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segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A diplomacia de Lula, 2023-2026: mais do mesmo? - Paulo Roberto de Almeida

A diplomacia de Lula, 2023-2026: mais do mesmo?  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Comentários a respeito de temas de política externa apresentados em discurso na COP-27, realizada no Egito, a convite do jornalista Duda Teixeira.

Emissão no YouTube do programa Latitude, 22/11/2022:


https://youtu.be/O7tzEZV3P9Q

Também postado em pdf na plataforma Academia.edu, link: https://www.academia.edu/91326453/4275_A_diplomacia_de_Lula_2023_2026_mais_do_mesmo_2022_

  

Em discurso por ocasião da COP-27, Lula abordou diferentes temas de política doméstica, inclusive econômica, mas também de política externa. Aproveitando as declarações mais representativas de seu pronunciamento no campo da diplomacia, formulo em seguida a cada uma delas, algumas observações sobre suas implicações respectivas.

 

1. Quero dizer que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo. Para cooperar outra vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e transferência de tecnologia.

PRA: Lula quer recolocar o Brasil no mapa dos protagonistas das relações internacionais, e uma das configurações desse novo papel é o de prestador de cooperação ao desenvolvimento, um status que, desde o surgimento da ONU, estava bem delimitado, e dividido, em três categorias de países: os desenvolvidos, os socialistas e os em desenvolvimento, grupo ao qual pertencíamos e que parece que ainda pertencemos, a despeito de um dos mais bem sucedidos processos de industrialização na periferia. Essa distinção dos grupos da ONU se consolidou a partir da descolonização nos anos 1960, quando também se formou o chamado G77, o grupo dos países em desenvolvimento, que reivindicavam um tratamento preferencial e mais favorável em termos de comércio e transferência de tecnologia, além da própria assistência ao desenvolvimento, objeto de um Comitê na OCDE, o CAD, justamente o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento.

            Ainda antes das independências africanas, um economista britânico de origem húngara, Peter Bauer, que trabalhava na África oriental inglesa na segunda metade dos anos 1950, recomendou às potências colonialistas que se preparassem para a autonomia reorganizando seus laços com as futuras ex-colônias. Ele recomendou que as metrópoles coloniais abrissem seus mercados aos produtos africanos e declarou, explicitamente: “Não ajudem a África, ela não precisa de ajuda; ela precisa de comércio livre e desimpedido”. O contrário ocorreu, através dos vários acordos preferenciais neocoloniais comunitários: Lomé, Yaoundé e o esquema mais amplo do ACP prevendo redução de tarifas, mas não comércio livre. A África teve sua agricultura estrangulada pela política protecionista das grandes potências, e a ajuda assistencial se disseminou sem grandes efeitos sobre as estruturas sociais.

            Nessa época, o Brasil ainda era um receptor líquido de ajuda ao desenvolvimento, especialmente para o Nordeste, inclusive contra a fome, tanto de fontes multilaterais, como o Banco Mundial e da AID, como de fontes bilaterais, como a USAID. Paulatinamente, o Brasil se tornou um país plenamente industrializado, mas nunca deixou de reivindicar esse status de país em desenvolvimento, tanto para não ser graduado no Gatt – ou seja, perder os tratamentos especiais de redução tarifária no Sistema Geral de Preferências – quanto para continuar reivindicando transferência de tecnologia para outros objetivos, e isso ainda hoje, como no combate ao desmatamento e na implementação de políticas de sustentabilidade.

            Nos anos FHC, o Brasil deu um grande salto nessa dimensão, e criou a ABC, Agência Brasileira de Desenvolvimento, que passou a prestar assistência e transferência de tecnologia a países ainda mais pobres, geralmente num sistema triangular, ou seja, com financiamento de países mais ricos, mas com a mobilização de agências públicas brasileiras detentoras de expertise em diferentes setores, como a Embrapa, por exemplo.

            Nos dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010, essa cooperação, sobretudo em direção da África, foi muito ampliada, pois Lula acredita que o Brasil tem uma enorme dívida histórica com relação ao continente, pelo legado da escravidão, um tema controverso e ainda não equacionado nas instâncias internacionais. O fato é que o Brasil ampliou muito sua ajuda humanitária e assistência ao desenvolvimento em diversos países africanos, em especial nos chamados PALOPs, os países africanos de língua portuguesa. Muitos países ricos fazem a mesma coisa, ou seja, prestam assistência ao desenvolvimento a países mais pobres. Nas últimas décadas, organismos multilaterais e países doadores despejaram dezenas de bilhões de dólares nesse tipo de assistência, nem sempre com resultados tangíveis ou isentos de corrupção. 

