Colapso!:
prevendo a decadência econômica brasileira
Brasília, 1º de maio de 2006.
1. Introdução (que já é quase uma conclusão)
Meu diagnóstico preliminar – provavelmente antecipatório
– não poderia ser mais pessimista: o Brasil caminha, lentamente mas
seguramente, para a estagnação do seu processo de crescimento econômico e,
quiçá, para uma decadência inevitável. Em outros termos, sua chance de
desenvolvimento, que significa a melhoria na qualidade de vida de seus
cidadãos, encontra-se irremediavelmente comprometida. Estarei exagerando no
catastrofismo? Talvez, mas o único paralelo que encontrei na literatura
corrente com a nossa situação, presente e futura, é o mais recente livro do
biólogo americano Jared Diamond, centrado no mesmo conceito que orienta este
ensaio, aliás inspirado no seu título accrocheur.
O colapso é possível, pode até ser provável, mas ele não
está ainda “garantido”. A persistirem, porém, as tendências atuais e as
manifestações de irresponsabilidade política e funcional de círculos dirigentes
– das altas lideranças a “grupos sociais” organizados –, ele torna-se mais do
que provável, quase que certo. Podemos dizer que o “meu” colapso já entrou na
ordem do dia, uma agenda na qual, paradoxalmente, a previsibilidade que temos de sua possibilidade concreta converteu-se, praticamente, em inevitabilidade.
Mil perdões aos meus leitores por parecer prolixo, mas é
o que eu posso concluir a partir de um exame dos indicadores de desempenho da
economia brasileira nas duas últimas décadas, todos altamente negativos. A
partir daí, a pergunta básica que formulo neste ensaio é: como foi que pudemos
chegar a esse estado de colapso virtual? Antes de responder a esta questão,
vejamos o quadro conceitual que preside à análise.
2. Colapso: anatomia de um
conceito
O conceito empregado no parágrafo anterior, o de
“inevitabilidade”, pode soar a catástrofe anunciada, uma profecia do
apocalipse, mas eu explico, antes de voltar à minha “teoria” particular do
“declinismo” brasileiro. Na história humana, nada é inevitável, está claro. O
caráter aparentemente “inevitável” de certos eventos ou processos só se dá,
pela mão dos historiadores, quando a passagem do tempo encarregou-se de
eliminar dos registros mais freqüentes – e da memória dos homens – os fatores
contingentes ou circunstanciais que poderiam ter conduzido aquele processo a um
outro desfecho e quando, alternativamente, se passou a considerar, e a reter
nos anais da história, unicamente aqueles elementos que levaram, “fatalmente”
aos resultados já conhecidos. A inevitabilidade é, portanto, um conceito post-factum que assume ares de “verdade
histórica” apenas a partir da seleção arbitrária dos fatos pelos historiadores
e outros “explicadores” do passado.
Respondendo, portanto, à provocação do título –
inspirado no segundo best-seller,
homônimo, do biólogo americano Jared Diamond –, eu diria, de imediato, que não
há nada de inevitável na decadência econômica brasileira, mas é muito provável
que, se mantido o atual “curso da história”, esse resultado já esteja
disponível no despontar de alguma curva de futuro de curto ou de médio prazo.
Nosso sistema econômico só entrará em colapso se nada for feito, em termos de
políticas públicas, para livrá-lo de suas muitas disfunções estruturais, de
seus grandes equívocos não-estruturais – isto é, derivados das políticas
públicas, justamente – que inviabilizam, hoje, uma taxa de crescimento mais
vigorosa, da lenta trajetória em direção ao estrangulamento fiscal, da perda de
substância nos investimentos inovadores em função das dificuldades sofridas
pelos empreendedores privados e da
baixíssima produtividade registrada na economia como um todo, além de outros
problemas que tenho procurado analisar em trabalhos recentes.
Recorde-se, apenas para esclarecer aqueles que não
conhecem o livro do cientista evolucionista, que o “colapso” em questão tratou
de diversos casos de sociedades que entraram em crise terminal e naufragaram
nos meandros da história por terem falhado em compatibilizar a utilização
sustentável de seus recursos naturais e materiais com os meios e condições sob
os quais elas se organizavam do ponto de vista produtivo e no plano da
reprodução social. Contrariamente a seu primeiro best seller – Germes, Armas e
Aço, que tinha tratado da evolução ecológica, e do “sucesso”, de várias
sociedades humanas ao longo dos últimos 13 mil anos –, o título catastrofista
do segundo é dirigido às sociedades que não estão prestando atenção nos sinais
precursores de um colapso anunciado.
