O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador discurso na AGNU. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador discurso na AGNU. Mostrar todas as postagens

domingo, 6 de outubro de 2019

Nunca Antes na diplomacia: o discurso de Bolsonaro na ONU - Celso Amorim

Nunca Antes na Diplomacia é o título de meu livro de 2014, no qual eu fazia uma crítica severa da política externa lulopetista, marcada pelos arroubos megalomaníacos do chefe da tropa corrupta do PT e pelos trinados “megalonanicos” do chefe de sua diplomacia, o único diplomata profissional (que se conhece) a ter aderido a um partido em pleno exercício da carreira na condição de chanceler.
Pois é com esse título algo irônico que o “megalonanico” em questão começa sua peroração contra o lamentável e medíocre discurso do chefe de Estado — na verdade, chefe de um clã tribal — na abertura dos trabalhos da AGNU, uma crítica bem merecida, na qual eu descontaria os arroubos pro domo sua, se derramando em elogios ao “nunca antes” do lulopetismo diplomático.
Sem qualquer problema de consciência ou censura indevida, o que nunca foi minha atitude, transcrevo aqui esse artigo, com minha aprovação a 90% de seu conteúdo.
O bolsonarismo tem essa “qualidade”: ele é tão ruim, tão medíocre, tão sectário, que ele tem o dom de unir antigos adversários políticos.
Paulo Roberto de Almeida
Pirenópolis, 6/10/2019


Nunca antes na história deste País a diplomacia atingiu ponto tão baixo
Celso Amorim
Carta Capital, 4/10/2019

O discurso equivocado, arrogante e agressivo na ONU sela o isolamento do Brasil no cenário internacional

“Nunca antes na história deste País…” A maneira como Lula começava muitas de suas declarações, frequentemente recebidas com injustificada ironia pela mídia, pode aplicar-se, com sinal trocado, ao discurso do presidente Jair Messias Bolsonaro perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas. Com efeito, “nunca antes” a diplomacia brasileira havia atingido um ponto tão baixo, tão mesquinho e tão distante da realidade, despertando reações que variaram entre a perplexidade e a chacota, além de justificada preocupação.

Nunca um discurso conceitualmente tão equivocado foi proferido com um tom tão arrogante e agressivo. As frases entrecortadas, lidas com ênfases incompreensivelmente mal colocadas, soavam como disparos de fuzil, como os que vitimaram Marielle Franco, Ágatha e tantos outros inocentes. Entre os equívocos, talvez o maior seja a noção distorcida de soberania, entendida como uma espécie de “licença para matar” em um determinado território. 

No ordenamento político-jurídico moderno, marcado pela interdependência e a busca, a soberania não pode ser vista de forma independente da responsabilidade para com o próprio povo e para com a humanidade. Pactos como os de direitos humanos ou sobre meio ambiente têm alcance universal, não apenas por representarem a consagração de valores civilizatórios, mas por expressarem a consciência de que o destino dos seres humanos é, ao fim e ao cabo, um só. 

A capacidade de apreender, como poucas outras nações podem fazê-lo, por contingências históricas, essa importante realidade está na raiz da aceitação tácita de uma tradição que faz com que o nosso país seja o primeiro a tomar a palavra no debate geral que abre, do ponto de vista político, esse grande conclave dos povos.

Ao longo dos últimos 70 e poucos anos, ministros e presidentes – e, por vezes, embaixadores especialmente designados – subiram ao pódio da ONU para levar mensagens de paz e conciliação permeadas de propostas sobre desenvolvimento econômico e social, comércio, meio ambiente, desarmamento e tantos outros temas.

Crises financeiras, disputas diplomáticas ou movimentos positivos, como a integração, bem como tensões e mesmo guerras, foram tratados pelos oradores – ultimamente, em geral, os líderes máximos – de um ponto de vista amplo, compatível com o privilégio do primeiro a falar. Mesmo quando foi necessário referir uma situação conflitiva do nosso país com outra nação – o que ocorreu muito raramente e cada vez menos na história recente –, foi feito de forma elegante e sem expressões desnecessariamente agressivas.

