O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador historiador. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador historiador. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Reserva de mercado para "istoriadores": um tema em debate (Ivan da Costa Marques)

O artigo do professor, pesquisador, cientista, historiador Ivan da Costa Marques é preciso, abrangente, elegante. Acho que ele escreveu bem e tem razão em todos os seus argumentos substantivos.
Talvez, no entanto, não precisasse de tanto: bastava dizer que os "istoriadores"  da Anpuh só estão atrás de uma reserva de mercado para exercitarem aquilo que menos sabem fazer: pesquisar, de maneira aberta, divulgar, num ambiente sadio de diálogo com todas as correntes das humanidades, desfazer-se de comportamentos corporativos.
Paulo Roberto de Almeida

Desacordo entre associações acadêmicas
Jornal da Ciência, 19/08/2013

Artigo de Ivan da Costa Marques* para o Jornal da Ciência aborda os posicionamentos discordantes em torno do projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador

O Projeto de Lei 4699/2012 trouxe à tona um forte desacordo entre as comunidades acadêmicas brasileiras cujas atividades podem ser atingidas pela palavra "história". Ao estipular que "o exercício da profissão de historiador é privativa (sic) dos portadores de diploma de curso superior, mestrado ou doutorado em História" o projeto propõe um divisor formal entre quem pode e quem não pode legalmente ensinar, divulgar, pesquisar o passado e fazer historiografia no Brasil. Ou seja, o Projeto de Lei 4699/2012 adota um indicador radicalmente simplificado e reduzido - a posse de um diploma - para quem poderá, caso a lei seja aprovada nos termos propostos, legalmente exercer a "profissão de historiador." De tão radical pode-se duvidar que este indicador se afirme, mesmo que eventualmente amparado em Lei. Vários profissionais, com diferentes diplomas e matizes ideológicas (ao que vi, José Murilo de Carvalho, Renato Janine Ribeiro, Francisco Marshall, mas certamente há outros) vieram a público argumentando que o projeto é, no mínimo,ameaçadoramente tosco.

O projeto traz para um primeiro plano um problema de fronteiras. Onde estaria o reduto "puro" do historiador, um reduto bem delimitado por um indicador simples e reduzido? O historiador que pesquisa o passado vive o presente e seu próprio agir acontece em meio às categorias do presente. Seu mundo é formado e informado não só pela historiografia feita pelos que o precederam, mas também pela sociologia, pela filosofia, pela antropologia e, não menos, pela tecnologia do presente. Que historiador atualizado poderia deixar de reconhecer que não só o ensino da história mas talvez ainda mais o fazer da historiografia, a construção do conhecimento histórico, mudou radicalmente, não se precisa dizer de 50 ou 100, mas de 30 anos para cá? Mesmo os mais empedernidos reconhecem que não se escreve da mesma maneira depois dos processadores de textos e não se pesquisa da mesma forma depois da Internet. Não mais se duvida que as condições e as ferramentas usadas na obtenção de um conhecimento condicionam e conformam o próprio conhecimento. Hoje acumulam-se as evidências de que a compreensão das entidades de conhecimento (objetos, fatos e teorias) não se completa dentro das fronteiras das disciplinas que as estabelecem. E isto vale, felizmente, inclusive para as ciências ditas naturais. A constatação de que as histórias temáticas são limitadas enquanto forem "história de" é um resultado crucial para os historiadores que, por décadas intimidados pela suposta falta de cientificidade do fazer historiográfico, podem agora dizer que os conhecimentos científicos, eles próprios, também têm historicidade. Mas este resultado crucial não só não foi obtido só por historiadores (com ou sem diploma) como também tem seu preço epistemológico.

Ao tornar históricos, e portanto impuros ou de fronteiras problemáticas,os próprios conhecimentosda Química, da Biologia, da Física e da Matemática, ao fazer histórias das ciências e não só histórias dos cientistas ou das ideias nas ciências, o historiador também abre mão da possibilidade de ter para si um reduto "puro", um reduto de entidades de conhecimento que ele possa legitimamente considerar só suas. Hoje o historiador vê-se na contingência de situar-se, ele próprio e seu fazer, em uma rede interdisciplinar. Daí o retumbante fracasso operacional do Art. 4 do projeto de Lei 4699/2012, ao não ir além de uma tautologia ao definir as "atribuições do historiador". A leitura do Art. 4 mostra que,nos termos do Projeto de Lei 4699/2012, são "atribuições do historiador" simplesmente todas as atividades atingidas pela palavra "história". Ou seja, os próprios proponentes da Lei acabam por deixar claro que não há limites estabilizados para o que vem a ser "atribuições do historiador".