            Um economista americano, que durante mais de dez anos trabalhou nesse tipo de missão, William Easterly, chegou à conclusão de que os países que receberam um maior volume de ajuda foram justamente os que menos cresceram, na África ou em outras regiões pobres, e que muito dessa ajuda pode ter sido mal-empregada, ou até objeto de corrupção. O livro se chama, numa alusão a um famoso poema do colonialista britânico Rudyard Kipling, The White Man's Burden: Why the West's Efforts to Aid the Rest Have Done So Much Ill and So Little Good, e já deve ter sido traduzido para o português. 

            O Brasil quer se inserir nessa grande corrente de ajuda humanitária e de assistência ao desenvolvimento, mesmo quando grande parte de sua população carece de segurança alimentar e sofre com nossa negligência histórica no tocante a saneamento básico, água potável e infraestrutura de saúde ou educacional. Creio que temos condições de fazê-lo, mas de preferência num sistema que evite desvios e corrupção como muitas vezes observado por especialistas como William Easterly e outros. 

 

2. Para estreitar novamente relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, e construir junto com eles um futuro melhor para nossos povos. 

PRA: A diplomacia lulopetista sempre foi caracterizada por essa mania do Sul Global, ou a chamada diplomacia Sul-Sul, que considero uma miragem e um reducionismo geográfico incompatível com as tradições universalistas e ecumênicas de nossa diplomacia profissional. Existe, sim, uma prescrição constitucional, no Artigo 4º. da CF-1988, que comanda ao Brasil essa missão de buscar a integração latino-americana. Mas, esse parágrafo único, ali colocado pelo saudoso senador Franco Montoro, não constitui uma obrigação, ou seja, um ordenamento compulsório, e sim uma recomendação. Ele diz: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” 

            É normal que, sendo a América do Sul nossa circunstância geográfica incontornável, o Brasil tente conformar um espaço econômico integrado na América do Sul, mas isso não tem nada a ver com a vaga noção de uma América Latina e Caribe irmanados num mesmo projeto de união política e econômica, o que está muito além da capacidade do Brasil fazer. De resto, nada a objetar a estreitar relações com esses países, sobretudo os da América do Sul, mas isso não pode ser uma repetição da miopia geográfica e diplomática do Sul Global, que é uma ficção inventada por acadêmicos, com escasso retorno nos temas mais relevantes para as relações internacionais do Brasil. Devemos buscar estreitar relações com todos os países do mundo, em especial com aqueles que representem fontes de aportes relevantes para nosso processo de desenvolvimento, sem quaisquer discriminações políticas, geográficas ou ideológicas. Essa mania de latino-americanidade me parece apenas isso, uma mania.

 

3. Para lutar por um comércio justo entre as nações, e pela paz entre os povos. Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade.

PRA: Essa noção de “comércio justo” é absolutamente irrelevante e até mesmo irracional. Existe comércio, ponto; alguém oferta, outro compra, com base nos critérios de preço e qualidade. Qualquer critério além disso não faz nenhum sentido no plano da economia e do comércio internacional. Dito isto, faz parte da tradição diplomática do Brasil trabalhar pela paz e pela cooperação do desenvolvimento mundial, com base no direito internacional e no absoluto respeito da Carta da ONU, algo que não é observado, atualmente, por um dos parceiros do Brasil no âmbito do BRICS, a Rússia de Putin. Lula não inventou nada no que se refere a construção da paz, de uma ordem pacífica, baseada no diálogo e no multilateralismo.

            Já a tal “multipolaridade” é uma velha mania do PT e dos antiamericanos de maneira geral de achar que o mundo vive numa tal de unipolaridade, que eles costumam chamar de arrogância imperial. Essa situação correspondeu a uma fase muito específica da ordem mundial, o pós-guerra fria, a implosão do socialismo e a reconversão dos antigos países socialistas em bons alunos da economia de mercado, com exceções. Os Estados Unidos então, como no imediato pós-Segunda Guerra, apareciam como o país mais poderoso do planeta, e a Rússia, fracionada em 15 repúblicas a partir da dissolução da União Soviética, tinha um PIB menor do que o do Brasil. Mas isso foi temporário, na década de 1990 e poucos anos mais, embora os EUA tenham permanecido como a maior potência econômica e militar do planeta. Mas, a partir da incorporação da China – até o século XVIII a maior economia do planeta e uma das mais avançadas em termos científicos e tecnológicos – à OMC, em 2001, ela deu um enorme salto de desenvolvimento, justamente devido à consolidação de seu status como economia de mercado plenamente inserida na economia global. Hoje ela já superou o PIB de todos os países do G7, com exceção dos EUA, mas poderá também ultrapassá-los em mais alguns anos, mas isso não em PIB per capita, o que deve demorar mais um século para ser alcançado, se alguém dia o for. 

