O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador políticas econômicas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador políticas econômicas. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Socialistas sustentaveis? Novidade ou mais do mesmo? -Carlos AlbertoSardenberg

O pré-candidato socialista à presidência do Brasil (mas pode não ser ele e ficarmos com a Santa da Floresta) diz que é contra novos impostos. Bom, isso é fácil: qualquer idiota diria o mesmo. Em todo caso, a turma da bufunfa, como diria um keynesiano de botequim, os muito ricos ficaram contentes.
Eu quero ver ele dizer que vai reduzir o peso do Estado, pois essa é a origem dos altos impostos.
Acompanhemos.
PRA

POLÍTICA

Entre o mercado e o social

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 10/10/2013
Ouvi Eduardo Campos falar para empresários e investidores de São Paulo — e o pessoal gostou muito do que o governador contou sobre sua administração em Pernambuco e sobre sua visão de Brasil.
Não estavam no grupo aqueles nomes tradicionais, tipo chapa-branca, que, no fundo da alma, não gostam do PT, mas, do fundo do bolso, desgostam mais ainda de brigar com o governo. E acham que sempre se pode arrumar negócio bom mesmo numa administração ruim e/ou hostil ao capital privado.
Estavam no grupo pessoas de dinheiro, é claro, preocupadas, por exemplo, com o imposto sobre grandes fortunas. Aliás, perguntaram ao governador e adoraram a resposta.
Campos disse: há impostos demais no Brasil; é preciso reduzi-los e torná-los mais progressivos; ricos devem pagar mais, mas não se pode esfolar o investidor e a empresa; e, finalmente, que o imposto sobre grandes fortunas é tecnicamente ruim, arrecada pouco e cria muita desconfiança. Ou seja, muito barulho ideológico para pouco dinheiro.
Perguntaram também sobre o chavismo e os bolivarianos. Campos aproveitou bem a deixa para mostrar seu lado “gauche”. Atacou ferozmente as velhas oligarquias venezuelanas (e, por tabela, as latino-americanas) que enriqueceram à custa de privilégios e verdadeiros assaltos ao Estado.
Esse contraste entre uma elite muito rica e um povo muito pobre deu origem a Chávez e seus seguidores. Trata-se de um caminho equivocado, um atraso contra outro atraso, disse Campos, mas a forma de escapar disso é um regime moderno, democrático, capitalista e social.
Me lembrei de Tony Blair. Ou Bill Clinton. No Velho Continente, existia (ainda existe) uma esquerda socialista, estatizante, que se opunha à direita liberal tipo Thatcher. Blair inventou aí a Terceira Via: economia de mercado, ambiente de negócios amigável ao empreendedor, liberdade financeira, com forte investimento estatal nas áreas sociais, sobretudo saúde e educação. Mas, atenção: o setor público deve seguir as regras de eficiência do privado, com metas e meritocracia.
Campos encantou aquela plateia quando falou de sua gestão nas escolas de Pernambuco — diretores, professores e alunos premiados por bom desempenho, medido e avaliado regularmente — e nos hospitais, vários entregues à gestão privada.
Nos EUA, Clinton claramente colocou-se entre Ronald Reagan, seu antecessor, e a esquerda do seu Partido Democrata, esta representada por seu vice, Al Gore, e agressivamente contra o que chamava (e chama) de big money e suas variações (big oil, big pharma etc.).
FHC e Lula, o do primeiro mandato, ajudaram a formar essa Terceira Via por aqui, ainda que em condições bem diferentes. Nunca tivemos nossa Thatcher (ou nosso Reagan), de modo que FHC, um social democrata europeu, teve que tocar boa parte da agenda liberal para conquistar a estabilidade macroeconômica (metas de inflação, abertura comercial, câmbio flutuante, privatizações, responsabilidade fiscal).
Começou também os programas sociais — Bolsa Escola, por exemplo, e o aumento real do salário mínimo —, seu lado esquerdo. Mas perdeu o ímpeto reformista no segundo mandato.
Lula, de origem, digamos, mais socialista, foi obrigado a manter a base da estabilidade e, ainda, sob influência de Palocci, avançou nas reformas microeconômicas, especialmente nas leis e regras que garantiram a concessão e ampliação do crédito. E mais o Bolsa Família e os aumentos do salário mínimo.
No segundo mandato e depois da crise de 2008/09, Lula começou a estragar tudo, tarefa seguida por Dilma Rousseff. Inventaram os truques para aumentar o gasto público e a dívida total, sem o confessar, e expandiram a intervenção estatal — da regulação e controle cada vez maior do setor privado ao avanço forçado das estatais, incluindo bancos, e à tentativa de aceleração de grandes obras.
Sem contar o ambiente de incerteza criado por decisões do governo e dos tribunais que a todo momento criam novas obrigações e custos aos negócios. Cabe aqui a mão pesada do Fisco na interpretação e criação de regras que geram impostos e multas bilionários, numa ação ao mesmo tempo hostil ao grande capital e com o objetivo de gerar receita perdida com os subsídios aos setores privilegiados.
O resultado aparece na inflação mais alta, no baixo crescimento, na falta de investimentos (pela desconfiança do setor privado e ineficiência do setor público), no Custo Brasil recorde, na situação delicada de estatais como a Petrobras e as elétricas.
É curioso: quando se apresenta como terceira via entre PT e PSDB, Campos, na verdade, parece querer recuperar os lados positivos de FHC e Lula e mais a agenda de reformas que ficou pelo caminho. Como? Com Marina?
Voltaremos.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Uai! Cade a reducao da tarifa de energia eletrica que estava aqui? Eraconversa e nada mais?

Tarifa de energia elétrica terá reajuste de 13% em Santa Catarina
Mário Cesar Silva, 5/08/2013

