Nesta manhã de segunda-feira 17/04, o Senado, estimulado pela sua bancada mato-grossense, realiza uma sessão especial em homenagem ao mais ilustre titular de um mandato pelo seu estado de origem (embora tenha feito carreira no Rio de Janeiro e internacionalmente).
Não tenho a menor ideia de como será essa sessão, mas recebi um convite para dela participar. Tampouco sei se me darão a palavra, e por quanto tempo.
Se isso ocorrer, e se eu tiver pelo menos 5 minutos para um pequeno pronunciamento, pretendo dizer algo na linha do que vai abaixo. Como partirei imediatamente depois para o Rio de Janeiro, para participar do lançamento do livro que organizei, já anunciado, O Homem que Pensou o Brasil: itinerário intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Editora Appris, 2017), não terei tempo de verificar ou de registrar o que ocorrerá nessa sessão do Senado. Não poderei tampouco postar este texto, por isso o faço preventivamente.
Quem puder sintonizar a TV Senado, gravar e disseminar a sessão, por favor, me avise, para poder assistir depois.
Aproveito a ocasião, para postar, mais abaixo, um pequeno trecho de meu capítulo no livro que trata da primeira fase da atividade parlamentar de Roberto Campos.
Paulo Roberto de Almeida
Sessão especial no Senado em homenagem a Roberto
Campos
Paulo Roberto de Almeida
[Texto-guia
para pronunciamento; resumo dos argumentos]
Senhor presidente, senhores senadores,
Caros amigos e admiradores do ex-senador, diplomata e
economista Roberto Campos,
Permito-me,
em primeiro lugar, esclarecer que não compareço a esta sessão especial enquanto
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE,
mas simplesmente como cidadão brasileiro, como professor, no caso como autor e
organizador deste livro, Homem Que Pensou
o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos, uma obra que empreendi
sem que qualquer demanda externa ou sugestão institucional me fosse feita,
unicamente por prazer intelectual e como expressão de minha admiração
intelectual por um homem, um economista e um colega diplomata, em relação ao
qual eu me sentia uma espécie de “opositor ideológico” em minha já distante
juventude esquerdista.
Senhor presidente,
Ainda são relativamente
raros os brasileiros que podem exibir a felicidade de chegar aos cem anos, como
é o caso, por exemplo, de outro ilustre diplomata, liberal como Roberto Campos,
ainda que não economista, mas pensador político e filosófico, José Osvaldo de
Meira Penna, que comemorou cem anos no último mês de março.
São ainda mais raros os indivíduos
que, chegando ou não aos cem anos de vida, podem ser lembradas por grandes
feitos, em favor do país, ou de toda a humanidade. Roberto Campos, que teria
chegado aos cem anos nesta data, não teve essa felicidade. Mas ele já tinha
obtido, ainda em vida, a raríssima distinção de ter se convertido em verdadeiro
ícone da inteligência nacional, em insigne representante de uma classe muito
restrita de indivíduos que alcança a glória ainda durante a sua longa vida
ativa, e isso numa sucessão de pequenas vitórias obtidas com muito esforço
individual, com muita dedicação aos estudos, com uma persistência notável para
quem, finalmente, tinha saído de origens modestas, e que parecia destinado à
vida monástica, tal era sua paixão pelos estudos, mas dispondo de recursos
familiares extremamente modestos.
Roberto Campos se
distinguiu primeiro enquanto diplomata, desde 1939, depois como economista de
altíssima qualidade, a partir de sua formação nas universidades George
Washington e Columbia, em 1947, em seguida mediante seu crescimento na condição
de tecnocrata preparadíssimo, na fase de construção do Estado brasileiro, por
meio de sua participação na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, no início dos
anos 1950, o que foi consolidado quando de sua nomeação, no decorrer dos anos
1950, como diretor e, mais adiante, como presidente do BNDE, dois cargos a que
ele renunciou quando percebeu que a entidade estava sendo usada para fins
políticos, não para a finalidade precípua para a qual tinha sido criada. Não
hesitou, tampouco, em renunciar à chefia da embaixada em Washington, ainda em
meados de 1963, quando teve a certeza de que o presidente Goulart não estava
preparado para o cargo que ocupava e que colocava em risco a credibilidade do
Brasil no exterior, ao exercer o que o distinguiu durante boa parte de sua
carreira no PTB: demagogia política e populismo econômico.