O que se viu na terça-feira 24 de setembro foi um personagem obcecado por ameaças inexistentes, deblaterando contra um pretenso globalismo que afrontaria a nossa soberania. Sim, é nossa responsabilidade soberana tratar da Amazônia. E não abdicaremos dela, como não deveríamos abdicar do nosso petróleo e da nossa tecnologia aeroespacial. Mas, sim, o que ocorre nessa importante região do mundo interessa a todo o planeta.

Ao se colocar contra o consenso praticamente universal sobre a importância da floresta como sumidouro de carbono (fator fundamental nas alterações climáticas), o presidente brasileiro revelou desconhecimento de fatos científicos comprovados. Da mesma forma, ao atacar o socialismo e a ideologia de gênero, demonstrou ser uma espécie de “Dom Quixote do mal” (perdão, Cervantes!), investindo contra moinhos de vento, com sua sanha destruidora. 

Nos quase 60 anos em que, como estudante interessado em política internacional, como diplomata profissional ou como ministro de Estado, acompanhei nossa atuação (com a provável exceção dos “anos de chumbo”), o Brasil procurou transmitir ao mundo a imagem de um país plural, tolerante, que buscava a paz e o desenvolvimento solidário das nações, mesmo quando a persistência de problemas internos (sobretudo a brutal desigualdade da nossa sociedade) poderia pôr em dúvida alguns desses propósitos. É que uma das características da política externa é justamente espelhar não só a realidade atual, mas aquela que projetamos para o nosso país e para o mundo.

Permito-me dizer que, nos anos em que servi no governo do presidente Lula, essa imagem se viu reforçada de forma inédita. A melhor síntese desse fato foi uma frase que entreouvi de um diálogo entre dois jovens diplomatas franceses ao entrarem no salão do Conselho Econômico e Social, onde se realizaria uma Cúpula sobre o Combate à Fome e à Pobreza, com a participação do presidente francês Jacques Chirac e o apoio do secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Ao observar o recinto repleto de chefes de Estado, reunidos por uma convocação do presidente brasileiro sobre temas tão relevantes, um dos diplomatas expressou sua admiração ao colega: “O Brasil abraça o mundo”.

Que contraste com a imagem do lobo solitário a atacar líderes de países amigos e valores abraçados pelo conjunto da humanidade, sem uma palavra sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sus-tentável (Agenda 2030), uma espécie de bússola para o futuro próximo, aprovada pelos chefes de governo dos 193 integrantes da ONU. Naquele momento, senti pena dos meus colegas mais novos, muitos deles idealistas – ainda que sem perder o sentido realista inerente à diplomacia –, obrigados, por profissão, a servir a um governo que pode ter muitas caras, mas certamente não a do povo brasileiro.

Não vou me estender sobre os prejuízos econômicos que essa submissão servil à ideologia trumpista (sem os pressupostos econômicos e militares que sustentariam a posição do seu modelo norte-americano) causará inevitavelmente ao Brasil, em particular a setores como o agronegócio, que apoiaram a eleição de Bolsonaro, ou a incoerência entre a saudação ao acordo de livre-comércio com a União Europeia e os ataques a um dos principais líderes do bloco.

Para um diplomata de carreira como eu, que tive, inclusive, o privilégio de subir àquela tribuna, em substituição ocasional aos presidentes sob os quais servi, o que mais dói é ver nosso país ridicularizado e relegado à condição de Estado-pária, que, diferentemente de outros que ganharam, justa ou injustamente, esse qualificativo, foi depositário de tanta confiança e esperança. Que este tempo de trevas passe rápido e que o Brasil se reencontre consigo próprio é tudo o que podemos esperar.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

O discurso na ONU que poderia ser feito e não foi - Adriana Erthal Abdenur, Maiara Folly (The Intercept)

Um discurso do Brasil na ONU que não será lido por Bolsonaro

onu-header-2-1569285743
Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil
A Assembleia Geral das Nações Unidas é um dos principais órgãos da ONU. Tradicionalmente, cabe ao Brasil abrir a sua reunião anual. É um momento importante, em que o presidente reafirma os compromissos do país nas relações internacionais. Frente às drásticas mudanças que ocorrem na política externa brasileira, decidimos escrever o discurso que acreditamos que o Brasil deveria apresentar aos chefes de Estado reunidos em Nova York.
É um discurso que projeta um ideal de nação e justiça. Guarda o tom dos discursos diplomáticos, com referência a órgãos e tratados que existem, com propostas fictícias, criadas por nós, mas que acreditamos serem viáveis e necessárias. Somos duas especialistas em relações internacionais, com pesquisas sobre paz, segurança e políticas públicas.