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) definiu nesta terça-feira, 30, o reajuste médio de 13,73% para as tarifas de energia elétrica dos 2,5 milhões de consumidores atendidos na área de concessão da Celesc Distribuição. O reajuste, que passa a ser praticado a partir de 7 de agosto, é diferenciado por classe de consumo.
O presidente da Celesc, Cleverson Siewert, explica que o reajuste reflete, basicamente, o novo perfil da energia comprada pelas distribuidoras, com presença cada vez maior de energia gerada em termelétricas, cujo custo é maior que a gerada em hidrelétricas. “Por questões ambientais, o Governo Federal está reduzindo a construção de usinas que necessitam de grandes reservatórios. Esse cenário tem favorecido a geração térmica. É uma nova tendência, que já impacta nos preços praticados pelo mercado. Na tarifa que a Celesc passa a praticar em agosto, o custo da energia é responsável por quase 80% do índice de reajuste em relação ao ano anterior”.
Na revisão tarifária de 2012, o custo previsto para compra de energia ficou aquém do realizado. Por conta disso, ao longo de doze meses, a Celesc foi onerada em R$ 569,5 milhões por conta dos despachos de térmicas, não previstos na tarifa. Esse valor está sendo ressarcido à Empresa via recursos da Conta de Desenvolvimento Energético, numa estratégia do Governo Federal para evitar um impacto ainda maior no índice de reajuste tarifário.
Como funciona - O reajuste tarifário é efetuado anualmente para todas as concessionárias de distribuição de energia elétrica e, no caso da Celesc D, acontece sempre no mês de agosto, de acordo com o contrato de concessão.
O custo do serviço de distribuição de energia elétrica é composto de duas parcelas:
Parcela A – incorpora os custos não gerenciáveis da Celesc Distribuição, como compra e transporte de energia elétrica e encargos setoriais resultantes de políticas de governo, sem margem de comercialização, cabendo apenas a cobertura dos custos.
Parcela B (Custo de Distribuição) – incorpora os custos gerenciáveis relacionados à atividade de distribuição de energia elétrica, como pessoal, materiais e serviços, remuneração dos investimentos e cota de reintegração regulatória, com margem de comercialização previamente estabelecida e vinculada à eficiência operacional e à prudência dos investimentos.
O gráfico abaixo mostra a composição da tarifa paga pelo consumidor de energia, onde se vê que o custo da energia responde por quase 46% da tarifa, que os tributos representam parcela de 25,5% e à Celesc cabe apenas 18%.

Reajuste da tarifa X inflação – O reajuste da tarifa de energia elétrica tem resistido de forma firme aos índices de inflação no País. Nos últimos três anos, o reajuste médio da energia elétrica na área de concessão da Celesc D (entre 2011 e 2013) foi de 14,60%(+1,19 em 2011, - 0,32 em 2012 e 13,73 em 2013. Com o evento da revisão tarifária extraordinária em janeiro de 2013, quando a tarifa foi reduzida em 19,13%, esse índice cai para -4,53%. No mesmo período, o IGPM alcançou índice de 22,6%.


Valor do reajuste por classe de consumo
Subgrupo
Reajuste

Industrial
A1 (230.000V)
19,15%
Grande siderúrgica
A2 (88.000 a 138.000V)
10,85%
Cerâmico/siderúrgico/metalurgia/papel e celulose
A3 (69.000V)
16,62%
Cerâmico/carbonífero/têxtil
A3a (30.000V a 44.000V)
19,80%
Cooperativas/beneficiadoras de madeira/bovinos/cereais/papel e celulose
A4 (2.300V a 25.000V)
14,10%
Shoppings/comércio grande porte /condomínios
Residencial
B1
12,90%
Residencial e baixa renda
Rural
B2
17,98%
Rural
Comercial
B3
13,00%
Comércio de médio e pequeno porte
Iluminação Pública
B4
18,00%


