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sábado, 18 de julho de 2015

Falacias academicas: o mito dos modelos de desenvolvimento - Paulo Roberto de Almeida


A falácia dos modelos de desenvolvimento: enterrando um mito sociológico

Paulo Roberto de Almeida

Mundorama, 17/07/2015

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Modelos, quando referidos a experimentos ou processos de desenvolvimento bem sucedidos, são construções ex-post, elaboradas por sociólogos dotados de pouca imaginação, para explicar algum caso exitoso de crescimento econômico sustentado, com distribuição dos benefícios sociais desse crescimento. Na verdade, essas construções não constituem modelos de espécie alguma, não explicam muita coisa sobre as razões do sucesso, não são receitas de desenvolvimento rápido para nenhum outro país e, sobretudo, não podem servir de exemplo para o itinerário de outros países.
No entanto, é muito comum falar-se de modelos de desenvolvimento, embora eles sejam mais usados na linguagem jornalística do que nas análises econômicas, o que justifica sua inserção na categoria das construções sociológicas, e não no terreno mais circunspecto da análise econômica, ou da história do desenvolvimento econômico. Na opinião deste articulista, modelos são falácias acadêmicas, construídas e disseminadas nos departamentos de sociologia das universidades, e alimentadas justamente pela ausência de senso crítico na avaliação desses processos sustentados de crescimento econômico. Mas eles também são típicos do jornalismo econômico superficial, ambiente no qual uma experiência única e historicamente original acaba sendo indevidamente ampliada para cobrir um espectro mais amplo de países e passa então a representar uma suposta nova receita de desenvolvimento, geralmente de vida efêmera (isto é, enquanto duram as taxas robustas de crescimento de um país que serve alegadamente de modelo).
Se quisermos ser abusados, diríamos que o modelo artificialmente construído só dura enquanto se mantiverem as condições favoráveis do caso selecionado, um pouco como o socialismo, que só dura enquanto durar o dinheiro dos outros. Modelos verdadeiros deveriam ser experiências de fracasso, pois é mais fácil saber o que não dá certo do que identificar claramente as condicionantes de um processo bem sucedido de desenvolvimento. Como também se diz habitualmente, o sucesso pode ter muitos pais, mas o fracasso raramente encontra uma miserável de uma mãe. No entanto, seria mais útil saber o que pode dar errado, segundo a conhecida lei de Murphy, do que se por a buscar todos os elementos que compõem uma receita de sucesso.
E não precisamos ir muito longe para recolher uma série inteira de fracassos históricos. A América Latina é um imenso laboratório de experiências fracassadas de desenvolvimento econômico. Não fosse por isso, não estaríamos exportando matérias primas há quinhentos anos, e não teríamos sido ultrapassados por outros países e regiões que já estiveram muito mais baixos e já andaram muito mais atrasados do que nós nos níveis de desenvolvimento econômico e social. Digo isto com certo cuidado, uma vez que na escala do desenvolvimento, a América Latina sempre foi uma espécie de classe média do desenvolvimento, abaixo da periferia europeia, mas acima de muitos países asiáticos e certamente bem acima da acumulação de misérias do continente africano, este sim um modelo de não desenvolvimento, cujo fracasso histórico deve ser estudado com cuidado, justamente como receita do que não fazer.
Em todo caso, uma história econômica diferente da América Latina seria uma que se dedicasse a fazer o relato de seus fracassos apenas para desmentir essa falácia dos modelos de desenvolvimento, uma vez que já tivemos, no passado, países inseridos nessa categoria falaciosa, a começar pelo próprio Brasil. De modo geral, como já referido, nenhum país é modelo para qualquer outro país, a não ser como modelo negativo, sobre o que não fazer, e nessa categoria a América Latina tem dado sobejas demonstrações de equívocos repetidamente repetidos, se ouso ser redundante. Não querendo tripudiar sobre alguém, em especial, mas o fazendo, cabe reconhecer que a Argentina, em particular, vem cometendo bobagens há mais de 80 anos, e isso contínua e repetidamente, para ser ainda mais redundante.
Mas, não cabe aí nenhum orgulho patrioteiro sobre nosso progresso relativo em relação ao mais importante vizinho: o Brasil segue os passos da Argentina, ainda que moderadamente. Não tivemos a desgraça de cair no fascismo caudilhista e de construir um sistema que perdura, como o peronismo, e que assombra todo o país, capturando até algumas de suas inteligências mais refinadas, e que mantém a nação refém de um cadáver insepulto, aliás mais de um. Nós tivemos o nosso fascismo moderado, apoiado no positivismo castilhista, e mais recentemente um peronismo de botequim que, para nossa sorte, não tinha nenhuma doutrina, só esperteza e demagogia (além de algumas outras qualidades pouco recomendáveis).  
De uns tempos para cá, o Chile foi apontado como modelo de desenvolvimento, apenas porque cresceu vigorosamente nos anos 1990 e se tornou uma espécie de tigre latino-americano, tendo inclusive conquistado a honra de ser admitido nesse clube de ricos que se chama OCDE. Mas o Chile não é modelo de nada, ou para nada, apenas uma resposta adequada que suas elites souberam oferecer, num determinado momento, a desafios surgidos a partir de uma séria crise econômica e política. Ao que parece, essas elites, consideradas de direita, neoliberais ou o que seja, julgaram conveniente abrir o país economicamente, liberalizar amplamente seu comércio exterior e enfatizar as velhas vantagens ricardianas que derivam de certas especializações produtivas.