Não esteve nem de longe
envolvido no movimento que levou ao golpe de 1964, uma vez que passou boa parte
do primeiro bimestre do ano viajando pelo Extremo Oriente, que ainda conhecia
mal até aquele momento. Quando voltou ao Brasil, o golpe já tinha chegado à sua
fase decisiva e foi assim que, sem pedir e sem buscar, tornou-se o ministro
símbolo da primeira fase do regime militar, o homem que presidiu ao mais
importante processo de reformas já conhecido no Brasil em todos os tempos. A
maior parte das reformas por ele empreendidas, junto com seu colega da Fazenda,
Otávio Gouvêa de Bulhões, de certa forma perdura até hoje, ainda que muitas
delas deformadas por erros e distorções acumuladas ao longo do tempo,
especialmente na área tributária.
Mas o que faria hoje, se
vivo fosse, Roberto Campos, ante à situação vivida pelo Brasil e pelos
brasileiros depois de mais de uma década de descalabros perpetrados no terreno
econômico e em outros domínios da vida pública também? Em primeiro lugar, creio
que Roberto Campos teria morrido deprimido, ao contemplar a Grande Destruição
construída pelos companheiros no poder, muito por inépcia administrativa, ainda
mais por incompetência econômica, mas também por uma corrupção nunca antes
vista neste país. Em segundo lugar, não lhe seria difícil conceber um plano de
salvação nacional, um programa completo de recuperação econômica, ele que já
tinha concebido vários, desde os anos cinquenta, com sucesso variado segundo os
dirigentes do momento.
Ele poderia, por
exemplo, retomar quase inteiramente, o seu pronunciamento inaugural neste
Senado, feito em 8 de junho de 1983, e resumido no capítulo XIX do seu livro de
memórias, intitulado “As lições do passado e as soluções do futuro”. Ele mesmo
diz, na sua Lanterna na Popa, que
esse discurso “foi talvez a melhor peça que já escrevi, como síntese de
problemas e propositura de soluções” (p. 1073). Com exceção do problema da
dívida externa, hoje relativamente irrelevante (mas não o da dívida doméstica,
este dramático), todas as demais questões guardam notável semelhança com o
pavoroso quadro atual, assim como ainda se aplicam inteiramente os remédios que
ele propunha naquela ocasião. Recomendo aos senhores senadores que releiam
atentamente tudo o que ele disse naquele dia de 1983 para constatar o que estou
afirmando agora. Ali figura um programa completo de regeneração do Brasil,
totalmente válido para os dias que correm, tanto no diagnóstico, quanto nas
prescrições de políticas econômicas.
Eu também recomendaria
que se lesse atentamente o seu discurso de despedida da Câmara dos Deputados,
realizado dezesseis anos depois, em janeiro de 1999, um pronunciamento que ele
mesmo chama de “retrospecto melancólico”, ao fazer um balanço, bastante
frustrante, da imensa distância que ele constatava existir entre o potencial de
reformas e as possibilidades de progresso, alinhadas em seu discurso de início
de mandato parlamentar, em 1983, e o desempenho finalmente medíocre seguido
pelo Brasil no período decorrido desde então. Ele listava, entre outras,
reformas que tinham deixado de ser feitas, aliás até hoje: abolição de
monopólios estatais, reformas estruturais do Estado (administrativa, fiscal e
previdenciária) e a privatização de estatais e a outorga de serviços (p. 1436
da 4a edição das memórias).
Finalmente, senhores
senadores, termino por imaginar que Roberto Campos, se vivo fosse, ficaria
muito frustrado com o funcionamento desta mesma Casa, na qual se exerceu
durante oito anos, e nos oito anos seguintes na Câmara, durante os quais travou
muitas batalhas contra os inimigos das reformas, contra as corporações de
ofício, contra os mandarins do Estado, contra os monopolistas e estatizantes de
todos os tipos. Ele não deixaria de constatar uma baixa propensão a empreender
essas reformas necessárias, e uma tendência a eludir o grave problema da baixa
produtividade no Legislativo em geral, ao lado da procrastinação em cortar na
carne das suas próprias despesas, em face do grave problema fiscal e orçamentário
enfrentado pelo país. Campos se perguntaria o que aconteceu com a Câmara Alta, com
este Senado, que reluta em enfrentar de modo corajoso a vasta lista de reformas
que a sociedade exige da representação política.
