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terça-feira, 4 de maio de 2021

As novas faces do ateismo, livro de John Gray - resenha de Marcelo Marthe (Veja)

 Filósofo inglês John N. Gray examina as facetas do ateísmo em novo livro

É famosa a frase atribuída ao inglês G. K. Chesterton segundo a qual “quando um homem deixa de acreditar em Deus, ele não passa a acreditar em nada – passa a acreditar em qualquer coisa”. Em certo sentido, o mais recente livro do filósofo John N. Gray, Sete Tipos de Ateísmo (Record), é um registro interessante das coisas em que os seres humanos são capazes de acreditar no lugar da religião e de Deus. Como afirma Gray, o livro não tem o propósito de converter ninguém ao ateísmo – muito menos, de conduzir quem quer que seja a alguma fé. Trata-se, isso sim, de mais um elegante e prazeroso ensaio do autor de Cachorros de Palha(2002) e Missa Negra (2007), livros com os quais o erudito professor de Filosofia Política na Universidade de Oxford e, posteriormente, na London School of Economics tornou-se um best seller mundial, alcançando um tremendo público que seus excelentes trabalhos acadêmicos nunca teriam sido capazes de alcançar.

O livro “Sete tipos de ateísmo”, de Gray, John, publicado pela Editora Record

É nesse espírito de diálogo com o grande público que Sete Tipos de Ateísmo chega ao leitor brasileiro. Com agilidade e clareza jornalísticas, Gray apresenta os ateísmos que pretende analisar: o “novo ateísmo” militante de nomes como Richard Dawkins e Sam Harris; o “humanismo secular”; o ateísmo que transforma a ciência em religião; as religiões políticas modernas (do jacobonismo ao nazismo e comunismo); o ateísmo dos que odeiam Deus (exemplificado pelo Marquês de Sade, entre outros); o ateísmo de Joseph Conrad, que rejeita a ideia de um Deus criador; e, por fim, o ateísmo místico do pensador alemão Arthur Schopenhauer.

Ao se lançar à escrita para o grande público, saindo dos círculos mais estritos da academia, Gray levou consigo algumas importantes marcas do trabalho como filósofo político que tinha realizado durante mais de 20 anos nas prestigiadas universidades inglesas. Discípulo do grande pensador Isaiah Berlin (a respeito de quem escreveu uma excelente biografia), interlocutor muito próximo de Michael Oakeshott (de cuja obra é grande conhecedor), o autor de O Silêncio dos Animais estudou meticulosamente a política da Europa moderna, isto é, dos últimos 400 anos – em suma, a política que nos legou as democracias liberais, constitucionais e representativas, mas também as grandes ideologias totalitárias do nazi-fascismo, à direita, e do comunismo, à esquerda. E se há um elemento que Gray soube identificar na política moderna é seu caráter de sucedânea da fé em Deus e das religiões reveladas instituídas, centrais na vida espiritual, mas também na vida pública, política, da Europa até poucos séculos atrás – tema presente em inúmeros de seus livros e ensaios para a imprensa, sobretudo em Missa Negra. Sai Deus, entra o “progresso humano”.

Não por acaso, o melhor do livro Sete tipos de Ateísmo está justamente no capítulo 4, aquele em que Gray se dedica a analisar o quarto tipo de ateísmo de sua lista de sete: “As religiões políticas modernas, do jacobinismo ao liberalismo evangélico contemporâneo, passando pelo comunismo e pelo nazismo”. Reconhecendo o perfil de fanatismo crédulo e inclinado à violência em nome da doutrina que todas essas variedades de movimentos políticos compartilham, Gray vê na raiz desse modo de compreensão da política o milenarismo:

“Os movimentos revolucionários modernos são continuações do milenarismo medieval. O mito de que o mundo humano pode ser refeito em uma reviravolta cataclísmica não morreu. Mudou apenas o autor desse fim dos tempos transformador do mundo. Nos velhos tempos, era Deus. Hoje, é a humanidade”.

Da “Ordem de Enforcamento” de Lenin, de agosto de 1918, em que o revolucionário russo instruía os bolcheviques a executar por enforcamento os camponeses que resistissem à política de confisco de grãos, “para que a população possa ver e temer”, à delirante convicção do artista Kazemir Malevich, para quem “a morte de Lenin não é morte, ele está vivo e é eterno”, é difícil não reconhecer as similaridades com a religião na estrutura de pensamento e nas práticas políticas historicamente comprovadas. Entretanto, pouco do que vem nesta análise é novo, e o leitor dos livros anteriores de Gray sairá com a sensação do déjà-lu.

Entre os sete tipos de ateísmos analisados por John Gray, o que há de mais recente é também o mais banal, esquemático e superficial. Sua análise do “Novo Ateísmo” de Dawkins e Harris, por exemplo, é provocadora e suficientemente convincente ao menos para relativizar o alcance da argumentação dos novos ateus. Um exemplo: ateu ou não, o leitor certamente deverá pensar duas vezes ao deparar com as afirmações de Sam Harris, que deseja “uma ciência do bem e do mal”, uma “ética científica”. Como afirma Gray, “não é por acaso que nem ele [Sam Harris] nem qualquer dos novos ateus promovem a tolerância como valor fundamental. Se a ética pode ser uma ciência, não há necessidade de tolerância”. Gray despacha esses ateus sem voltar a eles ao longo do livro.

Algumas modalidades de ateísmo, é claro, saem-se melhor na foto tirada por John N. Gray – ele próprio um cético bastante distante de qualquer variedade de fé religiosa. Por diversas vezes o ateísmo de certas escolas filosóficas da antiguidade helenística é mencionado como exemplar em sua moderação. No geral, contudo, vale a máxima chestertoniana: como espécie, parecemos inclinados a acreditar em qualquer coisa quando deixamos de aceitar um sistema de crenças espirituais altamente ordenado como o são as religiões tradicionais.

Os exemplos divertem, mas também chocam. Entre os adeptos do Humanismo Secular, o segundo tipo de ateísmo examinado por Gray, temos Karl Marx. Esse humanismo secular deveria ter substituído os males pregressos da humanidade, entre os quais se encontrava a religião – a grande opressora! –, e conduzido o gênero humano à salvação pela História. Os males humanos, contudo, seguiram os mesmos, ou até piorados, com esses seculares salvadores da espécie como Marx, que em seu profundo “humanismo” é capaz de escrever esse trecho torpe sobre Ferdinand Lassalle, dirigente socialista judeu alemão:

“Agora está perfeitamente claro para mim, como provam a forma da sua cabeça e o crescimento do seu cabelo, que ele [Lassalle] descende de negros que se juntaram à marcha de Moisés na saída do Egito (se é que sua mãe ou sua avó não se acasalaram com um crioulo). E esta combinação de judaísmo e germanismo com uma substância básica negroide deve gerar um produto peculiar. A agressividade do sujeito também é característica de crioulos.”