Na ausência de uma definição não tautológica de "atribuições do historiador", isto é, uma definição que permita dizer o que é e o que não é parte delas, ou seja, uma definição operacional, restará à Lei, se aprovada, para atuar, unicamente o recurso ao diploma, um instrumento formal que ela mobiliza, radicalmente simplificado, para separar o que é e o que não é legal na construção de conhecimentos históricos. Um perigo! Pois tem-se então a legalização do que é feito baseada exclusivamente no privilégio formal, na prática quase sempre exorbitado, de quem está fazendo. Voltamos à "carteirada" ou ao "sabe com quem está falando?".É claro que os vícios da tradição cartorial mobilizam-se em surdina (talvez nem tanto) para fazerem-se valer pela Lei.

Isto parece-me claro e até mesmo mero fruto do bem senso em meio ao saber sobre o saber que hoje detemos na interdisciplinaridade. A situação se complica quando lembramos que muitas vezes o apego a interesses específicos é maior do que a propensão a preservar o bom senso. Então, buscando uma atitude propositiva e conciliadora, o que fazer? Como buscar um acordo com a ANPUH (Associação Nacional de História), proponente e defensora do Projeto de Lei 4699/2012? Como chegar a uma estabilização provisional, uma vez que hoje nem mesmo as ditas leis da Natureza são eternas, muito menos as leis do homens? Parece-me que a busca de fronteiras disciplinares bem definidas na pesquisa, isto é, nas atividades de construção do conhecimento histórico, é não só indesejável mas também impossível, conforme sugeri acima. Tampouco cabem delimitações disciplinares, e muito menos de posse de diplomas, nas atividades de formação dos historiadores. Isto exclui a possibilidade de uma fronteira aceitável que delimite as "atribuições do historiador" nos estabelecimentos do ensino superior. Restaria então as atribuições no ensino fundamental e médio como área para uma negociação possível entre as diversas associações descontentes e a ANPUH.

Apresso-me a dizer que esta proposta não decorre da crença de que as atividades no ensino fundamental e médio são de menor complexidade e importância. Ou que elas caracterizariam um espaço de mera replicação de conhecimentos, como se isso fosse possível.Acreditar que atividades tidas como "mais técnicas" são desprovidas de imaginação e criatividade, como alguns muito equivocadamente chegam a sugerir no seu afã comparativo entre os historiadores, engenheiros e médicos, por terem estes últimos profissões rigidamente regulamentadas, é, além de preconceito arrogante, um grave erro analítico. Já há décadas provaram-se equivocadas as visões de mundo que retiravam da execução os atributos de imaginação e criatividade para concentrá-los na concepção. Um exemplo emblemático da superação deste equívoco foi o abandono da tradição fordista-taylorista como paradigma na organização da produção.

Feito este esclarecimento, insisto que minha atitude aqui é aquela de sugerir uma negociação de caráter político explícito e realçado- isto é, uma negociação em que será preciso ceder algo para se obter um acordo, uma situação em que o ótimo cede ao bom. Ou, alternativamente, mobilizar-se para impedir a regulamentação. Ponto.

Sabidamente, no quadro político brasileiro, a força dos interesses diretos das associações acadêmicas é limitada no âmbito do Congresso Nacional. O risco de modificações e emendas feitas à margem das associações acadêmicas, seja da ANPUH ou das descontentes, existe. Segue daí que apostar que as decisões sejam tomadas exclusivamente em função de interesses imediatos e que nossos deputados e senadores não sejam capazes de apreciar uma argumentação conceitual é perigoso. As associações acadêmicas deveriam se esforçar para mostrar que o que defendem é o que é atualizado, o que é melhor para a produção de conhecimentos históricos, melhor para o Brasil e melhor para os historiadores brasileiros, já alvo de um espanto que pode ser conferido nas manifestações de entidades internacionais contra o Projeto de Lei 4699/2012 na forma em que está. Felizmente, ao que parece, não há unanimidade na ANPUH quanto a até que ponto a própria ANPUH deve defender a aprovação da Lei nos termos propostos. Isto abre o espaço para a negociação de uma proposta alternativa, em vez de deixar para o Congresso Nacional julgar o que é melhor diante do desacordo nas comunidades acadêmicas.

