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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Trump’s International Economic Legacy - Jean Pisani-Ferry (Project Syndicate)

Trump’s International Economic Legacy

If US President Donald Trump loses November’s election, he will most likely leave an insignificant imprint on some parts of the global economic system. But in several others – especially US-China relations – his term in office may well come to be seen as a major turning point.

PARIS – It would be foolish to start celebrating the end of US President Donald Trump’s administration, but it is not too soon to ponder the impact he will have left on the international economic system if his Democratic challenger, Joe Biden, wins November’s election. In some areas, a one-term Trump presidency would most likely leave an insignificant mark, which Biden could easily erase. But in several others, the last four years may well come to be seen as a watershed. Moreover, the long shadow of Trump’s international behavior will weigh on his eventual successor.

On climate change, Trump’s dismal legacy would be quickly wiped out. Biden has pledged to rejoin the 2015 Paris climate agreement “on day one” of his administration, achieve climate neutrality by 2050, and lead a global coalition against the climate threat. If this happens, Trump’s noisy denial of scientific evidence will be remembered as a minor blip.

In a surprisingly large number of domains, Trump has done little or has behaved too erratically to leave an imprint. Global financial regulation has not changed fundamentally during his term, and his administration has flip-flopped regarding the fight against tax havens. The International Monetary Fund and the World Bank have carried on working more or less smoothly, and Trump’s furious tweeting did not prevent the US Federal Reserve from continuing to act responsibly, including by providing dollar liquidity to key international partners during the COVID-19 crisis. True, Trump has repeatedly spoiled international summits, leaving his fellow leaders flummoxed. But such behavior has been more embarrassing than consequential.


sexta-feira, 17 de julho de 2020

Diplomacia: políticas internacionais pela paz e liberdade - Palestra Paulo R. Almeida


Dia 26/07/2020, 17hs

A diplomacia nasceu com a principal finalidade de conseguir solucionar conflitos de uma maneira pacífica. Através dela que guerras acabaram, sistemas autoritários ruíram, programas econômicos nasceram etc. A diplomacia ajudou a construir e a consolidar a democracia e agora passará por um dos momentos mais difíceis da sua história. É nesse contexto de política externa, diplomacia e democracia que debateremos as liberdades democráticas.

O painel "Diplomacia: políticas internacionais pela paz e liberdade" contará com a participação do:
• Prof. Paulo Roberto de Almeida, diplomata e Doutor em Ciências Sociais.

Inscrições na Bio do nosso Instagram ou no link: https://www.eventbrite.com.br/e/110217423280


quinta-feira, 21 de maio de 2020

Projeto de livro (2010) sobre o Brasil no mundo, diplomacia, política externa, economia, integração - Paulo Roberto de Almeida

Em 2010, já tendo acumulado certo número de trabalhos - este projeto de livro, por exemplo, levou o número 2195 da lista de originais – agrupei os trabalhos mais significativos em duas listas, possivelmente pensando numa publicação de autor. A primeira, de caráter mais conjuntural, ou formada por artigos mais leves, e uma segunda, com ensaios de caráter mais estrutural, ou analítico.
Eis o esquema do segundo livro projetado.
Talvez aproveite alguns, ou a maioria, numa nova publicação, em 2020, ou seja, dez anos depois. O problema é que, neste intervalo de tempo, dezenas de novos itens foram agregados à lista, e que poderão, portanto, integrar novos projetos de livros.
Eis a nova lista: 
3677. “Listagem de ensaios de relações internacionais, de política externa e de história da diplomacia brasileira e sobre personalidades nessas áreas (para fins de seleção)”, Brasília, 21 maio 2020, 4 p. Para elaborar seleção de trabalhos a serem publicados. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/listagem-de-trabalhos-sobre-relacoes.html).

Ou seja, de 3667 a 2195, são quase 1.500 trabalhos novos, dos quais certamente 5 ou 10% merecerão compilação em algum novo volume.
Paulo Roberto de Almeida

Diplomatizando 2
Sumário:

Prefácio: O Brasil, na região e no mundo...                                                                            9

Parte I:
O Brasil, na região e no mundo
1. Le Brésil à deux moments de la globalisation capitaliste et à un siècle de distance (1909-2009) (2020)
2. A ordem mundial e as relações internacionais do Brasil, 63 p (1960); Economia Internacional, Globalização e Regionalização”, 164 p. (1899); O Brasil nas relações internacionais do século 21: fatores externos e internos de sua atuação (1858) 
3. O Brasil e as relações internacionais no pós-Guerra Fria (2018) 
4. O Brasil no contexto da governança global (1946)
5. Obsolescência de uma velha senhora?: a OEA (2011)
6. A Estratégia Nacional de Defesa e a União das Nações Sul-Americanas (2151)
7. Convergências e divergências no regionalismo econômico e político da América do Sul: evolução histórica, dilemas atuais e perspectivas futuras”, 59 p. (1927)
8. O regionalismo latino-americano no confronto com o modelo europeu: uma perspectiva histórica de seu desenvolvimento”, Brasília, 17 maio 2008, 34 p. Resumo do trabalho 1844. (1889); As experiências de integração regional na América Latina”, Brasília, 13 maio 2008, 23 p. Revisão, redutora, do trabalho 1844, para fins de publicação (1887)
9. Mercosul, 1991-2011: percurso histórico, desafios e perspectivas (2179)
10. O Mercosul não é para principiantes: sete teses na linha do bom senso 
11. Por que a América Latina não decola: alguma explicação plausível?
12. Por que o Brasil avança tão pouco: sumário das explicações possíveis
13. Brasil: o que poderíamos ter feito melhor, como sociedade, e não fizemos?
14. Qual a melhor política econômica para o Brasil?: algumas opções pessoais
15. O que podemos aprender com a experiência dos demais países?
16. Nossa contribuição para o mundo: onde o Brasil poderia ser melhor (2144)

