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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 21 de setembro de 2024

Carreira diplomática: respostas a questões de candidatos - Paulo Roberto de Almeida

 Ao longo da carreira, diplomática e acadêmica, tenho respondido a dezenas, centenas de perguntas de alunos, de candidatos à carreira diplomática, assim como de jornalistas ou simples curiosos. A todas as questões tenho procurado responder da maneira mais honesta possível, ainda que não da maneira mais ortodoxa, como talvez recomendariam certos cânones do corpo diplomático profissional.

Algumas dessas respostas foram condensadas numa relação que pode satisfazer a curiosidade dos curiosos, se tiverem paciência de ler:

4331) Lista de trabalhos sobre a carreira diplomatica e a diplomacia (2023)

    https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/03/lista-de-trabalhos-sobre-carreira.html

Mais recentemente recebi mais algumas perguntas, cujas respostas seguem abaixo,

Paulo Roberto de Almeida

Brasilia, 21 de setembro de 2024


Perguntas formuladas por candidatos à carreira diplomática

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor. 

 

1) Qual o primeiro passo você indicaria para quem gostaria de seguir a carreira diplomática no Brasil atualmente?

PRA: Antes do primeiro passo, que é obviamente o planejamento da preparação, uma reflexão sincera sobre quais suas reais motivações: muitos fazem o concurso do Itamaraty à procura de um bom emprego, com muitas viagens ao exterior, estadas em países avançados – e outras em países muito piores do que o Brasil – e uma vida que se imagina de charme, beleza e, sobretudo, para alguns, estabilidade garantida pela maior parte da vida adulta. Outros respondem a conceito mais subjetivo de “ calling”, ou vocação, que é o interesse e o fascínio concreto por coisas internacionais, pela cultura, conhecimento, experiências diversas que nunca serão obtidas numa profissão do setor privado ou na burocracia interna do Estado.

Creio que essa primeira reflexão sobre suas reais propensões, não exatamente de um emprego, mas de vida, de dedicação a causas outras do que o egotismo pessoal, de busca de uma elevação ainda maior na satisfação pessoal, de empatia a tudo o que é diferente do vivido no ambiente local, e qualquer ambiente estrangeiro desperta reflexões e reações, nem todas as melhores possíveis, mas por vezes com desafios realmente relevantes, inclusive do ponto de vista familiar, quando não se tem o conforto e ajuda dos pais, amigos, vizinhos.

Feita essa reflexão, que não significa a simples preparação concurseira, cabe então iniciar o planejamento da preparação para os exames. A primeiríssima coisa, uma vez consultado o Edital e os requerimentos das provas, fazer uma tabela, um balanço, avaliação, descrição detalhada de todas as suas “fortalezas” e fraquezas, isto é, quem é bom em Português e Inglês (que são requisitos essenciais), em história e relações internacionais, e quem é fraco em economia, direito e nas demais provas. Feito esse quadro, é preciso planejar meticulosamente uma dedicação intensa aos estudos, não apenas acadêmicos, baseados nos text books, nos livros de referencias, nos grandes manuais de cada matéria, mas sobretudo práticos, com base naquilo que o Brasil fez, vem fazendo, pretende fazer, no plano regional, bilateral, multilateral, dos condicionamentos domésticos (constitucionais e infra) e do registro efetivo da experiência brasileira em cada um dos desafios externos.

Como regra geral, o conhecimento perfeito das posições brasileiras em cada um dos itens da agenda externa – e eles são milhares – é um elemento estratégico em qualquer prova que se tenha de fazer; por isso um seguimento das matérias postadas pelo Itamaraty, pela presidência, e por alguns outros órgãos do executivo federal, é quase tão importante, talvez até mais, do que o conhecimento das teorias e dos livros conceituais em cada área. Na preparação das provas do ano não entram apenas professores versados nas matérias com base em conceitos abstratos e posições principistas, mas também diplomatas enfronhados nos assuntos que escolhem para perguntas, com perguntas cabeludas, algumas até maldosas, pois que representam pegadinhas por uma palavra estranha embutida num argumento ate correto, mas inviabilizado justamente por uma adversativa que não é válida, a não ser por que cuida do assunto na ONU, na OMC, no Mercosul, etc.

Eu considero esse detalhismo exacerbado em determinadas questões algo impróprio e até injusto com candidatos que não acompanham em minúcias determinados posicionamentos da diplomacia brasileira, que podem até mudar de um governo a outro (pois o que era correto, globalista, numa fase, passa a ser impróprio, neoliberal, em outra). Daí a necessidade de seguir com atenção todos os pronunciamentos e informações emanados do Itamaraty.

Resumo. Primeiro passo, identificar seus pontos fortes e fracos e depois dividir o tempo entre reforço e revisão de questões relevantes. Uma consulta às provas já feitas nos últimos anos pode ajudar a medir o grau de dificuldade intrínseca a todas as questões.