Senhores, leiam ou releiam
Roberto Campos, como eu mesmo fiz para a feitura deste livro, O Homem que Pensou o Brasil, e reflitam
sobre suas palavras e sobre os seus ensinamentos. Aos cem anos de seu
nascimento, Roberto Campos ainda tem muito a nos dizer. Muito obrigado pela
oportunidade que me foi dada.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de abril de 2017
Transcrição de trecho do meu capítulo:
12. Roberto Campos: uma trajetória intelectual no século XX
in:
O Homem que Pensou o Brasil: itinerário intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Editora Appris, 2017)
(...)
12.18.
De tecnocrata a político: a ética da convicção, num país anti-weberiano
Depois de sete anos à
frente da embaixada no Reino Unido, Roberto Campos decidiu dizer “Adeus à
diplomacia” (segundo o título do capítulo XVII das memórias) para se dedicar à
política, começando por concorrer a um cargo senatorial por Mato Grosso, seu estado
natal.
De
diplomata e tecnocrata passaria a ser um ‘policrata’. Mais tarde saberia que no
Legislativo não é fácil fazer o bem. Resignei-me ao objetivo mais modesto de
evitar o mal.
Assim
terminou minha carreira diplomática. (...)
Meu
grande pecado, em ‘ambas as vidas’ [ele está aqui invocando as memórias de
Chateaubriand, que também tinha sido o embaixador francês em Londres, na
Restauração], foi dizer a verdade antes do tempo. Pecado, em termos pessoais,
que voltaria a repetir em nome da ‘ética da convicção’ [aqui evocando os
conceitos políticos de Max Weber (1959)]. (1994: 1032).
Ao
contrário de Chateaubriand, a providência não me inspirou para escrever em
Londres uma obra iluminada como as Mémoires
d’outre tombe. As memórias do visconde foram escritas ao longo de trinta anos e se destinavam a
publicação póstuma. Não tenho a menor intenção de escrever um livro póstumo.
Contento-me
com este meu relato – A lanterna na popa
– sem a qualidade estética da obra de François-René, mas com igual angústia
existencial ante os caprichos do destino,
coisa que, como dizia Machado de Assis, rima com divino. (1033)
Suas memórias são muito
precisas quanto aos fatos econômicos e aos eventos políticos, com uma soma
impressionante de valores, números pessoas e circunstâncias, mas talvez
incompletas, ao evocar o lado da vida sentimental, como nota em seguida:
Tal
como as Mémoires d’outre tombe, meu
relato é de grande discrição quanto à vida sentimental. Não tive, de resto,
nada de eroticamente comparável à sua longa ligação com Madame Récamier, que
dava ao velho nobre empobrecido os prazeres do leito, a partilha da bolsa e a
excitação intelectual do saloon da
Abbaye-aux-Bois. (1033)
Na verdade, a excitação
intelectual ele conseguia, certamente, nos debates com os economistas
estruturalistas, ou heterodoxos, e com a esquerda, em particular, como certa
vez num face-a-face com líder comunista Luiz Carlos Prestes, em um debate na
televisão. Mas tampouco lhe faltaram prazeres mais mundanos e certa partilha da
bolsa (a sua), como transpareceu vez ou outra em tabloides sensacionalistas.
Este ensaio, contudo, se dedica à história de suas ideias, sobretudo aquelas
asperamente econômicas, e não contempla, como as memórias de Chateaubriand,
qualquer relato sobre a vida sentimental do homem de “convicções” com vocação
de estadista, como Chateaubriand, aliás. Em todo caso, foi com esses
sentimentos de “restauração”, ou de recomeço, como tantas vezes fez na vida o
eminente homem público, publicista e estadista francês, que Roberto Campos
mandou empacotar seus pertences em Londres para retornar ao Brasil.
Antes de abandonar
Londres, porém, foi gratificado, como já tinha sido o caso quando de sua despedida
de Washington, com um editorial no mais prestigioso jornal econômico
internacional, o Financial Times (26/08/1982),
que ele transmitiu a Brasília:
A
seção “Men and Matters” do Financial Times publicou hoje, sob o título ‘Back to
Brazil’, a seguinte nota: ‘London will loose one of its wittiest diplomats next month,
when Brazilian Ambassador Dr. Roberto Campos returns home after seven years at
the Court of St. Jame’s. He will be succeeded by former Brazilian Minister
Gibson Barboza, currently Ambassador to Rome.
