As missões da diplomacia de Lula a partir de sua ‘reestreia’ na COP
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
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sexta-feira, 11 de novembro de 2022
As missões da diplomacia de Lula a partir de sua ‘reestreia’ na COP - Victor Ohana (Carta Capital)
sábado, 12 de março de 2022
Lições monetárias da Primeira Guerra Mundial - Luiz Gonzaga Belluzzo (Carta Capital)
Luiz Gonzaga Belluzzo
01:15:11 | 11/03/2022 | Economia | Revista Carta Capital
A maioria dos países saiu do primeiro conflito mundial com as finanças públicas destroçadas pelo financiamento das despesas militares, realizado basicamente por meio do endividamento e da emissão de papel-moeda inconversível. As dívidas de guerra e as reparações exigiram um esforço adicional de obtenção de recursos fiscais que as populações - principalmente as classes abastadas - não estavam dispostas a conceder aos governos.
Esmagada pelas reparações de guerra que lhe foram impostas pelo Tratado de Versalhes, a economia alemã sucumbiu à impossibilidade de gerar as divisas necessárias para servir o que lhe fora imposto. A fuga sistemática do marco para o dólar e a libra, as moedas-reservas do Gold Exchange Standard, disparou a hiperinflação e a necessidade de emissões monetárias do Reichsbank para "cobrir" a fuga desesperada da moeda nacional.
Em sua ressurreição, sob a forma do Gold Exchange Standard, o padrão-ouro foi incapaz de reanimar as convenções e de reproduzir os processos de ajustamento e as formas de coordenação responsáveis pelo desempenho anterior. O último país a declarar oficialmente sua adesão ao padrão-ouro foi a França, em 1928. Antes dela, entre 1923 e 1925, retornaram a Alemanha e seus companheiros de hiperinflação, Áustria, Hungria e Polônia. Esses náufragos da moeda destroçada foram socorridos pelos empréstimos de estabilização, concedidos, sobretudo, pelos bancos norte-americanos.
A volta mais aguardada era a da Inglaterra. Isso ocorreu em 1925, de forma inadequada. O estabelecimento da paridade da libra com o ouro no mesmo nível que prevalecia antes da guerra foi a causa de muitos dos problemas de coordenação que se apresentaram durante os conturbados anos 1920 e 1930.
Sob a forma modificada do Gold Exchange Standard, que permitia - diante da escassez de ouro - a acumulação de reservas em moeda "forte" (basicamente o dólar e a libra), esse arranjo monetário provocou assimetrias no ajustamento dos balanços de pagamentos e desatou, frequentemente, uma especulação causadora de instabilidade nos mercados financeiros. A decisão da Inglaterra, tomada em 1925, de voltar à paridade do período anterior à guerra, era claramente incompatível com o novo nível de preços interno e tampouco reconhecia o declínio de seu poderio econômico e financeiro.
Os Estados Unidos saíram do conflito com créditos acumulados contra os países europeus e fortalecidos economicamente diante de competidores que tiveram suas economias destroçadas. A "sobrevalorização" da libra e a "subvalorização" de outras moedas, principalmente do franco, causaram, ao longo do tempo, o aprofundamento dos desequilíbrios do balanço de pagamentos e pressões continuadas sobre a moeda inglesa. As perspectivas dos mercados quanto à sustentação da paridade eram pessimistas e os ajustamentos entre países superavitários e deficitários não ocorriam.
Os déficits e os superávits tendiam a se tornar crônicos, em boa medida porque os países superavitários tratavam de trocar seus haveres em "moeda forte" por ouro. Os Estados Unidos, a França e a Alemanha acabaram por concentrar uma fração substancial das reservas em ouro, contribuindo para confirmar as expectativas negativas quanto ao futuro da libra.
Os capitais privados, principalmente de origem norte-americana, entre 1925 e 1928, estimulados pelos diferenciais de juros (e ativos baratos) nos países de moeda recém-estabilizada, em particular na Alemanha, formaram bolhas especulativas, ávidos em colher as oportunidades de ganhos de capital. O ciclo de "inflação de ativos" estrangeiros foi concomitante à rápida valorização das ações da Bolsa de Valores norte-americana. Essa onda de especulação altista, como não poderia deixar de ser, foi alimentada pela expansão do crédito nos Estados Unidos, onde as taxas de desconto ainda foram reduzidas, em 1927, para aliviar as pressões exercidas contra a libra.