No Brasil sempre se desprezou o “modelo chileno”, se modelo existiu – o que eu não acredito – a pretexto de que se tratava de uma economia pequena, de um abandono completo de uma suposta vocação industrial – que todo grande país deveria ter – e de uma dependência em alguns poucos produtos primários de exportação, e que portanto, segundo esses críticos superficiais, estaria fadado ao fracasso inevitável. Confesso que  nunca me impressionou essa história de crítica às especializações limitadas, à falta de um projeto industrial, ou essa outra alegação ainda mais estúpida que se prendia à pequena magnitude econômica do país. Em termos de sucesso ou fracasso, não existem países grandes ou pequenos, aliás sob qualquer outro critério; existem apenas políticas econômicas que funcionam e outras que não funcionam, medidas macro e setoriais que são de boa qualidade, e outras que são de péssima qualidade. Sob esse ponto de vista, o Chile foi de fato um sucesso relativo, pelo menos durante certo tempo (ou até que os socialistas resolvessem mudar algumas regras do “modelo” anterior).
Em todo caso, qualquer país que ofereça uma perspectiva de crescimento sustentado e de prosperidade a seu povo, que mantenha a qualidade das políticas econômicas, macro e setoriais, pode ser considerado um exemplo de sucesso, mas isso em seus próprios termos, dentro de suas circunstâncias, não como receita para os demais, pois essas experiências são sempre “irrepetíveis”, se ouso dizer. O Chile, justamente, parece que se cansou de ser neoliberal e agora vem tentado ser um pouco mais socialista. Será que vai dar certo? Cabe acompanhar de perto, para alguma hipótese do experimento desandar.
Alguns acham, otimistas, que o Chile é o caminho para o Brasil, que está cansado de ser dirigista e protecionista, e talvez se aproxime um pouco mais de um modelo mais aberto. Liberal? Esqueçam. Não há nenhum risco dessa coisa acontecer por aqui nos próximos 30 ou 40 anos. Vamos continuar trilhando nosso pequeno e medíocre itinerário de voo de galinha, como gostam de repetir os economistas, ou seja, crescimento satisfatório, durante algum tempo – por autoindução, ou por empurrão da China – e depois desabamos novamente para alguma crise fiscal ou de transações correntes. Parece ser a nossa sina, ou pelo menos vejo isto, ao ouvir, até enjoar, a conversa de políticos entendidos no assunto, que prometem continuar lutando para garantir crescimento com emprego e distribuição de renda, desde que as políticas corretas sejam aplicadas pelo governo, isto é, por eles mesmos. Acho que não vai ser ainda desta vez...
Mas, se o Chile não é o modelo, para nós, ou para qualquer outro país, qual seria o “bom modelo” a ser seguido? A Coreia (do Sul, of course), a China? Não me falem da Grécia, por favor, esse país latino-americano (malgré lui) perdido na UE. Sobra quem, afinal? Não tenho a menor ideia, e só me resta repetir: não existem modelos disso ou daquilo, seja de crescimento rápido, seja de desenvolvimento “inclusivo”, seja de qualquer outra coisa. Existem apenas modelos de fracasso, países que abusaram da irresponsabilidade emissionista, que manipularam juros e câmbio, que cercearam a iniciativa privada, que gastaram mais do que podiam, que se endividaram em excesso, que praticaram um protecionismo rastaquera e um nacionalismo doentio, que descuraram da boa governança e de uma educação de qualidade, enfim, todas essas mazelas que todos vocês conhecem muito bem.
Estou falando do Brasil? Nem por sonho, imaginem se eu seria capaz disso?! Estudo o Brasil há quase meio século e ainda não consegui perceber qual é a nossa, um passo para a frente, dois para trás, tentativas de ensaio e erro, com mais erros do que acertos, enfim, um país que decididamente não é normal, como já declarei em tantas ocasiões (para uma experiência recente, meio desanimadora com a nossa “normalidade anormal”, vejam este link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/07/uma-estada-breve-mas-suficiente-na.html). Então qual é a nossa? Qual é a saída?
Sou obrigado a me repetir mais uma vez, e me desculpo por mais esta redundância. O caminho para o Brasil, para o Chile, para a Argentina, para a China, para qualquer país candidato a um processo de crescimento sustentado, com distribuição dos benefícios desse crescimento, que são a base do desenvolvimento econômico e social, é muito simples (mas também é complicado, ao que parece). Eu resumiria as minhas cinco regrinhas, que já desenvolvi em vários dos meus trabalhos sobre o assunto (prometo pescar os links e postar depois em addendum a esta nota), nestes pontos:
1) estabilidade macroeconômica;
2) competitividade microeconômica;
3) boa governança;
4) alta qualidade dos recursos humanos;
5) abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros.
Pronto, fico por aqui e não preciso acrescentar mais nada, pois acredito que os cinco requerimentos são self-explaining. Não vou ficar dando consultoria de graça neste momento, mas também não sou candidato a conselheiro do príncipe nem a “aspone” de qualquer governante, pelo menos não dos que estão aí (eles não precisam, sabem errar sozinhos). Só acrescento mais isto: as cinco regrinhas são suficientemente vagas para servir a todos os casos de doentes renitentes nessas coisas de políticas macroeconômicas e setoriais, mas elas devem ser, a cada vez, adaptadas às circunstâncias nacionais, o que é o “óbvio ululante”, como já dizia Nelson Rodrigues.
O mesmo finado escritor, de tão grata memória em várias outras coisas (mas não necessariamente em economia), também lembrava que subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos, como ele mesmo improvisava. Eu discordo dele. Acho que o subdesenvolvimento é, antes de mais nada, um estado mental, pelo menos no caso do Brasil varonil. Sorry patrioteiros...