Como se vê, não é só o messianismo inerente ao marxismo que envelheceu mal. E na artilharia de Gray, não há seita que escape. Veja-se, por exemplo, o que diz sobre a curiosa figura de Ayn Rand, emigrada russa, escritora e líder de uma seita que prosperou nos Estados Unidos, contando com adeptos até hoje (e mesmo no Brasil):

“O culto de Rand se destinava a governar cada aspecto da vida. Como grande fumante que era, seus seguidores eram instruídos a fumar também. (…) Não foi à toa que os ultraindividualistas que se tornaram discípulos de Rand passaram a ser conhecidos no movimento como ‘o Coletivo’. A escolha dos parceiros de casamento também era controlada. Na sua visão das coisas, seres humanos racionais não devem se associar aos que são irracionais. Não poderia haver pior exemplo disso do que duas pessoas unidas em casamento simplesmente pela emoção, e assim os oficiantes do culto tinham poderes para aproximar discípulos de Rand apenas de outros que também abraçassem a fé. Da cerimônia de casamento constava um juramento de devoção a Rand, seguido da abertura de ‘A Revolta de Atlas’ em uma página aleatória para leitura de um trecho do texto sagrado.”

Os exemplos bem o demonstram: a humanidade é capaz de acreditar em qualquer coisa. Felizmente, algumas dessas coisas são apenas aberrações patéticas, como é o caso da seita de Rand. Outras seitas já foram capazes de exterminar dezenas de milhões, como o nazismo e o comunismo.

Espantoso, mesmo, é que todas essas seitas sigam com ativos seguidores em toda parte ainda hoje.


sexta-feira, 19 de março de 2021

Velhos bárbaros, novo Império: resenha de Jean-Christophe Rufin: L’Empire et les Nouveaux Barbares (1991) - Paulo Roberto de Almeida

 Velhos bárbaros, novo Império

 

Paulo Roberto de Almeida

Revista Brasileira de Política Internacional

(Rio de Janeiro, ano XXXV, n. 137-138, 1992/1, pp. 97-103)

 

Jean-Christophe RUFIN: 

L’Empire et les Nouveaux Barbares

Paris, Éditions Jean-Claude Lattès, 1991, 249 pp.

 

O tema está, sem dúvida alguma, na ordem do dia: a emergência de uma nova ordem mundial após a derrocada do sistema soviético. As teses e argumentos do autor não deixam tampouco de ser provocantes: a solidão das democracias ocidentais em face, não mais do inimigo ideológico tradicional, mas, da preocupante nebulosa dos povos divididos do Terceiro Mundo. Ambos se contemplam de um lado e outro do limes, a fronteira imprecisa entre dois mundos: o Norte, recentemente reunificado e supostamente depositário dos valores do direito — o Império — e o Sul, caótico e incontrolável na diversidade de seus povos — os novos bárbaros.

 

Vinho Novo, Velhos Odres

Como todas as teses dicotômicas, o ensaio de Jean-Christophe Rufin incita não só ao debate, mas também à contestação. E, como todos os argumentos razoavelmente “catastrofistas”, o sucesso de mídia parece igualmente assegurado. Esses parecem aliás ter sido os objetivos do autor: provocar a indignação, quando não a rejeição das teses “defendidas” e, por isso mesmo, suscitar um movimento de reação ao curso aparentemente irreprimível tomado na atualidade pela chamada “nova ordem mundial”: a conformação de um novo tipo de “apartheid”, mais insidioso e generalizado que o velho sistema em vias de desaparecimento no país que o criou.

Como demonstrado pela experiência de denso best-seller do historiador Paul Kennedy sobre a ascensão e queda das grandes potências, (1) [Nota ao final] discursos sobre a decadência ou o sucesso relativos das nações sempre despertam sentimentos ambíguos em cada um de nós. Desta vez não se trata de uma pergunta dirigida apenas aos dinossauros da política mundial, mas ao conjunto dos países em desenvolvimento, isto é, à maioria dos membros da já imensa comunidade mundial. Todos devemos, assim, perguntar-nos: a sociedade onde vivo caminha para a frente, para níveis mais elevados de progresso econômico e de bem-estar social, ou seja, no sentido da História, ou, ao contrário, estaria ela condenada ao declínio, à estagnação, ao caos social ? Numa palavra: como meu país se situa em relação à modernidade encarnada pelos países já avançados ? 

Nesse particular, o diagnóstico de Rufin é aparentemente inapelável: o Norte, agora liberado da confrontação Leste-Oeste, prossegue pacientemente seu rumo em direção do futuro, acumulando riquezas e dispensando bem-estar a seus habitantes. O Sul, ao contrário, pareceria condenado ao marasmo econômico, aos conflitos militares e raciais, enfim, à anarquia social e política.

O que é mais preocupante é que não se trata de um simples “atraso histórico” em relação às realizações materiais, econômicas, científicas e culturais do Norte desenvolvido: o que os países do Sul apresentam, na verdade, é uma realidade substancialmente diferente daquela observada no hemisfério setentrional. Os valores greco-latinos são, segundo Rufin, rejeitados ao sul do Equador, a anarquia incontrolável de determinadas porções do planeta estaria transformando territórios mais ou menos vastos em novas terrae incognitae onde nenhum ocidental ousa mais se aventurar, catástrofes e guerras se disseminam no mais completo descaso em diversas regiões.

Para garantir sua própria segurança, o Norte se fecha aos influxos humanos do Sul e passa a reforçar barreiras materiais à penetração dos novos bárbaros. Essas paliçadas modernas são constituídas por Estados tampões, cuja função é a de frear as correntes migratórias, diminuir os pontos de conflito e, em última instância, garantir as fronteiras do Império.

Este é o quadro geopolítico global — amargo, talvez, e mesmo cínico, mas realista — que, segundo Rufin, caracterizaria a nova ordem mundial em construção. O cenário traçado não poderia ser mais claro em sua crueza dicotômica, sob risco de parecer simplista. Mas, antes de rejeitarmos a tese principal de Rufin como irremediavelmente contaminada por um novo tipo de maniqueísmo — ao substituir a hoje defunta oposição Leste-Oeste pelo conflito Norte-Sul, em versão revista, corrigida e ampliada — cabe reconhecer a seriedade e pertinência dos argumentos desenvolvidos em seu ensaio, quando não a fundamentação empírica da maior parte de suas afirmações.

Seu ensaio é, porém, deficiente em razão de duas ordens de problemas: por um lado, um reagrupamento arbitrário, algumas vezes incoerente, de uma série de dados objetivos — demografia, mores social, comportamento político, conflitos militares — sobre diferentes países do Terceiro Mundo; por outro lado, um pecado metodológico comum a todos os comparatistas transtemporais: o desejo de encaixar novas realidades em velhos moldes históricos. Vamos tratar sucessivamente dessas duas questões, ao mesmo tempo em que repassamos os argumentos de Rufin.

 

Existe um Terceiro Mundo ?

Todo o livro de Rufin é construído sobre a oposição entre o Norte, que adere aos valores democráticos e humanos mais ou menos identificados com a ideologia americana, e o resto do mundo, isto é, os novos bárbaros. Nem o Sul, nem o Norte são entidades homogêneas, como o reconhece o autor, mas um conjunto de elementos os diferenciam entre si, ou melhor, diversos traços negativos afastam de maneira inquestionável o destino sombrio dos países do Sul do itinerário relativamente satisfatório seguido pelos países do Norte. 

