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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 15 de junho de 2021

A economia política das relações econômicas internacionais do Brasil: paradigmas e realidades, de Bretton Woods à atualidade - Paulo Roberto de Almeida

A economia política das relações econômicas internacionais do Brasil:

paradigmas e realidades, de Bretton Woods à atualidade

 

Paulo Roberto de Almeida

Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag-MRE

Professor de Economia Política Internacional nos programas de

Mestrado e Doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub)

(www.pralmeida.orgpralmeida@me.comhttp://diplomatizzando.blogspot.com)

 


Resumo: 

O ensaio segue as grandes etapas do desenvolvimento brasileiro, no contexto internacional, desde Bretton Woods até a atualidade, com a identificação de eventuais paradigmas oferecidos pelos estudiosos da história econômica, mas confrontando-os às realidades das relações econômicas internacionais durante esse longo período de três gerações. A política econômica externa do Brasil foi a de uma inserção satisfatória nas instituições multilaterais mais atuantes durante todo o período, mas de pequena capacidade decisória para reorientar as prescrições dessas entidades num sentido desejado pelo Brasil, que optou por modelos alternativos de políticas econômicas, todas elas caracterizadas por introversão nos mecanismos de crescimento, ainda que admitindo esquemas parciais de integração regional. 

A abertura limitada decidida no final do século 20 não teve seguimento na década seguinte, pois tivemos políticas econômicas que reproduziram as tentativas do regime militar de crescer apoiado no mercado interno e na forte proteção concedida aos agentes econômicos nacionais ou associados ao Estado. A atual fase de ajuste econômico vai abrir nova janela para a abertura econômica e liberalização comercial, à condição que importantes reformas estruturais sejam empreendidas para contornar os graves obstáculos atuais a um modelo sustentado e sustentável de crescimento econômico, mais dinâmico do que o registrado nas últimas três décadas.

 

Sumário:

1. Visão geral do relações econômicas internacionais do Brasil, 1944-2016

2. Dependência sem admissão: de meados dos anos 1950 à ruptura de 1964

3. A recomposição da ordem econômica e a nova inserção internacional

4. O Brasil no contexto econômico do grande crescimento mundial pré-1973

5. A desordem monetária internacional e o desequilíbrio financeiro pós-1973

6. A crise da dívida externa, em 1982, e a descida para o abismo

7. O Brasil ingressa numa longa fase de lento crescimento

8. Um país totalmente preparado para não crescer



Texto na íntegra no seguinte link: 

https://www.academia.edu/33282380/The_political_economy_of_international_economic_relations_of_Brazil_1944_2016 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Brasil: relações econômicas internacionais: a era colonial (1994) - Paulo Roberto de Almeida

 BRASIL: RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS: 

A ERA COLONIAL 

Paulo Roberto de Almeida

Paris, 15 novembro 1994

 

Cronologia comentada de eventos, processos e negociações relativas às relações econômicas internacionais do Brasil, com impacto no seu  desenvolvimento, nas relações exteriores do País e na sua diplomacia econômica.

 

ETAPA COLONIAL

Primórdios

1415: Tem início pela tomada de Ceuta, sob D. João I e por iniciativa de D. Henrique, o ciclo das descobertas portuguesas, aventura oceânica que visava incorporar terras e mercados às atividades da precoce monarquia mercantil.

1441/1444: primeiros cativos, mouros, depois negros, ingressam em Portugal; D. Henrique retém o quinto sobre a primeira frota negreira (244 escravos) que ingressam em Portugal.

1454: Bula Romanus Pontifex, do Papa Nicolau V, concede perpetuamente ao Rei D. Afonso V, o Africano, e ao Infante D. Henrique, a “conquista que vai desde o cabo Bojador... passando por toda a Guiné... para a plaga meridional”, vedando a qualquer pessoa levar mercadorias a tais terras sem licença daquelas autoridades, sob pena de excomunhão.

1469: D. Afonso concede a Fernão Gomes, em contrato quinquenal, o monopólio do tráfico e do comércio da Guiné, mediante contribuição anual; o contrato é tão proveitoso que, em 1475, a Coroa restabelece seu império. 

1481: Lisboa se torna porto de entrada obrigatória das peças da África, para cobrança do imposto (ou sisa), rivalizando com Sevilha.

1492: Cristóvão Colombo, pensando encontrar o caminho das Índias, descobre novo continente.

1494: Tratado de Tordesilhas, Capitulação da Partição do Mar Oceano, dividindo o mundo entre Portugal e Espanha. O Tratado possui um grande impacto econômico, ao consolidar o princípio do monopólio comercial pelos Estados respectivos sobre suas áreas de influência: ele legaliza o exclusivismo português sobre o tráfico de escravos africanos e, desde 1502, Portugal passa a abastecer Sevilha e esta fornecia negros à América espanhola.

1498: Caminho marítimo para a Índia, contornando a África, realizado por Vasco da Gama.

1500: Pedro Álvares Cabral parte com a finalidade de estabelecer comércio regular com a Índia; no caminho assegura a posse da terra que viria a ser o Brasil. Pero Vaz de Caminha escreve ao Rei que “... até agora não podemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal ou ferro. Contudo, a terra em si é de muito bons ares... Águas são muitas, infinitas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por causa das águas que tem”.

1501: Primeira expedição exploradora ao Brasil (“Não encontramos nada de proveito, salvo infinitas árvores de pau-brasil”, segundo carta de Américo Vespúcio); na verdade, é na índia onde se concentram os esforços dos portugueses: entre 1497 e 1527, 320 navios portugueses, transportando um total de 80 mil pessoas, civis e militares, seguiram para a Índia.

1502/?: Os serviços obrigatórios impostos aos contratantes do Rei consistiam em enviar anualmente 6 navios ao Brasil, explorar 300 léguas de terra e levantar, e manter por 3 anos, uma fortaleza. 

1506: Relazione de agente veneziano em Lisboa dá conta que “de há três anos para cá foi descoberta Terra Nova da qual se traz cada ano 20 mil quintais de verzino (brasil), o qual vale 2 1/2 ducados o quintal, o qual pau-brasil foi concedido a Fernando de Loronha, cristão-novo, durante 10 anos, por este Sereníssimo Rei, por 4 mil ducados ao ano...”

1516: Intensificando-se as expedições de franceses ao Brasil (Gonneville já em 1504), alvará do Rei ordena a doação de machados, enxadas e mais ferramentas “às pessoas que fossem a povoar o Brasil”; outro ordena que “elegessem um homem prático e capaz de ir ao Brasil dar princípio a um engenho de açúcar”.

1526: Expedição guarda-costas de Cristóvão Jacques. A alfândega de Lisboa já registra o pagamento de direitos sobre partida de açúcar de Pernambuco e Itamaracá.

