Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
O novo mapa da política externa brasileira: isso dá, para o chefão do bolsolavismo, quatro viagens internacionais, como naquela famosa letra do Aldir Blanc: “são dois pra lá, dois pra cá” e “um torturante band-aid no calcanhar”. Sobrou isso.
A Assembleia Geral das Nações Unidasé um dos principais órgãos da ONU. Tradicionalmente, cabe ao Brasil abrir a sua reunião anual. É um momento importante, em que o presidente reafirma os compromissos do país nas relações internacionais. Frente às drásticas mudanças que ocorrem na política externa brasileira, decidimos escrever o discurso que acreditamos que o Brasil deveria apresentar aos chefes de Estado reunidos em Nova York.
É um discurso que projeta um ideal de nação e justiça. Guarda o tom dos discursos diplomáticos, com referência a órgãos e tratados que existem, com propostas fictícias, criadas por nós, mas que acreditamos serem viáveis e necessárias. Somos duas especialistas em relações internacionais, com pesquisas sobre paz, segurança e políticas públicas.
O discurso está baseado em pilares centrais defendidos pela diplomacia brasileira desde o retorno à democracia. Entre eles, destacam-se a promoção da integração regional e o acolhimento de migrantes e refugiados, além da defesa do meio ambiente, dos direitos humanos, da resolução pacíficas de conflitos e do multilateralismo, em contraste com o atual foco no nacionalismo, que enxerga a soberania nacional e a cooperação multilateral como mutuamente excludentes. Também reforçamos em nosso discurso a histórica demanda do Brasil em favor da reforma das instituições que compõem a governança global, incluindo o Conselho de Segurança da ONU e o Banco Mundial, de forma a dar maior voz aos países em desenvolvimento.
Também traz iniciativas inovadoras que ainda não existem, mas também retoma compromissos anunciados na última década, como o fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia, a criação de um fundo soberano voltado à educação e à pesquisa, e o lançamento de umLivro Branco de Política Externaformulado com grande participação da sociedade civil, promessa anunciada em 2014, mas jamais concretizada pelo Ministério das Relações Exteriores. O discurso termina anunciando o lançamento do Museu da Escravidão, no Rio de Janeiro, um projeto que idealizamos a ser criado em cooperação com outros países de língua portuguesa.
É um lembrete de que um dia poderemos ter uma política externa proativa e criativa, coerente com os valores democráticos e com o objetivo de melhorar nossas vidas.
Bom dia a todas e todos.É uma honra estar aqui e dar continuidade à longa tradição que o Brasil mantém de abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas.
Senhoras e senhores, enfrentamos crises sem precedentes no mundo. Novas tecnologias, transformações geopolíticas e o impacto das mudanças climáticas são apenas três dos desafios complexos que nos trazem novas incertezas.
O Brasil tem longa trajetória de contribuir para omultilateralismo, tradição que perpassa governos democráticos e militares, seja por meio de esforços globais como a Liga das Nações e as Nações Unidas; ou por meio das organizações regionais, como a Organização dos Estados Americanos e o Mercosul.
O multilateralismo e o respeito pelo direito internacional são fundamentais para que possamos enfrentar e prevenir os problemas cada vez mais urgentes do mundo atual. Rejeitamos os discursos nacionalistas e populistas que se aproveitam das novas incertezas para esvaziar as instituições da governança global e para enfraquecer a democracia e os direitos humanos.
O passado nos mostra que problemas globais não podem ser resolvidos por um só país. Ao invés de trazerem prosperidade, o unilateralismo e o isolacionismo provocam instabilidade e, até mesmo, guerras.
O Brasil tem colhido os frutos concretos de sua tradição multilateralista, dentre os quais os avanços logrados por meio da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e o reconhecimento do seu território marítimo através da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.
Portanto, acreditamos que, longe de serem mutuamente excludentes, o multilateralismo e a soberania nacional reforçam-se mutuamente.
Defendemos amultipolaridade cooperativa, por meio da qual poderemos construir uma ordem internacional mais equânime e democrática, com maior representatividade dos países em desenvolvimento. Essa ordem deve ser pautada pelo multilateralismo e pelo direito internacional, e não por rivalidades geopolíticas ou ambições hegemônicas.