O fato é que, com base nas evidências disponíveis sobre
o cenário econômico brasileiro e sobre o itinerário atual e futuro dos
indicadores de crescimento, eu cheguei à conclusão de que já estamos, de fato,
em decadência econômica e que as possibilidades de recuperação imediata são
mínimas, senão impossíveis, nas condições políticas sob as quais nos
encontramos. O conceito de colapso, nessa perspectiva, é apenas uma metáfora,
uma espécie de superlativo, por certo, um alerta mais do que uma profecia, mas
que traduz uma leitura da realidade a partir dos dados primários disponíveis e
que concluiu, apropriadamente, que nosso futuro é bem mais sombrio do que
róseo.
Recorde-se, também, que na obra de Jared Diamond, o
colapso não é um evento único, uma catástrofe repentina que desaba de forma
surpreendente e inesperada sobre a cabeça das pessoas. Não! Ele vem ao cabo de
um lento acúmulo de elementos negativos, de sinais prenunciadores, de
disfuncionalidades diversas e repetitivas, daquela mesma persistência no erro
que conduziu muitas pessoas e sociedades inteiras à beira do precipício. Contra
todos os alertas, profecias e estudos abalizados, que mostravam, por vezes
muitos anos antes, que aquela rota seguida poderia conduzir ao desastre, as
pessoas e as sociedades insistem, ainda assim, no caminho suicida, desprezam os
avisos dos “pessimistas” – que costumam ser apenas realistas dotados de
informações – e caminham como lemingues para a borda do precipício.
Como isso é possível, e o que podemos fazer para remediar
ou desviar o curso da história? Primeiro de tudo, seria preciso identificar
sinais precursores, detectar tendências evolutivas, sacar as conclusões
pertinentes sobre as raízes dos males percebidos e, então, identificar as
responsabilidades pelo estado de coisas. Numa segunda etapa, seria preciso
elaborar diagnósticos setoriais detalhados sobre os problemas detectados e as
interações deles com as demais estruturas e instituições sociais. Finalmente,
com base nas etapas precedentes, seriam elaboradas respostas apropriadas aos
desafios apresentados, o que sempre envolve um trade-off entre maximização das preferências de curto prazo e
alguns sacrifícios no presente, de maneira a evitar o agravamento da situação e
a já detectada irreversibilidade da deterioração inevitável, caso persistam as
tendências anteriores.
3. A decadência econômica
brasileira: uma tendência de longo prazo?
Em relação aos dados primários da economia, não é
preciso ser muito enfático quanto à extensão do desastre. O Brasil vem crescendo
menos que a média mundial por 10 anos consecutivos, sem ser preciso lembrar que
o país já tinha praticamente estagnado nos dez anos anteriores. Um estudo
apresentado pela CNI em março de 2006, revela que o Brasil está perdendo
importância na economia mundial. Nos últimos dez anos, o país cresceu 2,2% em
média ao ano, enquanto que o restante do mundo teve uma expansão de 3,8%. Com
isso, entre 1996 e 2005, o Produto Interno Bruto do país aumentou 22,4%. No
mesmo período, o mundo cresceu 45,6%, sendo que a categoria dos emergentes, à
qual supostamente pertencemos, cresceu muito mais, obviamente. Para que não me
acusem de catastrofista inconseqüente, reproduzo aqui os dados relativos ao
período recente:
Fonte: Quadros extraídos de
boletim do IEDI (Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial), abril
2006, disponível no site: www.iedi.org.br.
Retomando os mesmos dados pelo lado do crescimento real
per capita, o quadro é ainda mais assustador, com regiões antes deprimidas,
como a África, crescendo mais do que a América Latina, que está crescendo mais que
o dobro do Brasil:
Estes dados não devem desentusiasmar ninguém, uma vez
que o registro histórico precedente foi bem mais generoso com o Brasil, no
longo prazo. Com efeito, nas primeiras oito décadas do século XX, o Brasil foi,
com o Japão, um dos países de maior crescimento absoluto, acumulando uma média
de 3,1% de crescimento real per capita ao ano, entre 1900 e 1980, sendo apenas
ultrapassado pelo país asitático (3,2%) em virtude de sua igualmente vigorosa
taxa de crescimento populacional. O que deu errado, então?