O desastre que se seguiu foi consequência da mudança de sinal da política monetária dos EUA, em meados de 1928.0 Federal Reserve, preocupado com o aquecimento da economia e com a febre dos mercados financeiros, subiu a taxa de desconto, provocando o "estouro" da bolha especulativa em outubro de 1929. Os "grilhões dourados" do regime monetário tiveram grande responsabilidade na imobilização das políticas econômicas, determinando uma quase completa incapacidade de resposta e de coordenação dos governos da Europa e, ao menos até 1933, dos Estados Unidos.
quarta-feira, 3 de março de 2021
Ciclo de debates formará programa para política externa pós Bolsonaro - Antonio Cottas Freitas (Carta Capital)
Ciclo de debates formará programa para política externa pós Bolsonaro
Iniciativa leva o nome de 'Renascença' e é descrita como 'inédita' na diplomacia brasileira
Carta Capital | 2/3/2021, 15h20
Mais de uma centena de encontros devem ser realizados até setembro deste ano para discutir a construção de um programa público para a política externa brasileira, sob a organização de servidores do Itamaraty e com a participação de acadêmicos e ativistas. A iniciativa, descrita como inédita no campo da diplomacia do país, leva o nome de “Renascença: construção coletiva de uma política externa pós-bolsonarista”.
O ciclo de debates teve início em 2020 e é exibido no canal do Instituto Diplomacia para Democracia, no YouTube e no Facebook. Estiveram no debate inaugural o ex-chanceler Celso Amorim e o ex-embaixador Rubens Ricupero. Entre os assuntos já tratados até agora, estiveram a redução de desigualdades, os direitos humanos e os desafios da diplomacia brasileira nesta década.
O próximo debate, marcado para 4 de março, às 19 horas, tratará do tema “Do Black Lives Matter nos EUA ao ativismo negro no Brasil: lições do antirracismo nas Américas”. Participarão do evento os professores Flávio Thales Ribeiro e Edilza Sotero, com mediação do professor Marcio André.
O projeto foi criado pelo diplomata Antonio Cotta de Jesus Freitas, responsável pelo espaço cultural Tapera Taperá, em São Paulo, que também funciona como uma plataforma de cursos. O idealizador atuou na formulação do programa de relações internacionais da candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) à presidência em 2018.
Segundo Cotta de Jesus Freitas, a ideia partiu da constatação de que a diplomacia do governo do presidente Jair Bolsonaro é “uma antipolítica externa”, descolada das melhores tradições do Itamaraty, dos princípios constitucionais e de noções básicas de decoro. Depois de Bolsonaro, será preciso refundar as bases da chancelaria brasileira, diz ele, em temas como pobreza, violência, mudanças climáticas e busca pela paz.
“Vai haver a necessidade de reconstruir um projeto nacional mais amplo”, afirma. “Isso demanda refletir o que constitui o Brasil, qual a nossa identidade, que país nós queremos e qual a inserção internacional teremos.”
“Os atuais comandantes da política externa promovem um período de obscurantismo, de terra arrasada. Involuntariamente, eles nos estimulam a nos engajarmos por um amanhã diferente”, diz o idealizador.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021
Esquerda E direita estão paralisadas frente a Bolsonaro: Marcos Nobre (Carta Capital)
Normalmente, eu não costumo separar os políticos em esquerda e direita, pois ambas são oportunistas e integradas por políticos patrimonialistas. Mas é assim que o jornalismo e os próprios partidos se classificam, o que deve ser tomado com muitas toneladas de sal...
Esquerda e direita mostram imensa fragilidade diante de Bolsonaro, diz Marcos Nobre
Em entrevista a CartaCapital, filósofo analisa os riscos e ameças no cenário político brasileiro. 'O desafio não é só vencer Bolsonaro'
Carta Capital, 13 de fevereiro de 2021 - 05:59
As eleições de 2022 despontam no horizonte da democracia brasileira e os desafios da oposição a Jair Bolsonaro são maiores do que vencê-lo nas urnas. A avaliação é do filósofo Marcos Nobre, professor da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Para ele, o próximo pleito será uma oportunidade para que o País construa “um novo conjunto de regras de convivência política, que é algo que foi destruído nos últimos seis ou sete anos”.
Para evitar o que chama de “um cenário de altíssima incerteza e de perigo para o Brasil”, Nobre aponta para a necessidade de formação de uma frente ampla entre os opositores do presidente.
