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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Venezuela: apogeu e tragédia da aventura chavista (2022) - Prefácio ao livro de Paulo Velasco e Rafael Azevedo - Paulo Roberto de Almeida

 Venezuela: apogeu e tragédia da aventura chavista  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

Prefácio ao livro: 

Venezuela e o Chavismo em perspectiva: análises e depoimentos

Paulo Afonso Velasco Júnior e Pedro Rafael Pérez Rojas Mariano de Azevedo (orgs.) 

 

Com as conhecidas exceções dos sistemas judaico e islâmico, o calendário mais aceito no mundo – inclusive por uma velhíssima civilização, como a da China – é o cristão, que divide o tempo histórico entre uma época anterior ao nascimento de Cristo (AC) e a que se lhe segue imediatamente (DC). Aceitando-se que os dados de respeitáveis órgãos do sistema multilateral (FMI e Cepal) sejam fiáveis, a Venezuela – que era, até os anos 1980, um dos países mais ricos da região – tornou-se agora, depois até do Haiti, o país mais pobre da América Latina. Pode-se, a partir daí, estabelecer um novo calendário para a história do país: como o cristão, ele também pode ser dividido em um AC e um DC, apenas que se trata de um Antes e Depois de Chávez. De fato, como confirmado pelo título deste livro, a Venezuela e o chavismo são praticamente indissociáveis nas primeiras duas décadas do século XXI.

O contraste entre uma e outra situação é realmente notável, extraordinário mesmo, levando-se em conta que essa inacreditável derrocada, da maior renda per capita para uma situação próxima da miséria absoluta, não resultou de nenhuma guerra, nenhuma catástrofe natural, nenhuma invasão estrangeira ou maldição divina; ela foi, em tudo e por tudo, integralmente fabricada pelos próprios dirigentes nacionais, numa acumulação de erros econômicos e de conflitos políticos e sociais criados inteiramente pela desastrosa gestão chavista do país, desde 1999 e continuada após a sua morte, em 2013, por seus sucessores designados. Trata-se, possivelmente, de um caso único na história econômica mundial, uma vez que todos os demais casos de declínio econômico ou político costumam ser processos mais longos de perda de dinamismo de sua base produtiva ou o efeito de regimes políticos especialmente incompetentes, mas cuja ação se prolonga num tempo mais largo. No caso da Venezuela, processou-se uma deterioração da situação econômica e uma degradação de suas instituições políticas em um tempo incrivelmente curto: o principal responsável foi Chávez.

O que simboliza, mais que quaisquer outros aspectos, a derrocada do país mais rico da América Latina é o exílio forçado, por razões políticas ou mais simplesmente econômicas, de quase 1/5 da população do país, com a primeira leva coincidindo com a implantação de um regime autoritário e a segunda como consequência do desastre econômico criado pelo projeto eminentemente chavista de “socialismo do século XXI”. Em parte, essa derrocada pode ser atribuída à influência dos dirigentes castristas sobre Hugo Chávez e associados; mas isso é incrível, uma vez que a ilha caribenha já tinha acumulado ampla experiência própria sobre os desastres do socialismo de tipo soviético, e poderia ter “instruído” melhor seus aliados no país que já foi o mais importante produtor de petróleo na região. Não o fizeram porque eles mesmos estavam extenuados com seu regime inoperante, e precisavam extrair da Venezuela o máximo de recursos financeiros e energéticos; não há dados fiáveis sobre essa extração.