Ivan da Costa Marques é professor associado e vice-voordenador do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, presidente da ESOCITE.BR (Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias), membro do Conselho Consultivo da SBHC (Sociedade Brasileira de História das Ciências).

O Jornal a Ciência publica matéria sobre o assunto na página 4, o que rendeu a manchete e a charge da primeira página.

Link para acesso à publicação: http://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC743.pdf

sábado, 18 de junho de 2011

A ignorancia historica e o politicamente correto - David McCullough

O politicamente correto é uma praga que começou na sociedade americana, dominou rapidamente toda a academia, e está se espalhando pelo mundo com uma velocidade impressionante.
Ele tem o poder de censurar os mais ousados e promover a ignorância accross the board...

THE WEEKEND INTERVIEW: David McCullough
Don't Know Much About History
By BRIAN BOLDUC
The Wall Street Journal, JUNE 18, 2011

The popular historian David McCullough says textbooks have become 'so politically correct as to be comic.' Meanwhile, the likes of Thomas Edison get little attention.

Boston - 'We're raising young people who are, by and large, historically illiterate," David McCullough tells me on a recent afternoon in a quiet meeting room at the Boston Public Library. Having lectured at more than 100 colleges and universities over the past 25 years, he says, "I know how much these young people—even at the most esteemed institutions of higher learning—don't know." Slowly, he shakes his head in dismay. "It's shocking."

He's right. This week, the Department of Education released the 2010 National Assessment of Educational Progress, which found that only 12% of high-school seniors have a firm grasp of our nation's history. And consider: Just 2% of those students understand the significance of Brown v. Board of Education.

Mr. McCullough began worrying about the history gap some 20 years ago, when a college sophomore approached him after an appearance at "a very good university in the Midwest." She thanked him for coming and admitted, "Until I heard your talk this morning, I never realized the original 13 colonies were all on the East Coast." Remembering the incident, Mr. McCullough's snow-white eyebrows curl in pain. "I thought, 'What have we been doing so wrong that this obviously bright young woman could get this far and not know that?'"

Answer: We've been teaching history poorly. And Mr. McCullough wants us to amend our ways.

The 77-year-old author has been doing his part—he's written nine books over the last four decades, including his most recent, "The Greater Journey: Americans in Paris," a story of young Americans who studied in a culturally dominant France in the 19th century to perfect their talents. He's won two Pulitzer Prizes, two National Book Awards and the Presidential Medal of Freedom, the nation's highest civilian award.

"History is a source of strength," he says. "It sets higher standards for all of us." But helping to ensure that the next generation measures up, he says, will be a daunting task.

One problem is personnel. "People who come out of college with a degree in education and not a degree in a subject are severely handicapped in their capacity to teach effectively," Mr. McCullough argues. "Because they're often assigned to teach subjects about which they know little or nothing." The great teachers love what they're teaching, he says, and "you can't love something you don't know anymore than you can love someone you don't know."

Another problem is method. "History is often taught in categories—women's history, African American history, environmental history—so that many of the students have no sense of chronology. They have no idea what followed what."

What's more, many textbooks have become "so politically correct as to be comic. Very minor characters that are currently fashionable are given considerable space, whereas people of major consequence farther back"—such as, say, Thomas Edison—"are given very little space or none at all."

Mr. McCullough's eyebrows leap at his final point: "And they're so badly written. They're boring! Historians are never required to write for people other than historians." Yet he also adds quickly, "Most of them are doing excellent work. I draw on their excellent work. I admire some of them more than anybody I know. But, by and large, they haven't learned to write very well."

Unlike Mr. McCullough. His new book possesses the same vitality that won his biography of John Adams critical and popular acclaim. And "The Greater Journey" was an even more elaborate tapestry to sew. "In writing conventional history or biography, the plot and the characters are pretty well set for you," Mr. McCullough says. "But with this, I put in or left out as I wished."

Luckily, he is judicious in his choice of characters, and he weaves together their seemingly disconnected lives seamlessly. In Mr. McCullough's Paris, Samuel F. B. Morse, the future inventor of the telegraph, tries his hand at painting, scooching on a scaffold in the Louvre as he makes copies of famous portraits. Outside, his friend, the novelist James Fenimore Cooper, braves a cholera epidemic to visit Morse at the museum every day.