            A tal de multipolaridade se refere, na verdade, à recusa de um único e grande poder hegemônico, o que de fato não existe mais. Mas se formos pensar além do poderio econômico e militar, cabe perguntar quais seriam as preferências do Brasil em termos de valores e princípios, de respeito ao Direito Internacional e a um conjunto de normas relativas a direitos humanos e à democracia que acompanham os países mais relevantes na ordem mundial. O que se configura, aparentemente, na presente conjuntura de transformação histórica das relações internacionais, caracterizada justamente pela ascensão econômica, tecnológica e militar da China, e de uma recuperação da Rússia de seu antigo torpor econômico e militar, durante a fase de ajustes pós-socialistas, é a de uma nova divisão do mundo entre as potências ocidentais e essas outras duas potências, com sócios menores, que não representam, efetivamente, aqueles valores que estão associados às nossas tradições e que estão inclusive balizadas na Constituição, ou sejam, um sistema democrático, de eleições livres, de pleno respeito aos direitos humanos e à livre iniciativa. 

Qualquer multipolaridade deve levar em conta não apenas o equilíbrio de poderes no mundo, mas também o pleno respeito de princípios e valores que são os que mais prezamos e defendemos. Alianças com ditaduras não são a melhor maneira de promover tais valores. Isso é especialmente válido quando um dos nossos sócios no Brics violentou flagrantemente a Carta da ONU e os mais elementares dispositivos do Direito Internacional, na sua guerra de agressão contra um vizinho, perpetrando os mais bárbaros crimes de guerra, possíveis crimes contra a humanidade e, certamente, crimes contra a paz mundial, os mesmos crimes pelos quais foram julgados e condenados os criminosos nazistas em Nuremberg, em 1946. O Brasil não poderia ficar indiferente em face de tal situação e me parece que ele não só hesitou, e até recuou, no presente governo, como corre o risco de preservar a mesma postura equivocada no próximo governo. Nem o Estado Novo de Getúlio Vargas ousou romper nossa doutrina jurídica quando da invasão da Polônia pela Alemanha hitlerista em 1939 e quando da invasão e anexação dos três países bálticos pela União Soviética em 1940; continuamos reconhecendo seus governos no exílio, pois que a ocupação de seus respectivos territórios equivalia a um ato de força, sempre condenado pela diplomacia brasileira. 

 

4. Voltamos para propor uma nova governança global. O mundo de hoje não é o mesmo de 1945. É preciso incluir mais países no Conselho de Segurança da ONU e acabar com o privilégio do veto, hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e da paz. 

PRA: O Brasil – pelas vozes de seus diplomatas e militares – sempre teve essa aspiração de pertencer ao círculo decisório do poder mundial, antigamente consubstanciado na aventura da Liga das Nações, a partir de 1945 e mais recentemente, representado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Trata-se, sem dúvida alguma de um resquício da Segunda Guerra Mundial, mas realisticamente seria muito difícil acreditar que grandes potências pudessem aceitar um status plenamente igualitário com todos os demais membros da ONU. O CSNU é oligárquico e assim permanecerá, ainda que se faça uma reforma da Carta da ONU e se amplie o número de seus integrantes, com ou sem o direito de veto (o que aliás perturba enormemente qualquer decisão que se tenha de tomar em caso de conflitos entre Estados, ou até mesmo dentro de Estados, nos quais o CSNU tenha de interferir, o que depende dos interesses e do acordo unânime dos cinco membros permanentes). Esse privilégio abusivo está, pois, condenado a perdurar durante algum tempo mais, que não sabemos quanto será.

            Agora, o argumento usado pelo Brasil para legitimar sua aspiração a ser admitido nesse cenáculo decisor é algo hipócrita, pois se diz que é para “democratizar as relações internacionais. Ora, o ingresso de mais cinco ou seis membros permanentes no Conselho de Segurança não tornará o órgão mais democrático, apenas ampliará a oligarquia, inclusive num provável duplo status, os com direito a veto e os sem esse direito. Por outro lado, essa ampliação pode, sim, tornar o CSNU mais representativo, mas o mais provável é que isso complique ainda mais qualquer decisão que envolva interesses desses membros em alguma região do planeta ou em relação a algum país determinado. Ou seja, a ampliação do Conselho de Segurança pode não contribuir para que seu papel seja exercido da maneira mais expedita possível. 

De toda forma, parece impossível, nas circunstâncias presentes, que os cinco atuais membros permanentes aceitem renunciar ao direito de veto, quando seus interesses estiverem envolvidos diretamente. O que teria de haver seria uma enorme pressão de todos os demais 190 países membros para que esse direito de veto não possa ser exercido quando um dos cinco membros violar diretamente a Carta da ONU, ou a paz internacional. Isso também parece impossível de ser alcançado, pois todos os cinco precisariam estar de acordo com essa limitação de poder, mesmo que a Assembleia Geral aprove uma resolução nesse sentido em quase total unanimidade. 

