A falácia dos modelos de desenvolvimento: enterrando um mito sociológico
Paulo Roberto de Almeida
Mundorama, 17/07/2015
Modelos, quando referidos
a experimentos ou processos de desenvolvimento bem sucedidos, são construções
ex-post, elaboradas por sociólogos dotados de pouca imaginação, para explicar algum
caso exitoso de crescimento econômico sustentado, com distribuição dos
benefícios sociais desse crescimento. Na verdade, essas construções não
constituem modelos de espécie alguma, não explicam muita coisa sobre as razões
do sucesso, não são receitas de desenvolvimento rápido para nenhum outro país e,
sobretudo, não podem servir de exemplo para o itinerário de outros países.
No entanto, é muito comum
falar-se de modelos de desenvolvimento, embora eles sejam mais usados na
linguagem jornalística do que nas análises econômicas, o que justifica sua
inserção na categoria das construções sociológicas, e não no terreno mais
circunspecto da análise econômica, ou da história do desenvolvimento econômico.
Na opinião deste articulista, modelos são falácias acadêmicas, construídas e
disseminadas nos departamentos de sociologia das universidades, e alimentadas
justamente pela ausência de senso crítico na avaliação desses processos
sustentados de crescimento econômico. Mas eles também são típicos do jornalismo
econômico superficial, ambiente no qual uma experiência única e historicamente
original acaba sendo indevidamente ampliada para cobrir um espectro mais amplo de
países e passa então a representar uma suposta nova receita de desenvolvimento,
geralmente de vida efêmera (isto é, enquanto duram as taxas robustas de
crescimento de um país que serve alegadamente de modelo).
Se quisermos ser abusados,
diríamos que o modelo artificialmente construído só dura enquanto se mantiverem
as condições favoráveis do caso selecionado, um pouco como o socialismo, que só
dura enquanto durar o dinheiro dos outros. Modelos verdadeiros deveriam ser
experiências de fracasso, pois é mais fácil saber o que não dá certo do que
identificar claramente as condicionantes de um processo bem sucedido de
desenvolvimento. Como também se diz habitualmente, o sucesso pode ter muitos
pais, mas o fracasso raramente encontra uma miserável de uma mãe. No entanto,
seria mais útil saber o que pode dar errado, segundo a conhecida lei de Murphy,
do que se por a buscar todos os elementos que compõem uma receita de sucesso.
E não precisamos ir muito
longe para recolher uma série inteira de fracassos históricos. A América Latina
é um imenso laboratório de experiências fracassadas de desenvolvimento
econômico. Não fosse por isso, não estaríamos exportando matérias primas há quinhentos
anos, e não teríamos sido ultrapassados por outros países e regiões que já
estiveram muito mais baixos e já andaram muito mais atrasados do que nós nos
níveis de desenvolvimento econômico e social. Digo isto com certo cuidado, uma
vez que na escala do desenvolvimento, a América Latina sempre foi uma espécie
de classe média do desenvolvimento, abaixo da periferia europeia, mas acima de
muitos países asiáticos e certamente bem acima da acumulação de misérias do
continente africano, este sim um modelo de não desenvolvimento, cujo fracasso
histórico deve ser estudado com cuidado, justamente como receita do que não
fazer.
Em todo caso, uma história
econômica diferente da América Latina seria uma que se dedicasse a fazer o
relato de seus fracassos apenas para desmentir essa falácia dos modelos de
desenvolvimento, uma vez que já tivemos, no passado, países inseridos nessa
categoria falaciosa, a começar pelo próprio Brasil. De modo geral, como já
referido, nenhum país é modelo para qualquer outro país, a não ser como modelo
negativo, sobre o que não fazer, e nessa categoria a América Latina tem dado
sobejas demonstrações de equívocos repetidamente repetidos, se ouso ser
redundante. Não querendo tripudiar sobre alguém, em especial, mas o fazendo,
cabe reconhecer que a Argentina, em particular, vem cometendo bobagens há mais
de 80 anos, e isso contínua e repetidamente, para ser ainda mais redundante.