“Frente ampla não significa uma candidatura única. A frente ampla é, em primeiro lugar, afastar democraticamente o atual presidente.”
No entanto, dada a fragmentação da oposição, o risco de se repetir a situação de 2018 não é descartado.
“O que me chama atenção é que muitas pessoas dizem que a situação é muito grave. Mas eu não consigo ver as pessoas tomando as atitudes correspondentes a essa gravidade”, lamenta. “Muitos acham que quem chegar contra o Bolsonaro no segundo turno ganha – e todo partido acha que vai chegar. Esse é raciocínio demonstra total deslocamento da realidade, pois Bolsonaro é o candidato mais forte”.
Nobre conversou com CartaCapital nesta semana. Confira, a seguir, os destaques da entrevista.
CartaCapital: O contexto da eleição do Lira para presidente da Câmara antecipa algo sobre 2022?
Marcos Nobre: Muito. Para começar, o resultado antecipou a largada das eleições de 2022. Basta a gente ver o movimento do governador João Doria no seu partido e na tentativa de trazer o DEM. Já o Lula anunciou o [Fernando] Haddad como candidato. Ou seja, houve uma antecipação por causa da eleição na Câmara.
Tivemos uma candidatura [Baleia Rossi com apoio de Rodrigo Maia] que se apresentou como oposição a Bolsonaro e que era um ensaio de frente ampla que foi derrotada. O resultado do processo é um estado de fragilidade muito grande dos partidos que estão na oposição ao presidente, tanto à direita quanto à esquerda.
CC: Foi, sobretudo, uma vitória do Bolsonaro?
MN: Sem dúvida, pois ele conseguiu convencer uma parte significativa do sistema político de que ele é a candidatura mais forte para 2022 e, de fato, é. Isso não significa que a relação de Bolsonaro com esses partidos vá ser tranquila. Pelo contrário, será tumultuada, mas de qualquer maneira é uma grande vitória.
As pessoas dizem: ‘o Bolsonaro ganhou, mas a pandemia vai piorar, a crise econômica virá, o Centrão vai cobrá-lo’. O fato é que esse ‘mas’ ainda não chegou.
Na oposição, até agora, todo mundo acha que consegue resolver individualmente, como se uma força política sozinha fosse capaz de derrotar o Bolsonaro.
CC: Uma solução seria sair com uma frente ampla já no primeiro turno em 2022?
MN: É importante fazer uma distinção, pois frente ampla não significa uma candidatura única. A frente ampla é, em primeiro lugar, afastar democraticamente o atual presidente, seja por meio do impeachment ainda em 2021 ou derrotá-lo em 2022.
Derrotar eleitoralmente o Bolsonaro em 2022 significa que a frente ampla vai ser capaz de reestabelecer uma repactuação da democracia brasileira, no sentido de construir um novo conjunto de regras de convivência política, que é algo que foi destruído nos últimos seis ou sete anos.
O efeito eleitoral dessa repactuação deve ser: quem quer que concorra contra Bolsonaro no segundo turno em 2022 deve receber o apoio de todas as demais forças do campo democrático. Esta é a ideia de frente ampla.
CC: Há o risco de em 2022 se repetir o que ocorreu em 2018?
MN: A lição de 2018 é: não se formando a frente ampla antes do segundo turno, ela não se formará no segundo turno. Então, precisa haver conversas e pactos anteriores a 2022, se não cada um vai para um lado.
As pessoas dizem: ‘o Bolsonaro ganhou, mas a pandemia vai piorar, a crise econômica virá, o Centrão vai cobrá-lo’. O fato é que esse ‘mas’ ainda não chegou.
CC: O senhor acha que o impeachment do Bolsonaro ficou mais distante com a eleição de Arthur Lira para presidente da Câmara?
MN: A vitória do Lira diminuiu a chance do recebimento de um pedido de impeachment, mas se houver mobilização social e uma rejeição próxima de 2/3 do eleitorado, a pressão pode ser de tal ordem que mesmo um deputado como Lira pode aceitar o pedido.
Não sendo assim, o Lira vai segurar. O limite para a abertura do impeachment é 2021, pois no ano seguinte tem eleição.
CC: Com a eleição do Lira, após o apoio explícito do governo, como o senhor acha que o presidente se portará, já que foi um candidato antissistema?