A política externa brasileira retoma o seu viés universalista, fundamentado na ideia de que o diálogo é necessário especialmente quando discordamos. Por isso o Brasil continua, através da Agência Brasileira de Cooperação, fortalecendo os laços de cooperação Sul-Sul. Aprofundamos as trocas não apenas através de agrupamentos tais como oIBASe oBRICS, mas também bilateralmente com parceiros na América Latina, na África e na Ásia com base nos princípios de amizade, horizontalidade e reciprocidade. Para tal, o Brasil assume o compromisso de expandir seu orçamento para atividades de cooperação internacional, sempre considerando a responsabilidade fiscal e o impacto social e ambiental de tais projetos.
Os países latino-americanos são nossos vizinhos e temos todos a ganhar com uma maior integração regional. Reconhecemos nossa dívida histórica para com nossos antepassados africanos e nos orgulhamos das nossas raízes. Os laços entre o Brasil e o Oriente Médio são históricos e continuaremos expandindo as trocas. Acompanhamos com grande interesse a iniciativa doCinturão e Rotae buscaremos aprofundar nossos intercâmbios com parceiros asiáticos.
Também devemos trabalhar juntos pela inovação. Além de desenvolver tecnologias de ponta em áreas tais como aviação e energia nuclear para fins pacíficos, o Brasil também é referência em tecnologias sociais no combate à fome e à pobreza. Na nossa cooperação solidária, iremos privilegiar os esforços em saúde pública, compartilhando nossas experiências no desenvolvimento de um sistema único de saúde de acesso universal e resguardado pela Constituição federal, buscando também aprender com nossos parceiros.
Sociedade civil e setor privado têm seu papel a desempenhar nas políticas públicas e na cooperação – mas isso não quer dizer que os estados devem abdicar da sua responsabilidade perante os desafios atuais.
As instituições deBretton Woodse outros componentes da governança global econômica devem atentar para a pauta comercial que, na ausência de um arcabouço global efetivo, se afunda em um bilateralismo sem rumo. Esse panorama produz trocas que são altamente assimétricas, prejudicando os países em desenvolvimento.
Igualmente preocupante é a tendência de financeirização da economia global. O fenômeno vem exacerbando as profundas desigualdades socioeconômicas já existentes, alimentando uma super elite com poder político desproporcional e fomentando novas tensões sociais. Precisamos inovar nos esforços de regulamentação do setor financeiro e no combate à precarização do trabalho.
O Brasil segue comprometido com a reforma do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio, de forma a torná-las mais eficazes. E isso requer maior representatividade da ordem mundial atual, na qual países em desenvolvimento contribuem significativamente para o crescimento mundial, mas carecem de poder decisório. Enxergamos essas mudanças como urgentes, sobretudo diante de ameaças protecionistas e guerras comerciais que se acirram em meio à falta de respeito pelas normas internacionais.
Os arranjos regionais também têm um papel fundamental na promoção da multipolaridade cooperativa. A América Latina não pode se tornar um cemitério de organizações regionais. Além de propor a reforma da OEA de forma a fortalecer seu papel na prevenção e resolução de conflitos, o Brasil irá lançar novas iniciativas para reforçar a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia, que enxergamos como um espaço cada vez mais estratégico para a região.
Reafirmar a soberania brasileira sobre a nossa parte da Amazônia e rechaçar a ideia da sua internacionalização não exclui reconhecer sua importância global. O Brasil permanece à disposição para cooperar com parceiros em busca da preservação da floresta amazônica, da proteção dos povos indígenas e tradicionais, e do desenvolvimento sustentável e inclusivo de toda a Amazônia.
Senhoras e senhores, oAntropocenodemanda soluções cooperativas e fundamentadas em pesquisas e evidências. Face à emergência climática que o mundo enfrenta, o Brasil reitera seus compromissos para com o Acordo de Paris. A comunidade científica no Brasil trabalha em estreita colaboração com contrapartidas em outros países no desenvolvimento de mecanismos de monitoramento da floresta, desde satélites até o uso da inteligência artificial. Nos orgulhamos dos nossos centros de excelência como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe.