1530: Expedição colonizadora de Martim Afonso de Sousa; seu irmão, Pero Lopes, toma o fortim erguido pelos franceses em Pernambuco.

1531/32: D. João III institui o Governo-Geral para o Brasil, decide a concessão de capitanias hereditárias e pede à Santa Sé o estabelecimento da Inquisição em Portugal. Os donatários de capitanias tinham o monopólio das drogas e especiarias, podiam doar sesmarias, cunhar moedas e participar dos privilégios fiscais da Coroa (arrecadação do quinto dos metais preciosos e do dízimo dos demais produtos, vintena do pau-brasil, meia dízima do pescado etc.). Com as capitanias e sesmarias, o latifúndio surge como a base da colonização e do poder social.

1540: O monopólio sobre o comércio de escravos (Lisboa controlava 10 a 12 mil cabeças por ano) torna-se uma das atividades mais rendosas da Coroa. França, Inglaterra e Holanda se lançam no comércio escravagista.

 

Era Colonial

1548: D. João III institui o Governo-Geral do Brasil, nomeando Tomé de Sousa. O novo regimento corrige o sistema descentralizado das capitanias e a exploração dos recursos naturais da terra: se passava a controlar os embarques de mercadorias e a arrecadação dos tributos reais; se concede isenções fiscais para instalar engenhos de açúcar. O provedor-mor da Fazenda ordena dotar todas as alfândegas de um livro de receitas e despesas.

1549: Fundada a cidade de S. Salvador, que se torna a capital do governo-geral.

1570: O cronista Pero de Magalhães Gandavo se refere a 18 engenhos na Bahia, de um total de 60 no Brasil, de S. Vicente a Itamaracá, produzindo 70 mil arrobas anuais. Dez anos depois, o número de engenhos dobrara, segundo Gabriel Soares de Sousa (Tratado Descritivo do Brasil em 1587), produzindo 466 mil arrobas anuais. No final do século, a produção poderia ultrapassar 2 milhões de arrobas, ocupando 3/4 dos 20 mil escravos existentes na colônia. Os mercadores flamengos já se tinham tornado grandes comerciantes do produto: refinavam-no na Flândria e distribuíam-no pela Europa.

1580/1640: União Ibérica, sob Felipe II. O Estado do Brasil permanece colônia de Portugal. Notável expansão luso-brasileira em terras antes castelhanas (no Sul e na Amazônia), mas o Brasil passa a sofrer os ataques dos inimigos da Espanha. Surge o sentimento de brasilidade. Desenvolve-se o comércio com as possessões espanholas na América do Sul.

1604: Criado o Conselho da Índia, exclusivamente para as colônias portuguesas, que na Restauração torna-se Conselho Ultramarino, órgão principal de administração colonial.

1605: Editado o Regimento do Pau-Brasil, defendendo o monopólio real e mantendo o sistema de arrendamento. Durante a ocupação holandesa, o pau-de-pernambuco constitui, desde 1637, monopólio da Companhia de Comércio das Índias. Apenas em 1859, em pleno Império, seria extinto o monopólio estatal sobre a exploração do pau-brasil.

1612: Tentativa de ocupação francesa no Maranhão: fundação de S. Luís. A reconquista por capitães-mores portugueses possibilita a ocupação efetiva do Norte. Mais tarde, o Maranhão passa a ser administrado separadamente do Estado do Brasil.

1624/1630: Invasões holandesas, estimuladas pela produção de açúcar. Moerbeeck havia escrito pouco antes o opúsculo Motivos por que a Cia. das Índias Ocidentais deve tentar tirar ao rei da Espanha a terra do Brasil. Os holandeses chegam a conquistar Angola para garantir o abastecimento regular de escravos às plantações nordestinas.

1630: Os Estados Gerais da Holanda decretam a liberdade de comércio no Brasil, mas a Companhia das Índias se reserva o monopólio do pau-brasil e o do transporte de mercadorias. A Companhia se beneficiava também do apresamento de navios luso-espanhóis carregados de açúcar e de pau-brasil.

1637/1644: Nassau inaugura um período de progressos econômicos e sociais, com base no aumento da arrecadação. Poder político é transferido dos proprietários de terras aos comerciantes urbanos, com forte predominância de holandeses e judeus. Sem lograr a vinda de imigrantes europeus, recorreu ao tráfico negreiro: a Companhia se apossa de empórios de embarque na África. Alto valor dos escravos (200 a 300 florins), aos quais se busca dar uma educação profissional.

1641: O Capitão-do-porto (Havenmeester) do Recife faz desse ancoradouro o mais organizado da América do Sul. 

1642: Para escapar da dominação espanhola, Portugal começa uma relação especial com a Inglaterra, tornando-se pouco a pouco um vassalo comercial dos britânicos, situação agravada no século XVIII com o Tratado de Methuen. Os britânicos obtêm foro especial (juiz privado). Em troca de concessões econômicas, Portugal recebia garantias militares. Novas vantagens comerciais concedidas em 1654, na época de Cromwell: abertura do comércio do Brasil aos britânicos.

1654: Expulsos definitivamente do Brasil, os holandeses, dominando perfeitamente a técnica da industrialização do açúcar, passam a colaborar com os colonos das Antilhas franco-inglesas, levando capitais e assistência técnica à região. Os preços do açúcar caem e começa a decadência econômica da região nordeste do Brasil. A economia açucareira nordestina sobrevive na depressão e se recuperaria de forma intermitente, em função do comportamento do mercado externo.

1649: Criação da Companhia Geral do Comércio do Brasil, numa conjuntura de dificuldades econômicas para Portugal. Ela passa a ter o monopólio, do Rio Grande do Norte a S. Vicente, do comércio de pau-brasil e do fornecimento de farinha de trigo, bacalhau, vinho e azeite, com preços preestabelecidos: podia construir navios em Portugal, no Brasil ou em países amigos; importava para o reino, recebendo frete e seguro marítimo, açúcar, fumo, couros, algodão etc. Para defender seu monopólio, ficava proibida a fabricação no Brasil de vinho e restrito o uso não-comercial da aguardente aos negros nos engenhos. Usuários fazem reclamações contra os abusos e especulações de seus agentes.

1659: É suspenso o monopólio dos gêneros portugueses, mas a Companhia aumenta as taxas de comboio e seguro. A Companhia se extingue gradualmente e acaba transformando-se num tribunal de comércio no governo de D. João V (1720).

