Não acreditei, confesso, quando li a mensagem de WhatsApp: só pode ser
fake news. Um técnico do IPEA informava que o futuro ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro,
Paulo Guedes, tinha acabado de ter uma reunião com integrantes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Os técnicos discutiam a LOA e foram interrompidos pelo futuro ministro: o que mesmo é a LOA? Sério? Não pode ser. Como é possível que um economista experiente prestes a assumir o Ministério da Economia não saiba que a LOA é a Lei Orçamentária Anual? Só pode ser brincadeira de petista infiltrado.
Só que não. A jornalista Cristiana Lobo revelou anteontem em rede nacional que o presidente do Senado,
Eunício Oliveira, convidou Guedes para discutir o orçamento e sua lei. A LOA. Guedes não se interessou, respondendo que faria o orçamento de 2019 só depois de tomar posse, no ano que vem. O senador precisou explicar que a LOA era o orçamento “do ano que vem”.
Os sinais de desorientação na cúpula econômica do novo governo não são novos, diga-se de passagem. Na entrevista em que destratou uma jornalista do El Clarín da Argentina apenas por lhe perguntar se o Mercosul seria prioridade do novo governo, Guedes revelou desconhecer o básico.
Afirmou que “o Mercosul quando foi feito foi totalmente ideológico...Eu só vou comercializar com Argentina? Não. Eu só vou comercializar com Venezuela, Bolívia e Argentina?... Não, não é prioridade. É isso o que você quer ouvir?”
Guedes precisa de algumas informações básicas. Número 1: o Mercosul foi assinado por Fernando Collor e
Carlos Menem em 1991, e não por Lula e Kirchner em algum ano da década passada. Se “quando foi feito foi totalmente ideológico”, a ideologia do Mercosul era a de neoliberais como Guedes.
De fato, não há regras trabalhistas, ambientais ou fiscais comuns no Mercosul, o que permite que as empresas se desloquem em busca de normas mais “amigáveis” (livre poluição, por exemplo), ou salários e impostos menores.
Era exatamente por isso que o pai do neoliberalismo, Friedrich Hayek, era um entusiasta do livre mercado europeu, como
Quinn Slobodian nos lembrou recentemente. O ex-embaixador Rubens Barbosa, que de nacionalista parece ter muito pouco, adora certas coisas no Mercosul.
Ex-sócio da firma da insuspeita secretária de Estado dos EUA no governo Bill Clinton, Madeleine Albright, Barbosa é presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP desde 2013. Nesta condição, promoveu seminário para estimular industriais brasileiras a se deslocarem para o Paraguai.
Em português claro: na fronteira do lado de lá, podem pagar salários de fome e impostos, digamos, paraguaios, montando bens finais reexportados para o mercado brasileiro. Ah, como se sabe, também podem poluir com menores custos de controle ambiental “xiita”.
Informação básica número 2: nem Bolívia nem Venezuela, dois dos três países citados por Guedes, são integrantes originais do Mercosul. Foi apenas em maio de 2018 que a
Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, com relatoria de deputado neoliberal do PRB, aprovou a adesão da Bolívia ao Mercosul, ainda pendente.
E desde 2016 a Venezuela está suspensa porque, felizmente, o bloco tem uma “cláusula democrática” entre seus participantes.
Informação básica número 3: o Brasil tem superávit comercial com o Mercosul e com a América do Sul em geral. As exportações industriais são parte importante deste saldo comercial favorável. Muitas delas são feitas por filiais de grandes grupos multinacionais que tecem cadeias produtivas globais, exportando insumos e bens finais entre plantas produtivas. O Brasil é o principal centro regional delas basicamente porque tem o maior mercado interno e porque o
Mercosul facilita as trocas regionais.
Alguém tem que fornecer outras informações básicas sobre o mundo em que vivemos para os futuros ocupantes do Planalto. Nem Clinton, nem
George Bush nem Barack Obama aceitaram abrir o mercado agrícola local para os exportadores brasileiros apesar da insistência de FHC e Lula. Trump, o protecionismo-mor, é quem vai fazê-lo?
Avisem por favor que Trump incluiu a chamada “pílula de veneno” na renegociação do NAFTA do Canadá e México. Assim, ele pode retaliar caso os “parceiros” fechem acordos com a China, com a qual, aliás, Trump está em guerra comercial aberta.
Alguém tem de avisar Bolsonaro e Guedes que a China é o principal destino das exportações brasileiras. E é bom que Bolsonaro pense duas vezes antes de voltar a visitar Taiwan, considerada uma província rebelde em Pequim.
Alertem por gentileza que sair do Acordo de Paris para o clima sujeitará o Brasil a retaliações comerciais da União Europeia. E que os árabes vão deixar de importar carnes halal do Brasil caso mudemos nossa embaixada para Jerusalém por
pressão não da comunidade judaica, mas de igrejas evangélicas que apoiaram Bolsonaro. Torçamos para que fanáticos do outro lado não passem a ver a camisa brasileira com ódio nas praias do Egito ou na Copa do Mundo no Catar.
Talvez alguns industriais tenham apoiado Bolsonaro por imaginarem que, com ele, não seria mais necessário transferir empresas para o Paraguai para pagar salários e impostos paraguaios. Tudo bem, talvez não saibam que os trabalhadores gastam seus salários antes do fim do mês, transformando-os em lucros de outros empresários aqui mesmo no mercado interno.
Talvez não saibam também que o corte prometido do gasto público vai afetar vendas e lucros das empresas, pois o governo não compra em Marte e sim no Brasil. Mas ao menos alguns estão arrependidos por terem apoiado um presidente cujo “Posto Ipiranga” disse que vai “salvar a indústria apesar dos industriais”.
Não vou dizer bem-feito porque, apesar da Fiesp, sou nacionalista. Não proponho rebatizar a Fiesp de
Federação das Importadoras do Estado de São Paulo. Só aviso que os níveis de provincianismo e desinformação em Brasília vão aumentar perigosamente no ano que vem. A Barra da Tijuca, apesar da réplica da Estátua da Liberdade, não é Nova Iorque.