Houve um tempo, na primeira década do século, em que Chávez foi, ao lado de Lula, o mais importante líder político da região, com a diferença de que este soube operar uma economia de mercado visando políticas sociais de caráter redistributivo, sem alterar os mecanismos essenciais do sistema capitalista. Chávez, como Lênin e os cubanos, tentou “domar” o mercado, usando métodos rústicos de estatização. Combinado ao maná do petróleo – cujo barril chegou a 140 dólares naquela época –, sua economia esquizofrênica só produziu uma queda fenomenal da oferta interna e uma corrupção raras vezes vista num continente habituado a conviver com estamentos políticos do tipo predatório. A produção de petróleo reduziu-se cinco vezes desde o início do chavismo: a recuperação do setor vai demandar um enorme aporte de investimentos e de know-how estrangeiro, algo que não está perto de ocorrer em vista da persistência de uma direção gangsterista no comando do Estado. A inflação “bolivariana” já ultrapassou os exemplos mais dramáticos da história monetária mundial, traduzida em diversas “moedas” até se chegar à atual dolarização informal. 

O livro aborda essas diversas facetas do drama chavista na Venezuela, por autores que, inclusive por experiência própria, conhecem a fundo como foi sendo construído o maior desastre humanitário vivido no continente, só comparado, talvez, à emigração síria, mas esta provocada por dez anos de guerra civil e intervenção estrangeira. Chávez, os castristas e seus seguidores construíram uma derrocada única na história da região, uma tragédia ainda hoje sustentada pelas forças de esquerda em países vizinhos: estas parecem não perceber que Chávez é o mais próximo que se conheceu de um êmulo de Mussolini na região. A verdade, porém, é que a história não se repete e, no caso do chavismo, sequer como farsa. Trata-se de uma “aventura” a ser detidamente estudada: este livro é um excelente começo para a tarefa.

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

Brasília, dezembro de 2021

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4029: 30 novembro 2021, 2 p.

Prefácio ao livro de Paulo Afonso Velasco Júnior e Pedro Rafael Pérez Rojas Mariano de Azevedo (orgs.), Venezuela e o Chavismo em perspectiva: análises e depoimentos (Curitiba: Appris, 2022).



Info Amazon.com.br: 


A Venezuela e o Chavismo em Perspectiva: Análises e Depoimentos 

24 março 2022 


O livro Venezuela e o chavismo em perspectiva: análises e depoimentos busca abordar distintos temas da realidade venezuelana a partir da ascensão de Hugo Chávez à presidência do país em 1999. A combinação de textos acadêmicos e depoimentos pessoais enriquece o alcance e o impacto da obra, incorporando tanto argumentos assentados em cuidadosa revisão de literatura e dados empíricos quanto declarações contundentes sobre aspectos cotidianos da crise vivenciada pelo país. Os distintos capítulos revelam visões plurais sobre os impactos e o legado do chavismo para a Venezuela e outros países da região, acolhendo desde perspectivas mais críticas e ideológicas até interpretações menos extremas ou partidarizadas. A complexidade da figura de Hugo Chávez e das estratégias levadas a cabo sob seu governo exige uma abordagem que considere distintos elementos da política, economia, cultura e sociedade do país, contando com a contribuição dos olhares de pessoas diretamente afetadas, mas também com a análise atenta de pesquisadores dedicados ao país e à região. Esta é justamente a grande contribuição do livro, abrir espaço para uma perspectiva mais ampla sobre o que ocorreu na Venezuela ao longo das últimas duas décadas. Os autores oferecem não apenas uma visão sobre o plano doméstico, considerando desafios e iniciativas que caracterizaram a gestão de Chávez e o jogo de forças que se enfrentaram no período, como também lançam luz sobre as nuances de uma política externa que se afirmou como um valioso instrumento para a projeção de poder do país sobre a região e o mundo. Salvador e mártir, de um lado, caudilho e ditador, de outro, são algumas das distintas visões sobre a figura do controvertido e carismático líder venezuelano incorporadas neste livro e associadas a interpretações variadas que, no seu conjunto, ajudam a decifrar um pouco do enigma sobre um país que passou, em menos de 20 anos, por momentos de incerteza, esperança, riqueza, projeção, declínio e, finalmente, caos e crise humanitária. Por seu olhar plural e linguagem dinâmica, esta leitura constitui excelente contribuição para um melhor entendimento sobre as distintas facetas do regime chavista e seu líder.