1661: Portugal, para consolidar a Restauração, embarca em política de alianças e tratados. Com a Holanda, em troca do reconhecimento da reconquista do Brasil, se prevê o pagamento de 4 milhões de cruzados (metade a ser paga pelo Brasil) e o reconhecimento do domínio flamengo no Ceilão, Malaca e Molucas. Acordo secreto concluído com a Grã-Bretanha obrigava esta a defender os domínios portugueses contra quaisquer inimigos. As concessões feitas no século XVII permitiram que Portugal retivesse, no século seguinte (o do ouro), a colônia mais lucrativa do mundo na época, o Brasil. Entretanto, a doutrina do mare liberum sobre o mare clausum, do mar livre ao comércio sobre o mar fechado ao monopólio, começa a se impor como noção de direito.

1679-80: Criação da nova Colônia do Sacramento, no Prata.

1682: Criada a Companhia do Comércio do Estado do Maranhão, recebendo monopólio por 20 anos para introduzir 10 mil negros (500 por ano), bem como todos os gêneros necessários ao consumo. Devia fomentar a cultura da baunilha, cacau e cravo e podia utilizar o trabalho de indígenas administrados. Abusos e fraudes resultam na “revolta de Beckman”, em 1684. O rei Pedro II decide extinguir o monopólio.

1694: Criação da Casa da Moeda da Bahia, para contornar a falta de moeda na província. Transferida para o Rio de Janeiro em 1698, ela é mudada para Recife em 1700 e de novo transferida para o Rio em 1702.

1698-1750: Estabelecimento progressivo do regime absolutista em Portugal, com repercussões econômicas na colônia, geralmente de efeito tributário e de regulamentação (proibitiva) de atividades e ofícios (proibição de produzir sal, aguardente, taxação da produção local etc.).

1700: Começa o ciclo do ouro no Brasil. Em 1711 é publicada em Lisboa (e logo apreendida) a obra Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas, do jesuíta italiano Andreoni, conhecido como André João Antonil. A expansão da exploração mineira e da criação animal integra o sertão aos domínios portugueses: o couro, depois do açúcar, do ouro e do tabaco, passa a figurar entre os principais artigos de exportação do Brasil. Sentimento nativista se expande no Brasil, com lutas entre paulistas e “emboabas” (reinóis).

1703: Pelo Tratado de Methuen, Portugal se obriga a admitir, para sempre, os tecidos britânicos, e a Inglaterra, também para sempre, os vinhos portugueses, mediante o pagamento de 2/3 dos direitos incidentes sobre os vinhos franceses. A Inglaterra podia, a qualquer momento, suprimir a preferência dada aos vinhos lusos, pela simples modificação da tributação diferencial, mas Portugal não dispunha da mesma faculdade.

1707-1711: Confisco, pelos tribunais do Estado português e do Santo Ofício, de bens e propriedades dos cristãos-novos no Brasil, com a finalidade de angariar recursos para o reinado de D. João V.

1713: Pelos tratados de Utrecht (depois da invasão do Rio de Janeiro por Duguay-Trouin), a França reconhece o domínio português do Amazonas ao Oiapoque e Portugal devolve Colônia do Sacramento aos espanhóis.

1713: Criação da capitania de S. Paulo e Minas do Ouro, para consolidar a administração régia na zona aurífera: estabelecidos diversos sistemas de arrecadação de impostos sobre o ouro, entre eles o dos quintos, depois combinado às derramas (1725-1735) e a proibição do ofício de ourives (1730) e finalmente a capitação (1735-1751), isto é, incidência de imposto sobre cada indivíduo, mineiros ou não, livres ou escravos. Os sistemas de controle da produção diamantífera variaram da livre extração (até 1733), ao monopólio de Estado (de 1734 a 1739) e o regime de contratos (até 1771). A corrida ao diamante supera a do ouro: 40 mil pessoas afluem ao Distrito Diamantino.

1720: Os governadores nomeados por Portugal passam a ostentar o título de vice-reis, sem que o Estado se tornasse um vice-reinado. O centralismo absolutista de D. João V começa a extinguir as capitanias hereditárias.

1748: Santa Catarina transforma-se em comarca vizinha à de Paranaguá e começa a receber imigrantes açorianos.

1750: Tratado de Madri, enterrando a linha de Tordesilhas e ratificando as conquistas das entradas e bandeiras: ponto alto da diplomacia portuguesa (e do brasileiro Alexandre de Gusmão), o tratado legitima juridicamente a ocupação econômica, administrativa e militar do Oeste brasileiro. Portugal ganha os Sete Povos das Missões, mas a Espanha recupera definitivamente Colônia do Sacramento.

1750-1777: Administração Pombal tenta modernizar Portugal e estimular indústrias, no Reino e no Brasil; consegue melhorar o aparelho fiscal, mas seu período coincide com a crise no Brasil, motivada pela queda na produção de ouro. Promove a criação de várias companhias de comércio: a da Ásia (1753), do Grão-Pará e Maranhão (1755), da Pesca da Baleia (1756) e de Pernambuco e Paraíba (1759). Em 1759, proíbe e expulsa dos domínios portugueses os religiosos da Companhia de Jesus.

1752: Pombal, o “Colbert” português, promulga lei proibindo exportações de ouro e prata para conter o desvio das riquezas brasileiras para a Inglaterra: a lei deixa progressivamente de ser aplicada em virtude da dependência estratégica de Portugal em relação à Grã-Bretanha. Cresce consideravelmente no período a pressão fiscal sobre o Brasil, que foi compelido a conceder um donativo voluntário para reconstruir Lisboa, destruída por terremoto em 1755. Os contratos dos diamantes, pesca da baleia e tabaco passaram a rendimentos da Coroa.

1761: Tratado de El Pardo revoga o de Madri, que tinha permanecido inaplicado por falta das demarcações previstas.

1763: A sede do vice-reino instala-se no Rio de Janeiro. Todas as capitanias do Estado do Brasil (exceto a de S. Vicente, que sobrevive até 1791) são colocadas sob a administração real e, em 1777, o Estado do Grão-Pará e Maranhão é unificado ao do Brasil. A regulamentação das partidas das frotas do Brasil é abolida em 1765, quando se estabelece a liberdade de comércio entre o Reino e o Ultramar. A construção naval recebe estímulos e se edifica o Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro.

1760-1808: Portugal encontrava-se na dependência econômica do Brasil, que exportava ouro, diamantes, açúcar, tabaco e pau-brasil e importava escravos e manufaturas grosseiras. A produção e a exportação do Brasil passam por períodos depressivos, as companhias de comércio dão prejuízo e o imposto de entrada de escravos declina, com a baixa concomitante da produção aurífera. Tanto no Brasil como em Portugal, o cenário é de atrasos nos soldos e aumento das dívidas. Os cargos públicos começam a ser licitados através de leilão (o de secretário-geral do Brasil foi arrematado por 44 contos).