MN: O discurso não vai mudar muito, porque os candidatos antissistema, quando chegam ao poder, continuam se comportando como candidatos. Quando olhamos a base de apoio do Bolsonaro, que gira em torno de 1/3 do eleitorado, está com ele aconteça o que acontecer, mesmo ele expulsando o Moro do governo e fazendo acordos com Centrão.
A questão é quanto ele consegue além disso. O eleitorado lavajatista abandonou em grande medida essa base de apoio e foi substituído pelo efeito do auxílio emergencial.
Tem uma outra parte formada bolsonaristas que são simpatizantes de causa. Esses são os mais difíceis de se manter. Por isso, ele precisa reforçar as pautas conservadoras no Congresso e, para isso, a eleição do Lira e a indicação da Bia Kicis para a CCJ são fundamentais.
Se ele não conseguir aprovar nenhuma das pautas de costume, vai reforçar o discurso de luta contra o sistema e, portanto, ele precisa se reeleger para ficar mais forte para dobrar o sistema, que é implantar o autoritarismo no Brasil.
CC: Ele teria força para dobrar o sistema no segundo mandato?
MN: Ele já está destruindo o País, vidas, a Amazônia e as instituições democráticas por dentro ao aparelhar órgãos de segurança, de controle e parte do Judiciário, além de ocupar espaços do estado com a ideologia de extrema-direita. E são coisas que não são muitas vezes visíveis.
Se o Bolsonaro se reeleger, cai o discurso de que a eleição dele foi um acaso e portanto ele se fortalece para redobrar a aposta na destruição das instituições democráticas por dentro.
CC: Caso ele perca em 2022, haverá tentativa de golpe?
MN: Sem dúvida. O que aconteceu nos EUA após a derrota de Trump é apenas um pequeno aviso do que acontecerá no Brasil caso o Bolsonaro seja derrotado, pois ele não vai aceitar o resultado. É um cenário de altíssima incerteza e de perigo para o País. O golpe que ele encenou em abril e maio de 2020 será mais grave em 2022. Se ele será bem sucedido é outra questão.
No entanto, para que alguém ganhe, todos os demais adversários precisam aceitar perder, não só o Bolsonaro, que não vai aceitar. Dentro do campo democrático, é preciso que as outras forças políticas aceitem a vitória de um outro candidato. E para elas aceitarem é preciso ter uma repactuação da democracia, porque não adianta ganhar a eleição se você não consegue governar.
Essa repactuação não é apenas para derrotar Bolsonaro, tem que ser também para salvar a democracia brasileira. Só afastar Bolsonaro não resolve o problema que ele representa, de uma democracia fragilizada em que um sentimento anti-sistema se confunde com um sentimento anti-democratico. E é essa conjunção que é tarefa do campo democrático desfazer.
CC: O que ficou da esquerda nesta conjuntura?
MN: A esquerda mostrou uma imensa fragilidade, fragmentação, falta de coordenação e de orientação. O exemplo flagrante disso é que o PT e o PDT apoiaram uma candidatura contra Bolsonaro na Câmara e uma a favor de Bolsonaro no Senado. Mas a fragilidade não é só da esquerda, mas também da direita tradicional.
O que me chama atenção é que muitas pessoas dizem que a situação é muito grave, mas eu não consigo ver as pessoas tomando as atitudes correspondentes a essa gravidade. Muitos acham que quem chegar contra o Bolsonaro no segundo turno ganha e todo partido acha que vai chegar. Esse é o raciocínio que demonstra total deslocamento da realidade, pois Bolsonaro é o candidato mais forte. Não adianta só ganhar, tem que repactuar para conseguir governar. O cenário mostra uma impotência da oposição, pois não há nenhuma força que sozinha possa vencer.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021
Antidiplomacia bolsonarista deve ser responsabilizada pelo atraso nas vacinas, avalia embaixador (Paulo R. Almeida) - Giovanni Galvani (Carta Capital)
Antidiplomacia bolsonarista deve ser responsabilizada pelo atraso nas vacinas, avalia embaixador
Com Índia, a questão é diplomática. E com a China, política. Em ambos os casos, o governo Bolsonaro deve ser considerado culpado
Giovanna Galvani
Carta Capital, 20/01/2021
A viabilidade de uma ampla campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil passou a depender de uma das mais problemáticas agendas do governo de Jair Bolsonaro: as relações exteriores.