Parte IV: 
Política Externa e diplomacia do Brasil
17. A herança portuguesa e a obra brasileira: balanço e avaliação de dois séculos (1857)
18. A política comercial do Brasil no contexto internacional, 1889-1945 (1991)
19. Estratégia Nacional de Defesa (END): comentários dissidentes (1984)
20. A Arte de NÃO Fazer a Guerra: novos comentários à END (2066)
21. As crises financeiras internacionais e o Brasil desde 1929: 80 anos de uma história turbulenta (2013)
22. Finanças internacionais do Brasil na segunda metade do século XX
23. Relações econômicas internacionais do Brasil dos anos 1950 aos 1980
24. As relações Brasil-Estados Unidos do século XX ao século XXI (1918)
25. Non-Intervention: a political concept, in a legal wrap: a historical and juridical appraisal of the Brazilian doctrine and practice (2023)
26. O Brasil e a (finada) Alca: doze questões para um debate racional 
27. Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica (2168 ?)
28. Política exterior do Brasil: potência regional ou ator global? (2134)
29. A dinâmica da relações exteriores do Brasil (2068)
30. Qual a melhor política externa para o Brasil?: algumas preferências pessoais
31. Dez novas regras de diplomacia

Posfácio: O que o Brasil pode ser, daqui para a frente                                                                    

Obras do autor

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Pontes para o mundo no Brasil: Minhas interações com a RBPI - Kindle Book Paulo Roberto de Almeida

Pontes para o mundo no Brasil: Minhas interações com a RBPI 

(Portuguese Edition) eBook Kindle


Coletânea de ensaios e artigos (à exclusão de resenhas de livros e artigos-resenhas) publicados a partir de 1986 na Revista Brasileira de Política Internacional (iniciada no Rio de Janeiro em 1958, e transferida para Brasilia em 1993), constando de cinco partes: 
1) Revista Brasileira de Política Internacional; 
2) Economia mundial; 
3) Relações Internacionais, Política Mundial; 
4) Política Externa e Diplomacia Brasileira; 
5) Pesquisa histórica e obtiruários; e 
Apêndices (Relação cronológica de todas as colaborações à RBPI, livros do autor e nota biográfica).

Em 1958, no âmbito do plano de trabalho do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI, criado no Rio de Janeiro em 1954) que incluía um “programa de publicações”, era lançada a Revista Brasileira de Política Internacional, em cuja Editoria, durante longos anos, esteve Cleantho de Paiva Leite. A RBPI desempenhou um importante papel na difusão de matérias e documentos relativos à política internacional, às relações exteriores do Brasil, bem como ao próprio pensamento e prática brasileira em temas de política externa. Em 1993, com o falecimento de Cleantho, no ano anterior, atuei com colegas acadêmicos e diplomáticos para transferir o IBRI e a RBPI para Brasília.
Decana das revistas brasileiras de relações internacionais, que são reconhecidamente muito poucas, a RBPI preencheu uma lacuna inestimável em nossa cultura política e acadêmica, reunindo, nas dezenas de volumes editados quase que artesanalmente ao longo das últimas décadas, um somatório extremamente rico de informações, análises e documentos sobre a política internacional e as relações exteriores do Brasil. Ela constitui, assim, uma “memória escrita” privilegiada sobre a política externa brasileira e uma fonte de referência indispensável para toda pesquisa acadêmica sobre as relações internacionais nesse longo período.
Colaborei a partir de 1986 com a revista, numa grande variedade de temas, assim como fui diretor do IBRI durante algum tempo. Continuo colaborando, mais como parecerista do que como autor.

Detalhes do produto

  • Tamanho do arquivo: 1472 KB
  • Número de páginas: 658 páginas
  • Quantidade de dispositivos em que é possível ler este eBook ao mesmo tempo: Ilimitado
  • Editora: Edição de Autor; Edição: 1 (23 de dezembro de 2019)
  • Data da publicação: 23 de dezembro de 2019
  • Vendido por: Amazon Digital Services LLC
  • Idioma: Portuguese
  • ASIN: B08336ZRVS
  • Dicas de vocabulário: Não habilitado
  • Empréstimo: Habilitado
  • Configuração de fonte: Não habilitado 


Apresentação
Uma revista histórica, para tempos antigos e modernos

I was pleased to be writing this history because I had always believed that history should be written in the large. (…) I did my best, but I am not all sure that I succeeded. I was sometimes accused by reviewers of writing not a true history but a biased account of the events that I arbitrarily chose to write of. But to my mind, a man without a bias cannot write interesting history – if, indeed, such a man exists. I regard it a mere humbug to pretend a lack of bias. Moreover, a book, like any other work, should be held together by its point of view. This is why a book made up of essays by various authors is apt to be less interesting as an entity than a book by one man. Since I do not admit that a person without a bias exists, I think the best that can be done with a large-scale history is to admit one’s bias and for dissatisfied readers to look for other writers to express an opposite bias. Which bias is nearer to the truth must be left to posterity.

Bertrand Russell, Autobiography (first edition: 1975; New York: Routledge, 2009, p. 444; consultada na edição Google Books), falando a respeito das críticas dirigidas à sua obra em quatro volumes: History of Western Philosophy (1945). 