1777: O comércio internacional português apresentava um déficit de 1.493 contos, com importações de 6.397 e exportações de 4.904 contos; desse total, a contribuição dos produtos brasileiros, excluídos ouro e diamantes, representava 2.715 contos (açúcar, branco e mascavo, mais de 800 contos; couros, tabacos, cacau, drogas e especiarias diversas, arroz, azeite de peixe etc.; o café representava então apenas 2 contos). O Brasil aumenta progressivamente suas exportações e o porto do Rio de Janeiro torna-se o mais importante do país.

1777-1792: Administração de D. Maria I extingue as companhias de comércio do Grão-Pará e Maranhão (1778) e de Pernambuco e Paraíba (1780); tenta corrigir o déficit comercial com a Inglaterra. Reverte os processos de laicização do Estado e de retirada de privilégios da nobreza, empreendidos por Pombal. Organização de missões científicas: Viagem filosófica ao Brasil, de Alexandre Rodrigues Ferreira (1783); viagem de José Bonifácio pela Europa, para aprofundar-se em ciências naturais.

1777: Tratado de Santo Ildefonso fixa os limites do Brasil segundo o princípio do uti possidetis, mantendo aproximadamente os limites do Tratado de Madri e estabelecendo a paz entre Portugal e Espanha. Em 1783 Portugal reconhece a independência dos Estados Unidos.

1785: Alvará de D. Maria I, endereçado ao vice-rei do Estado do Brasil, proíbe todas as indústrias no país (ouro, prata, linho, seda, lã e algodão), exceto o fabrico de pano grosso; a medida vigorou até ser revogada em 1808. Ao mesmo tempo, são estimuladas diversas indústrias em Portugal.

1789: A Conjuração Mineira, projeto separatista nascido da pressão policial e econômica (exação fiscal) nas regiões mineiras decadentes, será reprimido severamente pelas autoridades portuguesas e seu líder, Tiradentes, é executado em 1792. O sistema de impostos onerava os bens essenciais e favorecia os supérfluos.

1792: D. João, em vista da demência de sua mãe, assume o governo do Reino e, em 1799, torna-se Príncipe Regente de Portugal. 

1802/1807: No conflito entre Napoleão e os ingleses, a “vassalagem” política e militar de Portugal em relação à Inglaterra se faz cada vez mais presente, enquanto sua vida econômica passa a depender, cada vez mais estreitamente, da produção brasileira de ouro e da redistribuição de açúcar, café e algodão da colônia. 

1807/1808: A política de bloqueio continental e o jogo de pressões militares por parte de Bonaparte não deixam a Portugal muita escolha: partida da família real portuguesa e de toda a Administração para o Brasil.

1808: Por sugestão de José da Silva Lisboa, o futuro Visconde de Cairu, D. João expede Carta Régia, em 8 de janeiro, em Salvador, determinando a abertura dos portos brasileiros ao comércio com as nações amigas. A medida, que praticamente terminava com o monopólio (à exceção do pau-brasil e alguns outros gêneros), beneficiava sobretudo os comerciantes ingleses, protegidos pela Royal Navy. Ainda de Salvador, foi criada a Companhia de Seguros (para o comércio marítimo), autorizadas fábricas diversas (entre elas, de vidros, siderúrgica e moinhos de trigo) e criada a cadeira de Economia Política, para a qual foi nomeado José da Silva Lisboa (à razão de 400 mil réis por ano).

1808: Declaração de guerra à França e tomada da Guiana, que seria devolvida em 1817.

1808: No Rio de Janeiro, Alvará de 1° de abril determina a liberdade de indústria no Brasil e domínios ultramarinos. Alvará de 12 de outubro constitui o Banco do Brasil, com capital de 1.200:000$000. Diversas outras medidas organizam as finanças e as atividades econômicas, entre elas a cobrança de direitos alfandegários sobre molhados importados de Portugal e a isenção dos mesmos direitos sobre mercadorias estrangeiras procedentes de Lisboa e Porto que já houvessem recolhido impostos nesses portos; a proibição da circulação de ouro em pó como dinheiro e determinação da circulação de moedas de ouro, prata e cobre em todas as capitanias. Em 28 de abril, ficam isentos de direitos todas as matérias-primas destinadas a manufaturas, bem como a entrada ou saída de tecidos fabricados no Brasil.

1810: Tratados comerciais estabelecem relações privilegiadas com a Inglaterra. Começam, igualmente, novas correntes de comércio entre o Brasil e seus parceiros do continente, sobretudo os Estados Unidos.

1810/1811: Novas medidas buscam estimular a indústria local (isenção de direitos sobre fios e tecidos de algodão, seda ou lã fabricados no Brasil) ou o comércio (permissão de comércio direto, com isenção de tributos, de Macau para o Brasil). Criação dos Arsenais, fábricas e fundições do Rio de Janeiro, de indústria de lapidação de diamantes, fundação de laboratório químico.

1815: Elevação do estatuto do Estado do Brasil à condição de Reino, unido ao de Portugal e dos Algarves, o que, do ponto de vista jurídico, encerra o período colonial: as capitanias passam a ser chamadas de províncias. Na verdade, a medida se destinava a seguir recomendação do Congresso de Viena, que reestruturou a ordem européia no seguimento da queda de Napoleão. Dentre os diversos atos ali aprovados estavam a proibição do tráfico de escravos e a livre navegação dos rios internacionais.

1816/1817: Com a morte de D. Maria I, o Príncipe Regente torna-se Rei D. João VI. Decreto de 29 de julho torna a navegação de cabotagem exclusivamente nacional. Estabelecimento de colônia suíça no território fluminense e medidas de fomento à colonização. Concessão de sesmarias.

1817: A estrutura fiscal era complicada pela existência de tributos de natureza diversa, de incidência local (selos, foros de patentes, taxas do sal) ou geral: subsídio real sobre carnes e couros; taxa suntuária sobre lojas e armazéns; taxa sobre engenhos; sisa (10%) sobre imóveis; meia-sisa sobre escravos urbanos etc.

1820: A revolução liberal no Porto, com a convocação das Cortes constituintes e a transformação da monarquia absoluta em constitucional obrigam o Rei a voltar a Portugal.

1821: D. João parte em abril. Deputados brasileiros são eleitos às Cortes. D. Pedro torna-se regente do Brasil. Cortes tentam reverter a autonomia do Brasil.

1821/1822: D. Pedro começa a governar em meio à crise administrativa e fiscal: em julho o Banco do Brasil suspende seus pagamentos. Às vésperas da independência, decreto regencial impedia a saída de qualquer espécie de moeda do Brasil.