Resumidamente, pode-se dizer que o último quarto de
século assistiu a grandes transformações na economia mundial. Vários países
“convergiram” nitidamente para os níveis de renda dos membros da OCDE – foi o
caso de grande parte da Ásia oriental e de alguns países da Ásia meridional –,
ao passo que outros, basicamente os da África e da América Latina, divergiram
de maneira acentuada, ficando para trás ou regredindo em termos absolutos, como
foi o caso de vários países africanos. De modo geral, a economia mundial voltou
a conhecer, no período recente, taxas de crescimento econômico que ela nunca mais tinha visto nos últimos
trinta anos. De fato, apenas no período 1971-1973, a economia mundial tinha
evidenciado um desempenho global tão favorável como nos últimos três anos.
Por outro lado, jamais, em qualquer época histórica
anterior, os países emergentes tinham crescido a taxas tão elevadas,
superiores, em média, ao crescimento global: nos dez anos que vão de 1988 a
1997, esses países cresceram cerca de 1,2 vezes mais do que a média do
crescimento mundial, tendência que se acelerou desde então. Nos cinco anos
seguintes, isto é, entre 1998 e 2002, essa média representou 1,34 vezes a taxa
de crescimento global e nos dois anos mais recentes, para os quais existem
estatísticas consolidadas (2003-2005), essa média foi 1,51 superior. Ou seja,
num momento em que, segundo os dados do último relatório do FMI, o mundo
prepara-se para crescer 4,7% – e há mesmo quem coloque essa previsão acima, em
4,9% – os países emergentes podem crescer, em princípio, à taxa de 7,2% ao ano.
E o Brasil nesse contexto? Não é preciso dizer que nosso
desempenho é pífio, quando não desolador, como se pode constatar pela tabela seguinte:
PIB per capita e taxas
de crescimento de 1995 a 2004, países selecionados
|
Países
|
PIB
per capita US$ 1,000 (PPP)*
|
Taxa
anual
|
Selecionados
|
1995
|
2004
|
acumulada
(%)
|
Estados Unidos
|
31,6
|
38,6
|
2,3
|
Alemanha
|
25,7
|
28,4
|
1,1
|
Coréia do Sul
|
15,5
|
20,8
|
3,7
|
Chile
|
8,5
|
10,7
|
2,6
|
Rússia
|
6,9
|
9,9
|
4,1
|
Brasil
|
7,2
|
8,2
|
1,5
|
China
|
2,9
|
5,5
|
7,6
|
India
|
2,1
|
3,0
|
4,1
|
Fonte: Banco
Mundial; * = Paridade de Poder de Compra.
|
Em outros termos, o Brasil, que partiu, em 1960, de
níveis de renda per capita que eram o dobro da renda per capita da Coréia do
Sul, já foi há muito ultrapassado pelo país asiático e, ao ritmo atual, corre
ainda o risco de ser ultrapassado por países que partiram de patamares ainda
mais baixos que o seu, como a China e a Índia, a persistir, no médio prazo, a defasagem de
taxas de crescimento como aquelas observadas nas três últimas linhas da tabela.
Nosso dinamismo anterior já faz parte da história. Como se observa pela tabela
abaixo, desde meados dos anos 1980, o Brasil vem crescendo – com exceção de níveis
ligeiramente acima em alguns poucos anos da década passada – a taxas
persistentemente abaixo da média mundial, tendo mesmo acumulado recessões mais
profundas em pelo menos quatro ocasiões:
O crescimento econômico brasileiro não tem sido apenas
abaixo da média mundial, mas, também, consistentemente abaixo da média dos
países emergentes (quase três vezes menos, em média), como se pode verificar
pela tabela seguinte:
Uma das razões do baixo desempenho da economia brasileira encontra-se
na falta de investimentos. De 1995 a 2004, o volume de investimentos no Brasil
representou, na média, 19,3% do PIB, taxa inferior aos 32,6% registrados nas
economias emergentes da Ásia. Esse fraco desempenho da economia brasileira não
poderia, portanto, deixar de refletir-se no comportamento anêmico da renda per
capita. Na última década, o PIB per capita do Brasil aumentou apenas 0,7% ao
ano, ante a média mundial de 2,6%.