quinta-feira, 9 de maio de 2013

Dani Rodrik: entrevista sobre politicas economicas - Carta Capital

Entrevista / Dani Rodrik


Entrevista Dani Rodrik condena as políticas de austeridade, prevê o fim dos milagres econômicos e diz que nações como o Brasil levam vantagem
A EDUARDO GRAÇA, DE BOSTON
Um dos mais respeitados professores da Universidade Harvard, titular de Política Econômica Internacional da Escola John F. Kennedy, o economista de origem turca Dani Rodrik integra um grupo consistente (e crescente) de analistas críticos aos programas de austeridade adotados na Zona do Euro. "O que acontece na Europa é um assalto à democracia", define.
Autor de Has the Globalization Gone Too Far (1997), One Economics, Many fíecipes (2007) e The Globalization Paradox (2011), Rodrik concedeu a entrevista a seguir em seu escritório em Cambridge antes da polêmica sobre o erro de cálculo cometido pelos economistas Carmen Reinhart e Keneth Rogoff em estudo a respeito da relação entre endividamento e crescimento econômico, na verdade um libelo em defesa das políticas de austeridade preconizadas por conservadores e aplicadas na Europa com os resultados até aqui conhecidos. Um dia antes da entrevista, o acadêmico postara, no entanto, o seguinte comentário no Twitter sobre o lançamento de Austerity: The History of a Dangerous Idea, do diretor dos programas de graduação em Relações Internacionais e Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Brown, Mark Blyth: "Foi preciso um cientista social para denunciar a insanidade das políticas econômicas baseadas o na austeridade".
Segundo o economista, a era dos "milagres econômicos" passou, o crescimento das economias tende a ser mais lento, mas os países com forte mercado interno e projetos de inclusão social estão em melhor posição para avançar. "O Brasil segue como uma dessas nações", afirma.
Rodrik será o principal palestrante do 1o Fórum de Economia promovido por CartaCapital. O seminário acontece na terça-feira 7, no Hotel Renaissance, em São Paulo, a partir das 9 da manhã. Após sua exposição, o economista responderá a perguntas do ex-ministro Delfim Netto e de Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor editorial de CartaCapital.
Carta Capital: O senhor escreveu há um ano que países como Brasil, Índia e Coreia do Sul estão em posição melhor do que os demais para enfrentar os novos desafios econômicos globais. Continua a ter a mesma opinião sobre o Brasil?
Dani Rodrik: Sim. Obviamente o Brasil não teve um ano bom em termos de crescimento econômico. Mas não acho que deveríamos ser obcecados com variações anuais do PIB. Deveríamos, na verdade, estar prontos para crescimentos menores globais nas próximas décadas. O contexto global será menos propício a expansões econômicas significativas, se compararmos com o cenário dos últimos 25 anos. Mesmo países cujas economias vão relativamente bem experimentarão ventos bravios. Nesse contexto, países com grande mercado interno, que investem na inclusão social e se beneficiam mais de um dinamismo real de sua economia do que da súbita entrada de capital e dos humores do mercado, no âmbito de uma democracia robusta, estarão em melhor posição para atravessar os tempos duros. O Brasil, há um ano e hoje também, segue como uma dessas nações."
CC: Não se pode julgar a economia de um pais por um ano ruim, como o senhor diz. Mas há a percepção neste momento de que o Brasil deixou de ser um favorito do mercado. 0 senhor vê razão para essa mudança?
DR: Os humores das finanças globais e dos investidores internacionais variam muito. A pergunta aqui é: como os investidores brasileiros, os empresários brasileiros, os industriais brasileiros, veem a economia nacional? Tenho certeza de que eles terão uma série de queixas, mas eu pediria que refletissem sobre essa questão de forma global. Eles estariam em situação melhor na Rússia, na Turquia, na Venezuela?
CC: O índice de desemprego no Brasil bateu um recorde histórico de baixa e a inflação se mantém em patamar um pouco incômodo. Economistas do País defendem aumentar o desemprego para conter os preços. O que o senhor acha?
DR: Discordo completamente dessa linha de raciocínio. As políticas sociais implantadas pelo Brasil nas últimas décadas são importantíssimas, por vários aspectos. Primeiramente, elas são uma resposta coerente às demandas sociopolíticas da sociedade brasileira. Elas também constroem paulatinamente legitimidade para o modelo democrático brasileiro. Esses são dois objetivos de suma importância. Além disso, elas fortalecem as credenciais econômicas do Brasil. Repito: há um novo cenário econômico global em que o peso do mercado doméstico é cada vez maior. Quanto mais consumidores, quanto maior a classe média, mais diversa e saudável sua estrutura econômica será. A estratégia de crescimento econômico brasileiro precisa necessariamente passar pelo fortalecimento dessa nova classe média. É claro que toda essa transformação precisa se darem um cenário fiscal sustentável, mas não vejo os níveis de dívida no Brasil ingovernáveis. A não ser que o Brasil cresça muito, mas muito pouco mesmo nos próximos anos, não vejo sinais no horizonte que justifiquem essas medidas.
CC: Segundo o senhor, chegamos ao fim da era dos milagres econômicos e de agora em diante o crescimento será fruto de um investimento cada vez maior em capital humano. O Brasil tem um grave problema educacional. É um empecilho, não?
DR: Sim. Crescimento econômico como aquele registrado no Brasil e outros países nos anos 60 e 70 não haverá mais. Foi uma espécie de crescimento sem grande esforço. Você poderia colocar um trabalhador rural com pouquíssima educação em uma fábrica de sapatos e, imediatamente, triplicar a produtividade e o lucro. Só era necessário algum capital de investimento para as fábricas. No Brasil, esse investimento, como sabemos, deu-se com uma alta carga protecionista. Esse caminho acabou. O tipo de trabalho que gera cresci mento hoje necessita muito mais especialização e consistência de investimento de capital. Além disso, exige uma série de regulamentações e instituições muito mais sofisticadas do que no passado. O crescimento não será imediato e precisará, em sua maioria, vir do setor privado em cooperação com os setores públicos. Vejo cada vez menos uma demarcação clara de onde se é públ ico, onde se é privado.
CC: Um dos tópicos debatidos no mais recente encontro dos chamados BRICS, na África do Sul, foi a criação de um Banco Mundial dos países emergentes. Também se falou de uma opção ao FMI. Qual o significado dessas iniciativas?
DR: São propostas inegavelmente importantes e que podem ter um impacto na economia global. Mas gostaria de ver o foco dos BRICS na geração de novas ideias e novas estratégias de desenvolvimento voltadas especificamente para mercados emergentes. Os BRICS deveriam deixar de se pautar pelo mercado financeiro e pelos fluxos de capitais e investimentos. A economia global não precisa de mais instituições de financiamento. Da perspectiva dos mercados emergentes, é preciso mais e melhores ideias. Precisamos do enfraqueci mento da hegemonia das instituições criadas pelos países desenvolvidos, inclusive desta em que estamos, Harvard, em oferecer ideias que os demais necessariamente discutem, seguem, aplicam. Já é tempo de os BRICS terem confiança para contribuir de forma decisiva no universo do pensamento econômico e social. Não precisamos de mais um fundo de investimentos, e sim de linhas de pensamento diversificadas daquelas do "centro".
CC: Como o senhor vê o efeito do impasse ideológico entre democratas e republicanos na maior economia do planeta?