China e a Índia, duas potências orientais com relacionamentos diferentes com o governo brasileiro, mantêm sob custódia, respectivamente, os insumos para a produção das duas vacinas aprovadas para uso emergencial no Brasil e 2 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca, que já deveriam estar em solo nacional se não fosse o fracasso da operação coordenada pelo chanceler Ernesto Araújo.
Na análise do diplomata Paulo Roberto de Almeida, os dois países devem colaborar, em breve, para que o prosseguimento da vacinação seja viável no Brasil. No entanto, fica um recado vindo especialmente da China, alvo preferido da bravata ideológica de Araújo em seus alinhamentos com a extrema-direita mundial: as relações estão estremecidas, e os chineses sabem bem qual é o lado mais forte da balança.
Almeida, que se considera um “dissidente” do Itamaraty, foi demitido, em 2019, da diretoria do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), integrado ao Ministério, por publicar textos críticos em seu blog pessoal. Hoje, atua também como professor de Economia Política na pós-graduação de Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Na terça-feira 19, a Índia indicou países vizinhos prioritários para a exportação de vacinas produzidas em seu território – uma das maiores plantas farmacêuticas do mundo – e não citou o Brasil. Na lista, estão países vizinhos e aliados estratégicos do país.
Almeida afirma que a diplomacia indiana foi educada no trato com o Brasil, e que quaisquer ilusões de Bolsonaro com o primeiro-ministro Narendra Modi, também de direita, deveriam considerar o nacionalismo indiano. A vacinação no país asiático – que tem mais de 1,3 bilhão de habitantes – acabou de começar. Exportar doses para o Brasil, portanto, não seria bem visto entre os indianos.
“O chanceler indiano sinalizou por três vezes que havia dificuldades em exportar a vacina. Ele foi muito diplomático, pois isso causaria um enorme problema para Modi no plano interno. O Modi recebeu Bolsonaro no dia da Independência indiana com todas as honras, mas ele é um nacionalista ao velho estilo. Não tem nada a ver com ‘anti-globalismo’ de Araújo”, afirma o diplomata.
Com a China, o buraco é mais embaixo. Almeida lembra que, desde a campanha presidencial de 2018, ao visitar Taiwan – uma “província rebelde” aos olhos do Partido Comunista Chinês -, o presidente manda mensagens de afronta ao maior parceiro comercial do País.
“O caso da China é mais político, e o da Índia é uma inconveniência diplomática cometida pelo chanceler e pelo Bolsonaro. Com certeza, isso causou um imenso mal-estar na Índia que não se manifestou porque eles são grandes diplomatas e não cometeriam uma grosseria.”, diz Almeida. “Eles não são o Bolsonaro, que já brigou com o Macron, a mulher do Macron, o [presidente da Argentina] Alberto Fernández, o Evo Morales, Deus e o mundo”, analisa.
Nas ofensas a China, tem protagonismo Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que já brigou publicamente com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, pelas redes sociais.
Eduardo repetiu que o coronavírus era um “vírus chinês” e fez campanha contra o leilão do 5G com a participação da Huawei, empresa chinesa estratégica no setor. Em ambos os casos, Ernesto Araújo endossou o discurso do filho do presidente.
“A China atua politicamente em resposta. Até agora, foi muito leniente com o Brasil até pelas brigas comerciais que estava travando com os Estados Unidos”, diz o diplomata. A China separa a questão política da comercial, mas eles estão fazendo corpo mole para sinalizar ao Brasil que, se continuar assim, o País talvez sofra.”
Para ele, o grande divisor de águas” nas relações sino-brasileiras seria a proibição à participação da Huawei no leilão do 5G. Mas as críticas preconceituosas de Bolsonaro à “vacina chinesa” também provocaram forte repúdio das autoridades chinesas, afirma.
Almeida avalia ainda que, caso haja caos pela falta das doses da vacina contra a Covid, a “antidiplomacia” bolsonarista será diretamente responsável.
“Todo mundo importa ou toma remédio da Índia e da China. Precisou um inepto total como o Bolsonaro para causar um enorme preconceito contra os produtos chineses”, ressalta.
“A China vai acabar fornecendo [os insumos], mas talvez demore mais um pouco para deixar os Bolsonaro desesperados. Quando acabar o estoque, pode haver cenas dramáticas dos hospitais. Houve um enorme fracasso diplomático que não é limitado ao contexto atual da pandemia, da vacina, é um fracasso diplomático desde o começo.”