Campos, whose reputation
as an after-dinner speaker has been largely established in the City’s banking
circles, trained for the priesthood before deciding his interests were too
wordly. He then went to Washington to add a degree in Economics to those he
already held in Philosophy and Theology. He was Economics Professor at the
University of Brazil from 1956/61 and much of his Foreign Service career has
been spent in financial and economic development negotiations. Appropriately
enough for a country with $80bn of foreign borrowing, he is widely recognized
as an expert on international debt. This week Campos is in Brazil opening his
campaign for a seat in the Senate to represent his home state of Mato Grosso.
His political opponents had better beware. As former Brazilian president
Kubitschek said of him: ‘Don’t ever get into an argument with Campos. He’s
bound to win even if you make him communicate in Braille. (Maço Pessoal RC; telegrama 1222/82 de Londres)
Finalmente, eleito
senador pelo Mato Grosso nas eleições de novembro de 1982, Roberto Campos passa
à condição de “agregado” do Quadro Permanente do Ministério das Relações
Exteriores a partir de 17 de novembro de 1982, o que teoricamente lhe
habilitaria a voltar à carreira, se tal fosse sua decisão, antes da
aposentadoria compulsória. Sua aposentaria de fato só aconteceria em abril de
1985, aos 68 anos de idade (expedientes constantes do Maço Pessoal de RC).
Roberto Campos foi,
possivelmente, o mais intelectual dos homens públicos a ter frequentado o
Senado, ainda que “vidas paralelas” possam ser detectadas no passado, como
relembra uma crônica de Machado de Assis sobre o Senado do Império, a propósito
de um longo discurso do Visconde do Rio Branco, ao retornar de uma frustrada
missão no Prata, antes da guerra do Paraguai. Pois foi com um discurso similar,
senão semelhante, que Roberto Campos estreou no Senado em 8 de junho de 1983,
“após três meses de recuperação de um enfarte” (1994: 1073). Ele começou
citando, sem o dizer, discursos feitos na Assembleia Geral em 1831, sob a
Regência Trina Permanente, sobre a situação econômica do Brasil naquele momento
de grandes dúvidas sobre os destinos da nação, logo após o final do Primeiro
Reinado.
Ele adota, como
registrado logo ao início de sua longa fala, uma postura analítica, para
abordar, sistematicamente sete grandes problemas do país, alinhados
cartesianamente em torno dos seguintes temas: 1) a displicência demográfica; 2)
a imprevidência energética; 3) a sacralização do profano (o intervencionismo estatal
e o desrespeito à hierarquia das leis); 4) a nova demonologia (as
multinacionais, o FMI, etc.); 5) a gaveta dos sonhos (a ilusão da ilha da
prosperidade, a cura indolor da inflação, a ilusão distributiva); 6) a panaceia
jurisdicista (ou seja, as soluções formais) e 7) as lições e as soluções da
crise (inflação, exportação, déficit do setor público, reforma tributária,
etc.).
Esse longo discurso,
publicado posteriormente nos Ensaios
Imprudentes (“As lições do passado e as soluções do futuro”; 1987: 11-48),
encerra um imenso programa de reformas e de modernização do Brasil, que deve
ter sido escutado atentamente pelo senadores presentes (alguns devem ter
cochilado no meio), mas que – a despeito de ser “a melhor peça que já escrevi”
(1994: 1073) – não produziu nenhum efeito, não só no plano intelectual, numa
casa de homens práticos, mas também no plano da prática, uma vez que os seus
colegas estavam mais voltados para a busca de soluções pessoais do que
nacionais. Ele não tardou a reconhecer que “minha capacidade de análise e
previsão era vastamente superior à minha capacidade de persuasão e mobilização
(idem).
Retrospectivamente, ele
faz um julgamento mais matizado sobre os efeitos da primeira grande peça de
oratória:
O
discurso inaugural e as propostas tiveram boa divulgação na imprensa e razoável
aceitação no Congresso, ao nível da percepção intelectual. Mas feriam alguns
tabus demagógicos e, como todas as inovações, não mereceram mais que simpatia
desconfiada, que nunca se traduziu em aceitação entusiasmada. Nessa altura, no
Senado, eram poucos os liberais genuínos. A ideologia predominante era o
nacional-populismo, e eu sempre detestei esses dois ismos – o nacionalismo e o populismo. Fiz muitos amigos, mas tive
poucos aliados. (1994: 1079)
Dentre os novos
“companheiros” de debates, um velho conhecido de diatribes intelectuais:
Os
debates intelectualmente mais estimulantes eram com Fernando Henrique Cardoso.
