Diplomata: indicação de Bolsonaro a embaixada é 'filhotismo'
Hipótese de Eduardo Bolsonaro representar o Brasil nos Estados Unidos vai além do nepotismo, diz o embaixador Paulo Roberto de Almeida
BASE - Como o sr. avalia a intenção anunciada do presidente Bolsonaro de designar o filho, deputado Eduardo Bolsonaro, para a embaixada brasileira nos Estados Unidos?
Paulo Roberto de Almeida - Está tudo errado desde o início. O fato de o presidente ter anunciado indicar porque ele seria uma boa pessoa, porque fala inglês, fala espanhol, que é amigo dos filhos do Trump, isso é uma ruptura, é uma quebra de padrão diplomático jamais vista na diplomacia brasileira e possivelmente nos anais da diplomacia mundial.
BASE - Qual o padrão a ser seguido?
Paulo Roberto - Em primeiro lugar, isso deve ser mantido em segredo. Deve ser comunicado através de nota secreta a outro país, informando sobre a intenção de designar tal pessoa como representante. Qual o motivo do segredo? O país pode decidir que não quer aquela pessoa. Isso é uma quebra de padrão diplomático, uma grosseria. Ele (presidente Jair Bolsonaro) não tem nenhum sentido de política de Estado, de Relações Internacionais. Trata a presidência como se fosse a sua casa, a sua família, a sua seita. É uma coisa histriônica.
BASE - Além da quebra de sigilo, quais outros problemas dessa possível indicação?
Paulo Roberto - Primeiro, a Constituição proíbe o nepotismo. Nesse caso, seria mais que nepotismo, seria filhotismo. Estaria nomeando o filho para um cargo de alta relevância. Aliás, Marco Aurelio Mello (ministro do STF) disse que isso é nepotismo, não passa. O certo seria pedir o agreement (aprovação) em segredo. Se o país aceitar, mandaria ainda em segredo para o Senado a mensagem, porque os senadores podem recusar. Nesse caso você está incorrendo em nepotismo e está quebrando o princípio de confidencialidade.
BASE - Já houve indicação de não-diplomatas para a embaixada brasileira nos Estados Unidos?
Paulo Roberto - No segundo governo Vargas tivemos o almirante Amaral Peixoto, casado com a filha do presidente Getúlio Vargas. Mas era um almirante, tinha ampla experiência. Teve o Walter Moreira Salles, aliás duas vezes. Depois, teve o Juracy Magalhães, aquele que falou que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.
BASE - O sr. acredita que Eduardo Bolsonaro tem os requisitos para ocupar o posto de embaixador?
Paulo Roberto - Ele disse que esteve nos EUA em intercâmbio há dez anos e fritou hamburger (veja aqui). Imagine qual a capacidade desse cara. Ele passeou com o chapéu de "Trump 2020" duas vezes, ofendeu todos os compatriotas ao falar que os brasileiros ilegais são uma vergonha. Uma vergonha é ele falar uma coisa dessas. Os brasileiros trabalham lá porque não têm oportunidade de trabalhar no Brasil e estão mandando milhões de dólares para cá. Ele não tem nenhuma capacidade. Nenhuma.
BASE - É um problema de formação, então?
Paulo Roberto - Mesmo que ele fosse doutor em qualquer coisa, o simples fato de ser um trumpista fundamentalista já o desqualificaria para o cargo. Não se manda para um país alguém que abertamente faz campanha. Isso é inconstitucional e anticonstitucional. A Constituição tem no artigo 4 o famoso princípio da não-intervenção em assuntos internos de outros países. Imagine que o Trump ano que vem não seja eleito. Qual a cara da nossa diplomacia? A cara do presidente que suceder o Trump? É uma coisa horrível. É ilegal, irregular no plano das relações internacionais e práticas diplomáticas, absolutamente vergonhoso pelo personagem, por tudo. O presidente não tem consciência da sua postura em função de políticas de Estado. Age como se fosse a sua casa.