Já sabíamos, desde Max Weber, que toda ciência social é permeada de subjetividade e que todo comparatismo está irremediavelmente comprometido pela nossa própria visão do que seria o “padrão normal” de desenvolvimento histórico e social. O mesmo Weber, que fazia seus exercícios de comparação sociológica com base nos famosos “tipos ideais”, seria extremamente cauto em fazer a análise dessa imensa variedade de problemas ao abrigo da noção de “terceiro mundo”, um conceito tão carregado de contradições quanto a própria realidade que ele pretende descrever.

Na verdade, os elementos selecionados por Rufin para descrever o quadro político, econômico, social, demográfico e cultural dos países do Sul são todos relevantes quando tomados individualmente ou de maneira tópica para cada um dos países mencionados. A dificuldade está, precisamente, em subsumir elementos de origem diversa num mesmo cenário “unificador”: o assim chamado “terceiro mundo”.

Dito isto, não há como recusar a realidade atual dos países do Sul, tal como evidenciada de maneira dramática no livro de Rufin. Senão vejamos: aparecimento e ampliação de zonas de insegurança relativa em diversas regiões, seja na América Latina (onde o caso mais evidente é o do Peru), na África (Etiópia, Somália, Libéria, etc.), no Oriente Médio (Líbano) ou na Asia (Índia, Sri Lanka, Indochina), conformando as já mencionadas terrae incognitae do novo mapa planetário; colusão do crime organizado com as zonas de pobreza urbana, em diversas megalópoles do Terceiro Mundo; diferenciação gritante das taxas de natalidade ao sul e ao norte do Equador, desmentindo as teses antimalthusianas sobre a “transição demográfica”; acumulação de “arquipélagos de miséria”, nas zonas de refugiados políticos ou econômicos em vários pontos do mundo ou nas próprias cidades do Sul, como resultado do êxodo rural; desenvolvimento de novas ideologias insurrecionais, em ruptura com o marxismo tradicional, sustentando movimentos guerrilheiros virulentamente antiocidentais e anti-humanistas (Sendero Luminoso, Kmer Vermelho, fundamentalistas islâmicos, etc.); disponibilidade de armas e equipamentos sofisticados nas mãos de grupos radicais ou simplesmente criminosos; ineficiência relativa ou absoluta dos programas de desenvolvimento, seja pela ausência de mínimas condições favoráveis à implementação dos projetos, seja pela dilapidação dos recursos da cooperação internacional nas mãos de agentes corruptos. Enfim, um pouco em todas as partes do Sul o que se observa é uma situação geral que não é de simples “atraso histórico” em relação aos países do Norte — atraso que poderia, teoricamente, ser coberto em prazos mais ou menos curtos, segundo os níveis de desenvolvimento já alcançados — mas, uma condição fundamentalmente diversa da dos países avançados, uma diferença estrutural quanto ao modo mesmo em que se processa o “desenvolvimento”.

Rufin tem, sem dúvida alguma, razão no que se refere à maior parte de suas constatações “objetivas” sobre a situação dos países do Sul. De uma forma geral, o quadro é desalentador: avanço da miséria, da instabilidade política e militar, deterioração das condições de vida na maioria das megalópoles do Sul, progressão do crime organizado e da corrupção, falência geral das instituições públicas, numa palavra, recuo geral da sociabilidade e avanço da anomia. Tudo isso é bem real no Terceiro Mundo, mas não necessariamente verdadeiro para os países individualmente.

O cenário assustador do território de “bárbaros” é construído com base nos exemplos mais deploráveis que se oferecem aos olhos dos observadores do Império, elementos de natureza diversa pinçados aqui e ali na atualidade sempre trágica dos chamados “pontos quentes” do terceiro mundo. Esse terceiro mundo do livro de Rufin é o mesmo que comparece regularmente nos telejornais do Norte: guerrilhas, catástrofes naturais e sociais, ditadores sanguinários e líderes corruptos, criminalidade generalizada nas grandes cidades, violência gratuita contra mulheres, abusos dos direitos humanos, camponeses famintos, crianças abandonadas, menores assassinados, em suma, um novo pátio dos milagres com nome e endereço. O Terceiro Mundo não deixou de existir apenas pelo desaparecimento do Segundo: ele prospera, e sua face é horrenda, merecendo mesmo o epíteto de território de bárbaros.

Não se pode, evidentemente, negar a manutenção de altas taxas de fecundidade em muitos países do Sul, bem como a preservação e ampliação de focos de miséria, de desigualdade e de injustiça social na maior parte deles. O que é, entretanto, contestável, do ponto de vista da “boa” ciência social, é o agrupamento de todos esses exemplos “objetivos” numa mesma construção ideal — o chamado “terceiro mundo” — que corresponde, cela va de soi, às expectativas mentais dos habitantes do Império.

Em outros termos, os “novos bárbaros” do terceiro mundo constituem um aglomerado de “primitivos” irremediavelmente divorciados dos valores e práticas conhecidas no Norte. Como trabalho jornalístico, o livro de Rufin é o que se poderia chamar de bom exemplo de “reportagem catástrofe”; como análise objetiva da situação real dos países do Sul, contudo, é um mero emaranhado de horrores, tentando apresentar-se sob forma de edifício coerente.

Essa construção, porém, em que pese toda sua força de atração dramática, simplesmente não consegue manter-se de pé, pelo menos vista pelo ângulo da ciência social. Em primeiro lugar, porque não há esse terceiro mundo descrito por Rufin, mas tão simplesmente lugares e países diversos, apresentando problemas de distinta natureza, derivados de múltiplas causas estruturais ou conjunturais que existem episódica ou permanentemente nos diferentes continentes que compõem esse amálgama maior conhecido por Terceiro Mundo. Em segundo lugar, porque a coleção de tragédias que ele vislumbra nos territórios dos novos bárbaros é por demais incoerente, do ponto de vista analítico, para justificar esse agrupamento parcial e simplificador de elementos heterogêneos numa única construção ideal — o Sul — que se oporia ao Norte em todas as frentes possíveis do desenvolvimento histórico e social.

Pode-se tentar compreender as razões do pessimismo extremo de Rufin: coopérant francês em diversas regiões miseráveis do terceiro mundo (redundância?), coordenador de ajuda humanitária (Médecins Sans Frontières) em regiões de conflito, responsável por diversos programas de socorro urgente em zonas de guerra civil e de refugiados, ele já passou por diversos “infernos” terrestres, feitos pela própria mão do homem (com armas do primeiro mundo, é verdade). Rufin conhece, por assim dizer, as “entranhas” do mundo bárbaro: Líbano, Sudão, Somália, etc.

O que não se pode admitir, no entanto, é uma generalização duvidosa e um amálgama indevido dessas diversas situações de crise extrema e sua extensão abusiva ao conjunto dos países em desenvolvimento, como se, d’un coup, os “bárbaros” dominassem de maneira uniforme os territórios ao sul do novo Império.