 

2) Se o Dr. fosse ingressar na carreira diplomática hoje, como se prepararia? E, ao ingressar, qual rumo pensa que tomaria dentro do Itamaraty, tendo em vista a diversidade de funções que compreende a carreira?

PRA: Já descarto a segunda questão, pois muitas vezes o recém ingressado já se defronta com escolhas determinadas pelas necessidades do serviço exterior, não pelas suas preferencias intelectuais. Eu tenho preferencia por questões de desenvolvimento econômico, mas não foi isso que me foi sempre “ oferecido”  no trabalho. Ao longo da carreira, o diplomata vai construindo suas afinidades eletivas de acordo a suas possibilidades concretas e no contato com as chefias da Casa, que podem fazer convite para os “ especialistas”  num determinado ramo; eu por exemplo, tinha poucas afinidades com Direito ou Administração e nunca trabalhei nessas áreas, mas assumi também funções consulares, o que nunca tinha sido objeto de minhas primeiras preferências de área.

Quanto à primeira questão, confesso que não tenho uma mínima ideia, pois jamais fiz vestibular para o Rio Branco e nunca cursei o instituto. Entrei por um direto, exigências maiores, provas orais e discursivas, com mais liberdade ao meu estilo próprio de exames. Se eu tivesse de concorrer atualmente, provavelmente não seria aprovado, pois o formato das provas é infinitamente mais complicado do que discorrer sobre assuntos nos quais você pode expressar seu pensamento com maior latitude. Hoje em dia se exige precisão absoluta nas respostas, o que requer um amplo conhecimento das menores questões da agenda.

Como no caso da questão anterior, o “primeiro passo”, os concursos do Itamaraty requerem uma longa e exigente preparação, com estudos se estendendo durante tempo mais largo do que os 12 meses de um ano. Persistência e empenho no estudo duro são necessários, o que não foi o meu caso no concurso direto. Mas, cabe registrar que eu sempre fui um rato de biblioteca e já tinha passado longos anos em bibliotecas, lendo jornais, sabendo muito sobre uma enorme variedade de assuntos de meu interesse: eu já estava preparado, sem nenhum estudo prévio, para praticamente todas as provas, com exceção de Direito e Inglês.

 

3) Nota-se que o senhor faz uso de lições históricas para analisar as crises contemporâneas, aprecio muito isso. Há erros históricos da diplomacia brasileira que o senhor acredita que poderíamos evitar no cenário atual, especialmente frente aos desafios globais mais recentes, como a questão da Palestina?

PRA: Com oito anos eu já estava lendo história, e assim fiz durante toda a minha vida, assim que me é fácil recorrer aos ensinamentos do passado ao discorrer sobre o presente (embora eu seja contra o uso de analogias históricas, que são quase todas sempre falsas).

A diplomacia brasileira tem uma parte boa, que é a excelente preparação intelectual dos diplomatas – o que não quer dizer que eles sejam isentos de preconceitos e de desvios de formação, dadas as características da educação brasileira, deficiente em várias áreas, sobretudo história econômica e política econômica tout court – e uma parte que pode ser muito ruim, que é sua dependência de lideranças políticas que podem ser medíocres ou tisnadas ou comprometidas com posições ideológicas e partidárias bastante nefastas para fazer as boas escolhas nas alianças externas e na adoção de políticas voltadas para os mais relevantes interesses da nação como um todo.

O caso da Palestina nem é o mais grave, ainda que preocupante, pois a tragédia dos enfrentamentos na região é um problema para TODOS os serviços diplomáticos, dada a complexidade dos vários imbróglios com todos aqueles povos, vítimas do colonialismo e dos seus próprios erros políticos e deficiências culturais, educacionais, religiosas. O mais grave, na verdade, é que já poderíamos ser um país, não digo avançado, mas mais desenvolvido, e só perdemos oportunidades nas últimas décadas, dada a incompetência e mediocridade das lideranças políticas, oligarquias extratoras e um mandarinato estatal comprometido apenas com o seu próprio bem-estar. Digo isto, porque em 1960 a Coreia do Sul tinha exatamente a metade da nossa renda per capita e hoje está quatro ou cinco vezes acima; ou seja, algo, ou várias coisas, eles fizeram de correto e nós erramos muito, exageradamente, em políticas macro e setoriais, na parte fiscal, na introversão nacionalisteira, na não-educação. A diplomacia carrega uma parte das responsabilidades por esse atraso, por aderir acriticamente ao receituário desenvolvimentista e estatizante, o que nos deixou isolados das melhores tendências em matéria de políticas econômicas, como é o padrão OCDE de políticas.