Alguma perspectiva
comparada pode permitir avaliar a extensão do desastre. Se o Brasil mantiver o
atual ritmo de crescimento levará um século para conseguir dobrar a renda per
capita e chegar próximo à renda per capita atual da Coréia do Sul. Em 2004, a
renda per capita dos brasileiros era de US$ 8.200, equivalente a cerca de um
quinto da dos norte-americanos. Nesse período, a China e a Índia lideraram a
expansão do PIB per capita. O rendimento médio dos chineses aumentou 7,7% ao
ano entre 1996 e 2005. Caso a China mantenha esse ritmo de crescimento, a renda
média da população, que era de US$ 5.530 em 2004, dobrará em nove anos e vai
superar a dos brasileiros.
Alguns acreditam que o crescimento pífio é o resultado
da política econômica aplicada pelos últimos governos, inclusive o atual,
colocando ênfase na taxa de juros e no superávit primário. Mas, se fosse
possível fazer uma dessas simulações que só ocorrem nos laboratórios, em
experiências controladas, e se o Brasil por acaso acordasse com uma taxa de
juros que fosse a metade da que ele tem hoje e que, além de tudo, ele não fosse
obrigado a realizar um superávit primário de 4 a 5% do PIB, ainda assim ele
continuaria a apresentar baixo desempenho econômico.
A razão está em que não são os juros ou o esforço fiscal
do governo que inibem volumes maiores de investimentos e, portanto, de
crescimento. Isolados esses fatores, ainda assim a taxa de poupança continuaria
limitada, o meio ambiente para os negócios preservaria esse cenário altamente
dissuasivo ao investimento privado e a carga tributária continuaria pesando
sobre os agentes econômicos privados, que são os únicos suscetíveis de criarem
riqueza e emprego. Uma hipotética eliminação das despesas com juros ainda
deixaria um desequilíbrio fundamental nas contas públicas, feito de crescimento
vegetativo das transferências obrigatórias, peso crescente da fatura
previdenciária, assunção de novas fontes de gastos como os aumentos do
funcionalismo e alguns programas ditos sociais. Alguma surpresa neste quadro
desolador?
4. As razões do baixo
desempenho econômico persistente: barreiras estruturais e políticas ao
crescimento da produtividade do trabalho
Identificados os sinais do desastre, seria preciso
isolar as raízes dos problemas do baixo desempenho econômico percebido e, em
seguida, determinar as responsabilidades por esse lastimável estado de coisas.
Parece haver certo consenso entre os economistas ao identificar nas barreiras
ao crescimento da produtividade as origens de nosso desempenho medíocre nos
últimos anos. Outros fatores econômicos que explicam o baixo crescimento são as
políticas macroenômicas, entre elas a regulação excessiva, a tributação
claramente prejudicial ao investimento produtivo, a rigidez no mercado de
trabalho e a ausência de um verdadeiro mercado de capitais, o que se reflete no
custo excessivo do investimento produtivo, que acaba sendo colocando em segundo
plano em relação às aplicações puramente financeiras, elas mesmas resultado do
excessivo endividamento do Estado brasileiro ao longo das últimas décadas.
Um possível diagnóstico sobre as razões do baixo
crescimento da produtividade do trabalho – fator que constitui, obviamente, o
determinante principal do nível de renda per capita de um país – indicaria
causas estruturais e não-estruturais, estas últimas derivadas das políticas
macroeconômicas e setoriais adotadas por autoridades econômicas brasileiras.
Dentre as primeiras, encontra-se um fator diretamente econômico, ou seja, o
próprio baixo nível da renda per capita, o que desestimula a produção de bens e
serviços mais sofisticados – que são justamente aqueles que concorrem no comércio
internacional – e a consequente concentração da indústria manufatureira e dos
agentes econômicos nos bens e serviços de baixa gama. Ainda na mesma categoria,
encontra-se o fator clássico, definidor da própria economia, qual seja, a
escassez relativa: sendo o trabalho o fator abundante, no Brasil, é natural sua
utilização de forma mais extensiva e intensiva, o que desencoraja, ipso facto, a utilização de maquinarias e de modernas tecnologias. Mas,
esses fatores estruturais representam, se tanto, um terço dos obstáculos à
melhoria dos ganhos de produtividade no Brasil, segundo um recente estudo
econômico (abril de 2006) da consultoria McKinsey.