 

A Miséria dos Modelos

O problema fundamental do discurso de Rufin, entretanto, não se resume à incoerência dessa agregação de dados dispersos para dar uma imagem caótica de um terceiro mundo unido em seu barbarismo. Ele é, mais exatamente, resultante do desejo secreto de todo aprendiz de comparatista de encontrar um precedente histórico e um paradigma analítico para uma oposição pré-fabricada e aprioristicamente definida entre o Norte e o Sul. A comparação ou, melhor, o modelo adotado no ensaio de Rufin recua longe na História, quando o Império romano, após derrotar Cartago — uma espécie de União Soviética da antiguidade — encontrou-se só em face da maré de bárbaros que batia às portas do mundo civilizado. Uma vez vencido o “império do mal” cartaginês, tratava-se de consolidar as fronteiras do “império do bem”, instalando, nos postos avançados da conquista romana, uma fronteira bem demarcada que tomará o nome de limes.

Hoje em dia o limes, na versão apresentada por Rufin, iria do Rio Grande, na fronteira México-EUA, passaria pelo Mediterrâneo, penetraria nas montanhas do Cáucaso e nas estepes mongóis para terminar nos rios Amur e Ossuri, entre a Sibéria oriental e a China. Esses limites correspondem, grosso modo, ao que, no vocabulário onusiano, foi identificado como o conjunto dos países em desenvolvimento, em oposição aos demais grupos da comunidade internacional. Em outros termos, não há, à primeira vista, novidades geopolíticas no novo mapa traçado por Rufin. Tampouco é surpreendente vê-lo caracterizar o México ou o Marrocos como Estados tampões, isto é, zonas de segurança e de estabilidade na fronteira imediata entre o Norte e o Sul.

Mais interessante, por sua vez, é sua caracterização do Irã e da China como sendo igualmente Estados tampões. Independentemente, portanto, da ideologia política ou do regime econômico e social adotados por cada um desses países, eles desempenhariam o mesmo papel no limes: imobilismo, estabilidade, garantia de paz para o Norte. Vale a pena retomar a descrição de Rufin para o papel da China, que também valeria, mutatis mutandis, para o caso do Irã:

“Perfeitamente à vontade no seu papel de Estado tampão, ela não é uma escória, um vestígio do mundo soviético em vias de extinção. Ela é, ao contrário, enquanto tecnologia da estabilidade, um modelo: o dos futuros Estados tampões que se instalam ao longo do limes. A característica desse modelo é uma mistura bastante surpreendente de eficiência política — no controle e na opressão — e de marasmo econômico” (p. 197).

“Estabilidade, dependência, eis o que o Norte pede aos Estados tampões. No demais, suas vociferações contam muito pouco. No caso dos totalitarismos marxistas de tipo chinês, a retórica anticapitalista pode se desenvolver sem inconvenientes. Ela serve, ao contrário, para reunir o que resta dos movimentos revolucionários internacionalistas no mundo e a evitar sua dispersão anárquica. Mas, a ineficiência econômica é a garantia de que o tigre tem os dentes e as garras limadas. Pode-se deixá-lo morder, pode-se deixá-lo rugir. Ele se mantem solidamente em suas patas, eis tudo que lhe é pedido” (p. 198).

Assim, a despeito de uma discordância fundamental com Rufin a propósito mesmo do modelo Império/novos bárbaros adotado em seu ensaio, cabe reconhecer a agudeza de sua análise política a propósito do papel da China (e do Irã) na nova ordem mundial em construção. Ao Norte interessa muito mais um Estado opressor, mas estável em sua função de fronteira, do que uma democracia insegura e problemática.

Sobre as condições de funcionamento e de manutenção do novo “apartheid”, as posições de Rufin são igualmente pertinentes. “O Império deve, em primeiro lugar, estabelecer um equilíbrio militar ao longo do limes. Depois, ele deve poder se precaver contra perigos longínquos, aqueles que intervêm nas profundezas do mundo bárbaro. Enfim, ele deve aprender a conduzir, ao longo do limes, uma diplomacia da desigualdade” (p. 212). 

A utilização do conceito de “apartheid” pode parecer chocante, ademais de extremamente forte para caracterizar as possíveis relações futuras entre os países do Norte e as nações em desenvolvimento. Ela não é, contudo, em nada exagerada. Aliás, a aplicação desse princípio já foi explicitamente recomendada, embora ao abrigo de um pseudônimo, por um alto funcionário do Governo francês especialista em questões de defesa, devendo o novo regime ser observado antes de mais nada nas transferências ditas “dualistas” de tecnologia (hoje em dia quase todas o são). (2) Apesar de vinculado ao problema das tecnologias de emprego militar, o argumento, exposto brutalmente, é o de que se deve reforçar e adaptar os regimes atualmente em vigor (TNP, Cocom, regime de controle de tecnologia de mísseis), abandonando-se a distinção entre tecnologias civis e militares e estabelecendo-se um “secretariado internacional permanente” para coordenar as exportações de tecnologias “sensíveis”. Considerando-se que mesmo a concepção e manufatura de circuitos integrados já foi declarada pelo Pentágono como do interesse da segurança nacional norte-americana, pode-se deduzir facilmente até onde poderia chegar um tal regime de controle.

Jean-Christophe Rufin deseja, evidentemente, o fim do “apartheid”, de preferência através de uma decidida ação de caráter universalista e humanista que, ao mesmo tempo em que busca perseverar nos projetos de cooperação para o desenvolvimento, faça a denúncia constante de todos os tipos de despotismos: o do dinheiro, o do fanatismo religioso, o da injustiça social. O único problema é que a iniciativa, mais uma vez, deve vir do Norte: assim, os que no Sul se batem pela transformação — são expressamente citados Vargas Llosa e Fernando Collor — deveriam receber mais “ajuda” do Norte. Sua denúncia das hipocrisias mantidas tanto ao Norte quanto ao Sul é, entretanto, muito bem vinda, em que pese o anacronismo da comparação da situação atual com a Roma antiga.

Resta uma última observação, não só em relação ao título da obra, como no que se refere à adequação do adjetivo “novo” aplicado aos “bárbaros”. Estes, como a miséria e a opressão, sempre existiram e continuam a carregar uma existência dramática através dos séculos. O Norte, por sua vez, encontra-se numa situação historicamente inédita: já não se vive a “bipolaridade” dos últimos quarenta anos, nem tampouco retornou-se ao “equilíbrio de potências” do século passado. Dessa forma, o império, sim, é que é novo, pois os “bárbaros” são nossos velhos conhecidos.

 

 

Notas:

1 Cf. Paul M. KENNEDY, The Rise and Fall of Great Powers: Economic Change and Military Conflict from 1500 to 2000, Nova York, Random House, 1987. Edição brasileira: Ascenção e Queda das Grandes Potências, Rio de Janeiro, Editora Campus, 1989, tradução de Waltensir Dutra.

2 Vide Jean VILLARS, “Pour l’Apartheid Technologique”, L’Express (14 setembro 1990, pp. 30-31).

 

[Brasília, 28/02/1992]

[Relação de Trabalhos nº 225]

quinta-feira, 11 de março de 2021

Resenha de Carlo Maria Cipolla: As Leis Fundamentais da Estupidez Humana (2006) - Paulo Roberto de Almeida

 Minha resenha preliminar de 2006, que antecedeu à resenha mais extensa de 2012: 

 

As Leis Fundamentais da Estupidez Humana

 

 Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12 abril 2006


Com esse título, o famoso historiador econômico e medievista italiano Carlo Maria Cipolla compôs, em algum momento dos anos 1980, um pequeno ensaio, humorístico-irônico, que foi transformado em peça de teatro alguns anos depois. Em 1995, eu assisti a essa peça em Paris e, absolutamente fascinado pelo espírito irreverente do texto “ceboliano”, comprei imediatamente, no próprio teatro, o livro no qual ela tinha sido baseada, nesta edição: Allegro ma non troppo: Les lois fondamentales de la stupidité humaine (Paris: Balland 1992). O livrinho continha outros ensaios da mesma verve, como este outro: “Do papel dos condimentos (e da pimenta em particular) no desenvolvimento econômico da Idade Média”, menos brilhante que aquele sobre a estupidez, mas também divertido.