Quando ao Brasil, pessoalmente não considero prioritário esse assunto na agenda de nossos principais objetivos diplomáticos. Acredito que se, e quando, a reforma da Carta da ONU for feita, o Brasil é um candidato natural a uma das vagas, desde que colabore o mais intensamente possível com os objetivos ali inscritos: paz e cooperação internacional, respeito aos seus princípios e valores, que são também os nossos, algo que esteve longe de ocorrer no governo Bolsonaro. Considero que o objetivo mais prioritário do Brasil seja o seu próprio desenvolvimento econômico e social, o que reforçará ainda mais essa pretensão, que repito, não considero importante no momento presente. Mas é uma aspiração válida, desde que tenhamos condições de ajudar ainda mais eficazmente outros países, e participar mais intensamente das missões de paz da ONU. Tudo isso custa dinheiro e talvez não seja o que esteja sobrando no Brasil nos próximos anos.

 

5. A desigualdade entre ricos e pobres manifesta-se até mesmo nos esforços para a redução das mudanças climáticas. O 1% mais rico da população do planeta vai ultrapassar em 30 vezes o limite das emissões de gás carbônico necessário para evitar que o aumento da temperatura global ultrapasse a meta de 1,5 grau centígrado até 2030. Por isso, a luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo.

PRA: Existe muito de politicamente correto em toda essa movimentação em torno do conceito fetiche de nossa época, a tal de sustentabilidade. De toda forma, não se trata de uma agenda da qual possamos nos afastar ou nos abstermos. Ela reproduz em certa medida o mesmo divisor político que existe no sistema multilateral desde décadas: os países ricos teriam a obrigação de ajudar os países pobres, pelo comércio, pela promoção da saúde e da educação e, agora, pela preservação da sustentabilidade ambiental, reduzindo ou eliminando o aquecimento global.

            Pode até ser uma reivindicação legítima, mas não creio que o Brasil deva considerar que se trata de uma obrigação dos países ricos – uma divisão que já não faz muito sentido – ajudá-lo a cumprir um dever de casa, que podemos fazer por nossa própria conta. O Brasil tem um Estado razoavelmente organizado e capacitado a executar tarefas que são do nosso próprio interesse desempenhar.

 

6. Estamos abertos à cooperação internacional para preservar nossos biomas, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania.

PRA: Essa questão da soberania sobre a Amazônia é parecida com o nacionalismo míope dos que consideram que cada Estado tem um poder absoluto sobre sua jurisdição territorial, podendo dispor dele na indiferença sobre seus efeitos sobre outros países. A Amazônia tem um papel específico nos equilíbrios climáticos do planeta, e isso precisa ser reconhecido pelo Brasil, aliás no seu próprio interesse. O mito, ou ameaça, da internacionalização da Amazônia durante muito tempo serviu de biombo para o descumprimento de tarefas que seriam da nossa própria competência exercer, daí o interesse estrangeiro sobre a região. Se formos olhar a história retrospectivamente, veremos que a Amazônia foi um pouco mais próspera quando ela estava de fato internacionalizada, durante o boom da borracha; depois disso ela entrou em decadência, e se tentou resgatá-la da maneira mais errada possível, com a devastação conduzida como política de Estado durante a ditadura militar, que também criou um enclave artificial, a Suframa e a Zona Franca de Manaus, que não corresponde em nada à utilização de suas vantagens comparativas naturais, e que podem ser potencializadas por investimentos estrangeiros na prospecção, estudo, pesquisa e utilização dos recurso da biodiversidade para fins produtivos. O nacionalismo tacanho não ajuda em nada a Amazônia. 

 

7. Enfatizo ainda que em 2024 o Brasil vai presidir o G20. Estejam certos de que a agenda climática será uma das nossas prioridades.

PRA: O G20 está se tornando um fórum burocratizado como são muitos outros foros multilaterais ou regionais, com muito baixa expectativa de que avancem projetos concretos que possam mudar o mundo. Muita retórica, enormes declarações e palavras de boa vontade, com poucos efeitos sobre a condição real dos países pobres. A agenda ambiental estará, mais uma vez, no centro das atenções, se a tensão entre as grandes potências não trouxer outro assunto mais candente. O Brasil vai “brilhar” nessa G20, pois sua diplomacia e seu presidente se esforçarão ao máximo para serem politicamente corretos e cordatos com todo mundo, mesmo com os violadores da Carta da ONU e do Direito Internacional.

            Lula teve pouco impacto no G20, que só foi formado após a crise de 2008, mas ele sempre adorou participar de conclaves internacionais – esteve como convidado no G7 diversas vezes, mas reclamava que era apenas para a “sobremesa” –, onde exerceu os seus dotes de grande “discurseiro”, como sempre fez no ambiente doméstico. Podemos ter certeza de que se excederá no próximo ano, com pretensões a estadista mundial, o que é bom para o Brasil e dos brasileiros, assim como para a autoestima dos diplomatas, que precisam disso, depois de quatro anos de humilhações sob o mandato de um destruidor da diplomacia.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4275: 19 novembro 2022, 8 p.