 

Fonte: Hélio de Alcântara Avellar: História Administrativa e Econômica do Brasil

         (2a. ed., Rio de Janeiro, FENAME, 1976)

[Paris, 461: 15/11/1994]

 

461. “Relações econômicas internacionais do Brasil: Etapa Colonial”, Paris, 15 novembro 1994, 8 pp. Cronologia comentada de eventos, processos e negociações relativas às relações econômicas internacionais do Brasil, com impacto no seu  desenvolvimento, nas relações exteriores do País e na sua diplomacia econômica. Versão provisória, elaborada com base em Hélio de Alcântara Avellar: História Administrativa e Econômica do Brasil (2a. ed., Rio de Janeiro: FENAME, 1976); a ser reescrita, com base em novas fontes secundárias.

 

 

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Pontes para o mundo no Brasil: Minhas interações com a RBPI - Kindle Book Paulo Roberto de Almeida

Pontes para o mundo no Brasil: Minhas interações com a RBPI 

(Portuguese Edition) eBook Kindle


Coletânea de ensaios e artigos (à exclusão de resenhas de livros e artigos-resenhas) publicados a partir de 1986 na Revista Brasileira de Política Internacional (iniciada no Rio de Janeiro em 1958, e transferida para Brasilia em 1993), constando de cinco partes: 
1) Revista Brasileira de Política Internacional; 
2) Economia mundial; 
3) Relações Internacionais, Política Mundial; 
4) Política Externa e Diplomacia Brasileira; 
5) Pesquisa histórica e obtiruários; e 
Apêndices (Relação cronológica de todas as colaborações à RBPI, livros do autor e nota biográfica).

Em 1958, no âmbito do plano de trabalho do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI, criado no Rio de Janeiro em 1954) que incluía um “programa de publicações”, era lançada a Revista Brasileira de Política Internacional, em cuja Editoria, durante longos anos, esteve Cleantho de Paiva Leite. A RBPI desempenhou um importante papel na difusão de matérias e documentos relativos à política internacional, às relações exteriores do Brasil, bem como ao próprio pensamento e prática brasileira em temas de política externa. Em 1993, com o falecimento de Cleantho, no ano anterior, atuei com colegas acadêmicos e diplomáticos para transferir o IBRI e a RBPI para Brasília.
Decana das revistas brasileiras de relações internacionais, que são reconhecidamente muito poucas, a RBPI preencheu uma lacuna inestimável em nossa cultura política e acadêmica, reunindo, nas dezenas de volumes editados quase que artesanalmente ao longo das últimas décadas, um somatório extremamente rico de informações, análises e documentos sobre a política internacional e as relações exteriores do Brasil. Ela constitui, assim, uma “memória escrita” privilegiada sobre a política externa brasileira e uma fonte de referência indispensável para toda pesquisa acadêmica sobre as relações internacionais nesse longo período.
Colaborei a partir de 1986 com a revista, numa grande variedade de temas, assim como fui diretor do IBRI durante algum tempo. Continuo colaborando, mais como parecerista do que como autor.

Detalhes do produto

  • Tamanho do arquivo: 1472 KB
  • Número de páginas: 658 páginas
  • Quantidade de dispositivos em que é possível ler este eBook ao mesmo tempo: Ilimitado
  • Editora: Edição de Autor; Edição: 1 (23 de dezembro de 2019)
  • Data da publicação: 23 de dezembro de 2019
  • Vendido por: Amazon Digital Services LLC
  • Idioma: Portuguese
  • ASIN: B08336ZRVS
  • Dicas de vocabulário: Não habilitado
  • Empréstimo: Habilitado
  • Configuração de fonte: Não habilitado 


Apresentação
Uma revista histórica, para tempos antigos e modernos

I was pleased to be writing this history because I had always believed that history should be written in the large. (…) I did my best, but I am not all sure that I succeeded. I was sometimes accused by reviewers of writing not a true history but a biased account of the events that I arbitrarily chose to write of. But to my mind, a man without a bias cannot write interesting history – if, indeed, such a man exists. I regard it a mere humbug to pretend a lack of bias. Moreover, a book, like any other work, should be held together by its point of view. This is why a book made up of essays by various authors is apt to be less interesting as an entity than a book by one man. Since I do not admit that a person without a bias exists, I think the best that can be done with a large-scale history is to admit one’s bias and for dissatisfied readers to look for other writers to express an opposite bias. Which bias is nearer to the truth must be left to posterity.

Bertrand Russell, Autobiography (first edition: 1975; New York: Routledge, 2009, p. 444; consultada na edição Google Books), falando a respeito das críticas dirigidas à sua obra em quatro volumes: History of Western Philosophy (1945). 