Mas, não cabe aí nenhum
orgulho patrioteiro sobre nosso progresso relativo em relação ao mais
importante vizinho: o Brasil segue os passos da Argentina, ainda que
moderadamente. Não tivemos a desgraça de cair no fascismo caudilhista e de
construir um sistema que perdura, como o peronismo, e que assombra todo o país,
capturando até algumas de suas inteligências mais refinadas, e que mantém a
nação refém de um cadáver insepulto, aliás mais de um. Nós tivemos o nosso
fascismo moderado, apoiado no positivismo castilhista, e mais recentemente um
peronismo de botequim que, para nossa sorte, não tinha nenhuma doutrina, só esperteza
e demagogia (além de algumas outras qualidades pouco recomendáveis).
De uns tempos para cá, o Chile foi
apontado como modelo de desenvolvimento, apenas porque cresceu vigorosamente
nos anos 1990 e se tornou uma espécie de tigre latino-americano, tendo
inclusive conquistado a honra de ser admitido nesse clube de ricos que se chama
OCDE. Mas o Chile não é modelo de nada, ou para nada, apenas uma resposta
adequada que suas elites souberam oferecer, num determinado momento, a desafios
surgidos a partir de uma séria crise econômica e política. Ao que parece, essas
elites, consideradas de direita, neoliberais ou o que seja, julgaram
conveniente abrir o país economicamente, liberalizar amplamente seu comércio
exterior e enfatizar as velhas vantagens ricardianas que derivam de certas
especializações produtivas.
No Brasil sempre se desprezou o
“modelo chileno”, se modelo existiu – o que eu não acredito – a pretexto de que
se tratava de uma economia pequena, de um abandono completo de uma suposta
vocação industrial – que todo grande país deveria ter – e de uma dependência em
alguns poucos produtos primários de exportação, e que portanto, segundo esses
críticos superficiais, estaria fadado ao fracasso inevitável. Confesso que nunca me impressionou essa história de
crítica às especializações limitadas, à falta de um projeto industrial, ou essa
outra alegação ainda mais estúpida que se prendia à pequena magnitude econômica
do país. Em termos de sucesso ou fracasso, não existem países grandes ou
pequenos, aliás sob qualquer outro critério; existem apenas políticas
econômicas que funcionam e outras que não funcionam, medidas macro e setoriais
que são de boa qualidade, e outras que são de péssima qualidade. Sob esse ponto
de vista, o Chile foi de fato um sucesso relativo, pelo menos durante certo
tempo (ou até que os socialistas resolvessem mudar algumas regras do “modelo”
anterior).
Em todo caso, qualquer país que
ofereça uma perspectiva de crescimento sustentado e de prosperidade a seu povo,
que mantenha a qualidade das políticas econômicas, macro e setoriais, pode ser
considerado um exemplo de sucesso, mas isso em seus próprios termos, dentro de
suas circunstâncias, não como receita para os demais, pois essas experiências
são sempre “irrepetíveis”, se ouso dizer. O Chile, justamente, parece que se
cansou de ser neoliberal e agora vem tentado ser um pouco mais socialista. Será
que vai dar certo? Cabe acompanhar de perto, para alguma hipótese do
experimento desandar.
Alguns acham, otimistas, que o Chile é
o caminho para o Brasil, que está cansado de ser dirigista e protecionista, e
talvez se aproxime um pouco mais de um modelo mais aberto. Liberal? Esqueçam.
Não há nenhum risco dessa coisa acontecer por aqui nos próximos 30 ou 40 anos.