 

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

As missões da diplomacia de Lula a partir de sua ‘reestreia’ na COP - Victor Ohana (Carta Capital)

 As missões da diplomacia de Lula a partir de sua ‘reestreia’ na COP


O presidente eleito precisa retomar agendas abandonadas por Bolsonaro e calcular gestos diante de novos conflitos

POR VICTOR OHANA 
Carta Capital, 11.11.2022

Ao pisar no Egito, para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP27, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dará a largada para a reestreia da sua política externa, desta vez em uma conjuntura bem diferente da que encontrou em 2003.

No evento, o petista deve dar o tom da sua gestão ambiental e marcar sua diferença com o presidente Jair Bolsonaro (PL). Na campanha, ele prometeu reduzir o desmatamento e zerar o garimpo ilegal, entre outras bandeiras.

A expectativa é de que Lula se encontre com o secretário-geral da ONU, António Guterres, além de realizar reuniões bilaterais. Há, ainda, um convite do primeiro-ministro de Portugal, António Costa, para que visite Lisboa na volta.

A questão climática está em consonância com a preocupação de expoentes da União Europeia, como o chanceler alemão, Olaf Scholz, e o presidente da França, Emmanuel Macron, dois líderes que não esconderam suas preferências a Lula e chegaram a recebê-lo com honras de chefe de Estado antes da eleição.

Apesar de Lula receber a confiança de grandes políticos globais no tema, a COP27 deve mostrar que o percurso não será um passeio. A conjuntura é de missões não cumpridas, por fatores como a falta de recursos doados por países ricos, a deflagração de uma crise energética e o aumento de conflitos diplomáticos.

No ritmo atual, as perspectivas são catastróficas e apontam para um aquecimento de 2,8º graus em 80 anos.

A pauta certamente será uma das mais destacadas entre Lula e líderes europeus, mas ainda há outras conversas relevantes, como o andamento do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul.

Depois de 20 anos na gaveta, o tratado foi firmado por Bolsonaro no primeiro ano de mandato. O presidente voltou festejando um possível incremento no PIB de até 125 bilhões de dólares, mas diversos especialistas avaliaram que a parceria poderia colocar o Brasil em uma condição submissa na cadeia global.

Isso porque, embora houvesse uma expectativa de eliminar tarifas sobre exportações brasileiras à Europa, como frutas e café solúvel, os itens industrializados do continente também teriam redução de preço aqui no Brasil, o que poderia afetar a competitividade da indústria brasileira.

Lula mesmo já defendeu a reformulação do acordo, com o argumento de que a União Europeia deveria compreender a necessidade de que países latino-americanos também possam comercializar produtos com valor agregado.

Outra questão com a Europa deve ser o posicionamento que Lula adotará em relação à Rússia.

Com a esperada retomada da agenda do petista em fortalecer os Brics, líderes acompanham com atenção qual será o nível de aproximação do governo brasileiro com Vladimir Putin, devido à guerra da Ucrânia.

Para Silvia Capanema, historiadora e professora da Universidade de Paris 13-Nord, Lulanão demonstra tendência de concordar com a invasão russa, mas também deve apresentar uma postura crítica à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan.

O alastramento do bloco militar liderado pelos Estados Unidos – e com forte participação europeia – irritou a Rússia e foi usado como justificativa para a operação na Ucrânia, país que ensaia há tempos a sua entrada no grupo.

A relação com Lula é mais sensível, porém, para Macron, que vê importância nesse diálogo para reposicionar a sua influência no globo e chegar à América Latina, destaca Capanema. A França, hoje, é presidente do Conselho da União Europeia, mas a Alemanha segue como a principal liderança do continente.

Além disso, Macron teve problemas pessoais com Bolsonaro e chegou a responder ofensas do presidente brasileiro à própria primeira dama francesa. O entusiasmo do presidente da França ficou evidente com o telefonema a Lula, para parabenizá-lo e confirmar o seu interesse em estabelecer um contato próximo.

“Macron quer se colocar como adversário da extrema-direita na França”, avalia Capanema. “Outra questão é que Macron é ausente na América Latina. Ele não fez o mesmo gesto nas eleições de outros países. Agora, ele se coloca dessa forma porque quer se reposicionar com um diálogo à América Latina, e o Brasil é o principal país.”

Lula anima a China e preocupa os EUA
Lula também volta ao xadrez internacional no meio de uma rivalidade ampliada entre a China e os Estados Unidos.

Os chineses estão animados. Com Bolsonaro, as relações comerciais não foram rompidas, mas houve insatisfações diplomáticas em série, por declarações de membros do governo que incitavam o preconceito contra o país.

