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quinta-feira, 6 de abril de 2023

Guerra comercial custará caro - Martin Wolf (Valor)

Guerra com o comércio custará caro 

Mundo mais protecionista estará mais propenso a choques inflacionários

Martin Wolf

Valor Econômico, 5/04/2023


Estamos vivendo em um mundo dividido. Essas divisões possuem muitas ramificações. Mas a mais importante delas é o comércio global. A desaceleração do comércio mundial, a mudança em direção ao nacionalismo econômico e as crescentes demandas do Ocidente, especialmente nos Estados Unidos por uma dissociação da China, estão remodelando a economia mundial. Ainda não está claro até onde essa dissociação irá. Também não está claro até onde irá o intervencionismo introspectivo. Mas não há dúvida de que este é um ponto de inflexão significativo, com resultados imprevisíveis e, muito provavelmente, danosos.

Como revela um importante artigo recente do Peterson Institute for International Economics (PIIE), assinado por Alan Wolff, Robert Lawrence e Gary Hufbauer, a hostilidade ao comércio que vem se apoderando cada vez mais dos EUA corre o risco de reverter nove décadas de uma política extremamente bem-sucedida. Desde o desastre protecionista do começo da década de 30, o propósito da política dos Estados Unidos tem sido criar um sistema comercial aberto e governado pelas regras.

Essas políticas criaram uma economia mundial mais próspera, que se tornou a base do sucesso econômico (e, portanto, político) ocidental na Guerra Fria. Elas facilitaram uma redução impressionante da pobreza global. Elas são a credencial mais importante para a afirmação dos EUA de serem uma hegemonia benigna.

Hoje, no entanto, Donald Trump e Joe Biden, que discordam em quase tudo, concordam que isso foi um erro - uma fraude contra os trabalhadores americanos. Além disso, não são apenas as políticas na fronteira que estão mudando. Os EUA também estão adotando uma política industrial agressiva, apoiada por subsídios generosos. Atrás dela, e a fortalecendo, está a grande disputa por poder com a China. Estamos realmente entrando em um novo mundo.

Duas explicações amplas podem ser dadas para essa mudança fundamental na política dos EUA. Uma é a rejeição do "neoliberalismo"- um rótulo pejorativo para as políticas voltadas para o mercado. Mas, ao contrário da visão disseminada, não é verdade que o comércio liberal seja uma causa dominante ou mesmo significativa dos problemas das classes trabalhadores das sociedades ocidentais. O principal condutor do declínio do emprego no setor industrial tem sido o aumento da produtividade.

Entre 2000 e 2020, 6 milhões de empregos foram perdidos no setor manufatureiro nos EUA. Mas apenas cerca de 1 milhão dessa perda (agora no passado distante) se deveu às importações da China. A falha foi não fornecer nenhuma proteção para aqueles que perderam os empregos e para os lugares onde eles viviam, assim como ignorar o aumento da desigualdade econômica.

A outra explicação é a ascensão de um concorrente que opera com tanto sucesso na economia mundial aberta. Isso está relacionado com a crescente suspeita do livre mercado para justificar a dissociação da China, o "reshoring" ou "friendshoring" das cadeias de suprimentos, e políticas comerciais e industriais intervencionistas e protecionistas. Além disso, essas novas políticas não são dirigidas apenas à China. As políticas "buy America" estão visando tanto amigos como inimigos.

Essa mudança de política na potência hegemônica mundial levanta três grandes questões. Primeiro, essas políticas funcionarão em seus próprios termos? Há um bom motivo para duvidar disso. Adam Posen, do PIIE, recentemente afirmou que o "self-dealing" [situação em que alguém usa sua posição para obter vantagens] da atual postura dos EUA se mostrará contraproducente, que a autossuficiência é uma meta tola, que o subsídio competitivo é um jogo de soma zero e que a politização do comércio certamente levará a resultados destrutivos. Além disso, ele diz que o foco na produção é equivocado; o que importa é a adoção de novas tecnologias. Não menos importante, ao decidir suas políticas, os EUA precisam entender que estão dando um exemplo que outros seguirão. Os intervencionistas no exterior se sentirão legitimizados, tornando a economia mundial menos aberta.

Em segundo lugar, qual será o impacto dessa mudança sobre a economia mundial? Eswar Prasad, da Universidade Cornell, alerta que "todos os países, ricos e pobres, um dia lamentarão sua virada para dentro". Apoiando isso, um novo livro do Banco Mundial observa que as perspectivas de longo prazo para o crescimento econômico mundial estão se deteriorando. Um dos motivos para isso é a desaceleração do crescimento do comércio global desde a crise financeira de 2007-2009, que foi agravada pelos choques pós-covid e o aumento do protecionismo. Entre outras coisas, conforme observa o livro, o comércio "é um dos principais canais de difusão de novas tecnologias". Além do mais, deve-se notar, um mundo mais protecionista será um mundo com menores elasticidades de oferta e, portanto, estará mais propenso a choques inflacionários.

Por último, mas não menos importante, como essa mudança será inserida em um mundo em que grandes potências se confrontam? A resposta óbvia e racional é definir as exceções às regras gerais do comércio liberal com precisão e clareza. Assim, nas cadeias de suprimentos e tecnologia, os EUA e outras potências deverão definir onde exatamente eles acham que o mercado falhará em fornecer a eles a segurança de que precisam, e ajustar suas políticas de acordo. Será necessário um monitoramento contínuo dos riscos econômicos e de segurança relevantes e o ajuste das políticas associadas. Ao mesmo tempo, o intervencionismo orientado para a segurança deverá ser o mais preciso e não protecionista possível, de forma a continuar ganhando com as economias de escala proporcionadas pelo comércio internacional.

Agora suponha que isso seja impossível e que China e EUA se voltem cada vez mais para dentro. O que os outros países deveriam tentar fazer? Uma resposta é criar um acordo de livre comércio baseado nos princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas indo além deles. O cerne de tal acordo existe: o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífico (CPTPP). Ele nasceu da Parceria Transpacífico, criada por Barack Obama e que foi repudiada por Trump. Então eles poderiam acrescentar os oceanos Atlântico e Índico. E também deixar as superpotências de fora. O resto do mundo ainda pode cooperar. 

Ao contrário da visão disseminada, é falso que o comércio liberal seja causa dominante dos problemas das classes trabalhadores das sociedades ocidentais. O principal condutor do declínio do emprego industrial tem sido o aumento da produtividade (Tradução de Mario Zamarian).