Os fatores estruturais, que
respondem por dois terços dos problemas, podem ser sumariados como segue: a informalidade
na qual vivem as companhias e o trabalho podem ser responsáveis por 28% das
barreiras; a instabilidade macroeconômica
responde por outros 13%; a regulação excessiva causada pelo Estado
representa 11% das dificuldades; a provisão insuficiente de serviços públicos
responde por outros 8% e, por fim, a infra-estrutura insuficiente ou deficiente
é responsável por 5% das barreiras ao incremento da produtividade. Esses
fatores não têm sido enfrentado e, ao contrário, seu peso tende a se agravar. O
mesmo estudo da McKinsey indica que se a produtividade do trabalho no Brasil
representava, em 1995, 23% do nível observado nos Estados Unidos, em 2004 essa
proporção caiu para apenas 21%.
A economia informal representa algo próximo de 40% da
renda nacional do Brasil e mais da metade da população economicamente ativa.
Cálculos econométricos estimam que a economia brasileira poderia crescer um
adicional de 1,5% ao ano se ela conseguisse reduzir os níveis anormalmente
altos de informalidade. O problema é que a informalidade é causada pela própria
ação do Estado, que aparentemente se esmera em empurrar para a marginalidade
milhares de empresas que não conseguem suportar a tributação elevada, o
regulacionismo excessivo e o não respeito à lei por parte dos próprios agentes
públicos. Na verdade, em muitos casos, o custo de aderir à formalidade é bem
superior aos riscos e penalidades eventuais em caso de infração detectada
seguida de punição no âmbito da lei.
Dados comparativos permitem avaliar
o grau de informalidade do Brasil no contexto internacional. De modo geral,
todos os países conhecem níveis diversos de informalidade, fenômeno que é
evidenciado pela existência de empresas não registradas, pela evasão geral dos
tributos oficiais, por trabalhadores sem carteira – e, portanto, sem direitos
reconhecidos –, pelo não cumprimento de regulamentos sanitários, salário mínimo
legal e outros processos associados a este. Segundo dados do Banco Mundial e da
Organização Internacional do Trabalho, a informalidade no mundo situação próxima
de um terço da renda nacional global, sendo que mesmo os países desenvolvidos
conhecem o fenômeno. O gráfico seguinte dá uma idéia da situação no mundo, com
destaque para a posição atual da Rússia e, na América Latina, do Chile, uma das
economias mais dinâmicas de uma região que se caracteriza por altos graus de
informalidade. A posição do Brasil situa-se, aliás, vinte ponto acima do
indicador chileno, o que também coincide, por sinal, com a defasagem da carga
fiscal, de 38% do PIB no caso brasileiro, e de apenas 18% no caso chileno.
Um detalhamento das fontes da informalidade no Brasil
indicaria, como deve ser previsível, a imposição excessiva de tributos sobre a
produção e circulação de bens e serviços, em volume tal que torna bastante
atraente, ou virtualmente incontornável, a sonegação. Em outros termos, é o
próprio Estado que estimula a informalidade, criando, assim, obstáculos
insuperáveis para a eliminação de uma das principais barreiras ao crescimento
da produtividade do trabalho e ao investimento produtivo. De fato, de agente
indutor do processo de desenvolvimento, que ele pode ter sido no passado, o
Estado brasileiro parece ter se convertido no principal fator de
não-crescimento da economia. O que fazer para retornar o processo de crescimento
e de desenvolvimento?
5. Existe algum caminho
para o crescimento e o desenvolvimento?
Com base na experiência histórica de outros países, num
estudo cuidadoso de nossa própria trajetória de desenvolvimento econômico e na
identificação das referidas barreiras ao crescimento, tal como expostas na
seção precedente, eu identificaria quatro grandes problemas – que são, ao mesmo
tempo, quatro grandes desafios – que se colocam como condicionalidades para que
o Brasil consiga retomar a trajetória dos primeiros oitenta anos do século XX e
manter uma taxa de crescimento sustentada pelos próximos anos ou décadas. Os
componentes principais de um processo consistente de crescimento e de
desenvolvimento parecem ser os seguintes:
- estabilidade macroeconômica;
- uma microeconomia competitiva;
- alta qualidade dos recursos humanos;
- abertura aos comércio e aos investimentos.