Bertrand Russell pretendia que uma pessoa desprovida de vieses não poderia escrever uma história interessante, se de verdade uma pessoa assim existisse. Aceito integralmente a assertiva, e começo por declarar explicitamente meus vieses, como forma de introduzir esta nova coletânea de escritos das últimas duas décadas e meia, desta vez, os textos publicados na Revista Brasileira de Política Internacional, com a qual estou identificado, e na qual imprimo meus vieses, desde que tomei a iniciativa de impedir o seu desaparecimento, ao dar os primeiros passos para concretizar a sua transferência do Rio de Janeiro para Brasília, onde passou a ser editada a partir de 1993. Pretendo, portanto, confessar meus vieses, deixá-los explícitos, e não me redimir por isso, mas declarar em total transparência quais são eles e dizer por que eles foram importantes em minha trajetória intelectual. 
No prólogo à sua autobiografia, cujo primeiro volume foi publicado em 1967, três anos que ele morresse, na idade de 98 anos, Russell começava por informar que, dentre as paixões que tinham guiado a sua vida, estava a busca por conhecimento, provavelmente vinculada à sua outra paixão: uma insustentável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Não tenho certeza de compartilhar dessa outra qualidade, embora certamente a preocupação com a condição humana, a partir de minha própria situação pessoal e familiar, faz parte dos meus vieses, e como tal orientou meus estudos e minha ação voluntária no decorrer de toda uma vida dedicada à leitura atenta dos livros, a observação ainda mais atenta do mundo e a uma síntese tentativa de minhas reflexões a esse respeito, nos muitos escritos, mais inéditos do que publicados, que fui acumulando ao longo dos anos. 
Antes de falar de meus vieses, cabe, contudo, uma qualificação a respeito do que são, e de que papel eles cumprem, na reflexão intelectual e enquanto guias para a ação. Em primeiro lugar, cabe deixar claro que vieses não são exatamente aquilo que se comumente se chama “ideologia”. Esta é geralmente o resultado de uma adesão, consciente ou não, a um conjunto de crenças e de argumentos, aparentemente lógicos e racionais, que ordenam uma determinada visão do mundo, orientam a sua ação em relação ao meio em que se vive e que impregnam nossas interações com esse meio com as demais pessoas, ou partidos e organizações, que fazem parte de nossa vida. Depois de Napoleão (que não li extensivamente), Marx (que li extensivamente) tinha um enorme desprezo pelos ideólogos, sem admitir, no entanto, que ele próprio foi um dos maiores representantes da espécie, como eu mesmo acredito ter sido, marxista ou pós-marxista.
Os vieses são mais sutis, mais matizados, geralmente inconscientes, raras vezes admitidos e menos ainda tornados explícitos. O racismo, por exemplo, é mais um viés do que uma ideologia, ainda que muitos, alegadamente intelectuais ou até mesmo cientistas, fizeram desse viés todo um campo de estudo para construir uma proposta de ordem social condizente com a separação da humanidade em raças distintas: pode até não significar segregação prática, desprezo por supostas raças “inferiores” ou políticas ativas de discriminação, mas acaba resultando nisso, pela ação de outros agentes menos teóricos e mais práticos. Gobineau e Rosenberg, para citar apenas dois “intelectuais” mais conhecidos nesse campo, foram dois ideólogos do racismo em suas respectivas esferas de reflexão, que acabaram dando munição teórica, e legitimação “científica”, para os homens “práticos” que transformaram o racismo em políticas públicas com amplas consequências no decorrer do século 20: o Apartheid na África do Sul (mas também nos Estados Unidos) e o holocausto nazista contra os judeus, promovido por Hitler com ampla colaboração da população alemã (como também já tinha sido o caso dos pogroms contra os mesmos judeus na Polônia ou na Rússia czarista, antes disso). 
Mas este é apenas um exemplo extremo de uma ideologia nefasta que deixou sua terrível marca na história da humanidade. O fundamento dessa ideologia é um viés que existe no plano individual, de modo embrionário, que tende a enquadrar as pessoas em grupos sociais distintos. Cabe registrar, contudo, que esse viés é tão forte que acaba criando uma espécie de racismo inverso, que tende a sustentar ideologias de “justiça social” – neste caso contra o “racismo” – que carregam um inevitável componente racialista: esta é a base, inquestionável, de todas as políticas de “ação afirmativa” que tendem a separar no Brasil – mas se trata de uma ideologia importada dos EUA – os afrodescendentes de um lado e todos os demais brasileiros de outros. É o Apartheid em construção, associado a uma causa aparentemente nobre, a do resgate da “dignidade dos negros” (mas que termina por criar cotas inconstitucionais aprofundando o viés racial, em lugar de eliminá-lo). 
Muito bem: mas o que isso tem a ver com meus vieses – políticos, econômicos , sociais – que vão aqui expressos nos artigos oferecidos em colaboração à mais antiga revista de relações internacionais do Brasil? Cabe, portanto, deixá-los transparentes, pois eles perpassam, mesmo sub-repticiamente, cada um dos textos elaborados ao longo de meu itinerário de grande leitor e de mero escrevinhador, ao lado de minhas outras atividades profissionais na diplomacia e no mundo acadêmico. Esses vieses podem ser expressos através de conceitos bastantes simples, que se vinculam a realidades para mim evidentes, pela experiência pessoal, mas que também podiam ser percebidas no plano mais global do Brasil no contexto regional e mundial. Quais seriam esses conceitos? Ei-los: pobreza, consciência da miséria extrema e da riqueza ostensiva, desigualdades, injustiças sociais, atraso material, insuficiências educacionais, falta de oportunidades, privilégios, corrupção, em resumo, subdesenvolvimento, ou talvez, não desenvolvimento. Parece mais um programa político-partidário do que simples vieses pessoais, não é mesmo caro leitor?
Não pretendo que tudo isso estive presente de modo claro em minha mente, desde os primeiros anos de leituras “estudiosas”, digamos assim. (Sim, eu costumo distinguir as leituras estudiosas daquelas para simples lazer intelectual, prazer pessoal ou entretenimento momentâneo, e eu me dediquei a elas desde o primeiro momento, não sei precisar com que idade exatamente, em que tomei de um livro de Monteiro Lobato, História do Mundo Para As Crianças, uma simples leitura de Dona Benta a partir de uma obra americana, para ler, reler e quase decorar esse livro.) Mas o fato é que esses conceitos não eram simplesmente ideias vagas, noções exteriores para as quais minha atenção era chamada por alguma motivação puramente intelectual. Eram realidades da minha vida, não todas, nem de forma explícita, mas elementos que penetravam por alguns poros, algumas janelas de minha condição pessoal e da situação familiar. 