PS.: Esqueçam os modelos: estudem, comparem, e sigam o bom senso... 

Anápolis, 2842: 12 de julho de 2015, 2 p.
Em voo, Brasília-Atlanta, 16-17 de julho de 2015, 5 p.

Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).

sábado, 3 de julho de 2010

Capitalismo de Estado e Capitalismo de Mercado: a grande disputa

Livro:
Ian Bremmer
The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?
Portfolio Hardcover, 2010, 240 p.
ISBN-10: 1591843014
ISBN-13: 978-1591843016
Formats:
Kindle Edition: $12.99
Hardcover: $17.79
Used from: $12.99

O mercado contra o Estado
Revista Época, 4.07.2010

Em seu novo livro, o cientista político americano Ian Bremmer analisa o crescimento do capitalismo de Estado no mundo – inclusive no Brasil. Para ele, o sistema de livre mercado ainda vai prevalecer. A seguir, um trecho do livro:

Em maio de 2009, recebi um convite por e-mail para discutir a crise financeira global com o vice-ministro de Relações Exteriores da China, He Yafei, junto com um pequeno grupo de economistas e acadêmicos. O vice-ministro iniciou o encontro, realizado no consulado chinês, na 12a Avenida, em Manhattan, com uma pergunta: “Agora que o livre mercado fracassou, que papel vocês acham que caberá ao Estado na economia?”.