Across the Seine River, Oliver Wendell Holmes, a student at the École de Médecine, watches surgeons dissect cadavers—a procedure that was banned in Massachusetts until 1831. Meanwhile, Charles Sumner, who would become a powerful senator from the Bay State, attends lectures at the Sorbonne, where he notices blacks seated among whites. Soon, he realizes "the distance between free blacks and whites among us is derived from education, and does not exist in the nature of things." To diminish that distance, Sumner dedicates his life to abolition. Through these vignettes—and many more—Mr. McCullough highlights these Americans' ambition to excel.

Mr. McCullough learned to write from a series of great teachers, most notably Thornton Wilder, the Pulitzer Prize winning playwright and novelist who was also a resident scholar at Yale, where Mr. McCullough graduated in 1951. To this day, he remembers Wilder's teaching that a good writer preserves "an air of freedom" in his prose, so that the reader won't know how a story will end—even if he's reading a history book.

"You know that the Brooklyn Bridge exists," Mr. McCullough explains, referring to one of his former subjects. "I've got to get you so involved in the story of how it was done that you begin to wonder, 'Oh my God! Are they ever going to be able to do this?'" Thus, via his writing style, he hopes to impart a lesson of history: "There's no such thing as a foreseeable future."

Wilder's example, he believes, provides another lesson. "Teachers are the most important people in our society. They need far more pay, obviously, but they need more encouragement. They need more respect. They need more appreciation from all of us. And we shouldn't do anything to hinder them or to make their job harder."

Despite his indictment of what's wrong with our teaching of history, Mr. McCullough maintains a cheerful demeanor as we talk. His dress is simple: a sedate blue blazer with grey slacks and a dark plaid tie—a tribute to his Scotch-Irish heritage. Yet this plain costume doesn't detract from the former off-Broadway actor's performance: His face does all the talking.

It's not their fault our children are ignorant, he says animatedly. "It's our fault," he says, pointing to his chest. "I mean the parents and grandparents of the oncoming generation. We have to talk about history, talk about the books we love, the biographies and histories." He continues, "We should all take our children to historic places. Go to Gettysburg. Go to the Capitol."

And teach history, he says—while tapping three fingers on the table between us—with "the lab technique." In other words, "give the student a problem to work on."

"If I were teaching a class," he says, "I would tell my students, 'I want you to do a documentary on the building at the corner of Fifth Avenue and 42nd Street. Or I want to you to interview Farmer Jones or former sergeant Fred or whatever." He adds, "I have been feeling increasingly that history ought to be understood and taught to be considerably more than just politics and the military."

What about textbooks? "I'd take one of those textbooks. I'd clip off all the numbers on the pages. I'd pull out three pages here, two pages there, five pages here—all the way through. I'd put them aside, mix them all up, and give them to you and three other students and say, 'Put it back in order and tell me what's missing.'" You'd know that book inside and out.

Mr. McCullough advises us to concentrate on grade school. "Grade school children, as we all know, can learn a foreign language in a flash," he says. "They can learn anything in a flash. The brain at that stage in life is like a sponge. And one of the ways they get it is through art: drawing, making things out of clay, constructing models, and dramatic productions. If you play the part of Abigail Adams or Johnny Appleseed in a fourth-grade play, you're never going to forget it as long as you live."

"We're too concentrated on having our children learn the answers," he summarizes. "I would teach them how to ask questions—because that's how you learn."

Fittingly, Mr. McCullough says he got the idea for "The Greater Journey" by asking a question. One day he was stuck in traffic near Sheridan Circle in Washington, D.C. In the center of the circle stood the statue of "good ol' Phil Sheridan," a Union general in the Civil War, "with the requisite pigeon on his head."

Staring at the statue, Mr. McCullough wondered: "How many people that go around this circle every day have any idea who that is?" (My guess: Nobody.) As he was mulling this over, George Gershwin's "Rhapsody in Blue" came on the radio, and a realization rushed over him: America's artists and musicians were too little appreciated. "The Gershwin side of American accomplishment"—and here Mr. McCullough looks me straight in the eye—"is too seldom given credit."

Thanks to Mr. McCullough, our ledger of historical appreciation is a bit more balanced.

Mr. Bolduc is a fellow at the National Review Institute.