DR: O efeito dessa bata lha é extrema mente debilitante para a economia norte-americana. E é muito difícil para um observador local não se mostrar pessimista ante essa disputa ideológica divorciada da realidade, dos fatos. Por outro lado, precisamos levarem conta a longa tradição política americanado pragmatismo. Essa característica possibilita certa margem de movimentação distante do asfixiamento ideológico de Washington. Desde os anos 80, os Estados Unidos eram vistos como um paraíso fundamentalista do livre-mercado. No dia a dia, você percebe o pragmatismo no tamanho da intervenção do Estado, em níveis federal, estadual e local, na economia do país, em colaboração com o setor privado. Vê-se esse pragmatismo na prática, por exemplo, no estabelecimento de uma política industrial nacional, com incentivos a novos empreendimentos e a projetos inovadores. Minha esperança é de que a tradição do pragmatismo fale mais alto do que o impasse ideológico.
CC: Qual o papel das escolas de pensamento econômico dos EUA nesta guerra de ideias que atravanca o crescimento da economia americana?
DR: Criticam-se os economistas por não termos visão estratégica, por nos tornarmos tecnocratas, menos visionários. Talvez isso seja bom. Economistas visionários tendem a causar mais danos do que avanços. O último grande visionário americano foi Milton Friedman, um senhor economista, que conseguiu mudar a política econômica global de forma decisiva, e de forma positiva em vários aspectos. Mas sua visão de um sistema de mercado em competição com o governo, da impossibilidade de um ser o complemento do outro, do Estado compreendido como inimigo do mercado, ainda nos custa muito nos dias de hoje. Espero que os economistas sejam os generais de um exército no rumo certo, mas não os vejo necessariamente como os lideres da batalha.
CC: O senhor escreveu recentemente no,Twitter, ao receber o livro Austerity: The History of o Dangerous Ideo, de Mark Blyth, que "precisávamos de um cientista social para nos falar da insanidade das políticas econômicas de austeridade" É esta a palavra correta, insanidade?
DR: E difícil encontrar outra. E uma ilusão, baseada em atitudes morais e políticas independentes da economia. A economia é clara. Quem continuar a argumentar em favor de uma política econômica baseada em austeridade fiscal nos Estados Unidos, por exemplo, o fará por questões morais - quem pegou emprestado deve pagar, é sua vez de sofrer, similar à lógica dos alemães em relação aos espanhóis e gregos na Comunidade Europeia - ou por uma concepção política oportunista, a de se usar o momento econômico para diminuir o papel do Estado. É o uso político-ideológico da crise econômica.
CC: O senhor acredita na inevitabilidade do tão falado declínio político e econômico dos EUA?
DR: Declínio é um exagero e o futuro dos Estados Unidos passará pelo resultado dessa luta entre o pragmatismo e as ideologias conflitantes das quais falávamos há pouco. Mas sou otimista em relação ao futuro americano, especialmente se comparado com o Japão e a Comunidade Europeia. As novas descobertas de petróleo e gás natural são um fator importante. O país seguirá um farol de inovação, diversidade e liberdade para o restante do planeta.
CC: Os BRICS falam em incrementar transações comerciais sem passar pelo dólar. O senhor crê que a moeda americana deixará de ser a unidade monetária padrão para negócios planetários no futuro?
DR: Essa transformação é inevitável. O papel do dólar será diminuto, mas ele seguirá como uma das mais importantes moedas internacionais, fundamental para as reservas de muitos países. Esse declínio não terá, porém, grande relevância para a economia internacional.
CC: O avanço militar da China e as tensões com seus vizinhos do Pacífico, mais do que a redução do ritmo de crescimento do país, podem ser um complicador para o cenário econômico global?
DR: Politicamente, o avanço chinês representa a dissolução do cerco de segurança norte-americano no Pacífico e é reflexo do fim da ordem americano-europeia global. E um novo mundo onde a China não é apenas uma potência econômica, mas política e militar. O mistério é como a China exercerá sua influência global. Logo após a Segunda Guerra Mundial, a hegemonia americana deu-se pela projeção de seu poder baseado em um sistema democrático interno. Foi, de certa forma, um exercício de poder liberal. Obviamente, quando impuseram a visão americana em instituições criadas nos acordos de Bretton Woods, o beneficiário maior foram os Estados Unidos. Mas regras de transparência, de não discriminação, foram princípios que beneficiaram todo o planeta. O receio é que os princípios chineses ignorem a ideia global, valorizem a falta de transparência, o aumento da burocracia, os acordos caso a caso, o que não beneficiaria a comunidade internacional. Brasil e índia, os dois países democráticos dos BRICS, são peças importantíssimas nesse tabuleiro. Quando Brasil e índia usam seu poderio econômico de forma global, é importante perceber se eles estão de fato projetando os valores de suas vibrantes democracias. Para o futuro da economia global, seria fundamental que o fizessem.
CC: Em seu mais recente livro, O Paradoxo da Globalização, o senhor defende a impossibilidade de países serem ao mesmo tempo democracias modernas, contarem com uma economia globalizada e manterem um senso de soberania nacional. O que observamos na Espanha, Portugal, Grécia e Chipre é a ausência de democracia nas decisões econômicas praticadas pelas lideranças desses países?
DR: Sem dúvida, o que acontece na Europa hoje é um assalto à democracia. Quando elaborei esse tripé, há mais de dez anos, não poderia adivinhar a crise da Comunidade Europeia, um exemplo vivo do que propus. O que vemos nesses países é a entrega do poder decisório democrático a Bruxelas e Berlim, que não representam o destino dos cidadãos espanhóis, portugueses, cipriotas e gregos. E algo semelhante ao século XIX, quando a política econômica estava em piloto automático, imposta pelas regras do padrão-ouro, não importando os índices de desemprego, a deflação ou o sofrimento dos trabalhadores rurais. Não havia como o Estado se mover. O mesmo se vê agora na Zona do Euro.
CC: O estabelecimento de governos tecnocratas, como as experiências de Grécia e Itália, é uma solução possível para a crise?
DR: Não. São experiências temporárias, não soluções de longo prazo. A democracia também serve a uma função econômica. Tecnocratas deslocados dos eleitores não são garantia alguma de estabelecimento de políticas que levem em conta o desejo da maioria. Você apenas joga com a sorte. A questão europeia é saber qual das três pontas do tripé se manterá. As economias da periferia continuarão a se submeter à ideia de que só há uma regra econômica possível, manter-se na Zona do Euro, seguindo as regras de Berlim e Bruxelas, como se estivessem no século XIX? Ou a Comunidade Europeia será mais parecida com os EUA, terá um caráter mais federativo, em que o peso da realidade local será levado em conta? Infelizmente, essa janela para a grande transição europeia, neste momento, parece-me improvável, pois exigiria enorme investimento institucional e grande desapego de lideranças. A outra opção é a saída de alguns países da Zona do Euro, mais provável hoje.
CC: Quais os impactos na economia mundial do encolhimento da Comunidade Europeia?
DR: Seja qual for a solução encontrada, a Zona do Euro continuará a complicar o cenário econômico global. A saída de Grécia e Chipre, por exemplo, da Zona do Euro, após o choque inicial, pode ser boa tanto para a Comunidade Europeia quanto para a economia global.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Margareth Thatcher, seu legado e a América Latina - Paulo Roberto de Almeida