Pois bem, onze anos depois, encontrando-me agora absolutamente fascinado pela quantidade de erros, equívocos e outros “desvios” (palavra neutra, de cunho humorístico-irônico) de comportamento deste nosso “governo” – que só posso atribuir, por um lado, à sua fenomenal estupidez e, por outro lado, a uma igualmente fenomenal capacidade de mentir, de cometer perjúrio, enfim, de afundar na hipocrisia e na desfaçatez –, lembrei-me desse livrinho e fui buscá-lo em minhas estantes. Para minha frustração – e que isso me sirva de lição por não arrumar a biblioteca como deveria – não o encontrei, o que me deixou bastante ressabiado. Não seja por isso, saquei do computador – inatacável para esse gênero de recuperação – as poucas notas de leitura, que transcrevo abaixo, de trechos selecionados do ensaio de Cipolla, às quais acrescento agora comentários que acredito serem o mais à propos possíveis para estes tempos impagáveis que estamos vivendo.

Caberia, em primeiro lugar, definir o que é uma pessoa estúpida. Segundo Carlo Maria Cipolla, “os seres humanos incluem-se numa das quatro categorias fundamentais: os crédulos, os inteligentes, os bandidos e os estúpidos”. Não me lembro agora se Carlo Cipolla considera estas quatro categorias exclusivas e excludentes, mas eu tenho a nítida impressão de que alguns dos nossos atuais governantes são, ao mesmo tempo, estúpidos e bandidos, ao passo que alguns dos seus eleitores são, ao mesmo tempo (ou talvez de forma subseqüente), ingênuos, isto é, crédulos, e estúpidos. Isso acontece. Tem também aquela categoria de militante que é, se ouso dizer, um “crédulo profissional”, ou seja, um ser profundamente religioso, imbuído de uma verdade que transcende a razão.

Cipolla define a pessoa estúpida da seguinte maneira: “uma pessoa estúpida é alguém que causa um dano a outra pessoa ou a um grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer um prejuízo”. Considerando a enorme capacidade que parecem ostentar certos dirigentes de causarem problemas para si mesmos, ao tentarem atacar seus adversários, eu considero que a definição se encaixa perfeitamente no figurino. Nunca, ninguém, em 500 anos de história do Brasil, abusou tanto da faculdade de se ridicularizar a si próprio como certos comediantes profissionais que pensam que estão num picadeiro quando na verdade ocupam altos cargos políticos. Se reconhecermos, então, a extrema habilidade que eles exibem de atirarem no próprio pé, ao pretenderem fazer alguma “armação” contra um adversário político, seria preciso considerar, nesse caso, a introdução de alguma categoria de prêmio do gênero: “Prêmio (ig)nobel de autoflagelação política”.

O historiador italiano nos alerta contra o perigo de confundir uma pessoa estúpida com uma pessoa crédula ou ingênua (isto é, pessoa que causa dano a si mesma, causando benefícios a outras) ou com um bandido (pessoa que cuida dos seus interesses e causa danos aos outros). Acho que o leitor deste espaço não corre esse risco, mas isso não elimina a possibilidade de que essas duas ou três categorias se encontrem ocasionalmente (ou de forma regular) confundidas numa única e mesma pessoa. Mas não é, longe disso, a “santíssima trindade”. No Brasil, corre-se esse risco, concretamente: existem bandidos que são estúpidos, assim como existem estúpidos que são ingênuos, embora, a julgar pela maior parte dos políticos que se encaixam no molde, seja mais difícil encontrar bandidos políticos que sejam ingênuos (mas alguns são, sobretudo de certo partido).

Ele também acha que é nitidamente impossível confundir a pessoa estúpida com a inteligente (aquela que busca benefícios para si mesma e para os demais), embora eu não tenho certeza de que esse princípio se aplique igualmente ao Brasil. Aqui, como reza um velho ditado, a esperteza pode ser “tanta que cresce e engole o dono”. Pois é isso que parece ter ocorrido nesses momentosos meses que precederam o escândalo do mensalão. Os “espertos” de certos meios políticos se julgavam expertos em patifarias, inteligentes em mil maneiras de burlar a lei e de enganar os incautos e ingênuos – que seríamos todos nós – mas eles parecem ter ido longe demais. Se achavam tão inteligentes como ninguém que foram estúpidos ao ponto de chegarem a fazer acordos de “cavalheiros” (com perdão da expressão) com gente ainda mais bandida do que eles. Deu no que deu: o bandidão se julgou lesado pelos “inteligentes” e botou a boca no trombone. Santa ingenuidade...

Das cinco leis fundamentais da estupidez humana de Carlos Maria Cipolla (só cinco?), transcrevo agora apenas duas, a primeira e a última: “Sempre, e inevitavelmente, cada um de nós subestima a quantidade de indivíduos estúpidos em circulação” – o que pode ser, digo eu, um perigo para a segurança do tráfego – e “os indivíduos estúpidos são as pessoas mais perigosas que possam existir” (eu não dizia?). Sim, elas são perigosas, para si mesmas e para todos os demais, sobretudo quando imbuídas de alguma missão salvadora e transcendental, do tipo querer tudo transformar, para dizer depois que “nunca antes, na história deste país, patati-patatá...”

Como diria um desses brokers ingleses (que não me levem a mal): “nunca antes na história deste país alguém deixou de ganhar dinheiro ao apostar na estupidez humana”. Ou seja, sempre haverá, em algum lugar incerto e não sabido, alguma pessoa estúpida o suficiente para lhe permitir ganhar tranquilamente a sua aposta. Pena que essa instituição do “brokerage” – tão comum nas terras britânicas, onde se aposta até sobre a sexualidade da família real – não seja mais disseminada neste nosso país tropical, pois poderíamos ter inúmeras oportunidades para novos ganhos (que poderiam inclusive ser taxados com uma nova contribuição ou taxa para a resolução de um enorme problema social). Ou seja, seria uma grande contribuição para o aumento do PIB (não confundir com o outro PIB, este aqui é o da Produção Interna de Bobagens...).

Com sua abordagem científico-humorística, Carlo Cipolla demonstra que a distribuição da estupidez se dá ao acaso e é independente da religião, do gênero, da cor da pele, da ideologia política, enfim, ela não tem nada de cultural. Se existisse um gene da estupidez, ele seria certamente distribuído completamente por acaso, e talvez de maneira uniforme na população, com algumas particularidades. Nossos políticos, por exemplo, não são, na média, mais estúpidos que os cidadãos comuns, mas em contrapartida, eles podem ser muitomais bandidos, e de fato o são. OK, não vamos generalizar, existem muitos políticos que não são bandidos, mas acho que para ser político é preciso ter, de toda forma, uma dose de hipocrisia acima do normal...