Além das relações bilaterais estremecidas, há ainda a falta de coordenação com outros órgãos multilaterais que poderiam ter ajudado o Brasil em “inteligência sanitária e de saúde”, diz o ex-embaixador, referindo-se ao atraso do Ministério da Saúde em adquirir insumos como seringas e agulhas à tempo da vacinação.
Correção de rumos
Para corrigir os problemas, Bolsonaro aposta nas boas relações que o vice-presidente Hamilton Mourão tem com autoridades chinesas, afirmaram aliados do governo à jornalista Andreia Sadi, da Rede Globo.
O general faz parte da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, a Cosban, e deve ser encarregado de “salvar a pátria” porque os “chineses não falam com o Araújo”, analisa o diplomata. “O governo de Bolsonaro faz tudo errado e, então, apela para soluções de expediente”.
Com a pandemia ainda crescente e uma longa campanha de vacinação pela frente, Paulo Roberto sugere que o Brasil reavalie suas posições com a China – apesar do novo governo dos Estados Unidos, comandado agora pelo democrata Joe Biden, que deve tentar conter a influência da China sobre as Américas.
“O que vai sobrar para o Biden da política externa de Trump é o mercantilismo americano, que responde a uma frustração dos órfãos da globalização, dos desempregados, ao sentimento de que a China não joga conforme as regras”, analisa. “O Biden foi acusado pelo Trump de ser aliado da China, e ele tem que provar que não é soft com eles.”
... Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/mundo/antidiplomacia-bolsonarista-deve-ser-responsabilizada-pelo-atraso-nas-vacinas-avalia-ex-embaixador/.
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sábado, 16 de janeiro de 2021
O movimento tradicionalista: Benjamin Teitelbaum - Carta Capital
Santa ignorância
Benjamin Teitelbaum, da Universidade do Colorado, explica a interpretação tortuosa da realidade compartilhada pelo radicalismo de direita.
"Isso normalmente significa rejeitar coisas como ciência moderna, universidades modernas e o Estado democrático. Também pode significar rejeitar esforços para criar sociedades mais integradas e igualitárias em termos de raça e gênero."
CartaCapital: Do ataque ao Capitólio à negação da Covid-19, como podemos identificar o tradicionalismo nesses movimentos destrutivos?
Benjamin Teitelbaum: O tradicionalismo pode inspirar os indivíduos a rejeitar as alegações de especialistas científicos durante, digamos, a pandemia. A abraçar, em vez disso, o conhecimento rejeitado pela sociedade moderna dominante como o esoterismo religioso e as teorias de conspiração. Desrespeitar o funcionamento das instituições governamentais. E opor-se aos movimentos políticos que buscam criar um mundo melhor. Assim, aqueles atraídos pelo tradicionalismo podem celebrar a dispensa em massa de perícia científica e educação formal, o mau funcionamento do governo e o colapso das agendas sociais progressistas.
CC: Como uma crise que mina a economia e colapsa o sistema de saúde global pode ser lucrativa para este grupo?
BT: Pensadores desse tipo celebraram o fato de que a pandemia, segundo eles, desacelerou a globalização. Eles acreditam que as nações que se sairão melhor são aquelas que fortalecerem suas fronteiras, ilhas literais ou figurativas. Continuar com o sonho de um mundo sem fronteiras, no qual indivíduos e bens se movem sem obstáculos, um sonho progressista que os tradicionalistas consideram com desprezo, provoca a morte na era da Covid.
CC: Qual a interpretação que eles têm de movimentos como o feminismo, a comunidade LGBT, os direitos humanos, a diversidade social e a própria democracia?
BT: Todos os movimentos que você mencionou compartilham alguns recursos. Eles podem esforçar-se para desfazer a hierarquia social na sociedade, para assegurar que ser de um determinado gênero, orientação sexual, grupo cultural ou classe não limite suas oportunidades políticas ou econômicas. Um crítico diria que eles se esforçam tanto para igualar quanto para homogeneizar, e não segundo um princípio espiritual, mas segundo uma doutrina secular universal (como a noção de direitos humanos). Então, os tradicionalistas acreditam que esses valores que você citou reinarão durante a era das trevas, uma época em que fronteiras de todos os tipos se desintegram e nos unimos em uma massa homogênea em torno dos valores humanos antiespirituais os mais baixos possíveis.
CC: O que vamos viver não será mais uma disputa entre esquerda e direita, mas um conflito entre tradicionalistas e pluralistas?