Bertrand Russell pretendia que uma pessoa desprovida de vieses não poderia escrever uma história interessante, se de verdade uma pessoa assim existisse. Aceito integralmente a assertiva, e começo por declarar explicitamente meus vieses, como forma de introduzir esta nova coletânea de escritos das últimas duas décadas e meia, desta vez, os textos publicados na Revista Brasileira de Política Internacional, com a qual estou identificado, e na qual imprimo meus vieses, desde que tomei a iniciativa de impedir o seu desaparecimento, ao dar os primeiros passos para concretizar a sua transferência do Rio de Janeiro para Brasília, onde passou a ser editada a partir de 1993. Pretendo, portanto, confessar meus vieses, deixá-los explícitos, e não me redimir por isso, mas declarar em total transparência quais são eles e dizer por que eles foram importantes em minha trajetória intelectual. 
No prólogo à sua autobiografia, cujo primeiro volume foi publicado em 1967, três anos que ele morresse, na idade de 98 anos, Russell começava por informar que, dentre as paixões que tinham guiado a sua vida, estava a busca por conhecimento, provavelmente vinculada à sua outra paixão: uma insustentável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Não tenho certeza de compartilhar dessa outra qualidade, embora certamente a preocupação com a condição humana, a partir de minha própria situação pessoal e familiar, faz parte dos meus vieses, e como tal orientou meus estudos e minha ação voluntária no decorrer de toda uma vida dedicada à leitura atenta dos livros, a observação ainda mais atenta do mundo e a uma síntese tentativa de minhas reflexões a esse respeito, nos muitos escritos, mais inéditos do que publicados, que fui acumulando ao longo dos anos. 
Antes de falar de meus vieses, cabe, contudo, uma qualificação a respeito do que são, e de que papel eles cumprem, na reflexão intelectual e enquanto guias para a ação. Em primeiro lugar, cabe deixar claro que vieses não são exatamente aquilo que se comumente se chama “ideologia”. Esta é geralmente o resultado de uma adesão, consciente ou não, a um conjunto de crenças e de argumentos, aparentemente lógicos e racionais, que ordenam uma determinada visão do mundo, orientam a sua ação em relação ao meio em que se vive e que impregnam nossas interações com esse meio com as demais pessoas, ou partidos e organizações, que fazem parte de nossa vida. Depois de Napoleão (que não li extensivamente), Marx (que li extensivamente) tinha um enorme desprezo pelos ideólogos, sem admitir, no entanto, que ele próprio foi um dos maiores representantes da espécie, como eu mesmo acredito ter sido, marxista ou pós-marxista.
Os vieses são mais sutis, mais matizados, geralmente inconscientes, raras vezes admitidos e menos ainda tornados explícitos. O racismo, por exemplo, é mais um viés do que uma ideologia, ainda que muitos, alegadamente intelectuais ou até mesmo cientistas, fizeram desse viés todo um campo de estudo para construir uma proposta de ordem social condizente com a separação da humanidade em raças distintas: pode até não significar segregação prática, desprezo por supostas raças “inferiores” ou políticas ativas de discriminação, mas acaba resultando nisso, pela ação de outros agentes menos teóricos e mais práticos. Gobineau e Rosenberg, para citar apenas dois “intelectuais” mais conhecidos nesse campo, foram dois ideólogos do racismo em suas respectivas esferas de reflexão, que acabaram dando munição teórica, e legitimação “científica”, para os homens “práticos” que transformaram o racismo em políticas públicas com amplas consequências no decorrer do século 20: o Apartheid na África do Sul (mas também nos Estados Unidos) e o holocausto nazista contra os judeus, promovido por Hitler com ampla colaboração da população alemã (como também já tinha sido o caso dos pogroms contra os mesmos judeus na Polônia ou na Rússia czarista, antes disso). 
Mas este é apenas um exemplo extremo de uma ideologia nefasta que deixou sua terrível marca na história da humanidade. O fundamento dessa ideologia é um viés que existe no plano individual, de modo embrionário, que tende a enquadrar as pessoas em grupos sociais distintos. Cabe registrar, contudo, que esse viés é tão forte que acaba criando uma espécie de racismo inverso, que tende a sustentar ideologias de “justiça social” – neste caso contra o “racismo” – que carregam um inevitável componente racialista: esta é a base, inquestionável, de todas as políticas de “ação afirmativa” que tendem a separar no Brasil – mas se trata de uma ideologia importada dos EUA – os afrodescendentes de um lado e todos os demais brasileiros de outros. É o Apartheid em construção, associado a uma causa aparentemente nobre, a do resgate da “dignidade dos negros” (mas que termina por criar cotas inconstitucionais aprofundando o viés racial, em lugar de eliminá-lo). 
Muito bem: mas o que isso tem a ver com meus vieses – políticos, econômicos , sociais – que vão aqui expressos nos artigos oferecidos em colaboração à mais antiga revista de relações internacionais do Brasil? Cabe, portanto, deixá-los transparentes, pois eles perpassam, mesmo sub-repticiamente, cada um dos textos elaborados ao longo de meu itinerário de grande leitor e de mero escrevinhador, ao lado de minhas outras atividades profissionais na diplomacia e no mundo acadêmico. Esses vieses podem ser expressos através de conceitos bastantes simples, que se vinculam a realidades para mim evidentes, pela experiência pessoal, mas que também podiam ser percebidas no plano mais global do Brasil no contexto regional e mundial. Quais seriam esses conceitos? Ei-los: pobreza, consciência da miséria extrema e da riqueza ostensiva, desigualdades, injustiças sociais, atraso material, insuficiências educacionais, falta de oportunidades, privilégios, corrupção, em resumo, subdesenvolvimento, ou talvez, não desenvolvimento. Parece mais um programa político-partidário do que simples vieses pessoais, não é mesmo caro leitor?
Não pretendo que tudo isso estive presente de modo claro em minha mente, desde os primeiros anos de leituras “estudiosas”, digamos assim. (Sim, eu costumo distinguir as leituras estudiosas daquelas para simples lazer intelectual, prazer pessoal ou entretenimento momentâneo, e eu me dediquei a elas desde o primeiro momento, não sei precisar com que idade exatamente, em que tomei de um livro de Monteiro Lobato, História do Mundo Para As Crianças, uma simples leitura de Dona Benta a partir de uma obra americana, para ler, reler e quase decorar esse livro.) Mas o fato é que esses conceitos não eram simplesmente ideias vagas, noções exteriores para as quais minha atenção era chamada por alguma motivação puramente intelectual. Eram realidades da minha vida, não todas, nem de forma explícita, mas elementos que penetravam por alguns poros, algumas janelas de minha condição pessoal e da situação familiar. 
Foi provavelmente o contraste entre o que eu tinha, entre o que a minha família tinha, e aquilo que eu via em outras pessoas, outras crianças, outras famílias, que me levou, desde muito cedo, às tais leituras “estudiosas”. Dos livros juvenis, e alguns adultos, aos editoriais do circunspecto Estadão foi um passo natural, e creio ter aprendido tudo o que aprendi de política internacional e de economia nas páginas desse “jornal reacionário”, muito antes de me debruçar sobre os manuais universitários e as obras do terceiro ciclo (o que fiz, aliás, muito antes de chegar ao ensino superior). 
Toda a primeira fase de minha formação intelectual foi feita sob o domínio da sociologia, que, segundo Mário de Andrade, seria a “arte de fazer a revolução no Brasil” (não tenho certeza de que ele tenha dito isto, e posso apenas estar repetindo o que li em alguns dos livros da chamada Escola Paulista de Sociologia, à qual me sentia pertencer bem antes de ingressar nas Ciências Sociais da USP). Foram os grandes mestres do pensamento social brasileiro – os chamados intérpretes do Brasil – junto com os mestres do marxismo, já devorado em toda a extensão permitida pelas edições brasileiras, que primeiro consolidaram os meus vieses, e a eles me ative mesmo quando modifiquei, de modo amplo, a “metodologia” pela qual eu passei a abordar as realidades tangíveis às quais os vieses eram supostos representar. Pobreza, desigualdade, exploração do trabalhador, opressão capitalista, liberação socialista, tais foram os vieses rapidamente incorporados em minha mente à medida em que ia aprofundando as leituras, afinando minhas concepções, produzindo minhas reflexões, muitas delas transformadas em escritos da juventude, que infelizmente se perderam na saída do Brasil para um longo exílio na Europa, voluntariamente decidido, no início dos anos 1970.
Até então eu havia trabalhado com a sociologia política – classes sociais, poder político, revolução, essas coisas – mas com a partida do Brasil um novo horizonte se abriu, e portanto novos motivos de leitura, de conhecimento, de reflexão, e de redação de textos que passam a não ser mais apenas de sociologia política e passam a ser em torno das comparações entre os diferentes graus de desenvolvimento econômico de povos e nações. Uma universidade europeia, nos anos da guerra do Vietnã e das guerrilhas latino-americanas era um caldeirão em permanente ebulição, e o mesmo Russell de quem eu começo citando um trecho de sua biografia tinha iniciado, através de sua Fundação, um movimento para fazer condenar os EUA por crimes contra a humanidade no Vietnã. Quando cheguei na Bélgica, em 1971, o famoso Tribunal Russell se preparava para julgar a ditadura militar brasileira, e eu estava entre os colaboradores da iniciativa. Lembro-me inclusive de ter ido – financiado pelo comitê belga – visitar o líder político Miguel Arraes, exilado na Argélia, para convencê-lo a participar como testemunha no “julgamento” que ocorreria em 1973, durante uma grande exposição comercial programa pelo governo brasileiro para ocorrer em Bruxelas, justamente. No intervalo ocorreu o golpe de Pinochet, no Chile, e o Tribunal passou a ter coisas ainda mais horripilantes para julgar, além das torturas infligidas aos prisioneiros políticos brasileiros pela ditadura militar. 
Seja como for, minha educação “internacional” continuou a se desenvolver, inclusive porque eu fiquei conhecendo vários dos socialismos reais, e pude assim confrontar o que diziam, e o que eu lia deles, Jean-Paul Sartre e Raymond Aron. Como eu minhas leituras precoces dos artigos de Roberto Campos no Estadão, eu me esforçava para rejeitar, mediante argumentos racionais, e empiricamente embasados, o que os direitistas e reacionários diziam sobre o capitalismo, o socialismo, a famosa luta de classe e outras “realidades” que frequentavam os meus vieses desde vários anos. A comparação prática, as leituras intensas, a reflexão honesta, o convencimento pelos dados, mais do que pela retórica, acabaram transformando profundamente minha maneira de pensar, ainda que os vieses permanecessem substancialmente os mesmos.
Uma prova do que afirmo processou-se quando da elaboração de minha tese de doutoramento, cuja concepção e primeiro projeto ocorreram logo após o término do mestrado, aos 25 anos – uma dissertação sobre o comércio exterior brasileiro desde os anos 1960 até o primeiro choque do petróleo – e que tinha por objeto, bias oblige, a revolução burguesa no Brasil. A arquitetura conceitual, obviamente, era inteiramente florestânica, cujo magnum opus, que tinha precisamente o nome de meu tema, eu li, reli e anotei minuciosamente durante os anos de leituras solitárias no exílio europeu. Entre o projeto inicial e a redação final mediou um longo intervalo, usado para voltar ao Brasil, ingressar na carreira diplomática, logo em seguida contrair matrimônio, ter o primeiro filho, com Carmen Lícia, em Berna, e para decidir, finalmente, retomar o projeto, mas já com uma abordagem muito diferente dos velhos vieses de juventude. 
A sede de conhecimento, como diria Russell, tinha me conduzido a um outro universo de interpretações sobre as raízes da pobreza, sobre a natureza das desigualdades sociais, sobre as realidades da exploração capitalista e sobre as fontes de corrupção política, como resultado de todas as leituras, certo, mas sobretudo da confrontação dessas leituras com a realidade que me era dada contemplar, seja no capitalismo “ideal” da Europa ocidental, seja do socialismo “surreal” e de fato opressor, que eu conheci em todos os países da órbita soviética, inclusive no coração do sistema, que eu pude visitar, como antes como estudante e militante de uma causa, depois como turista relativamente privilegiado, já desfrutando do status de diplomata. Não existe nada de mais didático, para revisar vieses e confrontar ideologias, do que confrontar as leituras com a experiência da realidade, ver o mundo como exatamente ele é.
O fato é que na defesa da tese, em plena banca, eu me desentendi com o meu orientador, ele um velho professor marxista de história econômica, e eu, um jovem que ousava desafiar as concepções comumente aceitas sobre o capitalismo no Terceiro Mundo e sobre a revolução burguesa no Brasil, já nas antípodas do que pensava Florestan Fernandes. Acabei obtendo grande distinction, mais talvez pelos vieses bem mais liberais dos demais membros da banca, do que pela insatisfação demonstrada pelo meu orientador, ao constatar que eu não partilhava mais de certos supostos que eram os mesmos contra os quais lutavam pensadores como Roberto Campos, no Brasil, ou Raymond Aron, na França. Enfim, eu tinha realizado a minha Canossa intelectual, tendência que continuei aprofundando nos anos seguintes, ao aprofundar estudos em economia e sociologia do desenvolvimento e em relações econômicas internacionais.
Mas o que isto tudo tem a ver com o fato de eu ter me tornado, poucos anos depois, colaborador eventual, preservador por acaso e, finalmente, editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional, um título simplesmente honorífico, para quase nenhuma contrapartida ou responsabilidade editorial me foi exigida? 

