Há 200 anos, antes do Grito do Ipiranga, José Bonifácio de Andrada e Silva criou a semente da diplomacia brasileira. Em agosto de 1822, ele encaminhou um “Manifesto aos Governos e Nações Amigas”, em que Dom Pedro mencionava a “vontade geral do Brasil que proclama à face do universo a sua independência política”. Sempre antes do 7 de Setembro, Andrada mandou representantes a Londres e Paris.
Passaram-se 200 anos, e Jair Bolsonaro apequenou a diplomacia fundada por José Bonifácio. Reuniu embaixadores estrangeiros para recriminar o sistema eleitoral brasileiro, atacando nominalmente os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
Ele disse coisas assim:
— Por que um grupo de apenas três pessoas quer trazer instabilidade para o nosso país, não aceita nada das sugestões das Forças Armadas, que foram convidadas? São perfeitas, chega a perfeição absoluta? Talvez não. Nem um sistema informatizado pode dar garantia de 100% de segurança. As Forças Armadas, das quais sou comandante supremo, ninguém, mais do que nós, quer estabilidade em nosso país.
Bolsonaro pode dizer coisas desse tipo onde bem entender, menos para uma plateia de diplomatas estrangeiros formalmente convidados. O processo eleitoral de um país pode ter observadores internacionais, caso essa seja a vontade de seu governo. Chamar diplomatas estrangeiros para ouvir uma peroração como a do Alvorada não chega a ser alienação de soberania, é apenas tolice, menos para quem esteja planejando uma crise institucional. Vale lembrar que, na posse dos presidentes do Estados Unidos, os embaixadores estrangeiros não são convidados para a cerimônia, pois se trata de assunto doméstico.
Desde 1822, quando Andrada e Silva se preocupava com as nações amigas, não há precedente de um governante brasileiro ter reunido embaixadores para defender suas opiniões, atacando integrantes de outro Poder da República. Seria ingenuidade achar que Bolsonaro reuniu esses senhores para convencê-los de seja lá o que for. Bolsonaro falou para sua base. Uma coisa é certa: a ideia desse “brienfing”, como dizia a transparência, não partiu do Itamaraty.
Todos os diplomatas reunidos por Bolsonaro transmitiram relatos para suas chancelarias, e é possível imaginar alguns aspectos factuais do evento:
1) Nem todos os embaixadores foram convidados. Ficaram de fora a China, a Argentina, o Chile e o Reino Unido;
2) Bolsonaro se fez acompanhar pelo chanceler e pelos generais-ministros da Defesa, do Gabinete de Segurança Institucional e da Secretaria-Geral da Presidência, mais seu provável candidato a vice. Os presidentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recusaram o convite;
3) O protocolo não previa perguntas da plateia (ainda bem);
4) Só foram admitidas equipes de emissoras de televisões que se comprometeram a transmitir a fala de Bolsonaro na íntegra, ao vivo. A emissora estatal fez a transmissão;
5) Horas depois, o ministro Edson Fachin, presidente do TSE, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, rebateram a fala do presidente.
Se algum embaixador concluiu que o evento do Alvorada fortaleceu o compromisso democrático do presidente Bolsonaro diante do resultado das urnas de outubro, será chamado de volta a bem do serviço público de seu país.