Qualquer que seja o resultado final da "revolução do guarda-chuva" em Hong Kong – e o autoritarismo semi-tirânico do novo imperador chinês parece ter condições de se impor, ainda que apenas recorrendo a métodos brutais, contra o espírito democrático e libertário da antiga colônia britânica, atualmente revertida ao domínio do despotismo oriental de Beijing –, o exemplo de resistência oferecida pelos seus habitantes haverá de impressionar de alguma maneira seus irmãos chineses do continente, que, a exemplo dos estudantes da Praça da Paz Celestial, em 1989, também passarão a oferecer crescente resistência aos atuais ditadores do gigante asiático. Não importa quanto tempo se exercerá essa luta, hoje desigual, entre a liberdade e a tirania, o espírito da liberdade acabará por triunfar na China como um todo, pois ele é inerente ao ser humano, qualquer que seja o tempo e o lugar.
Minha homenagem aos bravos resistentes da "revolução do guarda-chuva" em Hong Kong: sua persistência e denodo deixarão sementes que irão frutificar também no continente. Vocês já passaram à História...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de junho de 2019
Guarda-chuva se firma como símbolo da democracia em Hong Kong
Objeto usado em manifestações em 2014 volta a aparecer em protestos contra projeto de lei de extradição
João Perassolo
Folha de S. Paulo, 12/06/2019
As imagens de milhares de jovens, a maioria estudantes, segurando guarda-chuvas enquanto se aglutinam ao redor da sede do governo da região remetem ao histórico "Movimento dos Guarda-Chuvas", manifestação pró-democracia ocorrida 2014.
À época, mais de 100 mil pessoas ocuparam o distrito financeiro de Hong Kong em um movimento que pedia eleições livres. Eles reivindicavam a escolha do chefe executivo local nas eleições de 2017 por meio de votação direta, e não por uma eleição realizada a partir de uma lista com candidatos previamente aprovados por Pequim.
A ocupação durou 79 dias e foi majoritariamente pacífica, mas se tornou violenta perto do fim, quando manifestantes e policiais entraram em confronto. Para se protegerem de bombas de gás lacrimogêneo e jatos de spray de pimenta disparados pelas forças de segurança, os manifestantes seguravam guarda-chuvas amarelos.
"Não falamos ao fim do Movimento dos Guarda-Chuvas que estaríamos de volta?", disse a legisladora pró-democracia Claudia Mo nesta quarta (12), nas ruas de Hong Kong. "Agora estamos de volta!", completou, ao passo em que manifestantes repetiam as suas palavras.
Não se sabe se a proposta de lei de extradição será ou não aprovada pelo Parlamento local, que adiou a discussão do projeto para uma data indefinida em razão dos protestos.
Mas o histórico não parece favorável, já que os guarda-chuvas de 2014, além de não protegerem efetivamente contra os efeitos dos gases, não foram bem-sucedidos no campo político. Pequim não atendeu à demanda pelo voto direto,
cem manifestantes foram processados nos meses seguintes e nove líderes do movimento foram considerados culpados em um veredito de abril deste ano.
A eles foi imputado o crime de conspirarem para causar "incômodo à ordem pública". A sentença se baseou em uma lei de quando Hong Kong ainda era colônia britânica, há mais de 20 anos. A pena será de 16 meses de prisão.
O território localizado na costa sul da China voltou ao comando central chinês em 1997, em um acordo feito com a ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher que deveria garantir eleições livres e democracia para a região.
Hoje, é um território semiautônomo da China, no regime que ficou conhecido como "um país, dois sistemas", e há a preocupação crescente de que esteja perdendo autonomia e sucumbindo pouco a pouco ao regime ditatorial do partido único chinês.
Além dos guarda-chuvas, os manifestantes têm tentado "apagar" as bombas jogadas pela polícia de Hong Kong com água. Mas esta tática não é muito efetiva, de acordo com Fabio Rodrigues, professor do Departamento de Química da USP.
Segundo ele, o gás se espalha e ocupa todo o ambiente. Derramar água sobre o frasco que o contém ajuda a dissolvê-lo um pouco, o que diminui os efeitos marginalmente, uma vez que esses compostos gasosos são pouco solúveis em água.
A lógica da contenção de danos vale ainda para as máscaras de enfermagem que os manifestantes também utilizam. Rodrigues explica que elas não são efetivas no combate a gases tóxicos, mas ajudam a retardar o contato da substância com o aparelho respiratório.
Eficazes, mesmo, só máscaras como as usadas em guerra, que tem filtros de carvão ativado, responsável por prender as partículas tóxicas e deixar passar o ar puro. A julgar pelas fotos do protesto, são como as que a polícia de Hong Kong usa.
Diante deste cenário de equipamentos de proteção improvisados, fica claro que os guarda-chuvas têm pouco valor como escudo —mas não deixam de ser um símbolo na luta pela democracia.