A valorização da ciência, do conhecimento e da educação é primordial na promoção do desenvolvimento sustentável e inclusivo. É por isso que garantiremos a realização do nosso Censo Demográfico em seu formato original. Além disso, criaremos um fundo soberano cujos recursos serão dedicados exclusivamente ao fortalecimento da educação pública, incluídas a pesquisa e a inovação. O Fundo Paulo Freire contará com ampla participação social na elaboração de um modelo de gestão inovador, além de estar aberto à cooperação com empresas e países parceiros.
O Brasil lidera esforços climáticos internacionais desde que sediou a Rio 92 e a Rio+20. Mantendo a tradição, iremos sediar a próxima Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Tais esforços irão fortalecer a governança climática inovadora que estamos desenvolvendo no Brasil em parceria com governos estaduais e municipais, atores da sociedade civil e entidades do setor privado.
Reafirmar a soberania brasileira sobre a nossa parte da Amazônia e rechaçar a ideia da sua internacionalização não exclui reconhecer sua importância global.
Além disso, o Brasil convida a comunidade internacional a apoiar e participar da Conferência Internacional da Juventude e do Clima que iremos sediar no ano que vem em Teresina, no Piauí.
A cooperação internacional é essencial para o avanço do desenvolvimento sustentável e inclusivo. Iremos fortalecer nossos laços de cooperação para repensar modelos de infraestrutura de grande porte, identificando e promovendo boas práticas na redução dos impactos socioambientais do deslocamento das populações locais. Essas e outras iniciativas de mitigação e adaptação demandam não apenas maior engajamento de países em desenvolvimento, mas também maiores compromissos por parte dos países que deram saltos históricos em desenvolvimento causando fortes impactos ambientais. Nesse sentido, enxergamos no diálogo de alto nível que estabelecemos em abril com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico um canal importante de troca de ideias, respeitando nossas diferenças.
Para que possamos redobrar os esforços de cooperação, solicitei à nossa Ministra das Relações Exteriores, que convoque uma reunião extraordinária da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia.
Nesse encontro, iremos lançar novos esforços colaborativos de proteção das florestas e dos seus habitantes, promovendo uma abordagem sustentável em toda a Bacia do Amazonas.
Senhoras e senhores, o Brasil tem longa tradição de prevenção e resolução pacífica dos conflitos, dentro e fora da sua região. Nosso país tem orgulho de estar entre os membros fundadores daZona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul, livre de armas nucleares, que constitui uma das nossas maiores credenciais como ator na paz e segurança internacional.
O Brasil lamenta o desgaste do regime internacional de desarmamento, com o recente colapso doTratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, e se compromete a ratificar e a promover a universalização do novo Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares.
No mesmo espírito, anunciamos uma moratória nacional na produção de munições de fragmentação e irá aderir àConvenção de Oslosobre a proibição desses artefatos, que provocam danos desproporcionais à população civil.
O Brasil opõe-se a intervenções militares salvo em caso de aprovação pelo Conselho de Segurança e, mesmo assim, defendemos o uso responsável da força. Casos de instabilidade aguda requerem uma abordagem pacífica priorizando os meios políticos e diplomáticos. O Brasil rejeita o uso da força para lidar com a crise venezuelana, posto que recorrer às armas poderia gerar instabilidade na Venezuela e em toda a região por décadas.
Entendemos, ainda, que sanções econômicas têm impacto imediato e desproporcional sobre a população civil. Portanto, o Brasil opõe-se a sanções unilaterais, enxergando-as como medidas de último recurso que devem ser aprovadas no âmbito das Nações Unidas. O Brasil acredita que a crise apenas poderá ser resolvida pelos próprios venezuelanos, sem ditames externos. Iremos colaborar com os esforços imparciais de mediação entre o governo e a oposição, comoGrupo Internacional de Contato, oMecanismo de Montevidéu, e osDiálogos de Oslo.
O Brasil apoia o acordo de paz assinado entre o governo da Colômbia e asFARCe permanece à disposição para apoiar as partes para que retrocessos sejam evitados na implementação do acordo.