Finalmente, termino com esta duas considerações de Carlo Maria Cipolla sobre a manutenção do nível geral de estupidez, em condições normais de pressão atmosférica e de temperatura democrática: “Num sistema democrático, as eleições gerais são um instrumento de grande eficácia para assegurar a estabilidade de estúpidos entre os poderosos”. E, aos estúpidos, “as eleições oferecem-lhes uma magnífica ocasião para prejudicar todos os outros, sem obter qualquer ganho com as suas ações”. Acho que ele tem razão, mas poderemos fazer um teste prático de suas teorias, normalmente ambientadas num cenário italiano – que tampouco pode ser classificado como ao abrigo da estupidez –, em nossa própria terra, dentro de mais alguns meses.

Sim, antes que me esqueça, prometo procurar o livrinho nas minhas estantes para aqui transcrever, num próximo ensaio, a totalidade das cinco leis fundamentais de Carlo Maria Cipolla sobre a estupidez humana, quem sabe até introduzindo mais algumas de contrabando?


Publicado no site do Instituto Millenium (17/04/2006)

Publicado em Via Política (6.12.2009).

Relação de Publicados n. 941.

 

As leis fundamentais da estupidez humana, em edição brasileira - Carlo Maria Cipolla; resenha de Paulo Roberto de Almeida

 Descubro agora, comprando livros na Amazon, que uma de minhas leituras preferidas – já li em francês, em italiano e em inglês – está agora disponível ao público brasileiro: 


O que eu já escrevi sobre esse livro? Basicamente dois textos em dois momentos diferentes. O primeiro, de número 1576, foi feito em caráter anônimo, uma vez que eu ainda estava trabalhando para o governo, por isso publicado com outro nome em blogs de terceiros (dois), nos quais os links originais já não funcionam mais. Mas em 2019 eu o publiquei neste blog, onde ele ainda pode ser encontrado...

O segundo texto, uma verdadeira resenha, foi feito em 2012, a partir de uma confrontação de três edições, e também está disponível no link referido. Vou transcrever mais abaixo.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 11 de março de 2021


1576. “As Leis Fundamentais da Estupidez Humana”, Brasília, 12 abril 2006, 4 p. Considerações sobre as leis do historiador econômico italiano Carlo Maria Cipolla, sobre a estupidez humana, aplicadas ao Brasil; publicadas no blog do Instituto Millenium em 17 de abril de 2006. [Registro original na lista de trabalhos sob outros nomes suprimido] Publicado no blog Diplomatizzando (26/01/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/01/as-leis-fundamentais-da-estupidez.html).


2397. “As Leis Fundamentais da Estupidez Humana”, Paris, 20 maio 2012, 5 p. Digressões em torno do livro: Carlo M. Cipolla: Les Lois Fondamentales de la Stupidité Humaine (Traduit de l’Anglais par Laurent Bury; Paris: Presses Universitaires de France, 2012, 72 p.; ISBN: 978-2-13-060701-4; 7 euros). Postado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.fr/2012/05/as-lei-fundamentais-da-estupidez-humana.html).


As Leis Fundamentais da Estupidez Humana

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orgpralmeida@me.com)

 

Finalmente, consigo colocar as mãos, ou os olhos mais exatamente, numa tradução mais conforme da famosa obra do historiador econômico Carlo Maria Cipolla. O texto tinha sido publicado em inglês, em edição de autor, de forma limitada, portanto, em 1976, por uma improvável editora chamada Mad Millers (os “moleiros loucos”, o que só pode ter sido uma brincadeira do medievista italiano). Poucos exemplares circularam, e eu só tinha conseguido aceder a uma versão em francês, a partir da primeira edição italiana de 1988, da Il Mulino (o que parece sugerir um complô entre moleiros malucos).

A edição que eu possuía tinha alguns outros textos, e apareceu sob o título de “Allegro Ma Non Troppo” (aliás, transformado em peça de teatro, a que assisti em Paris no século passado (eh oui!). Aparentemente era uma tradução improvisada, tanto que a categoria dos “cretinos”, agora oficializada, aparecia nessa versão como sendo apenas “crédulo”, o que é, digamos, muito generoso, mas não traz a força do atual cretino (nem aliás, o conceito original em inglês de “helpless”). Em todo caso, o livro era este: Allegro ma non troppo: Les lois fondamentales de la stupidité humaine (Paris: Balland 1992); confesso que ainda não consegui reencontrar esse livro em minha biblioteca caótica, para confrontar as duas versões do texto principal, mas prometo fazê-lo, assim que retornar ao Brasil. 

Agora, a versão francesa que já vou citar foi feita a partir do original em inglês, The Basic Laws of Human Stupidity, mas o copyright pertence à Società editrice Il Mulino, de Bolonha (aha!, os moleiros malucos sempre aparecem), e o ano indicado é o de 1988. Estranho, ma, cosi è, si vi pare. O copyright da tradução francesa, agora oficial, é de maio de 2012, da grande editora universitária, este que tenho em mãos: 

 

Carlo M. Cipolla: 

Les Lois Fondamentales de la Stupidité Humaine

(Traduit de l’Anglais par Laurent Bury; Paris: Presses Universitaires de France, 2012, 72 p.; ISBN: 978-2-13-060701-4; 7 euros). 

 

Mas a edição do Kindle, que acabo de carregar da Amazon (me custou US$ 5,83 e foi recebido em menos de 10 segundos), traz como edição impressa em inglês, da Il Mulino, o ano de 2011 (vá lá entender moleiros malucos), o mesmo para a edição Kindle (cujo ISBN é este: 978-88-15-30700-2). Vou conferir as versões, para poder confrontar linguajar e conceitos, em francês e em inglês, embora os argumentos sejam bem mais importantes do que as palavras usadas.

Creio já ter resumido, em trabalhos anteriores, o essencial do pensamento de Cipolla sobre quão perigosa é nossa existência num planeta que tem uma quantidade fixa, talvez relevante, de pessoas perfeitamente estúpidas. Não vamos nos enganar, os estúpidos não são os incultos – como eu sempre alerto a propósito dos “meus” idiotas – já que pessoas que não tiveram oportunidade de estudar são simplesmente ignorantes, mas podem ser pessoas perfeitamente normais, afáveis e até sensatas (embora sempre propensas a cair no risco de resvalar na idiotice ou na estupidez). Carlo Maria Cipolla é absolutamente categórico: estúpidos podem ser encontrados nos meios universitários, e até mesmo entre os prêmios Nobel (do que não duvido, pois de vez em quando eu ouço besteiras das grossas de um ou outro literato que se mete a falar de economia ou de política). 

Talvez eu deva agora simplesmente resumir o “pensamento” – eu até diria o “divertimento” – de Cipolla em torno dessa questão relevante para o futuro da humanidade, e selecionar alguns trechos que mais me impactaram nesta nova versão agora lida e apreciada (como desde o primeiro contato). Somos primos filosóficos, eu e Cipolla, ele bem mais famoso do que eu, obviamente, mas creio que dividimos concepções quase idênticas sobre os perigos que nos rondam, com tantos estúpidos soltos por aí. Em todo caso, já adianto que concordo inteiramente com sua quinta (e derradeira) lei fundamental, que sintetiza o conjunto da análise extremamente rigorosa que ele conduz em seu opúsculo, que alguns chamariam de textículo: 

O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo mais perigoso que existe.”