O discurso está baseado em pilares centrais defendidos pela diplomacia brasileira desde o retorno à democracia. Entre eles, destacam-se a promoção da integração regional e o acolhimento de migrantes e refugiados, além da defesa do meio ambiente, dos direitos humanos, da resolução pacíficas de conflitos e do multilateralismo, em contraste com o atual foco no nacionalismo, que enxerga a soberania nacional e a cooperação multilateral como mutuamente excludentes. Também reforçamos em nosso discurso a histórica demanda do Brasil em favor da reforma das instituições que compõem a governança global, incluindo o Conselho de Segurança da ONU e o Banco Mundial, de forma a dar maior voz aos países em desenvolvimento.
Também traz iniciativas inovadoras que ainda não existem, mas também retoma compromissos anunciados na última década, como o fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia, a criação de um fundo soberano voltado à educação e à pesquisa, e o lançamento de um Livro Branco de Política Externa formulado com grande participação da sociedade civil, promessa anunciada em 2014, mas jamais concretizada pelo Ministério das Relações Exteriores. O discurso termina anunciando o lançamento do Museu da Escravidão, no Rio de Janeiro, um projeto que idealizamos a ser criado em cooperação com outros países de língua portuguesa.
É um lembrete de que um dia poderemos ter uma política externa proativa e criativa, coerente com os valores democráticos e com o objetivo de melhorar nossas vidas.
Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil
Bom dia a todas e todos. É uma honra estar aqui e dar continuidade à longa tradição que o Brasil mantém de abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas.
Senhoras e senhores, enfrentamos crises sem precedentes no mundo. Novas tecnologias, transformações geopolíticas e o impacto das mudanças climáticas são apenas três dos desafios complexos que nos trazem novas incertezas.
O Brasil tem longa trajetória de contribuir para o multilateralismo, tradição que perpassa governos democráticos e militares, seja por meio de esforços globais como a Liga das Nações e as Nações Unidas; ou por meio das organizações regionais, como a Organização dos Estados Americanos e o Mercosul.
O multilateralismo e o respeito pelo direito internacional são fundamentais para que possamos enfrentar e prevenir os problemas cada vez mais urgentes do mundo atual. Rejeitamos os discursos nacionalistas e populistas que se aproveitam das novas incertezas para esvaziar as instituições da governança global e para enfraquecer a democracia e os direitos humanos.
O passado nos mostra que problemas globais não podem ser resolvidos por um só país. Ao invés de trazerem prosperidade, o unilateralismo e o isolacionismo provocam instabilidade e, até mesmo, guerras.
O Brasil tem colhido os frutos concretos de sua tradição multilateralista, dentre os quais os avanços logrados por meio da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e o reconhecimento do seu território marítimo através da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.
Portanto, acreditamos que, longe de serem mutuamente excludentes, o multilateralismo e a soberania nacional reforçam-se mutuamente.
Defendemos a multipolaridade cooperativa, por meio da qual poderemos construir uma ordem internacional mais equânime e democrática, com maior representatividade dos países em desenvolvimento. Essa ordem deve ser pautada pelo multilateralismo e pelo direito internacional, e não por rivalidades geopolíticas ou ambições hegemônicas.
A política externa brasileira retoma o seu viés universalista, fundamentado na ideia de que o diálogo é necessário especialmente quando discordamos. Por isso o Brasil continua, através da Agência Brasileira de Cooperação, fortalecendo os laços de cooperação Sul-Sul. Aprofundamos as trocas não apenas através de agrupamentos tais como o IBAS e o BRICS, mas também bilateralmente com parceiros na América Latina, na África e na Ásia com base nos princípios de amizade, horizontalidade e reciprocidade. Para tal, o Brasil assume o compromisso de expandir seu orçamento para atividades de cooperação internacional, sempre considerando a responsabilidade fiscal e o impacto social e ambiental de tais projetos.