Não é preciso dizer nada da instabilidade macroeconômica
na qual o Brasil viveu, praticamente desde 1961 até o início do Plano Real, em
julho de 1994. Tampouco seria preciso relembrar os focos remanescentes – ou
estruturais – de desequilíbrio fiscal, bem como o fato de que, a despeito dos
esforços realizados nos últimos doze anos, a taxa de inflação no Brasil
permanece acima da média mundial – que é menos da metade da taxa “normal” no
Brasil – e também acima da média dos países emergentes. No que tange à
microeconomia, não é segredo para ninguém que a economia brasileira convive
ainda com inúmeros cartéis, monopólios e reservas legais de mercado, premiando
companhias estatais e ofertantes privados dispondo de posições dominantes nos
mercados respectivos.
No que se refere à qualidade da educação, são notórias
nossas deficiências no setor, com números aterradores de repetência escolar e
de desempenho indvidual dos alunos nas avaliações comparadas dotadas de
metodologias testadas (como é o caso do exame PISA, por exemplo, o programa
internacional de avaliação dos estudantes, da OCDE). Finalmente, persistem os
coeficientes extremamente reduzidos de abertura externa – parte do comércio
exterior na formação do produto – e de receptividade ao investimento
estrangeiro, o que nada tem a ver, obviamente, com a abertura aos capitais
puramente financeiros.
Uma lista detalhada dos problemas estruturais e
conjunturais do Brasil resulta no estabelecimento de um quadro assustador do
ponto de vista da extensão das reformas e da amplitude dos consensos que
deveriam ser alcançados para se lograr colocar as bases da retomada do
crescimento. Isto significa, portanto, que a possibilidade ou a factibilidade
real de se obter tal consenso, nos próximos anos, é próxima de zero, o que
reforça, ipso facto, minhas previsões
pessimistas apontando para o colapso. Quais seriam, em todo caso, o conjunto de
problemas com que se defronta atualmente o Brasil?
Uma lista – obviamente não exaustiva – dos problemas
estruturais e institucionais do Brasil atual resulta num formidável conjunto de
obstáculos à retomada de um processo sustentado de crescimento, como se pode
constatar por estes exemplos:
1. Constituição super-detalhista e “intrusiva”,
concedendo muitos “direitos” e exigindo poucas obrigações;
2. Estado paquidérmico, perdulário, burocrático
e ineficiente;
3. Regulação microeconômica hostil tanto ao
empreendimento produtivo quanto à empregabilidade, concedendo pouco espaço para
as relações diretamente contratuais ou auto-reguladas;
4. Excesso de monopólios, cartéis e restrições
de mercado, pouca competição e muitas barreiras à entrada de novos ofertantes
de bens e serviços;
5. Reduzido grau de abertura externa, seja no
comércio, nos investimentos, nos fluxos de capital, gerando ineficiências,
altos preços, ausência de competição e de inovação;
6. Sistemas legal e judiciário atrasados e
ineficientes, permitindo manobras de procedimento que retardam a solução das
controvérsias e aumentam os custos de transação para a sociedade.
Existiriam ainda condições para o exercício de uma
governança responsável?
6. Existe alguma maneira
de escapar ao colapso?
Tendo em vista o que foi exposto anteriormente,
considero extremamente difícil ao Brasil evitar a ameaça real de “colapso” em
seu processo de crescimento, inclusive porque, até o presente momento, as
lideranças políticas sequer reconhecem o estado pré-falimentar do atual modelo
econômico. A decadência econômica e o dissenso político daí decorrente – e que
na verdade já se manifestam – poderiam, a exemplo de experiências históricas
anteriores de persistente declínio nacional (como nos casos “clássicos” da
Grã-Bretanha e da Argentina), perdurar por longos anos, quando não por várias
décadas.
Poucos “profetas do apocalipse”, em sua versão
econômica, têm alertado para esse estado de coisas. O diagnóstico oferecido não
é, no entanto, difícil de ser feito, com base nos dados que foram aqui
apresentados. Mais, difícil, provavelmente, será fazer com que a sociedade e os
seus representantes políticos se coloquem de acordo em torno de um conjunto de
reformas, cujo contorno mais geral me permito apresentar logo abaixo.