Foi provavelmente o contraste entre o que eu tinha, entre o que a minha família tinha, e aquilo que eu via em outras pessoas, outras crianças, outras famílias, que me levou, desde muito cedo, às tais leituras “estudiosas”. Dos livros juvenis, e alguns adultos, aos editoriais do circunspecto Estadão foi um passo natural, e creio ter aprendido tudo o que aprendi de política internacional e de economia nas páginas desse “jornal reacionário”, muito antes de me debruçar sobre os manuais universitários e as obras do terceiro ciclo (o que fiz, aliás, muito antes de chegar ao ensino superior). 
Toda a primeira fase de minha formação intelectual foi feita sob o domínio da sociologia, que, segundo Mário de Andrade, seria a “arte de fazer a revolução no Brasil” (não tenho certeza de que ele tenha dito isto, e posso apenas estar repetindo o que li em alguns dos livros da chamada Escola Paulista de Sociologia, à qual me sentia pertencer bem antes de ingressar nas Ciências Sociais da USP). Foram os grandes mestres do pensamento social brasileiro – os chamados intérpretes do Brasil – junto com os mestres do marxismo, já devorado em toda a extensão permitida pelas edições brasileiras, que primeiro consolidaram os meus vieses, e a eles me ative mesmo quando modifiquei, de modo amplo, a “metodologia” pela qual eu passei a abordar as realidades tangíveis às quais os vieses eram supostos representar. Pobreza, desigualdade, exploração do trabalhador, opressão capitalista, liberação socialista, tais foram os vieses rapidamente incorporados em minha mente à medida em que ia aprofundando as leituras, afinando minhas concepções, produzindo minhas reflexões, muitas delas transformadas em escritos da juventude, que infelizmente se perderam na saída do Brasil para um longo exílio na Europa, voluntariamente decidido, no início dos anos 1970.
Até então eu havia trabalhado com a sociologia política – classes sociais, poder político, revolução, essas coisas – mas com a partida do Brasil um novo horizonte se abriu, e portanto novos motivos de leitura, de conhecimento, de reflexão, e de redação de textos que passam a não ser mais apenas de sociologia política e passam a ser em torno das comparações entre os diferentes graus de desenvolvimento econômico de povos e nações. Uma universidade europeia, nos anos da guerra do Vietnã e das guerrilhas latino-americanas era um caldeirão em permanente ebulição, e o mesmo Russell de quem eu começo citando um trecho de sua biografia tinha iniciado, através de sua Fundação, um movimento para fazer condenar os EUA por crimes contra a humanidade no Vietnã. Quando cheguei na Bélgica, em 1971, o famoso Tribunal Russell se preparava para julgar a ditadura militar brasileira, e eu estava entre os colaboradores da iniciativa. Lembro-me inclusive de ter ido – financiado pelo comitê belga – visitar o líder político Miguel Arraes, exilado na Argélia, para convencê-lo a participar como testemunha no “julgamento” que ocorreria em 1973, durante uma grande exposição comercial programa pelo governo brasileiro para ocorrer em Bruxelas, justamente. No intervalo ocorreu o golpe de Pinochet, no Chile, e o Tribunal passou a ter coisas ainda mais horripilantes para julgar, além das torturas infligidas aos prisioneiros políticos brasileiros pela ditadura militar. 
Seja como for, minha educação “internacional” continuou a se desenvolver, inclusive porque eu fiquei conhecendo vários dos socialismos reais, e pude assim confrontar o que diziam, e o que eu lia deles, Jean-Paul Sartre e Raymond Aron. Como eu minhas leituras precoces dos artigos de Roberto Campos no Estadão, eu me esforçava para rejeitar, mediante argumentos racionais, e empiricamente embasados, o que os direitistas e reacionários diziam sobre o capitalismo, o socialismo, a famosa luta de classe e outras “realidades” que frequentavam os meus vieses desde vários anos. A comparação prática, as leituras intensas, a reflexão honesta, o convencimento pelos dados, mais do que pela retórica, acabaram transformando profundamente minha maneira de pensar, ainda que os vieses permanecessem substancialmente os mesmos.
Uma prova do que afirmo processou-se quando da elaboração de minha tese de doutoramento, cuja concepção e primeiro projeto ocorreram logo após o término do mestrado, aos 25 anos – uma dissertação sobre o comércio exterior brasileiro desde os anos 1960 até o primeiro choque do petróleo – e que tinha por objeto, bias oblige, a revolução burguesa no Brasil. A arquitetura conceitual, obviamente, era inteiramente florestânica, cujo magnum opus, que tinha precisamente o nome de meu tema, eu li, reli e anotei minuciosamente durante os anos de leituras solitárias no exílio europeu. Entre o projeto inicial e a redação final mediou um longo intervalo, usado para voltar ao Brasil, ingressar na carreira diplomática, logo em seguida contrair matrimônio, ter o primeiro filho, com Carmen Lícia, em Berna, e para decidir, finalmente, retomar o projeto, mas já com uma abordagem muito diferente dos velhos vieses de juventude. 
A sede de conhecimento, como diria Russell, tinha me conduzido a um outro universo de interpretações sobre as raízes da pobreza, sobre a natureza das desigualdades sociais, sobre as realidades da exploração capitalista e sobre as fontes de corrupção política, como resultado de todas as leituras, certo, mas sobretudo da confrontação dessas leituras com a realidade que me era dada contemplar, seja no capitalismo “ideal” da Europa ocidental, seja do socialismo “surreal” e de fato opressor, que eu conheci em todos os países da órbita soviética, inclusive no coração do sistema, que eu pude visitar, como antes como estudante e militante de uma causa, depois como turista relativamente privilegiado, já desfrutando do status de diplomata. Não existe nada de mais didático, para revisar vieses e confrontar ideologias, do que confrontar as leituras com a experiência da realidade, ver o mundo como exatamente ele é.
O fato é que na defesa da tese, em plena banca, eu me desentendi com o meu orientador, ele um velho professor marxista de história econômica, e eu, um jovem que ousava desafiar as concepções comumente aceitas sobre o capitalismo no Terceiro Mundo e sobre a revolução burguesa no Brasil, já nas antípodas do que pensava Florestan Fernandes. Acabei obtendo grande distinction, mais talvez pelos vieses bem mais liberais dos demais membros da banca, do que pela insatisfação demonstrada pelo meu orientador, ao constatar que eu não partilhava mais de certos supostos que eram os mesmos contra os quais lutavam pensadores como Roberto Campos, no Brasil, ou Raymond Aron, na França. Enfim, eu tinha realizado a minha Canossa intelectual, tendência que continuei aprofundando nos anos seguintes, ao aprofundar estudos em economia e sociologia do desenvolvimento e em relações econômicas internacionais.
Mas o que isto tudo tem a ver com o fato de eu ter me tornado, poucos anos depois, colaborador eventual, preservador por acaso e, finalmente, editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional, um título simplesmente honorífico, para quase nenhuma contrapartida ou responsabilidade editorial me foi exigida? 