Leia, por exemplo, este meu texto: “O outro lado da glória: o reverso da medalha da diplomacia brasileira (17/10/2020: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/10/o-outro-lado-da-gloria-o-reverso-da.html), que remete ao integral:

Sumário: 

1. Tropeços na independência e durante o império

2. Os fracassos da primeira diplomacia republicana

3. A difícil construção de uma diplomacia autônoma, e consciente de sê-lo

4. A diplomacia profissional, como base da diplomacia presidencial

5. A deformação da política externa sob a diplomacia bolsolavista

Referências bibliográficas

Texto integral disponível na plataforma Academia.edu: link: https://www.academia.edu/44317668/3772_O_outro_lado_da_gloria_o_reverso_da_medalha_da_diplomacia_brasileira_2020_).

 

4) Com essa aderência à nova ordem global e a aproximação aos regimes ditatoriais, quais são as principais habilidades diplomáticas que um jovem aspirante a diplomata deveria desenvolver para lidar com um cenário como esse? Me parece que é distintivo a necessidade de raciocínio lógico-crítico, claro, mas um tanto de sangue frio, por assim dizer, parece ser preciso conciliar a posição do Brasil pela neutralidade e diálogo a todo custo.

PRA: Confesso que me é difícil de responder, pois já ingressei no serviço diplomático com 27 anos, sem ter sido domado, ou socializado, pelo IRBr, nunca respeitei os dogmas sacrossantos da carreira – hierarquia e disciplina, mais próprio para soldados do que para nós, diplomatas – e sempre me guiei pela minha consciência e discernimento, pouco por ordens superiores. Mas não recomendo a ninguém ser um “anarco-diplomata” como eu fui, pois pode-se pagar um alto preço por isso. Por exemplo, eu fiquei 13,5 anos sem nenhum cargo na Secretaria de Estado durante toda a vigência do reinado companheiro no poder, isso por ter escrito artigos críticos à diplomacia partidária lulopetista. Isso inviabilizou minha promoção e desempenho em certos cargos no Itamaraty, o que não me angustiou muito, pois sempre valorizei bem mais minha produção acadêmica do que o trabalho certinho na burocracia bem comportada do Itamaraty.

Mais concretamente, considero a diplomacia companheira de amizade  e conluio com ditaduras execráveis um horror e um desprestígio para a diplomacia e para o próprio Brasil, e nunca me eximi de expressar minha opinião, tendo sofrido retaliações a partir do alto. Um diplomata que não queira prejudicar sua carreira precisa engolir em seco e “ seguir as instruções” que vêm de cima, procurando não se angustiar muito com o besteirol de certos pronunciamentos oficiais e com os evidentes equívocos diplomáticos dos amadores. 

 

5) Durante sua carreira, houve alguma situação em que você precisou tomar uma decisão difícil ou controversa em uma negociação diplomática? Como você lidou com isso? Quais habilidades interpessoais você considera mais importantes para um diplomata no ambiente atual, e como um jovem aspirante pode aprimorá-las?

PRA: Sim, ocorreu diversas vezes, sobretudo nas negociações comerciais da Rodada Uruguai em Genebra, quando insistíamos na postura tipicamente desenvolvimentista, ou seja, introvertida e mercantilista, quando os asiáticos e outros (o Chile, por exemplo) já estavam caminhando por outras sendas globalizantes e interdependente (estilo OCDE, por exemplo). Mas isso ocorreu quando eu tinha de me guiar por instruções de Brasília, e sabia que as posições restritivas do Brasil seriam derrotadas na prática, ou seja, ficaríamos atrasados, como de hábito. Numa conferência diplomática eu me revoltei contra as instruções medíocres de Brasília e fui excluído da delegação: como sempre faço, fui ler e me informar melhor sobre os assuntos, e me certifiquei que o Brasil, como dizia Roberto Campos, não perde uma oportunidade de perder oportunidades. Acho que tem raízes similares nosso atraso, que não é tanto material, quanto intelectual.

O jovem diplomata pode se conformar com esse tipo de situação, e conviver com ela, ou procurar estudar mais o assunto para responder com argumentos mais elaborados para uma posição que ele possa encontrar como equivocada, mas tendo fundamentos para isso.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4739, 21 setembro 2024, 5 p.

 

Addendum

Uma carreira muito exigente:

Diplomatas trabalham o tempo todo, pois requerimentos de reuniões internacionais impõem viagens de fins de semana, reuniões sem hora para terminar, o que pode causar stress no plano familiar e geralmente dificulta a carreira para mulheres.

Desde o Instituto Rio Branco, os jovens são apresentados aos dois dogmas da profissão: hierarquia e disciplina.

A competição por promoções, postos e funções pode ser extenuante, ocorrendo o pistolão, o “ quem indica” e outros expedientes, mas o trabalho competente é em geral reconhecido.

 

Uma trajetória refletida nos livros e trabalhos publicados:

Trajetória de Paulo Roberto de Almeida nas relações internacionais (2024)

Paulo Roberto de Almeida: capitulos em obras coletivas, 1987-2024

4655) Lista de trabalhos sobre Mercosul, integracao e processos correlatos (2024)

4538) Relação de livros de Paulo Roberto de Almeida, linkados (1993 a 2023)

    4421) BRIC-BRICS: da pré-história à situação atual (2023)