Minha impressão pessoal, nesse particular, é que o
detalhamento oportuno desse conjunto de
reformas poderia dar margem a intermináveis discussões no congresso e na
sociedade e que o seu encaminhamento ulterior – aliás, altamente problemático –
abriria espaço a outras infindáveis dúvidas e tergiversações sobre sua
implementação efetiva. Considerando-se, ademais, os inevitáveis conflitos sobre
o custo dos ajustes necessários, afigura-se-me muito difícil, senão impossível,
a consecução desse conjunto de reformas saneadoras, com o que torna-se ainda
mais provável o “meu” colapso anunciado.
Em todo caso, para não terminar numa nota totalmente
pessimista, vejamos quais seriam as reformas que reputo indispensáveis para
recolocar o Brasil numa trajetória de crescimento. Estabeleço, em primeiro
lugar, o sumário desse conjunto de reformas, com os obstáculos previstos,
apresentando em seguida seu desenvolvimento mais amplo:
1. Reforma política (choca-se com a
representação das regiões e dos estados);
2. Reforma administrativa (mas o
brasileiro acredita que o Estado é bom);
3. Reforma econômica (a tributária
contraria os interesses dos estados);
4. Reforma trabalhista e
previdenciária (tropeça nos “direitos adquiridos”);
5. Reforma educacional (a sociedade
ainda não está consciente de sua importância);
6. Abertura econômica (considerada
indesejada pela maior parte dos agentes).
Vejamos agora, com maior grau de detalhamento, ainda que
de forma sintética, quais seriam os principais elementos constitutivos das
reformas propostas:
1. Reforma política: deveria começar
pela Constituição e seria útil uma “limpeza” nas suas excrescências indevidas,
deixando-a apenas com os princípios gerais, remetendo todo o resto para
legislação complementar e regulatória. A representação política é ineficiente,
onerosa e deformada: em vista dos seus custos para o País e para os cidadãos
(que na verdade pouco sabem do nível real de despesas), seria conveniente
operar uma diminuição drástica dos corpos legislativos em seus vários níveis
(federal, estadual e municipal). No campo da reforma eleitoral, introduzir a
proporcionalidade mista, com voto distrital em nível local e alguma
representação por listas no plano nacional, preservando o caráter nacional dos
partidos. Os principais obstáculos, obviamente, são a própria inércia dos corpos
legislativos, que transformaram-se em classes e grupos de interesses que vivem
dos “negócios” da política e a representação deformada entre os estados e no
que tange a proporcionalidade.
2. Reforma administrativa com
diminuição do número de ministérios, e atribuições de funções a diversas
agências reguladoras. Retomada da privatização das empresas estatais que ainda
existem e que são fontes de ineficiências e corrupção. Fim geral da
estabilidade no serviço público, salvo para algumas carreiras de Estado
(estritamente definidas). Reformas nos códigos processuais e no funcionamento
da justiça, de forma geral. Choca-se com a crença geral da população de que o
Estado é que deve estimular as “atividades econômicas”, tem a obrigação de
“criar emprego” e, de forma geral, “distribuir benesses”; ou seja, torna-se
materialmente impossível reduzir o tamanho do Estado paquidérmico, abrindo-se
espaços à atividade empreendedora na prestação de diversos serviços públicos em
bases de mercado (inclusive os de infra-estrutura básica e, eventualmente,
partes da administração da justiça).
3. Reforma econômica ampla, com
diminuição da carga tributária e redução das despesas do Estado; severo aperto
fiscal nos criadores de despesas “inimputáveis”, que são os legislativos e o
judiciário. Reformas microeconômicas de molde a criar um ambiente favorável ao
investimento produtivo e ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão
fiscal. A situação da gestão das contas públicas melhorou parcialmente com a
“lei de responsabilidade fiscal”, mas as brechas ainda remanescentes tornam
esse equilíbrio precário, ademais da situação sempre sensível da repartição de
encargos e receitas entre as diversas entidades da federação.
4. Reforma trabalhista radical,
no sentido da flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às
negociações diretas entre as partes. Extinção da Justiça do Trabalho, ela mesma
uma das fontes de criação e sustentação de conflitos. Eliminação do imposto
sindical, que alimenta organizações de papel, de comportamento rentista. Nova
reforma previdenciária, para terminar com os privilégios remanescentes, ampliar
o tempo de contribuição, diminuir determinadas coberturas indevidas e equalizar
os diversos regimes existentes (por gênero e por categorias).