Margareth Thatcher, seu legado econômico e a América Latina

Paulo Roberto de Almeida

Recebi, de um estudante de jornalismo preparando reportagem sobre a morte da ex-primeira-ministra Margareth Thatcher e seu legado econômico, as seguintes perguntas para responder:
2) A crise econômica de 2008 é uma comprovação de que o modelo econômico da ex-primeira-ministra era falho? De que forma os críticos ao neoliberalismo se apropriam das crises econômicas dos últimos anos para fundamentar seus argumentos contra Thatcher?
3) Qual é o legado deixado por Thatcher? Esse legado pode ser classificado em positivo ou negativo? 

Como as perguntas encontram-se na ordem exatamente inversa de importância substantiva, e de relevância jornalística, altero sua ordem e passo a responder sumariamente o que segue abaixo. Como também sei que apenas parte reduzida de minhas respostas será aproveitada na matéria em preparação, permito-me postar neste blog a integralidade de meu texto.

1) Qual é o legado deixado por Thatcher? Esse legado pode ser classificado em positivo ou negativo?
PRA: Nenhum legado de dirigente político pode ser visto de forma maniqueísta, ou bom ou mau, ou positivo ou negativo, ou branco ou preto. Isso se chama reducionismo, ou simplismo. Todo dirigente, nas circunstâncias dadas em que recebe o poder e inicia um governo, tem de enfrentar um conjunto de desafios que são de diversas ordens: conjunturais (se o país está em crescimento ou em recessão, por exemplo), estruturais (se o país conhece um processo sustentado de modernização e de melhorias sociais), ou sistêmicas (como funcionam os sistemas de saúde, de educação, de segurança, a logística e o ambiente dos negócios, a infraestrutura, etc.). Para cada um desses conjuntos de problemas, o novo dirigente tem de fornecer soluções, em parte baseados em seu programa eleitoral (de candidato), em parte com base na expertise de seus auxiliares (ministros e outros dirigentes), e em parte ainda em função das possibilidades do governo em questão (déficit ou superávit orçamentário, desequilíbrios nas contas públicas, situação do balanço de pagamentos, carências sociais, etc.).
O Reino Unido que Margareth Thatcher “herdou” dos trabalhistas, em 1979, era um país em perfeita decadência, como eu próprio constatei, visualmente, ao visitar a Inglaterra pouco antes de sua vitória eleitoral: um país sujo, em constantes greves, com serviços públicos funcionando precariamente, desemprego, delinquência, inflação, déficits interno e externo, desconfiança e desalento da população, pouca confiança na sua capacidade de cumprir requisitos de defesa estabelecidos pela OTAN, enfim, quase um país de Terceiro Mundo, que no começo daquela década ainda havia enfrentado uma crise série de desvalorização da libra.
Esse era o resultado de décadas de um pacto perverso entre a “CUT” e a “Fiesp” deles, entre patrões e sindicatos, a TUC, o Trade Union Congress, que fazia chantagem para conseguir aumentos reais de salários para os seus afiliados, mesmo que isso significasse mais inflação para o resto da população e o Labour (mas mesmo o Partido Tory, os Conservadores) eram complacentes com esse estado de coisas, levando o país à prostração. O dono do venerável e mais do que secular jornal Times não podia tomar decisões quanto à modernização do seu parque gráfico, pois era o sindicato dos gráficos que decidia quantos trabalhadores eram necessários para rodar o jornal diariamente. Sindicatos de ferroviários, eletricitários, condutores de ônibus e até coveiros mantinham a população refém de suas chantagens salariais. Esse era o país que Thatcher assumiu.
A continuidade desse estado de coisas, depois de duas ou três décadas de “consenso” socialdemocrata levaria o Reino Unido a uma decadência ainda mais forte: sua economia já tinha sido ultrapassada pela da Itália (ainda em crescimento) e se colocava entre as últimas da Europa pela baixa dinâmica de investimentos e inovações. Pouco depois, a colônia Hong Kong, com seus milhões de chineses morando em sampans no Rio das Pérolas, ultrapassaria a metrópole em renda per capita, o que terminou de humilhar a Grã-Bretanha.
Se considerarmos que depois de Thatcher a Inglaterra era um dos países mais dinâmicos da Europa, com o dobro do crescimento dos países continentais, e a metade de suas taxas de desemprego, com um setor financeiro renascido das cinzas, e o país acolhendo investimentos estrangeiros, podemos considerar que, sob esse ponto de vista, seu legado foi positivo. Tão positivo que o Labour, obrigado a corrigir seu programa econômico esquizofrênico (datado de 1919, e que ainda recomendava coletivização da economia) e a manter praticamente intactas todas as realizações econômicas da era Thatcher. Algo semelhante ocorreu no Brasil, com o pacto perverso da CUT com a Fiesp produzindo inflação desenfreada nos anos pré-Real, com o PT se opondo de maneira desleal ao programa de privatização e tentando sabotar o Plano Real, se opondo (até no STF) à Lei de Responsabilidade Fiscal, acusando mentirosamente o governo que terminava de ter deixado uma “herança maldita” (quando foi a própria campanha de Lula e a política econômica esquizofrênica do PT que produziram a crise de 2002), para finalmente roubar o “software” dos inimigos demonizados de forma fraudulenta e passar a governar exatamente com os mesmos instrumentos e ferramentas do governo anterior, mantendo todas as suas políticas. O Labour foi obrigado, como o PT o foi, a governar de forma mais racional e mais responsável. Esse foi o legado da Thatcher, como foi para o Brasil o legado de FHC e do PSDB para o governo de Lula e do PT.

2) A crise econômica de 2008 é uma comprovação de que o modelo econômico da ex-primeira-ministra era falho? De que forma os críticos ao neoliberalismo se apropriam das crises econômicas dos últimos anos para fundamentar seus argumentos contra Thatcher?
PRA: A crise de 2008 não tem nada a ver com um suposto modelo econômico de MT. Quem tem modelo econômico são acadêmicos de gabinete. Margareth Thatcher tinha um imenso desafio a resolver, o que ela fez, não aplicando algum modelo econômico, como gostam certos economistas teóricos e keynesianos de botequim, mas sim algumas ideias bem simples, como aliás se encarregam de lembrar que a filha de um quitandeiro chegou a ser primeira-ministra: um país, um governo, não pode viver acima de seus meios (e isso vale para uma casa, para uma empresa e para a economia nacional); uma empresa privada, buscando lucro, sempre será mais eficiente do que qualquer governo tentando prestar um serviço coletivo; uma empresa estatal sempre será deficitária, e buscará recursos no governo; sindicatos são máquinas de criar desemprego e reservas de mercado, assim como o fazem patrões protegidos da concorrência interna (por carteis) ou externa (por tarifas altas e protecionismo regulatório); concorrência sempre é boa para satisfazer os consumidores; controles de preços nunca dão certo; taxar muito o trabalho provoca desemprego; taxar muito o capital gera desinvestimentos e fuga de capitais; manipular juros e câmbio acabam dando em desastres e o melhor é deixá-los o mais possível próximos do equilíbrio de mercado; um país não pode estacionar no processo de modernização, e sim continuar sempre inovando e sendo competitivo para simplesmente não ser ultrapassado por economias mais dinâmicas; enfim, um conjunto de ideias simples que eram bem mais pragmáticas do que teóricas.
Se algum modelo havia em suas “receitas” para corrigir o país decadente que era o Reino Unido esse era o da economia liberal, cujos fundamentos ela foi buscar em Ludwig Von Mises e em Friedrich Hayek. Isso não tem nada a ver com neoliberalismo, um falso conceito inventado pela esquerda órfã do desastre socialista para tentar encontrar um rótulo qualquer para aqueles que estavam revertendo décadas de políticas keynesianas que levaram os países à estagnação e à crise. Se tratava de liberalismo clássico, apenas isso, aquele fundamentado em Adam Smith, David Ricardo, James e John Stuart Mill, e nos já citados economistas da escola liberal alemã ou austríaca.
A crise de 2008, como várias outras crises – basta ler o clássico de Charles Kindleberger, Pânicos, Manias e Crises – foi criada por uma bolha, como sempre ocorre (financeira, da bolsa, de títulos do governo, etc.). Desta vez foi a bolha imobiliária que precipitou a crise bancária americana e daí para o resto do mundo, pelo funcionamento em rede dos mercados financeiros. Quem criou a crise foram os governos, ao manterem juros artificialmente baixos, ao estimular indevidamente e exageradamente a construção imobiliária, ao expandir o crédito acima da capacidade de endividamento das família (e ao oferecer garantias falsas para casos de insolvências), enfim, ao manipular os mercados e os indicadores macroeconômicos. Ora, a economia liberal se coloca frontalmente contrária a todas essas manipulações do governo e prega, justamente, juros de mercado, garantias reais, investimento sustentado em ativos financeiros existentes, não em crédito criado artificialmente pelos governos; os liberais verdadeiros pregam inclusive falências bancárias, em caso de sobre-exposição dos bancos, assim como se coloca contra o monopólio emissionista dos governos, gerador de inflação e de desvalorização da moeda, deixando todos bem mais pobres.
Os supostos críticos do neoliberalismo deveriam dirigir suas baterias contra os governos, não contra os economistas liberais. Afinal de contas são os governos que fixam as taxas de juros, que emitem moeda, que expandem o crédito, que dão garantias aos compradores de casa (ao avalizar seus títulos hipotecários), são eles que manipulam o câmbio, não os mercados, que simplesmente reagem segundo as reações espontâneas e não coordenadas de milhares de agentes econômicos individuais, que estão sempre buscando valorizar ou aumentar seus ativos atuando de maneira especulativa. Os supostos crises do neoliberalismo estão totalmente equivocados em suas críticas a mercados desregulados, pois a regulação dos governos, e das instituições multilaterais – como BIS ou FMI, por exemplo – é muito intensa e extensa, apenas que feita por burocratas, que não podem, obviamente, prever todos os movimentos de milhares de agentes econômicos disputando fatias de ganhos especulativos nos mercados.
Os keynesianos são os mais equivocados de todos, pois eles acreditam que governos podem, impunemente, produzir bondades, apenas “injetando liquidez” nos mercados, ou seja, emitindo dinheiro, produzindo inflação, déficit ou dívida pública. O próprio conceito macroeconômico de Keynes é equivocado, ao ignorar as lições mais elementares da microeconomia, como a lei da oferta e da procura e do equilíbrio dos mercados. Não foi o neoliberalismo, nem a austeridade que provocou as crises na Grécia, na Irlanda ou em Portugal, e sim a prodigalidade gastadora dos governos, sua irresponsabilidade no tratamento da política monetária, as bondades distribuídas de forma irresponsável pelos políticos sob a forma de altos salários para os funcionários públicos, as pensões generosas, os muitos seguros sociais existentes (que levam a um exército de assistidos com o dinheiro público, ou seja, de todos), etc. Nenhum banqueiro ou especulador de Wall Street obrigou a Grécia a se endividar de forma irresponsável; foram seus governos que tomaram recursos externos (sob a cobertura do euro e das taxas de juros mais favoráveis) acima da capacidade do país, que dispunha de produtividade abaixo do aceitável para atuar da forma como fizeram seus dirigentes.
Não há tampouco legitimidade nas críticas dos sociais-democratas contra a política social de Margareth Thatcher, pois ela legou um país mais organizado, com mais investimentos e maior nível de renda, ultrapassando novamente a Itália e a França. Os problemas que advieram depois, muito depois, em 2008-2009, não têm nada a ver com a sua gestão, terminada em 1991, e continuada integralmente sob Tony Blair (assim como Lula continuou com as políticas de FHC, que estão sendo desmanteladas, todavia, a partir de 2006).