Estamos prontos a desempenhar atividades de mediação no Oriente Médio, caso sejamos convidados pelas partes.
Também reiteramos nosso apoio à resolução pacífica dos conflitos no Oriente Médio. Mais especificamente, assinalamos a necessidade de preservar o acordo sobre o programa nuclear iraniano. Reafirmamos o compromisso do Brasil com a solução de dois Estados para Palestina e Israel, com base nas linhas de 1967 e nos parâmetros do direito internacional, inclusive em relação ao status de Jerusalém. Estamos prontos a desempenhar atividades de mediação no Oriente Médio, caso sejamos convidados pelas partes.
Acreditamos que os mecanismos de paz e segurança das Nações Unidas podem e devem ser modernizados e aprimorados. Sob a liderança da nossa ministra da Defesa o Brasil retoma seu papel junto às operações de paz da ONU. Setecentos dos nossos militares, policiais e de civis serão enviados para a Missão das Nações Unidas na República Centro-Africana. No início do ano, lançamos uma campanha que busca aumentar a participação de mulheres brasileiras em todos os componentes, inclusive em postos de liderança.
No plano político, também continuaremos contribuindo para os esforços de resolução pacífica dos conflitos. É por isso que propomos a criação de uma Rede de Mediadoras Latinoamericanas, que reunirá conhecimentos valiosos adquiridos em contextos de conflitos e violência. Essa iniciativa reforça nosso compromisso com a agenda sobre Mulheres, Paz e Segurança.
Ressaltamos que a eficácia da ONU em paz e segurança requer maior representatividade. Em que pese a fadiga com o tema de reforma, insistimos que, sem repensarmos o Conselho de Segurança, a arquitetura de paz e segurança permanecerá distorcida e pouco eficaz. É por isso que lançamos, mês passado, uma nova proposta, sob o títuloO Conselho dos Capazes. Vislumbramos um órgão cujos membros seriam eleitos a cada cinco anos com base em avanços demonstráveis, durante o período prévio, em pautas tais como: implementação e promoção das Agendas de Mulheres, Paz e Segurança e de Juventude, Paz e Segurança; contribuições concretas para a prevenção de conflitos, incluídos os esforços de desarmamento e de não proliferação de armas nucleares; e iniciativas em mediação de conflitos. Critérios de representatividade também seriam adotados de forma a assegurar a presença dentre os membros do conselho de países de diferentes regiões geográficas e níveis de renda.
Na mesma linha, o Brasil também defende a ampliação dos trabalhos e responsabilidades daComissão de Consolidação da Paz, mais apta a liderar esforços preventivos e de reconstrução em contextos pós-conflito.
Finalmente, o Brasil continua contribuindo para os debates sobre as normas da intervenção, razão pela qual iremos relançar, com novo vigor, o princípio deResponsabilidade ao Proteger. Iremos também organizar novo debate, no âmbito desta Assembleia, sobre o tema “o Imperativo de Prevenir”.
Senhoras e senhores, como tantos outros países aqui representados, o Brasil foi constituído através da migração, seja por meio da vinda de trabalhadores e comerciantes, seja devido ao tráfico de escravos. Seria incoerente com a nossa própria identidade fechar as portas àqueles que atravessam nossas fronteiras.
A crise de refugiados na Venezuela já tornou-se a segunda maior do mundo e apresenta desafios sem precedentes para os países da região. O Brasil já recebeu cerca de168 mil migrantese refugiados da Venezuela e continuará recebendo mais. Diante da situação de graves e generalizadas violações de direitos humanos na Venezuela, nos comprometemos a processar as solicitações de refúgio de venezuelanos de maneira prima facie, ou seja, em grupo.
Assim, o Brasil abrirá mão do prolongado processo de análise individualizada, garantindo proteção internacional aos venezuelanos de maneira coletiva e agilizada.
Também expandiremos nosso programa de interiorização de venezuelanos que chegam através de nossa fronteira terrestre, de forma a promover sua efetiva integração à sociedade brasileira.