Os países latino-americanos são nossos vizinhos e temos todos a ganhar com uma maior integração regional. Reconhecemos nossa dívida histórica para com nossos antepassados africanos e nos orgulhamos das nossas raízes. Os laços entre o Brasil e o Oriente Médio são históricos e continuaremos expandindo as trocas. Acompanhamos com grande interesse a iniciativa do Cinturão e Rota e buscaremos aprofundar nossos intercâmbios com parceiros asiáticos.
VozesLeia Nossa Cobertura CompletaVozes
Também devemos trabalhar juntos pela inovação. Além de desenvolver tecnologias de ponta em áreas tais como aviação e energia nuclear para fins pacíficos, o Brasil também é referência em tecnologias sociais no combate à fome e à pobreza. Na nossa cooperação solidária, iremos privilegiar os esforços em saúde pública, compartilhando nossas experiências no desenvolvimento de um sistema único de saúde de acesso universal e resguardado pela Constituição federal, buscando também aprender com nossos parceiros.
Sociedade civil e setor privado têm seu papel a desempenhar nas políticas públicas e na cooperação – mas isso não quer dizer que os estados devem abdicar da sua responsabilidade perante os desafios atuais.
As instituições de Bretton Woods e outros componentes da governança global econômica devem atentar para a pauta comercial que, na ausência de um arcabouço global efetivo, se afunda em um bilateralismo sem rumo. Esse panorama produz trocas que são altamente assimétricas, prejudicando os países em desenvolvimento.
Igualmente preocupante é a tendência de financeirização da economia global. O fenômeno vem exacerbando as profundas desigualdades socioeconômicas já existentes, alimentando uma super elite com poder político desproporcional e fomentando novas tensões sociais. Precisamos inovar nos esforços de regulamentação do setor financeiro e no combate à precarização do trabalho.
O Brasil segue comprometido com a reforma do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio, de forma a torná-las mais eficazes. E isso requer maior representatividade da ordem mundial atual, na qual países em desenvolvimento contribuem significativamente para o crescimento mundial, mas carecem de poder decisório. Enxergamos essas mudanças como urgentes, sobretudo diante de ameaças protecionistas e guerras comerciais que se acirram em meio à falta de respeito pelas normas internacionais.
Os arranjos regionais também têm um papel fundamental na promoção da multipolaridade cooperativa. A América Latina não pode se tornar um cemitério de organizações regionais. Além de propor a reforma da OEA de forma a fortalecer seu papel na prevenção e resolução de conflitos, o Brasil irá lançar novas iniciativas para reforçar a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia, que enxergamos como um espaço cada vez mais estratégico para a região.
Reafirmar a soberania brasileira sobre a nossa parte da Amazônia e rechaçar a ideia da sua internacionalização não exclui reconhecer sua importância global. O Brasil permanece à disposição para cooperar com parceiros em busca da preservação da floresta amazônica, da proteção dos povos indígenas e tradicionais, e do desenvolvimento sustentável e inclusivo de toda a Amazônia.
Senhoras e senhores, o Antropoceno demanda soluções cooperativas e fundamentadas em pesquisas e evidências. Face à emergência climática que o mundo enfrenta, o Brasil reitera seus compromissos para com o Acordo de Paris. A comunidade científica no Brasil trabalha em estreita colaboração com contrapartidas em outros países no desenvolvimento de mecanismos de monitoramento da floresta, desde satélites até o uso da inteligência artificial. Nos orgulhamos dos nossos centros de excelência como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe.
A valorização da ciência, do conhecimento e da educação é primordial na promoção do desenvolvimento sustentável e inclusivo. É por isso que garantiremos a realização do nosso Censo Demográfico em seu formato original. Além disso, criaremos um fundo soberano cujos recursos serão dedicados exclusivamente ao fortalecimento da educação pública, incluídas a pesquisa e a inovação. O Fundo Paulo Freire contará com ampla participação social na elaboração de um modelo de gestão inovador, além de estar aberto à cooperação com empresas e países parceiros.
O Brasil lidera esforços climáticos internacionais desde que sediou a Rio 92 e a Rio+20. Mantendo a tradição, iremos sediar a próxima Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Tais esforços irão fortalecer a governança climática inovadora que estamos desenvolvendo no Brasil em parceria com governos estaduais e municipais, atores da sociedade civil e entidades do setor privado.