O presidente da China, Xi Jinping, saudou Lula após a eleição e mencionou a perspectiva de “um novo patamar” para a “parceria estratégica” entre os dois países.

Conforme mostrou CartaCapital, o governo chinês tem interesse especial no Maranhão, onde já iniciou diálogos para estabelecer um novo ponto para a Rota da Seda, ambicioso projeto econômico do país asiático.

A China busca diversificar a sua fonte de minério de ferro e amenizar a dependência da Austrália, país com o qual tem passado por atritos diplomáticos. Além disso, quer aumentar a importação de outros itens do Brasil.

Em julho, um dos formuladores do mega projeto logístico chinês esteve em São Luís do Maranhão com autoridades do estado e defendeu a importância da parceria. Em 3 de novembro, houve um fórum virtual sobre o tema.

Agora, com a vitória de Lula no Planalto e de Carlos Brandão (PSB) no governo, a perspectiva é positiva.

Brandão esteve sete vezes na China, quando era vice-governador de Flávio Dino, e enaltece abertamente os laços com Pequim: “Podemos oferecer de forma vantajosa rotas de comércio exterior para o sul da África, sul da Ásia e para a China”, reforçou o atual governador, em vídeo divulgado na semana passada.

O estado já tem a autorização para instituir uma Zona de Processamento de Exportação, quer expandir a sua malha ferroviária e rodoviária e espera inaugurar um gasoduto de 200 quilômetros até 2025.

A partir do novo governo, o Maranhão está otimista com a atração de investimentos chineses para expandir a sua infraestrutura, conforme indica o presidente da estatal maranhense Gasmar, Allan Kardec Duailibe.

“Com Bolsonaro, era bem complicado o diálogo com a China. Agora, fica mais fácil de negociar diretamente e trazer esses investimentos. O ganho é extraordinário com a eleição do presidente Lula”, disse Duailibe à CartaCapital.

Apesar das boas previsões com a Nova Rota da Seda, o Brasil precisa analisar a parceria com a China de forma cuidadosa para ter ganhos reais, segundo análise da coordenadora do Brics Policy Center, Ana Saggioro Garcia.

A pesquisadora diz que o projeto pode vir como uma oportunidade, mas alerta que a relação entre credor e devedor pode se tornar desigual caso os termos dos acordos não sejam muito bem examinados.

Além disso, o Itamaraty sob Lula terá de ter cautela para manter as relações saudáveis com os Estados Unidos.

Na observação da professora, Biden demonstra preocupação com a aproximação de Lula com Xi Jinping e logo se inclinou ao petista. Na quinta-feira 10, o presidente dos Estados Unidos disse que quer se encontrar pessoalmente com o homólogo brasileiro em breve.

“Os Estados Unidos não podem perder mais nenhuma face de influência”, analisa a especialista. “Já perderam o Afeganistão, perderam um espaço na África. A América Latina ficou entre as últimas fronteiras. Eles lançaram, ainda com o Trump, um programa de investimentos em infraestrutura, tentando contrapor à possibilidade de os latinoamericanos aderirem à Belt and Road. Biden deve fazer de tudo para manter Lula ao lado dele.”

Novo governo deverá integrar países latinos
Conforme o próprio Lula já antecipou em seus discursos de campanha, o seu desafio na América Latina será impulsionar a integração regional. O cenário é favorável, com países governados por por presidentes que se identificam com a esquerda: Argentina, Colômbia, Chile, Bolívia, Peru, Venezuela, Cuba e México.

Para Hugo Ramos, doutor em Relações Internacionais e professor da Universidade
Nacional do Litoral, da Argentina, uma das iniciativas mais esperadas é a reedição da União de Nações Sul-Americanas, a Unasul, ou a instituição de um espaço similar que permita a coordenação das políticas no continente no cenário internacional. O bloco havia sido criado por Lula em 2008 e foi abandonado por Bolsonaro em 2019 junto a outros líderes de direita.

Ramos também destaca a possível volta do Brasil à Comunidade de Estados LatinoAmericanos e Caribenhos, a Celac, também deixada por Bolsonaro, no início de 2020, e
o fortalecimento do Mercosul. Segundo ele, uma ideia difícil de ser implementada que ganha peso favorável com Lula é a criação de uma moeda comum.

O especialista menciona, ainda, a influência que a vitória do presidente brasileiro pode ter na eleição da Argentina, prevista para outubro de 2023. O kirchnerismo, que deve tentar a reeleição, não necessariamente ganharia votos com o apoio de Lula, mas é provável que a derrota de Bolsonaro prejudique candidaturas da extrema direita argentina, sobretudo a de Javier Milei.