Consideramos que a migração é um direito humano e rechaçamos a visão de que migrantes constituem ameaças à segurança nacional. Problemas de segurança podem surgir quando nossas instituições e marcos legais não estão devidamente adequados a receber e garantir os direitos de pessoas migrantes e refugiadas.
A nova Agência Brasileira de Migração está encarregada de coordenar esforços voltados para os solicitantes de refúgio e de residência temporária. Ela também lidera o primeiro mapeamento em nível nacional dos deslocados internos, tendo em mente que milhões de brasileiros já se viram forçados a deixarem seus lares devido a fatores tais como desastres, projetos de infraestrutura e violência.
A agência irá coordenar esforços com o Ministério das Relações Exteriores para aprofundar a cooperação regional em torno da migração, notadamente por meio de uma iniciativa que pretendemos criar, a Coalizão Sul-Norte em defesa dosPactos Globais da ONUpara migração e sobrerefugiados.
Temos a honra de anunciar a retomada do programa brasileiro de reassentamento, que terá como medida inicial o reassentamento assistido de 500 refugiados advindos do Oriente Médio, da África e da América Latina. O Brasil também se compromete a fazer contribuições humanitárias anuais e previsíveis para os refugiados palestinos, através da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina. Além disso, ampliaremos nossa contribuição para o Alto Comissariado da ONU para Refugiados e para a Organização Internacional de Migração.
Continuaremos trabalhando com essas agências em busca da plena integração local de migrantes, refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil.
Sem a defesa dos direitos humanos não há democracia.
Senhoras e senhores, não podemos permitir que a agenda dos direitos humanos se esvazie. Sem a defesa dos direitos humanos não há democracia. O Brasil é um país diverso onde as mulheres, indígenas, portadores de necessidades especiais e grupos LGBTI devem poder efetivamente exercer sua plena cidadania, com todas as garantias de um estado laico.
Assassinatos como o da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, nos lembram o quão vulneráveis estãos os defensores de direitos humanos, mas também o quão urgentes são essas pautas. Temos avançado no plano interno e internacional para garantir as liberdades individuais e a proteção de defensores, jornalistas e lideranças sociais.
Como parte dos esforços visando à inauguração do Conselho Nacional de Política Externa, lançamos em fevereiro, com ampla participação social, nosso primeiroLivro Branco de Política Externa. O livro marca o início da Política Externa Inclusiva, que incorpora não apenas a igualdade de gênero mas também o anti-racismo e o combate à homofobia, à perseguição étnico-religiosa e à discriminação em geral, promovendo uma sociedade mais igualitária.
Nossa política externa inclusiva tem como âncora o princípio deangatu, que na língua tupi se refere ao bem-estar, bom espírito. Seguindo o angatu, o Brasil busca promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo que irá assegurar a felicidade e a dignidade da população. Isso requer atenção não apenas às questões econômicas mas também o respeito ao meio ambiente, à cultura e à diversidade.
Mas não basta falar de princípios; é necessário agir. Junto à ONU, iremos redobrar os esforços na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, assim como promover novas iniciativas para que a privacidade digital seja reconhecida como um direito humano.
Nas Américas, lançaremos em breve uma campanha de fortalecimento doSistema Interamericano de Direitos Humanos, de forma agilizar a implementação de decisões e recomendações proferidas em seu âmbito.
Em que pese nosso histórico de resolução de conflitos, o Brasil, como muitos outros países, é palco de níveis elevados de violência. Os crimes violentos afetam desproporcionalmente os negros e as mulheres. Tais crimes estão, em boa parte, relacionados ao combate ineficaz ao crime organizado e ao tráfico de drogas através da repressão hostil e da militarização da segurança pública. Vamos priorizar uma abordagem preventiva e que retire o consumo de drogas da esfera criminal, tornando o sistema carcerário mais eficaz e reduzindo a violência. Também iremos trabalhar com parceiros internacionais na desarticulação de redes criminosas transnacionais, que também alimentam a corrupção e lavagem de dinheiro, através do Diálogo Multi-setorial contra o Crime Organizado Transnacional e sempre respeitando o Estado democrático de direito. Não acreditamos que os fins justificam os meios utilizados para combater crimes.