Seu tom maliciosamente pragmático e a grandiosidade de sua afirmação quase me fizeram rir. Mas a pergunta era séria – e uma rápida olhada nas manchetes dos jornais revelava muitas evidências em seu favor. A quebra do banco de investimento Lehman Brothers, em setembro de 2008, demonstrou que a crise financeira havia atingido uma escala que não podia mais ser ignorada. As autoridades de Washington tinham assumido a responsabilidade por decisões que geralmente são tomadas pelos mercados, em Nova York. O então presidente George W. Bush assinou o Ato Emergencial de Estabilização Econômica, criando o Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Trouble Asset Relief Program, Tarp, em inglês), de US$ 700 bilhões. No início de 2009, seu sucessor, Barack Obama, avisou que, se Washington não atuasse rapidamente, os Estados Unidos viveriam uma catástrofe. Os legisladores responderam ao chamado aprovando um plano de resgate de US$ 787 bilhões.

He Yafei aguardou pacientemente por uma resposta. “Os bancos fracassaram em se autorregular, mas isso não significa que o governo vai dominar permanentemente a economia”, respondi. Robert Hormats, do (banco de investimento) Goldman Sachs, Don Hanna, do Citigroup, o economista Nouriel Roubini e outros acrescentaram suas visões à conversa. Ao longo dos 90 minutos seguintes, meus colegas americanos e eu defendemos o capitalismo de livre mercado e o senhor He defendeu o capitalismo dirigido pelo Estado. Nós encontramos algumas ideias em comum. Mas, ao final do encontro, ficou claro que tínhamos discutido os méritos de dois conjuntos incompatíveis de princípios políticos e econômicos.

Em encontros de consequências muito mais amplas, realizados agora em todo o mundo, essa incapacidade de concordar em relação ao papel adequado do Estado na economia mudará a forma de a gente viver. O exemplo mais óbvio é a mudança da mesa internacional de negociações dominada pelos chefes de Estado do G7, o grupo das nações mais industrializadas do mundo – todas elas campeãs do capitalismo de livre mercado – para o modelo do G20, no qual céticos do livre mercado, como China, Rússia, Arábia Saudita, Índia e outros países, participam da discussão. Agora, quando os líderes das democracias de livre mercado fazem o diagnóstico dos problemas da economia global, enfrentam o sorriso cético de He Yafei – e de todos aqueles na mesa que acreditam que o livre mercado fracassou e que o Estado deve ter um papel preponderante na economia. É um enorme problema, que vai trazer desafios por várias décadas. Como chegamos aqui? O fim da Guerra Fria não trouxe a vitória do capitalismo de livre mercado?
Apesar de ter cumprido as promessas de campanha, Lula não é nenhuma Margaret Thatcher

Em dezembro de 1991, um atônito Mikhail Gorbatchev anunciou a seu povo que eles estavam vivendo num mundo novo. Seis dias depois, a União Soviética acabou. Em três semanas, o líder chinês Deng Xiaoping lançou uma nova fase da reforma de livre mercado da China. Em um ano, até Fidel Castro tinha aceitado a necessidade de implementar algum grau de experimentação capitalista. Países do Pacto de Varsóvia começaram a marchar em direção à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e à União Europeia. O capitalismo de livre mercado parecia ter obtido uma vitória definitiva.

Mas, como os russos descobriram de forma dolorosa nos anos 90, há um longo caminho entre uma economia planificada e o capitalismo de livre mercado. A queda do comunismo não representou o triunfo do livre mercado, porque não colocou um ponto final em governos autoritários. O governo chinês aprendeu algumas lições importantes com o colapso da União Soviética e a revolta da Rússia contra o caos e a corrupção que se seguiram. Primeiro, reconheceu que, se o Partido Comunista Chinês fracassasse em gerar prosperidade para o povo, seus dias estavam contados. Segundo, aceitou que o Estado não pode criar crescimento econômico duradouro por decreto. Só com a liberação da inovação e das energias empreendedoras de sua vasta população a China poderia prosperar e o partido sobreviver. Terceiro, percebeu que, quando esse potencial de crescimento fosse liberado, o partido só poderia proteger seu monopólio de poder político se o Estado controlasse a maior parte possível da riqueza que os mercados viessem a gerar.