 

Retomemos, porém, do início, com as cinco leis fundamentais em sua sequência lógica. Cipolla começa dizendo que a humanidade está em estado lamentável, o que, aliás, sempre foi o caso: desde Darwin sabemos que temos origens comuns com seres inferiores do reino animal. Mas os humanos têm de suportar uma dose ainda maior de problemas, cuja fonte é uma categoria especial de sua raça: “Esse grupo é muito mais poderoso do que a Máfia, o complexo militar-industrial ou a internacional comunista; se trata de um grupo desprovido de estatuto, sem estrutura nem constituição, sem chefe nem presidente, que consegue, no entanto, funcionar de maneira perfeitamente coordenada, de tal maneira que a atividade de cada membro contribui para ampliar e tornar mais forte e mais eficaz a de todos os outros.” (p. 13-14). 

A primeira lei já é de uma brutalidade desconcertante: 

Todos nós subestimamos sempre inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos existentes no mundo.

Essa lei parece muito vaga e simplista, mas o fato é que pessoas que julgávamos racionais e inteligentes se revelam espantosamente estúpidas; e, todos os dias, sem esperar, somos assediados, nos lugares e circunstâncias mais imprevistos, por pessoas estúpidas. Vamos fazer alguns testes para saber se é verdade?

A segunda lei, parece incrível, recusa a igualdade fundamental do ser humano:

A probabilidade de que um indivíduo seja estúpido é independente de quaisquer outras características desse mesmo indivíduo.

Cipolla chegou à conclusão, depois de muita pesquisa e estudo, de que existe um número constante e regular de indivíduos estúpidos em toda e qualquer categoria de grupos humanos, ou seja, o mesmo percentual, independentemente de ser grande ou pequeno esse grupo; os estúpidos existem entre trabalhadores manuais e entre universitários, da mesma forma e inapelavelmente. 

Como ele diz: “Mais impressionante ainda é o resultado entre os professores. Que a universidade seja grande ou pequena, de prestígio ou obscura, eu constatei que uma mesma fração, constante, era constituída de seres estúpidos. Isto me surpreendeu tanto que eu procurei estender a pesquisa a um grupo especialmente escolhido, uma autêntica elite: os laureados do Prêmio Nobel. O resultado confirmou esse poderio supremo da Natureza: uma mesma proporção de prêmios Nobel era formada de estúpidos.” (p. 23-24). A ideia foi difícil de digerir, reconhece ele, mas os resultados empíricos ofereciam a prova dessa verdade incontornável. “A Segunda Lei é uma lei de ferro, que não admite exceções”. 

Cipolla faz então um intervalo técnico para apresentar em forma gráfica suas descobertas, distribuindo a raça humana em quatro grandes categorias em eixos vertical e horizontal, como se faz habitualmente com a pesquisa científica. Na direita superior dos eixos Y e X, com sinais positivos, estão os seres inteligentes; à esquerda deles figuram os cretinos, aqueles que podem fazer o bem aos demais, sem no entanto beneficiar-se disso (mas a situação pode variar, como veremos); abaixo dos inteligentes, situam-se os bandidos, os que buscam seu próprio benefício causando prejuízo aos demais, mas também existem bandidos estúpidos. Finalmente, no canto inferior esquerdo, com dois sinais amplamente negativos, estão os estúpidos, aqueles que causam danos aos demais, sem jamais retirar qualquer benefício para si próprios. Os ganhos e perdas podem, portanto, ser expressos graficamente, e o pesquisador poderá conduzir uma análise de custo-benefício dessas categorias (e como!).

Passemos, portanto, à Terceira Lei Fundamental (que é também, segundo Cipolla, uma regra de ouro): 

É estupido aquele que causa danos a um outro indivíduo ou um grupo de indivíduos, ao mesmo tempo em que não retira de sua ação nenhum benefício para si mesmo, podendo inclusive incorrer em prejuízos.

Seres racionais, como eu e você, podemos ficar céticos ante essa lei, mas ela parece confirmada por todas as pesquisas de Cipolla. 

O capítulo V do pequeno livro de Cipolla é dedicado a uma questão técnica: a distribuição de frequências, o que dá um triste resultado para os estúpidos. Passons...

O capítulo VI, extremamente curto, trata de uma questão relevante: “Estupidez e Poder”. Estamos falando aqui da condição de todos nós, que podemos ser afetados profundamente pelos estúpidos que ascendem a posições de mando na sociedade. No mundo moderno, os conceitos de casta e classe foram eliminados, a religião tem pouco poder, e assim, no sistema democrático, aquela fração constante e regular de estúpidos pode se encontrar entre aqueles que foram chamados a exercer o poder.

O Capítulo VII, também reduzido, trata da potência da estupidez, o que, mais uma vez, comprova que esse tipo de relação pode contribuir para reforçar os vínculos entre esses indivíduos e as perdas que eles ocasionam; eles geralmente nos surpreendem, ao surgir inopinadamente e cometer seus atos estúpidos; mesmo que tomemos consciência do ataque, não podemos fazer nada, argumenta Cipolla, pois ele é feito de maneira não racional.

Agora chegamos à Quarta Lei Fundamental, que estipula que: 

Os não-estúpidos sempre subestimam a potência destruidora dos estúpidos. Em especial os não-estúpidos esquecem sempre que em todos os tempos, em todos os lugares, em quaisquer circunstâncias, tratar ou se associar com pessoas estúpidas se revela ser, inapelavelmente, um erro custoso.

Finalmente, o último capítulo, de macroanálise, chega à Quinta Lei Fundamental:

O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo o mais perigoso.

E o corolário dessa lei é esta aqui:

O  indivíduo estúpido é mais perigoso que o bandido.

Após algumas análises de distribuição, Cipolla reconhece que cretinos inteligentes e bandidos inteligentes podem, eventualmente, causar algum benefício para si mesmos ou até o bem-estar numa dada sociedade, mas jamais isso pode ocorrer com os verdadeiramente estúpidos. Como eles causam perdas para todos, a sociedade se empobrece e é conduzida à ruína.

Resumindo, os países dinâmicos conseguem controlar os seus estúpidos, mantê-los isolados, evitando, assim, males maiores. Mas, nos países menos dinâmicos, a fração de cretinos e bandidos se aproxima do canto inferior esquerdo, o que se revela fatal para a sociedade: “Essa mudança na composição da população não-estúpida reforça inevitavelmente a potência destruidora da fração estúpida e o declínio torna-se inelutável. É o desastre”. (p. 63)

O livro se termina por algumas páginas com gráficos em branco, para que cada leitor possa anotar e classificar os seres humanos com os quais ele tem de tratar.

Eu, sinceramente, me vi tentado a, imediatamente, preencher as seções em branco com alguns nomes daqueles que ascenderam, por assim dizer, a posições de mando e prestígio, mas me contive. Não tanto por falta de tempo, mas por falta de espaço. Eu tenho antes de fazer várias cópias dessas últimas páginas...

 

 

Paris, 2396: 20 maio 2012.