3) Gostaria de saber se houve de fato alguma influência da política econômica de Thatcher na América Latina. Caso essa influência seja real, de que forma ela ocorreu?
PRA: Não, redondamente não. Se houve, foi tardia, equivocada, incompleta, ou implementada fora dos parâmetros. A América Latina já estava em crise bem antes de MT começar seu ciclo de mudanças de política econômica exclusivamente talhada para a situação do seu país, sem nada a ver com a situação dos países latino-americanos. A crise destes tinha a ver com o esgotamento das políticas de crescimento para dentro, com forte introversão econômica, excessivo protecionismo, manipulações exageradas dos governos nos mercados de capitais, laboral, no câmbio, nas políticas relativas ao investimento estrangeiro (fortemente restringido, como aliás todo o comércio) e dezenas de outros exemplos de dirigismo excessivo, estatizações e monopólios abusivos, controles de preços, de estoques, tributação excessiva e outros pecados mais ou menos mortais. Mais do que tudo, os países abusaram da liquidez financeira provocada pela alta dos preços do petróleos e a reciclagem de petrodólares para se endividarem além da conta (aproveitando os juros baixos, aliás abaixo da inflação, ou seja negativos), e a partir da elevação dos juros pelo Federal Reserve, em 1979, se descobriram incapazes de honrar, sequer suas dívidas, mas o simples pagamento do serviço da dívida. Ou seja, os problemas dos países latino-americanos tinham algo a ver, mas em nada deviam à decadência inglesa pré-Thatcher.
Da mesma forma, a solução encontrada não se encontrou num suposto modelo “thatcheriano” de política econômica, e sim em respostas desenhadas pelos próprios países, com a ajuda do FMI e de economistas liberais, no sentido de inverter todas aquelas políticas descritas acima. A reversão começou no México, logo em seguida à sua crise da dívida externa (1982), num momento em que as políticas econômicas de Thatcher sequer tinham começado a fazer efeito, o que só ocorreu a partir de meados da década; depois as mesmas políticas foram aplicadas no Chile e paulatinamente em outros países (mas o Brasil e a Argentina foram os mais tímidos, ou incompetentes, em aplicá-las, e por isso conheceram crises hiperinflacionárias, desvalorizações cambiais, mudanças de moedas e outros desastres, já bem depois que Thatcher abandonou o governo inglês. É um mito que os países latino-americanos tenham aplicado suas políticas, inclusive porque elas eram inaplicáveis fora do contexto britânico, com exceção, talvez, das privatizações de monopólios estatais, o que aliás respondia simples bom senso (as estatais eram ineficientes, deficitárias e não atendiam aos consumidores), e não por que isso fosse determinado por sofisticadas teorias econômicas.
Esse amálgama indevido, fantasmagórico, inexistente, totalmente equivocado entre um suposto “thatcherismo” econômico, mais a chamada “reaganomics” – que tampouco existiu, pois o presidente era um ignorante em econômica, se contentando com algumas ideias simples, geralmente liberais, mas sobretudo pragmáticas, um pouco como Thatcher, aliás – e o famoso “Consenso de Washington”, e a alegada influência dessas ideias “neoliberais” – um conceito equivocado, como já se disse – na América Latina são construções surrealistas criadas por uma esquerda desprovida de ideias claras sobre os processos econômicos, e que se compraz em colar rótulos vazios em dirigentes que aplicam políticas que contradizem seu keynesianismo de botequim. O chamado “Consenso de Washington”, por falar nele, é posterior ao início da fase de reformas em alguns países da América Latina, e visa, justamente, condensar num conjunto de ideias simples (mais uma vez) os ensinamentos de quase dez anos de reformas econômicas na região. Ele está orientado pelos mesmos princípios: equilíbrio fiscal, baixa inflação, orçamentos realistas, taxas de juros e de câmbio bem mais determinadas pelos mercados do que pelos governos, privatização e desmonopolização, abertura a comércio e aos investimentos, proteção dos ativos proprietários, etc. Nunca falou da liberalização dos movimentos de capitais ou da abertura financeira, como parece ignorar a esquerda. E, tanto quanto o “thatcherismo”, ele nunca foi aplicado na América Latina como se fosse um modelo prêt-à-porter, aplicável em quaisquer circunstâncias. Esse é outro mito, e uma outra mentira de certa esquerda, que manifestamente não entende de economia ou de processos reais de governança econômica (geralmente acadêmicos que atuam com base apenas em slogans políticos).
O único exemplo, provavelmente, de políticas à la Thatcher aplicadas na região se referem, como já indicado anteriormente, às privatizações de monopólios estatais, mas isso era uma decorrência da própria situação falimentar dessas empresas, não que houvesse um manual thatcheriano para empreender essas medidas (tanto porque cada processo foi diferente de um país a outro, provocando resultados bons e outros maus). Abertura a investimentos nem é uma ideia thatcheriana, e sim uma velha realidade da região (e de todas as outras), enterrada durante a grande dominação keynesiana, nacionalista e protecionista das décadas de 1930 a 1980, e retomada a partir de então.
Infelizmente, a América Latina atualmente – não todos os países – parece retornar aos velhos tempos: fechamento econômico, protecionismo comercial, dirigismo econômico, reestatizações, controles de preços, manipulações cambiais, etc. O Brasil, também infelizmente, parece ter acompanhado a Argentina no seu retorno ao velho protecionismo dos anos 1970; espera-se apenas que ela não a acompanhe no retorno muito mais nefasto aos anos 1930: controles de capitais, distorções cambiais, centralização estatal de várias operações financeiras externas, o que seria um bilhete certo para o desastre econômico, que é para onde está apontada a Argentina. Nem se mencione, aqui, o desastre econômico da Venezuela, um país destinado ao desastre do seu socialismo petrolífero.
Uma Thatcher faria bem a vários países da América Latina: infelizmente não se criam líderes políticos com perfil de estadista facilmente, sendo bem mais prolífica a fauna de demagogos, populistas e falastrões (e seus conselheiros econômicos que merecem o título de keynesianos de botequim).