Assim como a China, governos autoritários em todo o mundo aprenderam a competir abraçando o capitalismo de livre mercado. Certos de que economias planificadas estavam destinadas ao fracasso, mas temerosos de que o verdadeiro livre mercado fugisse do controle, os autoritários inventaram o capitalismo de Estado. Neste sistema, os governos usam vários tipos de empresas controladas pelo Estado para administrar o que consideram como joias da coroa e para criar e manter um grande número de empregos. Eles elegem empresas privadas para dominar certos setores econômicos. Usam os fundos soberanos para investir o dinheiro extra e maximizar os lucros do Estado. Em todos os casos, o Estado está usando os mercados para criar riquezas que possam ser dirigidas para onde os políticos desejarem.

Esse novo modelo atraiu imitadores em boa parte dos países emergentes. No Brasil, quando a população elegeu Luiz Inácio Lula da Silva como presidente, em 2002, muitos investidores estrangeiros temiam que ele seguisse o caminho do presidente venezuelano Hugo Chávez, dando uma guinada radical para a esquerda. Apesar das garantias de campanha de que Lula manteria a disciplinada política de livre mercado, alguns temiam que ele voltasse atrás. Isso não aconteceu. Sua reputação de esquerda o ajudou a construir um consenso em favor do capitalismo de livre mercado – dentro de certos limites. Hoje, com seu mandato no fim, ele continua muito popular no Brasil.

Lula, porém, não é nenhuma Margaret Thatcher. Ele acredita que seu governo tem uma responsabilidade com os pobres e com o fortalecimento (e não com a privatização) da maior parte das estatais remanescentes. Elegeu campeões nacionais de controle privado, especialmente em setores como mineração e telecomunicações. Empresas como a Petrobras e a Eletrobrás desempenham um papel mais importante, embora o governo trabalhe para atrair mais investimento privado.

Essas intervenções não chegam perto das que ocorrem na Rússia ou na China. Ainda assim, dois fatos importantes ameaçam levar o governo brasileiro a desempenhar um papel mais ativo na economia. O primeiro é a descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, anunciada em novembro de 2007. O governo já propôs mudanças na lei de 1997, que permitiu às empresas estrangeiras desempenhar um importante papel na exploração e na produção de petróleo, e quer assegurar que a Petrobras não perderá seu papel de liderança no setor. O segundo fator potencial de mudança foi o impacto da crise financeira de 2008 no mercado interno. Com a desaceleração do comércio e a redução do crédito, o governo usou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para injetar recursos no setor privado, aumentando a participação governamental em algumas das maiores empresas do Brasil.

Lula trabalhou para ajudar a criar campeões privados de capital nacional em alguns setores, com o objetivo de torná-los mais competitivos no mercado internacional. Mas, como essas empresas têm financiamentos de outras fontes, o Estado não pode controlá-las totalmente.

Em dezembro de 2008, o governo Lula anunciou planos de criar um fundo soberano. A ideia original era usá-lo para ajudar a financiar as empresas brasileiras no exterior e a desvalorizar o real, para estimular as exportações. O governo tomaria empréstimos em reais e compraria dólares para financiar as empresas brasileiras a comprar ativos no exterior. A retração econômica mudou os planos. Agora, o governo quer que o capital do fundo (pouco abaixo de US$ 7 bilhões) ajude a financiar investimentos do Estado no Brasil e garanta recursos às instituições financeiras estatais.