Revista Brasileira de Política Internacional, mal comparando com o Ministério das Relações Exteriores, também sempre soube prestar serviços da melhor qualidade, e se esmerar na informação confiável, mesmo dispondo de exíguos recursos, raramente tendo soberano de qualquer espécie a quem apelar, ou talvez sim: na figura da Capes-CNPq, que desde o segundo número editado em Brasília, passou a colaborar generosamente com esta iniciativa. Para o primeiro número da nova série, editado de maneira algo improvisada, depois da triste interrupção momentânea causada pelo falecimento do seu antigo editor no Rio de Janeiro, Cleantho de Paiva Leite, tive de apelar para a generosidade de pessoas físicas, de que gostaria, neste momento, de deixar um registro formal e nominal, na pessoa do empresário Stefan Bogdan Salej, um esloveno naturalizado brasileiro e que sempre soube valorizar não só as coisas do Brasil, como também a sua diplomacia, a ponto de a ela se vincular pessoalmente.
A editoria da RBPI esteve assegurada, numa primeira etapa, pelo professor Amado Luiz Cervo, do Departamento de História da UnB, depois associado ao Instituto de Relações Internacionais da mesma universidade, passando depois o bastão ao professor Antonio Carlos Lessa, sob cuja direção a revista deu um salto qualitativo, no sentido de cumprir galhardamente os melhores padrões comparativos com os melhores journals da área, recebendo, portanto, uma alta classificação nos rankings do setor. Ela saiu de um formato tradicional – periodicidade semestral, impressa e distribuída pelas velhas vias da remessa postal – para adotar o formato eletrônico, em edições contínuas, disponível nas novas redes de disseminação digital, com destaque para o Scielo. 
Durante todo o período de consolidação da RBPI em Brasília emprestei intensa colaboração em seus primeiros passos, revisando artigos submetidos – o que continuei a fazer de modo regular dali para a frente – e publicando eu mesmo um número razoável de artigos, notas de informação e resenhas de livros em suas páginas. Conectado às datas comemorativas da RBPI, ou do próprio IBRI, também emprestei colaboração à organização e realização de seminários em homenagem a essas duas instituições do panorama brasileiro de pesquisa em relações internacionais, assim como tive o cuidado de preservar a memória da revista, e das próprias instituições oficiais do ramo, elaborando índices remissivos e quadros analíticos cronológicos relativos aos eventos, processos e produção intelectual ano a ano.
Em resumo, posso orgulhosamente dizer que grande parte de minha vida acadêmica e intelectual, durante a quase totalidade de meu desempenho funcional na carreira diplomática e nas atividades universitárias, se deu em torno, em função, a serviço ou em conexão com a RBPI ou o IBRI, o que ainda continuo fazendo. Foi, e ainda é, uma fonte de informação, de reflexão, de inspiração, merecendo, portanto, uma dedicação especial de minha parte. Fui, provavelmente, um dos autores mais editados e publicados, o que até induziu a certa restrição deliberada, nos últimos anos, como forma de não se incorrer naquela endogenia condenada pelos padrões bastante rigorosos das publicações científicas indexadas. 
Os ensaios, artigos e notas aqui compilados foram organizados em torno de grandes áreas de interesse, mas ao final apresento uma listagem cronológica das colaborações (mais de meia centena, no total, dos quais apenas 33 são coletados aqui), o que revela, justamente, uma grande incidência nos anos finais da RBPI no Rio de Janeiro e nos primeiros dez anos da série de Brasília. Essas áreas revelam os principais focos de interesse acadêmico e intelectual deste autor, com ênfase nas relações econômicas internacionais do Brasil, sua história diplomática, a política externa, nas interações com o sistema político-partidário e temas de política internacional em geral. Ficaram de fora desta coletânea duas dezenas de resenhas de livros – correspondendo a um volume bem maior de livros, uma vez que eu costumava fazer artigos de resenha, ao estilo dos review-articles da New York Review of Books, o mais famoso periódico de livros dos EUA, de inclinação progressista ou até esquerdista, do qual fui assinante por duas décadas e que ainda leio regularmente –, para não torná-la excessivamente “pesada”, mas coloquei três obituários que elaborei de membros do Conselho Editorial da RBPI (um outro ficou de fora, e fica fora da relação ao final do volume). As resenhas serão incluídas em outra coletânea, dedicadas exclusivamente a esse outro grande vício que alimento desde minha primeira adolescência (ou talvez até antes). 
Continuo colaborando com a RBPI, atualmente bem mais para oferecer pareceres a artigos submetidos por autores desconhecidos, do que como articulista, o que, no entanto, permanece como possibilidade eventual. Fico, em qualquer hipótese, extremamente gratificado por ter atuado decisivamente no momento crucial, depois da morte de Cleantho de Paiva Leite, quando a RBPI também poderia ter desaparecido. A gratificação continua ao constatar que a revista se consolidou como publicação de prestígio dentre os journals da área e que ela coloca o Brasil entre os majors do setor. 
Vida longa à RBPI e ao IBRI.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 de dezembro de 2019

