O sentido do trabalho de resistência intelectual
Paulo Roberto de Almeida
Nota no blog Diplomatizzando sobre a essência de meu trabalho solitário.
A resistência puramente “literária”, conduzida solitariamente no âmbito de uma reclusão reflexiva, no isolamento de um limbo, ou no contexto de uma longa travessia do deserto, pode ser a menos eficiente de todas: ela não pertence a nenhum movimento, não está ligada a nenhum partido, não tem vínculos organizacionais nem pretende ter seguidores próprios.
Ela se sustenta em si mesma, na convicção de defender uma causa legítima, a preservação das liberdades, a necessidade de pensar com sua própria cabeça, a vontade de não fazer parte de nenhum rebanho, a certeza de que não se pode jamais renunciar à reflexão independente, ao espírito crítico, à contestação eventual das idées reçues, das verdades estabelecidas.
Isolada no seu canto, ela pode ter de se instalar numa pequena fortaleza feita de cadernos e livros, de se refugiar num humilde e obscuro quilombo de resistência intelectual, tendo como “armas” unicamente a palavra e a escrita, raramente um megafone, simplesmente pequenas mensagens, em garrafas, lançadas em um mar desconhecido.
Dificilmente, essas “pílulas” de resistência obstinada alcançam repercussão. Elas se perdem, na voragem do entusiasmo pelos novos tempos, na promessa dos lendemains qui chantent, nas mentiras confortáveis que satisfazem os ingênuos e os espíritos incautos.
Mas é preciso persistir, por um simples dever de consciência, individual e, no mais das vezes, solitária, cidadã se for o caso. Não importa: o que se faz não tem intenção de criar nenhum movimento, de mobilizar nenhuma força organizada, apenas tem a pretensão de alertar os demais membros da comunidade, a partir do conhecimento do passado, de uma atenta observação do presente e de alguma percepção quanto ao que pode vir pela frente.
Tive essa percepção, precocemente, em 2003, adquiri plena certeza em 2004, e vi confirmados meus piores temores nos dois anos seguintes. Mas aí já era tarde: eu já estava no limbo. E permaneci na minha longa travessia do deserto pelos dez anos seguintes, só cercado de meus livros e cadernos, refugiado em meu quilombo de resistência intelectual, de onde eu eventualmente lançava uma garrafa ao mar.
Não foi suficiente: o problema cresceu, o câncer da inépcia e da corrupção se agigantou, e terminou por engolfar o país na Grande Destruição, a maior de toda a nossa história.
Tive novamente a mesma percepção em meados de 2018, antes mesmo que a possibilidade se confirmasse. Imaginei que o desastre pudesse ser contido em algum momento, pelo temor de um novo desastre, por alertas que pudessem ser feitos em apelo à consciência cidadã – abafada, porém, pela ignorância eleitoral –, pela ilusão de que, uma vez consumada a escolha, as necessidades práticas da administração corrigissem as piores perspectivas de gestão.
Não foi suficiente: adquiri a certeza de estávamos embarcando numa viagem para o desconhecido logo nos dois primeiros dias da nova aventura, e obtive todas as confirmações nas semanas seguintes. A partir de 2019, as etapas e sinais construtores da nova caminhada ao precipício foram se acumulando.
Fui levado novamente ao ostracismo, ao que eu chamo de limbo de resistência intelectual, e iniciei nova jornada de uma penosa viagem pelo deserto de minha solidão, cujo percurso e duração são ainda indeterminados. Não importa, eu me disse: persistirei, como da outra vez, embora não deseje um novo desastre para a comunidade. Foram quatro longos anos de desvarios, de bizarrices e de loucuras.
No final de 2022, tive a percepção de que havia a possibilidade real de um novo mergulho no desconhecido, tantas foram as paixões desatadas.
De novo senti a necessidade de lançar novas garrafas ao mar. Assim o fiz...
O desastre poderia ter sido maior, dadas as revelações feitas recém em 2024, por externalidades que nada têm a ver com as inconsistências da dinâmica interna, própria à inépcia e à corrupção embutidas no pacote adquirido lá atrás.
Só fomos salvos porque os conspiradores eram incompetentes, burros demais para implementarem um golpe com todos os requisitos de um golpe efetivo. E isto apenas porque os militares não toparam entrar numa nova aventura. Não porque fossem democratas, apenas porque a situação lhes era confortável para embarcar num novo itinerário que lhes trouxesse tantos desastres quanto a ditadura do regime militar de 1964 a 1984. Não foram conscientes e democratas, pois se o fossem teriam denunciado os golpistas. Apenas ficaram calados e parados.
Tenho confiança de que expresso o que efetivamente ocorreu no Brasil nos últimos cinco anos: nossa democracia ainda é frágil.
Persistirei no meu quilombo de resistência intelectual, este meu blog.
Como disse, não tenho movimento, nem partido, nem seguidores. Apenas minha liberdade, minha consciência, minha pluma, de vez em quando a palavra, quase inaudível.
Não importa!
Persistirei...
Brasília, 11 de fevereiro de 2024