Além disso, Ramos lembra a proposta apresentada a Lula e a Bolsonaro pelo embaixador da Argentina, Daniel Scioli, que envolve um plano de “integração profunda” entre os dois países, como uma política de Estado em áreas como infraestrutura, mineração e energia. Para o professor, essa cooperação deve avançar com o petista no Planalto.

“Para a Argentina, independentemente do presidente, o Brasil é um país muito relevante, quiçá o país mais relevante em sua política para o exterior”, avalia o estudioso, que é especialista em integração regional.

Outra expectativa é o nível de relação que o Brasil deverá adotar com a Venezuela.

Para Ramos, o aprofundamento de um vínculo de Lula ao governo de Nicolás Maduro pode resultar num rechaço ainda mais forte dentro do Brasil do que ocorreria na década de 2000, devido à ascensão do bolsonarismo.

O que se pode esperar, segundo ele, é que o Brasil não reproduza gestos agressivos como os praticados pelo Grupo de Lima, que excluiu a Venezuela dos campos de discussão no continente. Também é possível que Lula tenha um olhar mais compreensivo aos processos políticos venezuelanos e pregue a autodeterminação dos povos.

Mas também é esperado que Lula reconheça Maduro como o presidente legítimo da Venezuela, segundo o professor de Relações Internacionais Ricardo Fagundes Leães, da ESPM. Ele ressalta que a reaproximação com governo chavista foi um dos primeiros atos de Gustavo Petro na Colômbia.

Na opinião do pesquisador, o petista tem uma margem de manobra maior na política internacional para aplicar o seu projeto político e a sua visão de mundo.

Além do reconhecimento de Maduro como presidente, a quem o petista já enviou saudações e disse ser filho de Bolívar, Leães também diz esperar que o petista ajude a Bolívia a se integrar com o Mercosul. O país, governado por Luis Arce, é um estado associado ao bloco, mas ainda não foi formalizado como membro.

“A arena internacional sempre foi um campo onde Lula gostou de se destacar”, salienta Leães. “Mesmo no contexto de 2003, em que o governo fazia ajuste fiscal com [Antônio] Palocci no Ministério da Fazenda e [Henrique] Meirelles no Banco Central, ele já buscou colocar seus valores em prática na área internacional, e eu acredito que isso vá acontecer de novo.”


sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Brasil terá DUAS delegações na próxima COP-27: qual será mais escutada? - Phillippe Watanabe (FSP)

 Perguntar não ofende: os diplomatas profissionais da delegação oficial do Brasil à COP 27 terão coragem para se encontrar e dialogar com a delegação oficiosa que estará acompanhando o presidente Lula no encontro do Cairo?


Com Lula e Bolsonaro, Brasil terá diferentes facetas na COP27
Governo tentará vender ideia de país da energia limpa, evitando o tema do desmatamento; em paralelo, Lula, ONGs e governadores da Amazônia abordarão a floresta
Folha de S. Paulo, 4.nov.2022 às 10h00
Phillippe Watanabe

SÃO PAULO - O Brasil terá diferentes Brasis na COP27, a conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas, em Sharm el-Sheik, no Egito, a partir deste domingo (6).

Um deles será o do atual governo Jair Bolsonaro (PL), que deverá chamar a atenção para o potencial energético limpo do Brasil. O outro será o do presidente eleito Lula (PT), que colocou, no discurso após a vitória na eleição, a crise do clima e a Amazônia —que sofre com a explosão de destruição na gestão Bolsonaro— como pontos centrais do futuro governo.

O Brasil de Bolsonaro, assim como tem sido, deve tentar tirar a atenção dos elevados níveis de desmatamento que assolam a Amazônia —especialmente, mas não só ela. Internacionalmente, o atual presidente tenta fazer crer que a situação ambiental do Brasil está controlada e que a maior parte da floresta está intocada —o que é falso.

Na última COP, em Glasgow, no Reino Unido, os dados anuais do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sobre desmatamento já estavam prontos, mas só foram divulgados pelo governo após a conferência.

Durante o evento, no entanto, dados recordes de desmate de outubro saíram. Enquanto isso, o ministro Joaquim Leite (Meio Ambiente), falava na conferência sobre um "Brasil real", com "desenvolvimento verde inclusivo", e dizia desconhecer os dados.

Segundo a assessoria do Ministério do Meio Ambiente, Leite irá para a segunda semana da COP27. O evento vai até o dia 18.

Nas últimas semanas, Leite tem feito postagens sobre questões energéticas, com foto de painéis solares e carros elétricos. Uma das publicações é um vídeo em inglês dedicado à COP27 no qual o Brasil é classificado como um país de energia verde —a Amazônia ou outros biomas não são citados.

A propaganda faz jus à realidade. Afinal, a maior parte da energia brasileira é realmente renovável, oriunda de hidrelétricas.

Apesar disso, além do desmatamento explosivo dos últimos anos —principal fonte de emissões do Brasil—, o governo Bolsonaro ficou marcado pelo investimento em geração de energia a partir de termelétricas movidas a combustíveis fósseis, lembra Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima.