Paulo Roberto de Almeida (Hartford, 22 de abril de 2013)

segunda-feira, 16 de julho de 2012

In Praise of Friedrich Hayek - John Taylor

Não apenas uma homenagem ao mestre, mas um exame das políticas econômicas implementadas nos EUA e na Europa e que levaram-nos à crise atual, assim como um modesto receituário hayekiano para sair da crise...
Paulo Roberto de Almeida 

The Road to Recovery
As Hayek taught, freedom and the rule of law drive prosperity.
The City Journal, Summer 2012, vol. 22., n. 3 - July 15, 2012
PAUL POPPER/POPPERFOTO/GETTY IMAGESFriedrich Hayek, second from left, at the London School of Economics in 1948
Friedrich Hayek, second from left, at the London School of Economics in 1948
Burdened by slow growth and high unemployment—especially long-term unemployment—the American economy faces an uncertain future. We have endured a painful financial crisis and recession, the recovery from which has been nearly nonexistent. Federal debt is exploding and threatening our children and grandchildren. In my view, the reason for this predicament is clear: we have deviated from the principles of economic freedom upon which America was founded.
Few thinkers of the past century understood the importance of economic freedom better than the Austrian economist Friedrich Hayek did. As we confront our current situation, Hayek’s work has much to tell us, especially about policy rules, the rule of law, and the importance of predictability—topics that he discussed in his classic The Road to Serfdom (1944) and in greater detail in The Constitution of Liberty(1960). But his work in these areas goes beyond economics into fundamental issues of freedom and the role of government. That’s why reading Hayek is more important than ever.
As Hayek would insist, we need to be careful about what we mean by economic freedom. The basic idea is that people are free to decide what to produce, what to buy, where to work, and how to help others. The American vision, as I explain in my book First Principles, held that people would make these choices within a policy framework that was predictable and based on the rule of law, with strong incentives emanating from a reliance on markets and a limited role for government. Historically, America adhered to these principles more than most countries did, a major reason why the nation prospered and so many people came to these shores.
But we haven’t always followed the principles consistently. Leading up to the Great Depression, the Federal Reserve cut money growth sharply, deviating from a predictable policy framework. The federal government then worsened the Depression by raising tax rates and tariffs and by passing the National Industrial Recovery Act, which overrode market principles and went well beyond sensible limits on government. From the mid-1960s through the 1970s, federal policy again deviated from the principles of economic freedom: the era saw unpredictable short-term stimulus packages, discretionary “go-stop” monetary policies, and wage and price controls—the antithesis of an incentive-based market system. The results: double-digit unemployment, a severe slowdown in economic growth, and the Great Inflation. Well before that time, Hayek had rightly lamented such short-term approaches: “I cannot help regarding the increasing concentration on short-run effects . . . not only as a serious and dangerous intellectual error, but as a betrayal of the main duty of the economist and a grave menace to our civilization.”
In the 1980s and 1990s, America moved back toward its first principles, a restoration that lasted until recently. Temporary stimulus programs were out; permanent tax reform was in. Steady-as-you-go monetary policy replaced go-stop monetary policy. We removed the last vestiges of price controls and reduced inappropriate regulations. The major federal welfare program devolved to the states. The results this time: declining unemployment, lower inflation, and eventually a revival of economic growth.
Now we have tragically gone off the path again. Leading up to the latest downturn, the Federal Reserve held interest rates too low for too long, deviating from the rules-based monetary policy that had worked so well in the 1980s and 1990s. Government regulators failed to enforce existing rules on banks and other financial institutions, including Fannie Mae and Freddie Mac. The resulting crisis prompted the Wall Street bailouts, which soon extended beyond their original mission. The auto-company bailouts resulted in arbitrary infringements on creditors’ rights and interventions into business operations. Then came the return of the failed stimulus packages of the 1970s, the Fed’s quantitative easing, and the regulatory uncertainty associated with the 2010 health-care legislation and the Dodd-Frank financial-reform law—which gives government the discretionary authority to take over any failing financial firm and rescue its creditors.
One sign of the increase in policy uncertainty is that over the past 12 years, the number of provisions of the tax code expiring annually has increased tenfold. Another is that the number of federal workers engaged in regulatory activities (excluding those in the Transportation Security Administration) has grown by 25 percent from 2007 to 2012. Most emblematic of the deviation from our basic principles is the self-inflicted fiscal cliff that we face at the end of this year, when virtually the entire tax code will change. And the Fed has effectively replaced the money market with itself, setting a zero-percent interest-rate policy through 2014.
Government policy has largely caused these problems. It follows that we can restore prosperity by changing the policy and implementing a plan based on our core economic principles. We should reduce federal spending, as a share of GDP, to what it was in 2007, which would let us balance the budget and stop the debt explosion with revenue-neutral, pro-growth tax reform. We should unwind our monetary excesses and normalize monetary policy, using a rules-based system of the kind that worked well in the 1980s and 1990s. We should halt the rapid expansion of the entitlement state, keeping entitlement spending growth close to GDP growth and doing it in a way that gives decision-making responsibility to people and states, rather than to the federal government. And we should replace most of Dodd-Frank with bankruptcy reform and simpler regulations, with the goal of ending government bailouts.
In implementing this new economic strategy, policymakers should be guided by Hayek, especially by his emphasis on the rule of law and the predictability of policy. As he wrote in The Road to Serfdom, “Nothing distinguishes more clearly conditions in a free country from those in a country under arbitrary government than the observance in the former of the great principles known as the Rule of Law. Stripped of all technicalities, this means that government in all its actions is bound by rules fixed and announced beforehand—rules which make it possible to foresee with fair certainty how the authority will use its coercive powers in given circumstances and to plan one’s individual affairs on the basis of this knowledge.”
Rules-based policies produce more stable economies and stronger economic growth. When people make decisions, they look to the future. Prices that convey information and provide incentives reflect the future. So good decisions as well as the prices that guide them depend on the predictability of future policy—and thus on clear policy rules.