Senhoras e senhores, sem refletirmos sobre quem somos e para onde queremos ir, não encontraremos as soluções. Com isso, gostaria de compartilhar que, através de esforços da nossa Cooperação Solidária, no final deste ano daremos início à construção do Museu da Escravidão, em colaboração com outros Estados do Atlântico. Além da sua sede no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, o museu irá contar com uma Exposição Navegante, a bordo do antigo Aeródromo São Paulo, cedido para este fim pelo governo federal, que irá se alternar entre os principais portos do Atlântico.
Longe de ser apenas um lembrete dos abusos cometidos no nosso passado, essa nova instituição será um marco no pensar sobre o futuro. A melhor solução para a intolerância, o ódio e a desesperança é pensarmos juntos sobre o mundo que queremos construir através do angatu e damultipolaridade cooperativa.
Eu teria muito a dizer a respeito dos argumentos deste artigo, mas talvez não deva fazê-lo agora, por razões que tampouco convém expor neste momento.
Apenas diria que ele padece de um problema fundamental, como aliás o artigo seguinte, do diplomata português Francisco Seixas da Costa, que a ele se refere em seu comentário do post imediatamente subsequente a este.
Esse problema está justamente no qualificativo aposto à política externa. Para esta autora, e para o diplomata português, existe uma política externa brasileira, ou do Brasil, quando isto já deixou de ser consensual há muito tempo, talvez mais de dez anos.
Quando se diz do Brasil, ou brasileira, se entende que a tal política externa seja representativa das tradições brasileiras, da unanimidade nacional, ou até representativa do Itamaraty, o corpo de profissionais que durante muito tempo, há quase 200 anos, simboliza, formula, implementa e representa a política externa nacional, que, à excessão de raríssimos momentos, sempre se confundiu com a política do Itamaraty. Ora, isto não é mais o caso pelo menos desde 2003, e continua a ser até hoje, bastando consultar os editoriais dos grandes jornais, e os artigos que aparecem nos principais periódicos, de esquerda ou de "direita", bastante carregados, a favor ou contra a política externa conduzida pelo PT desde então. Ora, se existe essa divisão, como referir-se à política externa brasileira, ou ao Brasil, como se a nação estivesse por trás das escolhas diplomáticas atuais?
Já formulei essas críticas -- não à política externa exatamente, porque ela é o que é -- mas a seus intérpretes acadêmicos e jornalistas, e voltarei ao assunto oportunamente.
Paulo Roberto de Almeida
No âmbito da série especial do Ano Grande do Brasil, o PÚBLICO pediu a analistas brasileiros que respondam, dentro das suas áreas, à pergunta: Para onde vai o Brasil?
Para onde vai o Brasil? Na sua política externa, o caminho a ser traçado durante os próximos anos depende, em grande parte, de quem o Brasil acha que é.
O Brasil é ou não “ocidental”? A pergunta em si não parece particularmente útil, pois pressupõe a existência de dois campos antagônicos no plano internacional. Seja a resposta “sim” ou “não", essa visão representa uma simplificação grotesca da ordem internacional atual: um contexto fluido, marcado por alto grau de incerteza.
Sugiro, portanto, uma resposta que reflete a ambiguidade valiosa do Brasil como ator internacional: o Brasil é, e ao mesmo tempo não é, ocidental. O diferencial do Brasil no cenário internacional sempre foi o de interligar diversos campos. A política externa brasileira colheu suas safras mais ricas justamente quando soube traduzir em resultados concretos o princípio do universalismo – a ideia de que a diversificação dos laços, quando transcende ideologias e agrupamentos, confere à diplomacia brasileira uma agilidade única. Embora não seja panaceia, o universalismo permite que o Brasil beneficie da enorme diversidade de arranjos e alinhamentos que se constituem no pós-Guerra Fria.