Reafirmar a soberania brasileira sobre a nossa parte da Amazônia e rechaçar a ideia da sua internacionalização não exclui reconhecer sua importância global.
Além disso, o Brasil convida a comunidade internacional a apoiar e participar da Conferência Internacional da Juventude e do Clima que iremos sediar no ano que vem em Teresina, no Piauí.
A cooperação internacional é essencial para o avanço do desenvolvimento sustentável e inclusivo. Iremos fortalecer nossos laços de cooperação para repensar modelos de infraestrutura de grande porte, identificando e promovendo boas práticas na redução dos impactos socioambientais do deslocamento das populações locais. Essas e outras iniciativas de mitigação e adaptação demandam não apenas maior engajamento de países em desenvolvimento, mas também maiores compromissos por parte dos países que deram saltos históricos em desenvolvimento causando fortes impactos ambientais. Nesse sentido, enxergamos no diálogo de alto nível que estabelecemos em abril com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico um canal importante de troca de ideias, respeitando nossas diferenças.
Para que possamos redobrar os esforços de cooperação, solicitei à nossa Ministra das Relações Exteriores, que convoque uma reunião extraordinária da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia.
Nesse encontro, iremos lançar novos esforços colaborativos de proteção das florestas e dos seus habitantes, promovendo uma abordagem sustentável em toda a Bacia do Amazonas.
Senhoras e senhores, o Brasil tem longa tradição de prevenção e resolução pacífica dos conflitos, dentro e fora da sua região. Nosso país tem orgulho de estar entre os membros fundadores da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul, livre de armas nucleares, que constitui uma das nossas maiores credenciais como ator na paz e segurança internacional.
O Brasil lamenta o desgaste do regime internacional de desarmamento, com o recente colapso do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, e se compromete a ratificar e a promover a universalização do novo Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares.
No mesmo espírito, anunciamos uma moratória nacional na produção de munições de fragmentação e irá aderir à Convenção de Oslo sobre a proibição desses artefatos, que provocam danos desproporcionais à população civil.
O Brasil opõe-se a intervenções militares salvo em caso de aprovação pelo Conselho de Segurança e, mesmo assim, defendemos o uso responsável da força. Casos de instabilidade aguda requerem uma abordagem pacífica priorizando os meios políticos e diplomáticos. O Brasil rejeita o uso da força para lidar com a crise venezuelana, posto que recorrer às armas poderia gerar instabilidade na Venezuela e em toda a região por décadas.
Entendemos, ainda, que sanções econômicas têm impacto imediato e desproporcional sobre a população civil. Portanto, o Brasil opõe-se a sanções unilaterais, enxergando-as como medidas de último recurso que devem ser aprovadas no âmbito das Nações Unidas. O Brasil acredita que a crise apenas poderá ser resolvida pelos próprios venezuelanos, sem ditames externos. Iremos colaborar com os esforços imparciais de mediação entre o governo e a oposição, como Grupo Internacional de Contato, o Mecanismo de Montevidéu, e os Diálogos de Oslo.
O Brasil apoia o acordo de paz assinado entre o governo da Colômbia e as FARC e permanece à disposição para apoiar as partes para que retrocessos sejam evitados na implementação do acordo.
Estamos prontos a desempenhar atividades de mediação no Oriente Médio, caso sejamos convidados pelas partes.
Também reiteramos nosso apoio à resolução pacífica dos conflitos no Oriente Médio. Mais especificamente, assinalamos a necessidade de preservar o acordo sobre o programa nuclear iraniano. Reafirmamos o compromisso do Brasil com a solução de dois Estados para Palestina e Israel, com base nas linhas de 1967 e nos parâmetros do direito internacional, inclusive em relação ao status de Jerusalém. Estamos prontos a desempenhar atividades de mediação no Oriente Médio, caso sejamos convidados pelas partes.