But Hayek emphasized that rules for government policy do something more. The rule of law protects freedom, as the title of Hayek’s The Constitution of Libertysuggests. Hayek traced this idea through the ages—first to Aristotle, then to Cicero, about whom Hayek wrote: “No other author shows more clearly . . . that freedom is dependent upon certain attributes of the law, its generality and certainty, and the restrictions it places on the discretion of authority.” Hayek also cited John Locke, who wrote that the purpose of the law was “not to abolish or restrain, but to preserve and enlarge freedom. . . . Where there is no law, there is no freedom.” Finally, Hayek pointed to James Madison and other American statesmen who put these ideas into practice in a new nation. These thinkers distrusted government officials as protectors of freedom; the rule of law, they believed, was more reliable.
So rules have a dual purpose: encouraging economic growth and protecting freedom. The best way to understand the two advantages of rules is to examine what happens in their absence, as in the case of wage and price controls. Such controls are arbitrary: they require decisions by people at the top about virtually every price and wage; they distort economic signals and incentives; they create shortages and surpluses. These effects occur whether the price controls are imposed on the whole economy or on a particular sector, such as health care.
Many wonder how a system of rules can work in practice, with politicians and government officials continually pressured to “do something” about economic problems. Rules mean that you do nothing, say the skeptics, and that’s impossible in today’s charged political climate and hour-to-hour, even minute-to-minute, news cycle. My colleague George Shultz calls the problem “the urge to intervene.”
Hayek had an answer to that challenge. In The Road to Serfdom, he pointed out the need to clear up a “confusion about the nature of this system” of formal rules: “the belief that its characteristic attitude is inaction of the state.” Offering one example of a rules-based system, he noted that “the state controlling weights and measures (or preventing fraud or deception in any other way) is certainly acting.” By contrast, a system in which the rule of law was flouted wasn’t necessarily characterized by action: “The state permitting the use of violence, for example, by strike pickets, is inactive.” Similarly, simple rules for monetary policy don’t mean that the central bank, in response to events, takes no action at all with interest rates or the money supply. The bank might provide loans in the case of a bank run, for instance. But these actions can be taken in a predictable manner. For that matter, deviation from the rules sometimes results in inaction. A decision by government regulators not to act when financial institutions take on unreasonable risks, for example, constitutes both inaction and a violation of the rule of law.
Some argue that crises like the present one force policymakers to deviate from rules and the rule of law. But a crisis may be the worst time to do so. In a crisis, what is vital is increased strategic clarity, not increased unpredictability. That fact became clear following the first bailout of the recent crisis, the Bear Stearns intervention: few knew what to expect the next time a financial institution wanted help, since no strategy had been articulated. The crisis worsened. The sooner people can make decisions with knowledge of the rules, the sooner recovery will come about.
To get America back on track, we must choose leaders who believe in the principles of economic freedom and will implement them. But here, Hayek issued a warning. In a chapter in The Road to Serfdom called “Why the Worst Get on Top,” he suggested that people with the ambition to become leaders, either by election or by appointment, are often interventionists, since their tendency is to do whatever it takes to succeed. Further, those who benefit directly from discretionary government interventions naturally support such officials. Industries and firms that benefit from bailouts will favor officials comfortable with bailouts, for example, and even academic research on economic policy will become biased toward interventionism. Perhaps the answer to Hayek’s warning is to elect or appoint people regarded as overly committed to the principles of economic freedom. Then, after experiencing the heavy pressure pushing them toward intervention, they may emerge with a sensible balance. In the 1980s, Ronald Reagan took this tack, appointing many Ph.D.s from the University of Chicago’s free-market school of economics to positions of leadership.
John Maynard Keynes took a different view. In a famous letter to Hayek aboutThe Road to Serfdom, Keynes expressed his preference for more interventionist appointees—but he wanted only those whom he viewed as beneficentinterventionists. “What we want is not no planning, or even less planning, indeed I should say we almost certainly want more,” Keynes wrote. “But the planning should take place in a community in which as many people as possible, both leaders and followers, wholly share your own moral position.” Milton Friedman later cited this letter to illustrate Keynesianism’s defining characteristic: its focus on discretionary interventions taken by people in powerful government positions.
Even those who support the principles of economic freedom can sometimes get off track. One might argue that such deviations were needed in the fall of 2008; perhaps the actions taken then prevented a more serious panic. But that’s no reason to embrace the discretionary policies that led to the mess in the first place. Such an argument is like saying that the person who set fire to a house should be exonerated because he then put out the fire and saved a few rooms.
Is today’s departure from economic freedom any less serious than the assault on freedom that Hayek wrote about in The Road to Serfdom? Am I exaggerating when I say that the future of American prosperity—or even global prosperity—is at stake?
While central planning may not be the right term for it, consider the 2010 health-care law, which gave the federal government the power to mandate the terms of everyone’s health-insurance package and which created an Independent Payment Advisory Board to determine the price, quantity, and quality of the medical services—from number of MRIs to the necessary accuracy of CT scans—that a medical professional provides. Is that so different from the way centrally planned economies determine the price, quantity, and quality of livestock, wheat, or steel that can be produced? Or consider monetary policy. A few years ago, I coined the term “mondustrial policy” to describe the Fed’s practice of quantitative easing, which combined industrial policy (discretionary assistance to certain firms and industries) with monetary policy (printing money to finance that assistance). Since then, the Fed has purchased $1.25 trillion of mortgage-backed securities. In fiscal year 2011, it purchased 77 percent of the newly issued federal debt, long after panic conditions had subsided.
Hayek argued that inflationary monetary policy undermines economic freedom, in part because it hits the elderly and the poor particularly hard, rationalizing more discretionary interventions. Though the inflation problem is less severe now than in the 1970s—at least so far—the impact of the Fed’s multiyear, zero-percent interest-rate policy resembles that of the Great Inflation era: it significantly cuts real incomes for those who have saved over a lifetime for retirement.
By moving away from the basic principles of economic freedom, government policy has caused our recent economic malaise. It should be no consolation that some of our friends in Europe are facing worse economic struggles, often because they moved even further away from those principles. The good news is that a change in government policy will alleviate the problems and help restore economic prosperity. Understanding Hayek’s work, written during similar circumstances, will help us greatly as we undertake that difficult task.