Vamos continuar trilhando nosso pequeno e medíocre itinerário de voo de
galinha, como gostam de repetir os economistas, ou seja, crescimento
satisfatório, durante algum tempo – por autoindução, ou por empurrão da China –
e depois desabamos novamente para alguma crise fiscal ou de transações
correntes. Parece ser a nossa sina, ou pelo menos vejo isto, ao ouvir, até
enjoar, a conversa de políticos entendidos no assunto, que prometem continuar
lutando para garantir crescimento com emprego e distribuição de renda, desde
que as políticas corretas sejam aplicadas pelo governo, isto é, por eles
mesmos. Acho que não vai ser ainda desta vez...
Mas, se o Chile não é o modelo, para
nós, ou para qualquer outro país, qual seria o “bom modelo” a ser seguido? A
Coreia (do Sul, of course), a China?
Não me falem da Grécia, por favor, esse país latino-americano (malgré lui) perdido na UE. Sobra quem,
afinal? Não tenho a menor ideia, e só me resta repetir: não existem modelos
disso ou daquilo, seja de crescimento rápido, seja de desenvolvimento
“inclusivo”, seja de qualquer outra coisa. Existem apenas modelos de fracasso,
países que abusaram da irresponsabilidade emissionista, que manipularam juros e
câmbio, que cercearam a iniciativa privada, que gastaram mais do que podiam,
que se endividaram em excesso, que praticaram um protecionismo rastaquera e um
nacionalismo doentio, que descuraram da boa governança e de uma educação de
qualidade, enfim, todas essas mazelas que todos vocês conhecem muito bem.
Estou falando do Brasil? Nem por
sonho, imaginem se eu seria capaz disso?! Estudo o Brasil há quase meio século
e ainda não consegui perceber qual é a nossa, um passo para a frente, dois para
trás, tentativas de ensaio e erro, com mais erros do que acertos, enfim, um
país que decididamente não é normal, como já declarei em tantas ocasiões (para
uma experiência recente, meio desanimadora com a nossa “normalidade anormal”,
vejam este link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/07/uma-estada-breve-mas-suficiente-na.html). Então qual é a nossa? Qual
é a saída?
Sou obrigado a me repetir mais uma
vez, e me desculpo por mais esta redundância. O caminho para o Brasil, para o
Chile, para a Argentina, para a China, para qualquer país candidato a um
processo de crescimento sustentado, com distribuição dos benefícios desse
crescimento, que são a base do desenvolvimento econômico e social, é muito
simples (mas também é complicado, ao que parece). Eu resumiria as minhas cinco
regrinhas, que já desenvolvi em vários dos meus trabalhos sobre o assunto
(prometo pescar os links e postar depois em addendum
a esta nota), nestes pontos:
1) estabilidade macroeconômica;
2) competitividade microeconômica;
3) boa governança;
4) alta qualidade dos recursos
humanos;
5) abertura ao comércio internacional
e aos investimentos estrangeiros.
Pronto, fico por aqui e não preciso
acrescentar mais nada, pois acredito que os cinco requerimentos são self-explaining. Não vou ficar dando
consultoria de graça neste momento, mas também não sou candidato a conselheiro
do príncipe nem a “aspone” de qualquer governante, pelo menos não dos que estão
aí (eles não precisam, sabem errar sozinhos). Só acrescento mais isto: as cinco
regrinhas são suficientemente vagas para servir a todos os casos de doentes
renitentes nessas coisas de políticas macroeconômicas e setoriais, mas elas
devem ser, a cada vez, adaptadas às circunstâncias nacionais, o que é o “óbvio
ululante”, como já dizia Nelson Rodrigues.
O mesmo finado escritor, de tão grata
memória em várias outras coisas (mas não necessariamente em economia), também
lembrava que subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos, como ele
mesmo improvisava. Eu discordo dele. Acho que o subdesenvolvimento é, antes de
mais nada, um estado mental, pelo menos no caso do Brasil varonil. Sorry patrioteiros...
PS.: Esqueçam os modelos: estudem, comparem, e sigam o
bom senso...
Anápolis, 2842: 12 de julho de 2015, 2 p.
Em voo, Brasília-Atlanta, 16-17 de julho de 2015, 5 p.
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).