Acreditamos que os mecanismos de paz e segurança das Nações Unidas podem e devem ser modernizados e aprimorados. Sob a liderança da nossa ministra da Defesa o Brasil retoma seu papel junto às operações de paz da ONU. Setecentos dos nossos militares, policiais e de civis serão enviados para a Missão das Nações Unidas na República Centro-Africana. No início do ano, lançamos uma campanha que busca aumentar a participação de mulheres brasileiras em todos os componentes, inclusive em postos de liderança.
No plano político, também continuaremos contribuindo para os esforços de resolução pacífica dos conflitos. É por isso que propomos a criação de uma Rede de Mediadoras Latinoamericanas, que reunirá conhecimentos valiosos adquiridos em contextos de conflitos e violência. Essa iniciativa reforça nosso compromisso com a agenda sobre Mulheres, Paz e Segurança.
Ressaltamos que a eficácia da ONU em paz e segurança requer maior representatividade. Em que pese a fadiga com o tema de reforma, insistimos que, sem repensarmos o Conselho de Segurança, a arquitetura de paz e segurança permanecerá distorcida e pouco eficaz. É por isso que lançamos, mês passado, uma nova proposta, sob o título O Conselho dos Capazes. Vislumbramos um órgão cujos membros seriam eleitos a cada cinco anos com base em avanços demonstráveis, durante o período prévio, em pautas tais como: implementação e promoção das Agendas de Mulheres, Paz e Segurança e de Juventude, Paz e Segurança; contribuições concretas para a prevenção de conflitos, incluídos os esforços de desarmamento e de não proliferação de armas nucleares; e iniciativas em mediação de conflitos. Critérios de representatividade também seriam adotados de forma a assegurar a presença dentre os membros do conselho de países de diferentes regiões geográficas e níveis de renda.
Na mesma linha, o Brasil também defende a ampliação dos trabalhos e responsabilidades da Comissão de Consolidação da Paz, mais apta a liderar esforços preventivos e de reconstrução em contextos pós-conflito.
Finalmente, o Brasil continua contribuindo para os debates sobre as normas da intervenção, razão pela qual iremos relançar, com novo vigor, o princípio de Responsabilidade ao Proteger. Iremos também organizar novo debate, no âmbito desta Assembleia, sobre o tema “o Imperativo de Prevenir”.
Senhoras e senhores, como tantos outros países aqui representados, o Brasil foi constituído através da migração, seja por meio da vinda de trabalhadores e comerciantes, seja devido ao tráfico de escravos. Seria incoerente com a nossa própria identidade fechar as portas àqueles que atravessam nossas fronteiras.
A crise de refugiados na Venezuela já tornou-se a segunda maior do mundo e apresenta desafios sem precedentes para os países da região. O Brasil já recebeu cerca de 168 mil migrantes e refugiados da Venezuela e continuará recebendo mais. Diante da situação de graves e generalizadas violações de direitos humanos na Venezuela, nos comprometemos a processar as solicitações de refúgio de venezuelanos de maneira prima facie, ou seja, em grupo.
Assim, o Brasil abrirá mão do prolongado processo de análise individualizada, garantindo proteção internacional aos venezuelanos de maneira coletiva e agilizada.
Também expandiremos nosso programa de interiorização de venezuelanos que chegam através de nossa fronteira terrestre, de forma a promover sua efetiva integração à sociedade brasileira.
Consideramos que a migração é um direito humano e rechaçamos a visão de que migrantes constituem ameaças à segurança nacional. Problemas de segurança podem surgir quando nossas instituições e marcos legais não estão devidamente adequados a receber e garantir os direitos de pessoas migrantes e refugiadas.
A nova Agência Brasileira de Migração está encarregada de coordenar esforços voltados para os solicitantes de refúgio e de residência temporária. Ela também lidera o primeiro mapeamento em nível nacional dos deslocados internos, tendo em mente que milhões de brasileiros já se viram forçados a deixarem seus lares devido a fatores tais como desastres, projetos de infraestrutura e violência.
A agência irá coordenar esforços com o Ministério das Relações Exteriores para aprofundar a cooperação regional em torno da migração, notadamente por meio de uma iniciativa que pretendemos criar, a Coalizão Sul-Norte em defesa dos Pactos Globais da ONU para migração e sobre refugiados.