5. Reforma educacional completa,
com retirada do terceiro ciclo da responsabilidade do Estado e concessão de
completa autonomia às universidades públicas (mantendo-se a transferência de
recursos para fins de pesquisa e projetos específicos). Concentração dos
recursos públicos nos dois primeiros níveis e no ensino técnico-profissional,
cuja valorização passa pelo treinamento e qualificação adequados dos
professores e a introdução de sistemas de remuneração por mérito e rendimento
(diretamente aferidos pelos resultados dos alunos).
6. Prosseguimento da abertura
econômica e da liberalização comercial; acolhimento do investimento estrangeiro
e adesão a regimes proprietários mais avançados.
Existiria alguma chance de implementação desse conjunto
de reformas? Existiria, ao menos, qualquer possibilidade de que alguma delas
seja sequer iniciada? Com exceção de mudanças cosméticas, tudo me parece muito
improvável, para não dizer impossível. O surpreendente seria que elas fossem
convertidas em agenda nacional, a partir da próxima legislatura e do próximo
mandato presidencial. Com efeito, todas as previsões políticas indicam a
deterioração sensível, e já previsível, do quadro de governabilidade no país,
tendo em vista as tendências detectadas no Congresso brasileiro, o principal vetor
para a discussão e eventual aprovação dessas reformas. O País tampouco parece
dispor das lideranças políticas indispensáveis à consecução desse
empreendimento gigantesco, que deve, assim, permanecer como mais uma dessas
utopias sem futuro.
7. Concluindo, pela via
pessimista...
O Brasil não terá sido o primeiro, nem será o último
país a enfrentar as agruras da decadência econômica e de um lento esgarçamento
de seu tecido político e social. Afinal de contas, a história é pródiga em
exemplos de declínios, sem sequer ser preciso fazer apelo, aqui, aos exemplos
reais de colapso total, narrados no livro do citado especialista americano em
“declínios civilizacionais”. A China, hoje invejada por seu crescimento
fabuloso, constitui um modelo em escala histórica ampliada de decadência
inimaginável durante pelo menos três ou quatro séculos, até a sua atual
recuperação igualmente sem precedentes na história econômica mundial. A
Grã-Bretanha decaiu praticamente durante todo o século XX, em especial no
segundo pós-guerra, até começar a sua recuperação sob o signo do neoliberalismo
tatcheriano. A Argentina, mais próxima de nós, continua, talvez, a patinar na
impossibilidade material de retomar os patamares de prosperidade e de bem-estar
que já foram os seus nos anos inciais do século XX.
Observando-se esses exemplos pouco edificantes, mas cuja
trajetória de lento e inescapável declínio estendeu-se durante décadas, senão
por séculos – sendo portanto totalmente visível aos estadistas contemporâneos
–, parece totalmente possível e, de certo modo totalmente provável, que o
Brasil venha a conhecer uma trajetória senão similar, pelo menos comparável de
declínio e de decadência. Não está excluído um colapso, tampouco, se nada for
feito, por exemplo, em relação à deterioração das contas públicas e dos gastos
correntes do Estado, sem mencionar a anomia gerencial, o quadro de violência
nas metrópoles, o desrespeito generalizado à lei, a começar pelas próprias
autoridades políticas. Talvez o Brasil esteja mesmo condenado ao baixo
crescimento, à preservação das conhecidas iniquidades sociais, a começar pela
desigual distribuição de renda e riqueza, ao baixo dinamismo geral de seu
sistema econômico e judiciário.
Minha previsão, realisticamente pessimista, é a de que o
Brasil vai decair pelos próximos vinte anos, pelo menos. Isto é, se antes disso
ele não entrar em colapso. Espero, sinceramente, ser desmentido pelos fatos...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1º de maio de 2006
1590. “Colapso!: prevendo a decadência econômica brasileira”, Brasília, 1º maio 2006, 17 p. Extensão de estudos
anteriores, com síntese pessimista sobre a trajetória de declínio econômico
brasileiro. Espaço Acadêmico (ano V,
nº 60, maio 2006; ISSN: 1519-6186). Relação de Publicados n. 643.