Em outubro de 2010, os eleitores brasileiros irão às urnas para eleger o sucessor de Lula e terão de tomar uma decisão difícil. O Brasil não é um país de capitalismo de Estado. Sua democracia permite o controle do poder do Estado, a opinião pública apoia o comércio e o investimento estrangeiro (inclusive no setor de energia) e seu fundo soberano é pequeno, se comparado aos da China e do Golfo Pérsico. Mas, ainda que os eleitores decidam o voto com base em outras questões, o próximo presidente terá uma influência considerável na forma como o país vai desenvolver uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o grau de abertura da economia e o tipo de exemplo que dará a seus vizinhos.

A Grande Depressão dos anos 1930 não destruiu o capitalismo de livre mercado, mesmo que as alternativas do comunismo e do fascismo tenham capturado a imaginação mundo afora. O capitalismo de livre mercado destruiu o fascismo, ofuscou o colonialismo e teve uma longevidade maior que o comunismo. Também sobreviveu a diversas crises criadas por ele mesmo. Por que ele é tão resistente? Porque praticamente todas as pessoas valorizam a oportunidade de criar prosperidade para si mesmas e suas famílias, e porque o livre mercado provou diversas vezes que pode dar poderes praticamente a qualquer um. À medida que centenas de milhões de pessoas conhecerem como os outros vivem – do outro lado da rua e do outro lado do planeta –, elas se darão conta de que uns têm muito mais que os outros. Mas muitos também verão que a riqueza, como quer que a definam, não está mais fora de seu alcance. À medida que nações antes isoladas se unirem à economia global, criando novos mercados para os bens e serviços que produzem, elas verão que a prosperidade pode ser contagiosa. As três últimas décadas provaram que o acesso ao livre mercado – e não apenas a ajuda financeira – pode incluir imensos contingentes de pobres na economia global. Os mercados livres oferecem àqueles que deles participam vantagens de longo prazo que o capitalismo de Estado não pode atender.

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Debate no site da Amazon:
Nouriel Roubini and Ian Bremmer: Author One-to-One
In this Amazon exclusive, we brought together authors Nouriel Roubini and Ian Bremmer and asked them to interview each other.

Nouriel Roubini is a professor of economics at New York University's Stern School of Business. He has extensive senior policy experience in the federal government, having served from 1998 to 2000 in the White House and the U.S. Treasury. He is the founder and chairman of RGE Monitor (rgemonitor.com), an economic and financial consulting firm, regularly attends and presents his views at the World Economic Forum at Davos and other international forums, and is an adviser to cental bankers around the world. He is the author of Crisis Economics and Bailouts or Bail-Ins. Read on to see Nouriel Roubini's questions for Ian Bremmer, or turn the tables to see what Bremmer asked Roubini.

Nouriel Roubini Roubini: Your book [The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?] suggests that an old trend, what you call state capitalism, has become much more important. What happened to change things?

Bremmer: Over the past 18 months, the Western financial crisis and the global recession have accelerated the inevitable transition from a G7 to a G20 world. That’s not just a matter of more states at the bargaining table. It’s not just about having to herd more cats to get things done on the international stage. It’s about herding cats together with other animals that don’t really like cats. And that’s not really herding.

The G7 world was one where everyone that mattered for growth in the global economy accepted the assumption that prosperity depended on rule of law, independent courts, transparency and a free media—and in the value of free market capitalism. In that world, multinational corporations are the principle economic heavyweights. This consensus has provided the engine driving globalization for the past 40 years.

The sun has set on that world. The country that has emerged strongest and fastest from the global slowdown is one that does not accept the idea that a regulated free market economy is crucial for sustainable economic growth. China’s success has persuaded authoritarians around the world that they really can have explosive growth without undermining their monopoly hold on domestic political power. China has enjoyed double-digit growth for thirty years without freedom of speech, without well-established economic rules of the road, without judges that can ignore political pressure, without credible property rights—without democracy. And the events of the past 18 months have made China more important that ever for the future of global economic growth. This is a big change with enormous implications that we had better start thinking through.

Roubini: The term state capitalism means different things to different people. How do you explain it today?