Àquela altura não se havia ainda livrado do entulho ideológico da teoria de dependência, que o levava a
exagerar o problema da dívida externa, propondo inclusive a absurda Resolução
n. 82 do Senado, que vedava a conversão dos títulos da dívida externa em ações,
pelo valor face, e conferia ao devedor o direito unilateral de avaliar a sua
própria capacidade de pagamento e o nível de reservas que considera desejáveis.
Perfilhava, outrossim, teses favoráveis ao nacionalismo informático e ao
dirigismo estatal, ainda que com mais elegância e sofisticação intelectual dos
os nacional-populistas da época. (1080)
Mas ele reconhece de
pronto:
Na
realidade, minha vida no Senado foi uma sucessão de batalhas perdidas: as
principais foram a batalha da informática, a batalha contra a ortodoxia [sic]
do Plano Cruzado e a resultante moratória, e a batalha contra a Constituição
brasileira de 1988.
Minha
reabilitação viria somente ao final do mandato, quando o colapso do socialismo
e a queda do muro de Berlim me transformaram de herege imprudente em profeta
responsável. (1080)
Os trabalhos da
Constituinte congressual de 1987-88 representaram uma espécie de condensação,
em doses concentradas, de todas as irracionalidades contra a quais ele tinha se
batido durante toda a sua vida: os conhecidos pecados populistas,
nacionalistas, protecionistas, estatizantes, se manifestaram nas tumultuadas
sessões das comissões encarregadas dos diferentes capítulos da enorme Carta
Magna, extremamente detalhada, finalmente promulgada em outubro de 1988. Ao
título de “Constituição dos Pobres” dada a ela pelo presidente da Assembleia
Constituinte, Ulysses Guimarães, Campos respondeu imediatamente com o epíteto
de “Constituição contra os pobres”. Como registrou um estudioso da “retórica”
da Constituinte:
Em
lugar de pavimentar o caminho para uma elevação dos padrões de vida dos não
privilegiados, os dispositivos propostos iriam antes acarretar, através de uma
série de consequências não pretendidas, o efeito contrário. A tentativa de
garantir aos brasileiros uma ‘carta social’ completamente desenvolvida iria
resultar em mais pobreza, desemprego, privações e miséria. (Costa, 1998: 131)
Como ainda destaca esse
pesquisador dos trabalhos de Campos na Constituinte, ele se esforçou ao máximo
para evitar que seus colegas na Assembleia, ao pretender atribuir no papel
benefícios sociais, terminassem por “cometer dois males conectados entre si: a
subavaliação dos custos e a sobrecarga da comunidade de negócios”. Os
resultados, para Campos, não demorariam a se manifestar:
os
benefícios experimentariam um aumento nominal... As empresas reagiriam de
várias maneiras.. Algumas tentariam absorver os custos, com sucesso variado,
mas o resultado mais provável será que os lucros serão reduzidos, e em
consequência os investimentos e a criação de empregos. (Campos, artigo “As
consequências não-pretendidas”, 13/03/1988, apud Costa, p. 132)
A despeito de que as
esquizofrenias econômicas tenham sido em grande medida superadas pelo curso
ulterior da política econômica, sua última batalha, de certa forma, ainda não
acabou: “A Constituição de 1988... criou uma democracia disfuncional, que
piorou as condições de governabilidade do país” (1112). Ele que se bateu
intensamente pela introdução de um regime de tipo parlamentar clássico, ou por
um parlamentarismo presidencialista, de tipo francês, nunca teve a satisfação
de ver um processo real de reformas políticas ser empreendido antes do final do
regime militar. Uma outra emenda que ele propôs, limitando o intervencionismo
estatal, tampouco teve melhor sorte.
Quero
crer que a história brasileira teria sido diferente e melhor, se essas
retificações de rumo tivessem sido aprovadas em 1984. Não teríamos tudo a
maluquice intervencionista do Plano Cruzado em 1986, e a crise do impeachment de Collor não teria ocorrido
em 1992. (1118)
Roberto Campos manteve a
esperança, durante certo tempo, de que era possível “educar” os senadores nas
boas virtudes da racionalidade, da lógica elementar, da mera observação dos
fatos e das simples evidências econômicas. Com o tempo, ele foi se convencendo
de que o velho patrimonialismo português podia ter sido alterado por força da
mudança nas instituições, ao longo dos vários regimes constitucionais, mas que
ele nunca tinha sido extinto de verdade; ele subsistia sob novas roupagens e
novos argumentos, como aliás tinha demonstrado Raymundo Faoro em sua clássica
tese sobre a formação do patronato político brasileiro.
(...)