Ao longo da última década, o discurso da política externa brasileira afirmou resgatar o viés universalista de eras passadas. A intensificação de laços econômicos, políticos, e sócio-culturais com outros países em desenvolvimento – a chamada cooperação Sul-Sul – permitiu a retomada ou o adensamento das relações com parceiros latino-americanos, africanos, e asiáticos. Quando a crise financeira global eclodiu em 2008, essa opção tornou-se uma verdadeira necessidade, na medida em que a cooperação Sul-Sul ajudava o Brasil a contornar algumas das dificuldades criadas pela escassez de capital e de comércio com os países desenvolvidos.
Ao mesmo tempo, o alinhamento do Brasil com outras ditas “potências emergentes” serviu para amplificar as reivindicações históricas que o Brasil já compartilhava com outros países em desenvolvimento em relação às estruturas anacrônicas e injustas da governança global. De certa forma, a conjuntura apresentava uma série de oportunidades inéditas para que o Brasil, em colaboração com outras potências emergentes, pressionasse as organizações tradicionais por processos decisórios que refletissem a atual distribuição de poder, já não tão densamente concentrada nos Estados Unidos e na Europa.
Em certas questões-chave, tais como o pleito histórico do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a política externa brasileira – embora tivesse extraído palavras de apoio à reforma da maioria dos membros do P-5 – se deparou com os interesses fundamentalmente conservadores que a China e a Rússia compartilham em relação à possibilidade de ampliação do organismo. As resistências se mantiveram, a falta de consenso sobre a receita da reforma persistiu, e a janela de oportunidade – que parecera tão promissora para a diplomacia brasileira – fica agora, no máximo, entreaberta.
Em outras áreas, a cooperação Sul-Sul começa a render frutos. Dentre as alianças informais que surgiram nessa época, o BRICS tornou-se o mais visível, assim como o mais controverso, das iniciativas interregionais. Embora o agrupamento seja tratado pela mídia, sobretudo aquela baseada nos países avançados, como uma espécie de quimera, a agenda do BRICS se expandiu e diversificou. Iniciativas concretas, tais como o banco de desenvolvimento do BRICS, servirão não apenas para suprir capital em áreas negligenciadas pela assistência tradicional – infraestrutura e políticas industriais – mas também para dar novo fôlego ao apelo por reforma da arquitetura global. No caso do banco, se sair do papel, as instituições de Bretton Woods serão submetidas a novas pressões para avançar as reformas que até agora não se concretizaram por resistência dos países avançados.
Ao mesmo tempo, um banco de desenvolvimento controlado exclusivamente por potências emergentes pode servir como plataforma para formulação de normas da cooperação Sul-Sul. Tal esforço permitiria aos países BRICS não apenas reforçar a contestação aos esforços da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) de “harmonizar” a assistência ao desenvolvimento de acordo com as práticas e preferências dos doadores tradicionais, mas também propor um novo arcabouço normativo.
Na área da segurança internacional, o Brasil vem se alinhando com outros BRICS no Conselho de Segurança da ONU em questões de intervenção militar, questionando propostas de intervenção na Líbia e na Síria. Em relação à crise na Ucrânia, o Brasil – assim como a China – inicialmente manteve uma postura neutra, para logo em seguida se juntar aos demais BRICS, condenando as sanções impostas contra a Rússia após a anexação da Crimeia.
Em essas como em outras áreas, a política externa do Brasil vem, mesmo que de forma tácita, se definindo cada vez mais como “não-ocidental,” embora o rótulo não reflita de forma adequada a história do país, nem a sua composição sócio-cultural. Ao tomar partido e se contrapor a um “ocidente,” a política externa enfraquece a sua própria identidade universalista, passando então a reforçar a percepção de uma divisão Norte-Sul que nem sempre convém aos interesses brasileiros. Se outrora essa política pecou pelo alinhamento excessivo com o “Norte,” ela agora corre o risco de repetir o erro, só que restringindo os seus alinhamentos a um fictício Sul global.
A trajetória da política externa brasileira nos próximos anos vai depender não apenas das mudanças (altamente imprevisíveis, como demonstra a Ucrânia) da conjuntura, mas também da capacidade que o próximo governo terá de preservar os ganhos da cooperação sul-sul, sem aderir a uma visão reducionista da ordem internacional. Para onde vai o Brasil? Ele vai rumo ao que (acha que) é.
Professora do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)