domingo, 10 de junho de 2018

Ricardo Bergamini e as relacoes econômicas internacionais do Brasil

Recebido de Ricardo Bergamini em 10/06/2018:

Nosso comércio internacional (saldo da conta de transações correntes) sempre foi deficitário, conforme abaixo colocado, consequentemente sempre estamos vivendo no “fio da navalha” de crises cambiais, dependendo do humor do mercado externo.

Saldo de Transações Correntes

Série história do saldo das transações correntes com base na média/ano foi como segue: Governo FHC (1995/2002) – deficit de US$ 23,4 bilhões = -3,31% do PIB; Governo Lula (2003/2010) – deficit de US$ 6,6 bilhões = -0,52% do PIB; Governo Dilma/Temer (2011/2017) – deficit de US$ 53,0 bilhões = -2,37% do PIB. 

Saldo da Conta de Capital e Financeira 

Série história do saldo da conta de capital e financeira com base na média/ano foi como segue: Governo FHC (1995/2002) – superavit de US$ 23,8 bilhões = 3,37% do PIB; Governo Lula (2003/2010) – superavit de US$ 36,8 bilhões = 2,89% do PIB; Governo Dilma/Temer (2011/2017) – superavit de US$ 62,3 bilhões = 2,79% do PIB. 

A crise atual não é apenas pelo deficit no saldo de transações correntes, inclusive muito abaixo do que no período do governo FHC. Os motivos são diversos, tais como:

- Insegurança politica e jurídica.

- Baixo nível de aprovação do governo (hoje Datafolha de 3%).

- Sem reservas em moeda estrangeira.

- Rebaixamento do Brasil de “Grau de Investimento”, conquistado no governo Lula, para “Grau de Especulação” conquistada no governo Temer, tendo em vista seu crime de responsabilidade fiscal que inviabilizou o ajuste fiscal no curto prazo, em função do parágrafo abaixo:

A tragédia econômica promovida pelo governo Temer (réu confesso, aguardando as algemas) foi responsável pelo rebaixamento das notas do Brasil no mercado financeiro internacional. Tendo sido o aumento de gastos concedidos aos servidores públicos até o ano de 2019 que inviabilizou o ajuste fiscal necessário para a recuperação da economia. Cabe lembrar ter sido o descontrole dos gastos com pessoal a fonte primária que provocou a maior crise fiscal da história econômica do Brasil. 

- Com o objetivo de fazer média para concorrer ao “Oscar de Efeitos Especiais” reduziu, de forma artificial, o ganho real dos investidores da média de 5,59% ao ano no período de 2011/2017, com o país operando em “Grau de Investimento”, para ganho real de 3,64% ao ano em maio de 2018, com o Brasil operando em “Grau de Especulação”, com queda de 34,88%, conforme explicado no parágrafo abaixo:
                                                                                                                         
Cabe lembrar que de 2011 até 2017 a média do ganho real dos investidores foi de 5,59% ao ano, e o ganho real apurado em maio de 2018 foi de 3,64% ao ano, ou seja: 34,88% menor. Se a inflação continuar em ascendência e o estoque de dívida continuar aumentando de forma desordenada somente restarão ao Banco Central retornar o caminho de volta, aumentado à taxa de juros SELIC. Não creio que para um país que opera em “grau de especulação” seja a atual, uma taxa de retorno atrativa. Já estamos observando uma fuga de capitais desvalorizando o real em relação ao dólar. Cabe lembrar que o IPP (Índice de Preços ao Produtor) que nada mais é do que o IPCA futuro teve aumento de 8,03% em doze meses até abril de 2018.