Temos a honra de anunciar a retomada do programa brasileiro de reassentamento, que terá como medida inicial o reassentamento assistido de 500 refugiados advindos do Oriente Médio, da África e da América Latina. O Brasil também se compromete a fazer contribuições humanitárias anuais e previsíveis para os refugiados palestinos, através da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina. Além disso, ampliaremos nossa contribuição para o Alto Comissariado da ONU para Refugiados e para a Organização Internacional de Migração.
Continuaremos trabalhando com essas agências em busca da plena integração local de migrantes, refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil.
Sem a defesa dos direitos humanos não há democracia.
Senhoras e senhores, não podemos permitir que a agenda dos direitos humanos se esvazie. Sem a defesa dos direitos humanos não há democracia. O Brasil é um país diverso onde as mulheres, indígenas, portadores de necessidades especiais e grupos LGBTI devem poder efetivamente exercer sua plena cidadania, com todas as garantias de um estado laico.
Assassinatos como o da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, nos lembram o quão vulneráveis estãos os defensores de direitos humanos, mas também o quão urgentes são essas pautas. Temos avançado no plano interno e internacional para garantir as liberdades individuais e a proteção de defensores, jornalistas e lideranças sociais.
Como parte dos esforços visando à inauguração do Conselho Nacional de Política Externa, lançamos em fevereiro, com ampla participação social, nosso primeiro Livro Branco de Política Externa. O livro marca o início da Política Externa Inclusiva, que incorpora não apenas a igualdade de gênero mas também o anti-racismo e o combate à homofobia, à perseguição étnico-religiosa e à discriminação em geral, promovendo uma sociedade mais igualitária.
Nossa política externa inclusiva tem como âncora o princípio de angatu, que na língua tupi se refere ao bem-estar, bom espírito. Seguindo o angatu, o Brasil busca promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo que irá assegurar a felicidade e a dignidade da população. Isso requer atenção não apenas às questões econômicas mas também o respeito ao meio ambiente, à cultura e à diversidade.
Mas não basta falar de princípios; é necessário agir. Junto à ONU, iremos redobrar os esforços na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, assim como promover novas iniciativas para que a privacidade digital seja reconhecida como um direito humano.
Nas Américas, lançaremos em breve uma campanha de fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, de forma agilizar a implementação de decisões e recomendações proferidas em seu âmbito.
Em que pese nosso histórico de resolução de conflitos, o Brasil, como muitos outros países, é palco de níveis elevados de violência. Os crimes violentos afetam desproporcionalmente os negros e as mulheres. Tais crimes estão, em boa parte, relacionados ao combate ineficaz ao crime organizado e ao tráfico de drogas através da repressão hostil e da militarização da segurança pública. Vamos priorizar uma abordagem preventiva e que retire o consumo de drogas da esfera criminal, tornando o sistema carcerário mais eficaz e reduzindo a violência. Também iremos trabalhar com parceiros internacionais na desarticulação de redes criminosas transnacionais, que também alimentam a
corrupção e lavagem de dinheiro, através do Diálogo Multi-setorial contra o Crime Organizado Transnacional e sempre respeitando o Estado democrático de direito. Não acreditamos que os fins justificam os meios utilizados para combater crimes.
Senhoras e senhores, sem refletirmos sobre quem somos e para onde queremos ir, não encontraremos as soluções. Com isso, gostaria de compartilhar que, através de esforços da nossa Cooperação Solidária, no final deste ano daremos início à construção do Museu da Escravidão, em colaboração com outros Estados do Atlântico. Além da sua sede no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, o museu irá contar com uma Exposição Navegante, a bordo do antigo Aeródromo São Paulo, cedido para este fim pelo governo federal, que irá se alternar entre os principais portos do Atlântico.
Longe de ser apenas um lembrete dos abusos cometidos no nosso passado, essa nova instituição será um marco no pensar sobre o futuro. A melhor solução para a intolerância, o ódio e a desesperança é pensarmos juntos sobre o mundo que queremos construir através do angatu e da multipolaridade cooperativa.
Muito obrigada.