Bremmer: I’m writing about a system in which the state uses the power of markets primarily for political gain. A country’s political leaders know that command economies will eventually fail, but they’re afraid that if they allow space for markets that are truly free, they’ll lose control of how wealth is generated. They could end up empowering others who will use markets to generate revenue that can then be used to challenge the government’s authority to dominate the country’s political life. So they use national oil companies, other state-owned enterprises, privately owned but politically loyal national champion companies, and sovereign wealth funds to exercise as much control as possible over the creation of wealth within the country’s borders. And they send these companies and investment fund abroad to secure deals that increase the state’s political and geopolitical leverage in a variety of ways.

This system is fundamentally incompatible with a free market system.

Roubini: Creating friction between the state capitalists and other governments. To say nothing of privately owned companies.

Bremmer: Exactly, yes. In a free market system, multinational corporations are looking to maximize profits. In markets that are not intelligently regulated, and we’ve seen this in the United States, they're looking to maximize short-term gains at the expense of sustainable, long-term growth for their shareholders or for their own compensation. The past two years have reminded us of the sometime excesses of free market capitalism.

In a state capitalist system-- the principle economic actors are looking first to achieve political goals. Profits are subordinate to that goal. In other words, if profits serve the state’s interests, they’ll pursue profits. But if the state needs a state-owned oil company to pay through the nose to lock up long-term supplies to the oil, gas, metals and minerals needed to secure the long-term growth that keeps workers in their jobs, off the streets, and the political leaders in power, profits and efficiency can become political liabilities and these companies will pay whatever it takes to get what their political patrons want.

But the state-owned companies are competing with multinationals that won’t overpay, that can’t overpay. Here, the injection of politics into market activity distorts the outcome—in this case by raising the price that we all pay for energy and other commodities.

Roubini: When you mention the state capitalist countries, which ones do you specifically have in mind?

Ian Bremmer Bremmer: We find state capitalist powers among the Arab monarchies of the Persian Gulf-- Saudi Arabia and the United Arab Emirates are the most important. You see this trend, of course, in Putin’s Russia. There are other examples of countries that mix free market with state capitalist policies. But we wouldn’t be talking about state capitalism as game-changer for international politics and the global economy if it weren’t for China, now the world’s second largest economy and its fastest growing major marketplace.

Roubini: The End of the Free Market is a provocative title. Are you trying to out-Doom me?

Bremmer: You know I wouldn’t do that. But you have to admit, it’s not an exaggeration. It’s not that I think the United States is going to throw away its free market principles. It's not about President Obama being some kind of socialist. Washington will tighten the regulation of financial markets in coming months, and some people won’t like that. Americans will not lose their faith in the power of free market capitalism to generate prosperity. But that can’t be said for the rest of the world.

The global economic system is no longer driven by consensus around these values. There are now competing forms of capitalism. You used the word friction. That’s exactly the right word. Friction, competition, even conflict. There will be winners and losers, and the world’s political and business leaders better begin to try to sort out who those winners and losers will be.

Roubini: Do you mean that state capitalists will be winners and those who bank on free markets will lose?

Bremmer: Not necessarily. We’re going to see governments around the world that no longer feel bound to follow the Western rulebook of decades past. We’ll see multinational corporations struggling to adapt, because foreign investment will become much less predictable and much more complicated. And the backing they get from their home governments won’t carry as much weight.

Yet, some of them will be more successful than others at learning to compete on a playing field that isn’t level. There are very good reasons to doubt that the state capitalists will have staying power. But for now, they have lots of new clout and plenty of advantages. Over the next five, ten, twenty years, state capitalist governments and the companies and institutions they empower will be a serious—and global--force to be reckoned with.

The threat for Americans is that all this is happening at a moment when people are struggling, and their elected leaders have every incentive to respond to that fear and anger with promises to throw up walls meant to protect them from all these changes. Americans have always prided themselves on tearing down walls, not building them. State capitalism and American populism will put that faith to the test.

Roubini: Were you tempted to call your book The End of Globalization?

Bremmer: No, this isn’t the end of globalization. It is the end of globalization’s singular, overriding power to shape our lives and the future of the global economy. Globalization depends on access to global consumer markets, capital markets, and labor markets. State capitalism compromises all three. Globalization still matters, and it will continue to matter for the foreseeable future. But it is no longer the fundamental driver of growth in a global economy that looks increasingly toward China for the next expansion.