Revista Brasileira de Política Internacional, mal comparando com o Ministério das Relações Exteriores, também sempre soube prestar serviços da melhor qualidade, e se esmerar na informação confiável, mesmo dispondo de exíguos recursos, raramente tendo soberano de qualquer espécie a quem apelar, ou talvez sim: na figura da Capes-CNPq, que desde o segundo número editado em Brasília, passou a colaborar generosamente com esta iniciativa. Para o primeiro número da nova série, editado de maneira algo improvisada, depois da triste interrupção momentânea causada pelo falecimento do seu antigo editor no Rio de Janeiro, Cleantho de Paiva Leite, tive de apelar para a generosidade de pessoas físicas, de que gostaria, neste momento, de deixar um registro formal e nominal, na pessoa do empresário Stefan Bogdan Salej, um esloveno naturalizado brasileiro e que sempre soube valorizar não só as coisas do Brasil, como também a sua diplomacia, a ponto de a ela se vincular pessoalmente.
A editoria da RBPI esteve assegurada, numa primeira etapa, pelo professor Amado Luiz Cervo, do Departamento de História da UnB, depois associado ao Instituto de Relações Internacionais da mesma universidade, passando depois o bastão ao professor Antonio Carlos Lessa, sob cuja direção a revista deu um salto qualitativo, no sentido de cumprir galhardamente os melhores padrões comparativos com os melhores journals da área, recebendo, portanto, uma alta classificação nos rankings do setor. Ela saiu de um formato tradicional – periodicidade semestral, impressa e distribuída pelas velhas vias da remessa postal – para adotar o formato eletrônico, em edições contínuas, disponível nas novas redes de disseminação digital, com destaque para o Scielo. 
Durante todo o período de consolidação da RBPI em Brasília emprestei intensa colaboração em seus primeiros passos, revisando artigos submetidos – o que continuei a fazer de modo regular dali para a frente – e publicando eu mesmo um número razoável de artigos, notas de informação e resenhas de livros em suas páginas. Conectado às datas comemorativas da RBPI, ou do próprio IBRI, também emprestei colaboração à organização e realização de seminários em homenagem a essas duas instituições do panorama brasileiro de pesquisa em relações internacionais, assim como tive o cuidado de preservar a memória da revista, e das próprias instituições oficiais do ramo, elaborando índices remissivos e quadros analíticos cronológicos relativos aos eventos, processos e produção intelectual ano a ano.
Em resumo, posso orgulhosamente dizer que grande parte de minha vida acadêmica e intelectual, durante a quase totalidade de meu desempenho funcional na carreira diplomática e nas atividades universitárias, se deu em torno, em função, a serviço ou em conexão com a RBPI ou o IBRI, o que ainda continuo fazendo. Foi, e ainda é, uma fonte de informação, de reflexão, de inspiração, merecendo, portanto, uma dedicação especial de minha parte. Fui, provavelmente, um dos autores mais editados e publicados, o que até induziu a certa restrição deliberada, nos últimos anos, como forma de não se incorrer naquela endogenia condenada pelos padrões bastante rigorosos das publicações científicas indexadas. 
Os ensaios, artigos e notas aqui compilados foram organizados em torno de grandes áreas de interesse, mas ao final apresento uma listagem cronológica das colaborações (mais de meia centena, no total, dos quais apenas 33 são coletados aqui), o que revela, justamente, uma grande incidência nos anos finais da RBPI no Rio de Janeiro e nos primeiros dez anos da série de Brasília. Essas áreas revelam os principais focos de interesse acadêmico e intelectual deste autor, com ênfase nas relações econômicas internacionais do Brasil, sua história diplomática, a política externa, nas interações com o sistema político-partidário e temas de política internacional em geral. Ficaram de fora desta coletânea duas dezenas de resenhas de livros – correspondendo a um volume bem maior de livros, uma vez que eu costumava fazer artigos de resenha, ao estilo dos review-articles da New York Review of Books, o mais famoso periódico de livros dos EUA, de inclinação progressista ou até esquerdista, do qual fui assinante por duas décadas e que ainda leio regularmente –, para não torná-la excessivamente “pesada”, mas coloquei três obituários que elaborei de membros do Conselho Editorial da RBPI (um outro ficou de fora, e fica fora da relação ao final do volume). As resenhas serão incluídas em outra coletânea, dedicadas exclusivamente a esse outro grande vício que alimento desde minha primeira adolescência (ou talvez até antes). 
Continuo colaborando com a RBPI, atualmente bem mais para oferecer pareceres a artigos submetidos por autores desconhecidos, do que como articulista, o que, no entanto, permanece como possibilidade eventual. Fico, em qualquer hipótese, extremamente gratificado por ter atuado decisivamente no momento crucial, depois da morte de Cleantho de Paiva Leite, quando a RBPI também poderia ter desaparecido. A gratificação continua ao constatar que a revista se consolidou como publicação de prestígio dentre os journals da área e que ela coloca o Brasil entre os majors do setor. 
Vida longa à RBPI e ao IBRI.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 de dezembro de 2019

Paralelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude (Kindle book) - Paulo Roberto de Almeida


Paralelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude 

(Portuguese Edition) eBook Kindle



Coletânea de todos os artigos publicados em Meridiano 47, desde 2001 a 2016, dividido em cinco partes: 1. Relações internacionais e política externa do Brasil; 2. Economia internacional, globalização; 3. Regionalismo, Integração; 4. Política internacional, Questões estratégicas; 5. Ideias, cultura, problemas.


All the Globes frame, and spheres, is nothing else
But the Meridians crossing Parallels.
The Cross
John Donne
(24/01/1572 – 31/03/1631, Londres, Inglaterra)





Índice

Apresentação
Freakdiplomacy, or the advantages of being an accidental diplomat


Primeira Parte
Relações internacionais e política externa do Brasil
1. Relações Internacionais e política externa do Brasil: perspectiva histórica
2. Ideologia da política externa: sete teses idealistas
3. Relações Brasil-Estados Unidos em perspectiva histórica
4. Um exercício comparativo de política externa: FHC e Lula em perspectiva
5. Sucessos e fracassos da diplomacia brasileira: uma visão histórica

Segunda Parte
Economia internacional, globalização
6. Mudanças na economia mundial: perspectiva histórica de longo prazo
7. Debate sobre a globalização no Brasil: muita transpiração, pouca inspiração
8. Interessa ao Brasil uma taxa sobre os movimentos de capitais?
9. A distribuição mundial de renda: caminhando para a convergência?
10. Contra a antiglobalização
11. Perguntas impertinentes a um amigo antiglobalizador
12. Fórum Social Mundial: nove objetivos gerais e alguns grandes equívocos
13. Fórum Surreal Mundial: Pequena visita aos desvarios dos antiglobalizadores
14. O Brasil e o G20 financeiro: alguns elementos analíticos
15. A longa marcha da OMC: das origens aos impasses atuais

Terceira Parte
Regionalismo, Integração
16. Mercosul e Alca na perspectiva brasileira: alternativas excludentes? 
17. O Mercosul não é para principiantes: sete teses na linha do bom senso
18. Problemas da integração na América do Sul: a trajetória do Mercosul
19. Acordos regionais e sistema multilateral de comércio: a América Latina
20. Contexto geopolítico da América do Sul: visão estratégica da integração
21. Mercosul: uma revisão histórica e uma visão de futuro
22. Regional integration in Latin America: an historical essay

Quarta Parte
Política internacional, Questões estratégicas
23. Camaradas, agora é oficial: acabou o socialismo
24. A China e seus interesses nacionais: reflexões histórico-sociológicas
25. Teses sobre o novo império e o cenário político-estratégico mundial
26. O legado de Henry Kissinger
27. Pequena lição de Realpolitik
28. Estratégia Nacional de Defesa (END): comentários dissidentes
29. A Arte de NÃO Fazer a Guerra: novos comentários à END

Quinta Parte
Ideias, cultura, problemas
30. Fim da História, de Fukuyama, vinte anos depois: o que ficou?
31. Um Tocqueville avant la lettre: Hipólito da Costa como founding father do americanismo
32. Reflexões a propósito do centenário do Barão
33. Uma frase (in)feliz? O que é bom para os EUA é bom para o Brasil? 
34. O IBRI e a RBPI: contribuição intelectual, de 1954 a 2014


Apêndices
Relação cronológica dos ensaios publicados no boletim Meridiano 47
Livros publicados pelo autor
Nota sobre o autor 