Postado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.fr/2012/05/as-lei-fundamentais-da-estupidez-humana.html).

 


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

O Mercosul por quem o fez: resenha do livro Mercosul Hoje, de Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo

Em 1996, assim que foi publicado este livro, tendo recentemente voltado de Paris, fiz uma resenha, com uma apreciação bastante favorável aos dois autores, e uma avaliação mais ou menos realista, mas otimista, dos desafios colocados ao Brasil e aos demais países membros. 

Paulo Roberto de Almeida


O MERCOSUL por quem o fez

 

Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo:

Mercosul Hoje

(São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1996)

Publicado em versão resumida na Revista Brasileira de Política Internacional 

(vol. 39, n° 1, janeiro-julho 1996, p. 175-177).

 

Raymond Aron, arguto observador e comentarista visual dos mais importantes eventos políticos e militares do mundo contemporâneo, se definia modestamente, para fins biográficos, como um simples “espectador engajado”. Os dois autores deste didático e instigante livro sobre o MERCOSUL, diplomatas profissionais, são bem mais do que simples espectadores engajados do processo de integração sub-regional: eles se incluem entre os construtores do mais importante espaço econômico do hemisfério sul, tendo não apenas assistido a seu itinerário de sucessos, mas também participado ativamente do equacionamento de seus principais problemas enquanto negociadores e formuladores das posições brasileiras no âmbito do Grupo Mercado Comum e de seus órgãos assessores.

Portanto, mais do que qualquer outro observador, eles estão plenamente credenciados para descrever as etapas de desenvolvimento do MERCOSUL, desde o Tratado de Assunção que criou em março de 1991, até sua confirmação enquanto zona de livre-comércio e união aduaneira em consolidação, processo consubstanciado no Protocolo de Ouro Preto de dezembro de 1994. Mais ainda, como negociadores presentes nas mais importantes reuniões de consolidação desse processo, eles estão habilitados a descrever, discutir e explicar os dilemas e problemas envolvidos em cada fase, justificando as escolhas efetuadas e expondo claramente sua racionalidade econômica e política. Como diz Winston Fritsch ao prefaciar a obra, “sem sombra de dúvida, este é o ensaio mais abrangente e atualizado sobre o MERCOSUL já publicado no País”.

Este precioso manual sobre a integração regional cobre os diferentes aspectos desse processo, segundo uma organização clara e didática. Uma primeira parte trata dos fundamentos da integração econômica e do desenvolvimento do MERCOSUL, repassando seus objetivos, seus antecedentes e as fases cumpridas durante o período de transição. A segunda parte, trata da estrutura propriamente dita da união aduaneira, ou seja os instrumentos comerciais e as instituições do MERCOSUL, inclusive numa perspectiva comparada com a União Européia: encontra-se assim plenamente justificada a opção, modesta mas realista, por um perfil intergovernamental para o esquema integracionista do Cone Sul, de preferência à adoção de mecanismos supranacionais como é o caso na experiência européia.

As partes terceira e quarta, de menor dimensão, mas não menos importantes, cobrem o quadro econômico internacional e os resultados práticos e perspectivas do MERCOSUL. São assim enfocados os fenômenos da regionalização e da globalização e as relações com a União Européia, por um lado, e com os processos continental e hemisférico de integração, por outro. Redigido antes de dezembro de 1995, quando foi assinado o acordo-quadro inter-regional de cooperação com a UE (que sucedeu a um primeiro acordo interinstitucional, de 1992), os autores não puderam pronunciar-se sobre a modéstia de objetivos desse instrumento, algo em recuo ante a promessa de uma zona de livre-comércio prevista na declaração solene de Bruxelas, selada um ano antes. Em qualquer hipótese, o acordo-quadro UE-MERCOSUL abre um processo negociado de aprofundamento das relações recíprocas e de liberalização progressiva do intercâmbio de bens e dos fluxos de capitais e tecnologia entre as duas regiões, e que contrabalança em alguma medida o outro processo liberalizante engajado no próprio hemisfério americano, o que confronta o MERCOSUL (e outros países do continente) ao NAFTA. 

No que se refere aos resultados práticos do MERCOSUL, cabe registrar a plena eficácia e o pragmatismo exemplar do atual esquema intergovernamental. Como afirmam os autores, em lugar de “primeiro criar uma burocracia ampla e bem paga para depois procurar definir suas funções”, adotou-se o percurso inverso: “primeiramente definir as tarefas, e a seguir criar os órgãos encarregados de sua execução”. Como se pode verificar pelas habituais tensões vinculadas ao caráter supranacional da integração europeia, a natureza intergovernamental do MERCOSUL representa a “principal garantia de que as decisões serão implementadas internamente, já que uma decisão de um órgão intergovernamental é, para efeitos internos em cada país, uma decisão do governo de cada país”.

Os autores também sublinham o papel didático do MERCOSUL, ao combinar política industrial e liberalização comercial. Eles desmontam as teses dos “liberais ortodoxos” e dos “nacionalistas fanáticos”, que recusam uma e outra política, para afirmar o primado da racionalidade econômica e o triunfo da vontade política no MERCOSUL. O processo de integração não “cria” problemas, ele apenas evidencia as deficiências existentes e apressa uma decisão interna para sua solução. 

Persistem, na fase atual, duas linhas de tensão básicas, segundo os autores. A primeira se dá “entre a consolidação dos instrumentos já aprovados e a busca de novos avanços”, diferente portanto do dilema europeu entre “aprofundamento” e “alargamento”. A segunda se passa “entre as políticas nacionais e o projeto comum”. Ambas as tensões poderão ser resolvidas através do pragmatismo demonstrado tradicionalmente pelos líderes e negociadores do MERCOSUL, no sentido de buscar as situações de “equilíbrio dinâmico”, suscetíveis de consolidar o patrimônio já alcançado no processo de integração e de continuar desenvolvendo o mais importante projeto político (e geoestratégico) conhecido historicamente no Cone Sul latino-americano. A crença não é gratuita, vinda de quem participou e conhece por dentro, como nossos autores, o processo de integração regional. Longa vida ao MERCOSUL.

 

Paulo Roberto de Almeida

[Brasília, 17.03.96]

[Relação de Trabalhos nº 518]

 

518. “O Mercosul por quem o fez”, Brasília, 17 março 1996, 3 p. Resenha de Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo: Mercosul Hoje (São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1996). Inédito na versão completa. Publicado em versão resumida na Revista Brasileira de Política Internacional  (vol. 39, n. 1, janeiro-julho 1996, p. 175-177). Relação de Publicados n. 194.

 

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Eu já tinha feito um livro sobre o Mercosul, antes de partir para Paris, em 1993, e um segundo, poucos anos depois, que encontram-se atualmente disponível pelo fato de terem cessado os direitos autorais cedidos às editoras. Os interessados nestes meus livro, podem descarregá-los nestas fichas: 

1) O Mercosul no contexto regional e internacional (São Paulo: Edições Aduaneiras, 1993, 204 p.; ISBN: 85-7129-098-9); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42007009/O_Mercosul_no_Contexto_Regional_e_Internacional_1993_).


3) Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: Editora LTr, 1998, 160 p.; ISBN: 85-7322-548-3); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42290608/Mercosul_fundamentos_e_perspectivas_1998_).