BT: O que você tende a ouvir, em vez de observadores políticos, é que a linha que define a política vai se tornar globalismo versus nacionalismo: aqueles que querem aumentar a circulação de bens, dinheiro e seres humanos em todo o mundo, e aqueles que querem diminuí-la. Outros dizem que a nova linha divisória será materialismo versus imaterialismo, políticos cuja principal preocupação é a economia (sejam eles liberais de livre-mercado ou socialistas) versus aqueles que se preocupam mais com valores políticos culturais ou espirituais, quaisquer que sejam. E os tradicionalistas poderíam encontrar um papel para si próprios em qualquer uma das variantes, especialmente em sua combinação, em causas políticas que buscam fortalecer as fronteiras e a identidade nacionais com o objetivo de estimular um renascimento espiritual. Se o passado recente for precedente, essas figuras não serão a face mais pública desses movimentos nem tentariam rotular publicamente uma causa como "tradicionalista". Em vez disso, eles operariam por trás dos líderes como figuras e gurus, como Rasputin, empurrando a causa para frente com fervor incomum e indiferença pela destruição forjada no processo.
CC: O Twitter e o Facebook excluíram permanentemente a conta de Donald Trump. Como decisões como essa podem afetar esse movimento?
BT: As plataformas de mídia digital desempenham um papel estratégico importante nos movimentos de extrema-direita, e claro, e acho difícil subestimar até que ponto a exclusão de Donald Trump do Twitter vai atrapalhar suas operações políticas nesses grupos. Para os tradicionalistas envolvidos com a direita, a mídia social tem um significado mais profundo além de sua aplicação estratégica: ela oferece um meio de contornar o mundo da mídia profissional convencional (uma instrução modernista projetada para criar um público mais informado) que eles presumem que está destinado a ser perverso e enganoso. Consequentemente, a perda de sua capacidade de contornar a mídia convencional pode significar mais para eles do que um mero obstáculo prático. Isso pode significar um desafio metafísico mais profundo à sua causa.
CC: Por muito tempo o tradicionalismo foi considerado um grupo "menor". O Brasil deve temer o avanço desse pensamento?
BT: O tradicionalismo não foi projetado para ser, nem acho que jamais será, um movimento de massa. E muito excêntrico, muito bizarro, muito radical em sua oposição às coisas que a maioria de nós considera senso comum. Sua recente ascensão à proeminência política, da mesma forma, não foi graças a qualquer organização, mas ao sucesso estranhamente simultâneo de indivíduos isolados que desempenharam o papel de conselheiros ou ideólogos em vários movimentos políticos populistas em todo o mundo.
CC: É possível indicar a influência desse tradicionalismo no governo Bolsonaro?
BT: Sim. O próprio Bolsonaro exibe muitas dessas tendências. Mas as figuras dentro e ao redor de seu governo que os abraçam com mais fervor e com a consciência mais ideológica são Olavo de Carvalho e Ernesto Araújo.
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"O tradicionalismo não foi projetado para ser um movimento de massa. É muito excêntrico, bizarro"
domingo, 6 de outubro de 2019
Nunca Antes na diplomacia: o discurso de Bolsonaro na ONU - Celso Amorim
Pois é com esse título algo irônico que o “megalonanico” em questão começa sua peroração contra o lamentável e medíocre discurso do chefe de Estado — na verdade, chefe de um clã tribal — na abertura dos trabalhos da AGNU, uma crítica bem merecida, na qual eu descontaria os arroubos pro domo sua, se derramando em elogios ao “nunca antes” do lulopetismo diplomático.
Sem qualquer problema de consciência ou censura indevida, o que nunca foi minha atitude, transcrevo aqui esse artigo, com minha aprovação a 90% de seu conteúdo.
O bolsonarismo tem essa “qualidade”: ele é tão ruim, tão medíocre, tão sectário, que ele tem o dom de unir antigos adversários políticos.
Paulo Roberto de Almeida
Pirenópolis, 6/10/2019
Celso Amorim
Carta Capital, 4/10/2019
sexta-feira, 12 de abril de 2019
Araujo constrange o Itamaraty : alvo de crescente oposicao interna - Carta Capital
Araújo constrange o Itamaraty e é alvo de crescente oposição interna
“Não acho que ele seja manipulador ou mau-caráter. Naquele discurso de posse, deu pra ver que ele quase chorou”, disse um terceiro-secretário lotado em Brasília.