Detalhes do produto

  • Tamanho do arquivo: 1499 KB
  • Número de páginas: 556 páginas
  • Quantidade de dispositivos em que é possível ler este eBook ao mesmo tempo: Ilimitado
  • Editora: Edição de autor; Edição: 2 (20 de dezembro de 2019)
  • Data da publicação: 20 de dezembro de 2019
  • Vendido por: Amazon Digital Services LLC
  • Idioma: Portuguese
  • ASIN: B082Z756JH
  • Dicas de vocabulário: Não habilitado
  • Empréstimo: Habilitado
  • Configuração de fonte: Não habilitado 

Apresentação
Freakdiplomacy, or the advantages of being an accidental diplomat



Quando eu estava terminando de montar – esta é a palavra exata – este livro de ensaios publicados no boletim Meridiano 47 fui presenteado com o livro Freakonomics, o livro de um “rogue economist”, Steven D. Levitt, um desses pequenos gênios de Harvard e do MIT, e de um jornalista, Stephen J. Dubner, que estava pesquisando sobre a psicologia da moeda para o The New York Times Magazine. Do entendimento entre os dois nasceu esse livro, que eu já conhecia de ler aos pedaços em livrarias, de dezenas de resenhas e referências elogiosas publicadas em dezenas de outras publicações digitais ou impressas, e de um ou outro artigo da dupla reproduzido nos espaços virtuais que todos frequentamos atualmente.
Apressado para terminar a assemblagem dos mais interessantes artigos que eu  havia publicado, desde 2001, no mais dinâmico boletim de relações internacionais já inventado na academia brasileira, quase não pego o livro para, por uma vez, lê-lo atentamente. Bem, ainda não terminei de devorar esse pequeno volume de ensaios bizarros – oportunamente complementado por um novo, SuperFreakonomics, tratando dos mesmos assuntos pouco convencionais na economia e no jornalismo – mas já cheguei à conclusão que eu e os autores dos dois volumes (e outros virão) de economia contrarianista temos muito em comum: a coincidência se resume basicamente no fato de sermos, eu e a dupla Freak, contestadores das verdades reveladas, daquilo que os franceses chamam de idées reçues, ou seja, o pensamento banal, aceito como correto nos mais diferentes meios em que essas ideias se aplicam (mas geralmente de forma equivocada). 
E por que digo isto, ao iniciar a introdução de um livro de “ideias já recebidas”, ou pelo menos de ensaios já publicados? É porque eu já fui chamado, certa vez, de accident prone diplomat, ou seja, alguém que busca confusão, o barulho, no meu caso, de fato, mais a provocação do que a contestação gratuita. Com efeito, eu não consigo me convencer com certas idées reçues nos meios que frequento, e estou sempre à busca de seus fundamentos, justificações, provas empíricas, testemunhos de sua adequação e funcionamento no ambiente em que deveriam operar, em condições normais de pressão e temperatura, enfim, o entendimento convencional de como é ou de como deve funcionar a diplomacia, em especial, a nossa, esta sempre tida por excelente e que, aparentemente, não improvisa. Talvez devesse fazê-lo, em certas ocasiões...
Na verdade, antes de ser um accident prone diplomat, se isto é correto (o que duvido), creio ser um diplomata acidental, alguém que se dava bem na academia, tangenciando as áreas dos dois autores de Freakonomics, e que resolveu, num repente, ser diplomata. Posso até recomendar a profissão, aos que gostam de inteligência, de cultura, de viagens, de debates sobre como consertar este nosso mundo tão sofrido, aos que são nômades por natureza (como é o meu caso e mais ainda o de Carmen Lícia), menos talvez aos que apreciam pouco um ambiente meio Vaticano meio Forças Armadas. Com efeito, hierarquia e disciplina são os dois princípios que estão sempre sendo lembrados aos jovens diplomatas como sendo a base de funcionamento dessa Casa aparentemente tão austera, tão correta, tão eficiente no tratamento das mais diversas questões da nossa diplomacia.
Atenção, eu disse diplomacia, que é uma técnica, e não política externa, que pode ser qualquer uma que seja posta em marcha pelas forças políticas temporariamente dominantes no espectro eleitoral do país. Política externa pertence a um governo, a um partido; a diplomacia pertence a um Estado, que possui instituições permanentes, entre elas essa que aplica a política externa de um governo por meio da diplomacia. E por que então o título Freakdiplomacy que inaugura este prefácio? Não preciso responder agora, e provavelmente nem depois, mas a resposta talvez esteja em cada um dos ensaios reunidos nesta coletânea de artigos publicados desde 2001 no boletim Meridiano 47. Ninguém há de recusar o fato de que, desde 2003 pelo menos, o Brasil vive tempos não convencionais, nos quais assistimos coisas nunca antes vistas na diplomacia, que por acaso é o título de meu livro mais recente. 
Pois bem, reunindo tudo o que eu escrevi nos parágrafos anteriores – diplomata acidental, hierarquia, disciplina, ideias de senso comum, etc. – e juntando tais conceitos aos ensaios aqui compilados, vocês terão uma explicação para o sentido geral de minha obra, anárquica, dispersa, contestadora, por vezes contrarianista, mas explorando, como os dois autores de Freakonomicsthe hidden side of everything, ou, neste caso, o lado menos convencional da diplomacia, aquele que explora certas verdades reveladas e ousa apresentar outras ideias que não necessariamente fazem parte do discurso oficial. Esta talvez seja a razão de eu também apreciar, muitíssimo, uma seção da revista Foreign Policy, desde a sua reorganização por Moisés Naím, que se chama “Think Again”, ou seja, reconsidere, ou pense duas vezes, pois a resposta, ou a explicação pode não estar do lado que você costuma encontrar, mas que talvez esteja escondida em alguma dobra da realidade, por uma dessas surpresas do raciocínio lógico, por alguma astúcia da razão ou por algum outro motivo que se encontra enterrado, e quase esquecido, na história.
