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quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

O Mercosul por quem o fez: resenha do livro Mercosul Hoje, de Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo

Em 1996, assim que foi publicado este livro, tendo recentemente voltado de Paris, fiz uma resenha, com uma apreciação bastante favorável aos dois autores, e uma avaliação mais ou menos realista, mas otimista, dos desafios colocados ao Brasil e aos demais países membros. 

Paulo Roberto de Almeida


O MERCOSUL por quem o fez

 

Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo:

Mercosul Hoje

(São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1996)

Publicado em versão resumida na Revista Brasileira de Política Internacional 

(vol. 39, n° 1, janeiro-julho 1996, p. 175-177).

 

Raymond Aron, arguto observador e comentarista visual dos mais importantes eventos políticos e militares do mundo contemporâneo, se definia modestamente, para fins biográficos, como um simples “espectador engajado”. Os dois autores deste didático e instigante livro sobre o MERCOSUL, diplomatas profissionais, são bem mais do que simples espectadores engajados do processo de integração sub-regional: eles se incluem entre os construtores do mais importante espaço econômico do hemisfério sul, tendo não apenas assistido a seu itinerário de sucessos, mas também participado ativamente do equacionamento de seus principais problemas enquanto negociadores e formuladores das posições brasileiras no âmbito do Grupo Mercado Comum e de seus órgãos assessores.

Portanto, mais do que qualquer outro observador, eles estão plenamente credenciados para descrever as etapas de desenvolvimento do MERCOSUL, desde o Tratado de Assunção que criou em março de 1991, até sua confirmação enquanto zona de livre-comércio e união aduaneira em consolidação, processo consubstanciado no Protocolo de Ouro Preto de dezembro de 1994. Mais ainda, como negociadores presentes nas mais importantes reuniões de consolidação desse processo, eles estão habilitados a descrever, discutir e explicar os dilemas e problemas envolvidos em cada fase, justificando as escolhas efetuadas e expondo claramente sua racionalidade econômica e política. Como diz Winston Fritsch ao prefaciar a obra, “sem sombra de dúvida, este é o ensaio mais abrangente e atualizado sobre o MERCOSUL já publicado no País”.

Este precioso manual sobre a integração regional cobre os diferentes aspectos desse processo, segundo uma organização clara e didática. Uma primeira parte trata dos fundamentos da integração econômica e do desenvolvimento do MERCOSUL, repassando seus objetivos, seus antecedentes e as fases cumpridas durante o período de transição. A segunda parte, trata da estrutura propriamente dita da união aduaneira, ou seja os instrumentos comerciais e as instituições do MERCOSUL, inclusive numa perspectiva comparada com a União Européia: encontra-se assim plenamente justificada a opção, modesta mas realista, por um perfil intergovernamental para o esquema integracionista do Cone Sul, de preferência à adoção de mecanismos supranacionais como é o caso na experiência européia.

As partes terceira e quarta, de menor dimensão, mas não menos importantes, cobrem o quadro econômico internacional e os resultados práticos e perspectivas do MERCOSUL. São assim enfocados os fenômenos da regionalização e da globalização e as relações com a União Européia, por um lado, e com os processos continental e hemisférico de integração, por outro. Redigido antes de dezembro de 1995, quando foi assinado o acordo-quadro inter-regional de cooperação com a UE (que sucedeu a um primeiro acordo interinstitucional, de 1992), os autores não puderam pronunciar-se sobre a modéstia de objetivos desse instrumento, algo em recuo ante a promessa de uma zona de livre-comércio prevista na declaração solene de Bruxelas, selada um ano antes. Em qualquer hipótese, o acordo-quadro UE-MERCOSUL abre um processo negociado de aprofundamento das relações recíprocas e de liberalização progressiva do intercâmbio de bens e dos fluxos de capitais e tecnologia entre as duas regiões, e que contrabalança em alguma medida o outro processo liberalizante engajado no próprio hemisfério americano, o que confronta o MERCOSUL (e outros países do continente) ao NAFTA. 

No que se refere aos resultados práticos do MERCOSUL, cabe registrar a plena eficácia e o pragmatismo exemplar do atual esquema intergovernamental. Como afirmam os autores, em lugar de “primeiro criar uma burocracia ampla e bem paga para depois procurar definir suas funções”, adotou-se o percurso inverso: “primeiramente definir as tarefas, e a seguir criar os órgãos encarregados de sua execução”. Como se pode verificar pelas habituais tensões vinculadas ao caráter supranacional da integração europeia, a natureza intergovernamental do MERCOSUL representa a “principal garantia de que as decisões serão implementadas internamente, já que uma decisão de um órgão intergovernamental é, para efeitos internos em cada país, uma decisão do governo de cada país”.

Os autores também sublinham o papel didático do MERCOSUL, ao combinar política industrial e liberalização comercial. Eles desmontam as teses dos “liberais ortodoxos” e dos “nacionalistas fanáticos”, que recusam uma e outra política, para afirmar o primado da racionalidade econômica e o triunfo da vontade política no MERCOSUL. O processo de integração não “cria” problemas, ele apenas evidencia as deficiências existentes e apressa uma decisão interna para sua solução. 

Persistem, na fase atual, duas linhas de tensão básicas, segundo os autores. A primeira se dá “entre a consolidação dos instrumentos já aprovados e a busca de novos avanços”, diferente portanto do dilema europeu entre “aprofundamento” e “alargamento”. A segunda se passa “entre as políticas nacionais e o projeto comum”. Ambas as tensões poderão ser resolvidas através do pragmatismo demonstrado tradicionalmente pelos líderes e negociadores do MERCOSUL, no sentido de buscar as situações de “equilíbrio dinâmico”, suscetíveis de consolidar o patrimônio já alcançado no processo de integração e de continuar desenvolvendo o mais importante projeto político (e geoestratégico) conhecido historicamente no Cone Sul latino-americano. A crença não é gratuita, vinda de quem participou e conhece por dentro, como nossos autores, o processo de integração regional. Longa vida ao MERCOSUL.

 

Paulo Roberto de Almeida

[Brasília, 17.03.96]

[Relação de Trabalhos nº 518]

 

518. “O Mercosul por quem o fez”, Brasília, 17 março 1996, 3 p. Resenha de Sérgio Abreu e Lima Florêncio e Ernesto Henrique Fraga Araújo: Mercosul Hoje (São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1996). Inédito na versão completa. Publicado em versão resumida na Revista Brasileira de Política Internacional  (vol. 39, n. 1, janeiro-julho 1996, p. 175-177). Relação de Publicados n. 194.

 

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Eu já tinha feito um livro sobre o Mercosul, antes de partir para Paris, em 1993, e um segundo, poucos anos depois, que encontram-se atualmente disponível pelo fato de terem cessado os direitos autorais cedidos às editoras. Os interessados nestes meus livro, podem descarregá-los nestas fichas: 

1) O Mercosul no contexto regional e internacional (São Paulo: Edições Aduaneiras, 1993, 204 p.; ISBN: 85-7129-098-9); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42007009/O_Mercosul_no_Contexto_Regional_e_Internacional_1993_).


3) Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: Editora LTr, 1998, 160 p.; ISBN: 85-7322-548-3); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/42290608/Mercosul_fundamentos_e_perspectivas_1998_).