A matriz brasileira está sendo poluída para o futuro, diz Herschmann. "Foi o governo que passou um programa de carvão sustentável e foi o governo que aprovou um 'jabuti' na privatização da Eletrobras para contratar termelétrica a gás no Norte e no Nordeste. Eles querem se vender para o mundo com uma coisa, mas internamente estão fazendo outra."

O outro Brasil na COP será o do Lula. Em quatro anos de governo, Bolsonaro não foi a nenhuma COP. Recém-eleito, o petista deve estar presente na segunda semana do evento.

O movimento de Lula é visto com bons olhos por Izabella Teixeira, uma das "amigas da COP27" —grupo de aconselhamento do presiência do evento— e copresidente do Painel Internacional de Recursos, plataforma político-científica do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).

Afinal, há significado na viagem do presidente eleito para o principal palco de discussões climáticas, que, neste ano, ocorre em um país africano. Teixeira, que participou do plano de governo de Lula e foi ministra do Meio Ambiente de 2010 a 2016, destaca ainda que a ida será a convite do Consórcio da Amazônia Legal, grupo criado por governadores da região durante o mandato de Bolsonaro.

São sinalizações de união, após divisões criadas por Bolsonaro, aponta Teixeira, que vê uma conferência com possíveis atenções positivas para o Brasil. Na COP27, o Brasil pode se tornar, novamente, uma voz de liderança, ela aposta.

A também ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, outro nome próximo de Lula que comparecerá à conferência, já fala no resgate da atuação brasileira como mediador de negociações em temas desafiadores, como perdas e danos. Ela também aponta uma possível participação mais ativa do país no financiamento climático.

Assim, ainda que o atual governo continue tendo a caneta na mão, não necessariamente vai receber muita atenção na conferência. "Vai todo mundo querer conversar com o governo de transição que está indo", avalia Herschmann.

Para a especialista, a questão climática vai ser o grande trunfo para a reinserção internacional de Lula. Por isso, ela espera ver algum compromisso ou sinalização do presidente eleito na COP. Uma nova meta para redução de emissões, que corrigisse a pedalada climática do governo Bolsonaro —dada por uma troca nos dados de base do compromisso assumido—, é uma possibilidade.

A atuação de Bolsonaro ajudou a criar os múltiplos Brasis que estarão presentes no Egito. Em seu primeiro ano de governo, o país não levou à COP25 —que a pedido do presidente não foi no Brasil— um estande oficial.

A sociedade civil se organizou então em um espaço próprio, o Brazil Climate Action Hub. O estande mais uma vez estará presente na COP27, com uma área de 150 m². Na conferência de 2021, o local atraiu, inclusive, autoridades, enquanto o estande oficial brasileiro por vezes estava esvaziado.

Desta vez, o governo federal terá um estande com cerca de 300 m², no qual também estarão presentes setores da economia, como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária).

Os governadores da Amazônia também terão um estande próprio, com 120 m². Pelo menos cinco governadores (AC, AP, MT, PA e TO) confirmaram a ida ao evento. Montada no primeiro ano do governo Bolsonaro, a iniciativa permitiu que os estados contornassem o governo federal para buscar verbas internacionais.

Vários dos governadores amazônicos, porém, são aliados de Bolsonaro e, logicamente, também têm responsabilidades no combate ou não ao desmatamento na região.

Um último Brasil ainda estará presente, como de costume, na COP27: dos negociadores, ligados ao Itamaraty. Segundo os especialistas ouvidos pela Folha, esse grupo mais técnico não deve apresentar grandes mudanças, mesmo com a troca de governo.

Houve, porém, agitação na COP25, quando o então ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), que chefiava a delegação brasileira, obstruiu a negociação. Na ocasião, Salles pedia dinheiro para destravar as conversas.

Na COP26, com Joaquim Leite à frente da pasta, a situação se acalmou. Inclusive, o time diplomático brasileiro formulou proposta importante para destravar discussões sobre mercado de carbono.

"As posições que eles [negociadores] têm para levar para as mesas de negociação já são muito consolidadas, históricas. O Brasil está se posicionando com outros países da América Latina", afirma Herschmann.

Em resposta a questionamento da Folha, o Itamaraty afirma que o foco da COP27 será em adaptação e meios de implementação, como a promessa de países desenvolvidos de destinação de recursos para combate aos impactos climáticos em países em desenvolvimento.

Especialmente por se tratar de uma COP na África, a questão do financiamento climático e das perdas e danos derivados de eventos extremos deve ganhar força.
"É uma COP de implementação, de caminhos para poder agir", conclui Teixeira.

https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/11/com-lula-e-bolsonaro-brasil-tera-diferentes-facetas-na-cop27.shtml