Afinal, eles não estão forçando esta solução? E quem — num processo eleitoral completamente acanhado — pretende enfrentar as “obsoletas estruturas arcaicas” postas em marcha pelo novo marco regulatório?

Nota:
Parece que este novo marco regulatório tem suas origens exatamente no sistema de distribuição de benefícios criados pela Petrobras nesta última gestão. O OESP — de 31/5/2009, quando se falava na convocação da CPI da Petrobrás, uma matéria de página inteira com o título “PT controla repasses da Petrobras para ONGs” — informava que a área de comunicação da Petrobras movimentava em torno de 1 bilhão anual (em 2008), aplicando em repasses para ONGs, programas ambientais, patrocínios culturais, programas sociais e propaganda institucional, muitos deles sem licitação, mas claramente um instrumento que financiava os mais simpáticos ao Partido, como por exemplo, os prefeitos ligados ao partido ou à base aliada nas festas juninas da Bahia. Ora, esta área é toda comandada por sindicalistas. O jornal informa ainda que a CUT recebe benefícios da Petrobras porque seu sindicato, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), é filiado à CUT. Com um patrocínio de 1.178 projetos sociais, projetos culturais e esportivos, o aporte da empresa em 2007 chegou a R$534 milhões. Estes dados são creditados na contabilidade da Petrobras. Com o sistema de partilha proposto, a contabilidade poderá não mais refletir o dinheiro transacionado. Nesse caso, o Brasil deixa de se inspirar na Ásia para caminhar célere na direção da África.

Leia mais sobre pré-sal na seção de Artigos e em O Desperdício do Capital Social no menu DNABrasil deste site.
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