A vantagem de ser um diplomata acidental está justamente no fato de poder perseguir, nem sempre impunemente, o outro lado das coisas, e de poder contestar algumas dessas idées reçues que passam por certezas consagradas, ou pela única postura possível no funcionamento convencional da grande burocracia vaticana, que também leva jeito de quartel (mas acordando um pouco mais tarde). Durante todos estes anos em que venho colaborando com o boletim Meridiano 47, e desde algum tempo com seu irmão mais novo, digital, Mundorama, tenho podido exercer meu lado irreverente e pouco convencional para tratar de aspectos muito pouco convencionais de nossa Freakdiplomacy nestes anos do nunca antes (et pour cause).
Atenção: estes ensaios não brotaram, originalmente, de trabalhos de pesquisa, ou daquilo que se chama, usualmente, de scholarly work, isto é, o material resultante de estudos meticulosos, ou objeto de revisão cega por pares, que está mais propriamente coletado em meus livros publicados. Eles são, eu diria, peças de simples divertimento intelectual, ainda que vários deles contenham aparato referencial (notas de rodapé, bibliografia, citações doutas, etc.) e também sejam o reflexo de muitas leituras sérias e anotadas ao longo de meus anos de estudo e trabalho. Mas, destinados a um veículo mais leve, e não a uma revista científica, eles constituem reflexões de um momento, de um problema, de algum freak-event que valia a pena registrar em um artigo mais curto.
Devo a existência de mais este livro de coletânea de meus próprios textos a meu amigo, colega acadêmico e grande editor de publicações leves e mais pesadas, o professor Antonio Carlos Lessa, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, a quem aprendi a admirar desde nossos primeiros passos conjuntos na reorganização da Revista Brasileira de Política Internacional, recuperada por mim de uma morte certeira, quando do falecimento de seu editor no Rio de Janeiro, Cleantho de Paiva Leite, no final de 1992. O professor Lessa foi o animador constante, e mais ativo, de diversas outras publicações que marcaram, e ainda marcam sua trajetória na UnB, algumas desaparecidas, em forma impressa ou digital, como foi o caso de Relnet, por exemplo (onde foram publicados alguns destes ensaios em sua primeira encarnação), outras resistentes e persistentes, como a própria RBPI e este boletim Meridiano 47, justamente. Sem o professor Lessa, o boletim não existiria, e sem o seu trabalho incansável não teríamos tantos e tão bons produtos saindo das fornalhas do IBRI e do IRel-UnB. A ele dedico, portanto, esta compilação seletiva, com meus agradecimentos renovados pelo seu esforço e sua pertinácia nos empreendimentos.
Todos estes meus ensaios, na forma em que foram publicados, estão em princípio disponíveis nos arquivos digitais do boletim Meridiano 47. O que vai aqui compilado foi retirado de meus próprios arquivos, em processador usual de texto, para contornar os problemas de formatação de texto em suporte digital, mas corresponde, em princípio, ao que foi publicado. Nem tudo o que publiquei vai aqui reproduzido, em ordem não cronológica, mas organizada por grandes categorias de estudo. Ficaram de fora diversos artigos circunstanciais, todas as resenhas de livros – já coletadas em outras publicações digitais que organizei – e alguns textos de menor importância. Todos aqueles efetivamente publicados (salvo distração minha) estão ordenados cronologicamente no apêndice ao final do volume, onde também figuram os respectivos links para revisão dos mais desconfiados ou curiosos. Também tenho colaborado, agora como colunista não pago, de outra iniciativa do Prof. Antonio Carlos Lessa, Mundorama, um veículo ainda mais leve que Meridiano 47, e que libera eventualmente material para posterior publicação neste último (como ocorreu com alguns destes meus ensaios). 
O lado “freak”, ou divertido, de ser um diplomata acidental está justamente na possibilidade de poder escrever livremente sobre assuntos sérios e menos sérios, com a liberdade editorial que só existe nos veículos leves, sem precisar cumprir todo o ritual chato dos requisitos acadêmicos ligados às revistas “sérias” – como a RBPI, por exemplo, com a qual também colaboro, de diversas maneiras – e sem precisar atentar para a langue de bois normalmente associada às publicações oficiais, onde o lado vaticano inevitavelmente predomina. Foi nestes ensaios que eu explorei o lado meio escondido de certas verdades reveladas do meio profissional, uma atividade que sempre me deu imenso prazer por combinar com meu jeito contrarianista de ser. 
Dito isto, preciso voltar a coisas mais sérias, como o segundo volume de minha história das relações econômicas internacionais do Brasil, que me espera desde vários anos a partir da conclusão do primeiro volume (Formação da Diplomacia Econômica no Brasil). Assim que terminar, vou voltar a me divertir, nas páginas de Meridiano 47, nos arquivos digitais de Mundorama, ou nos meus próprios veículos de divulgação.
Vale!
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 16 de abril de 2015

Nota em 21/12/2019: Agreguei dois novos artigos publicados em Meridiano 47 em etapas posteriores, o primeiro, “A longa marcha da OMC: das origens aos impasses atuais”, sobre o congelamento da Rodada Doha; o segundo, “Regional integration in Latin America: an historical essay”, uma síntese sobre a integração e o Mercosul para um público estrangeiro.