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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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terça-feira, 25 de agosto de 2020

Diplomacia evangélica (não apenas nos EUA) - Ishaan Tharoor (WP)


The Washington Post
Today's WorldView
 
 

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Crônicas do Itamaraty bolsolavista - Um diplomata anônimo (sucesso de acessos)

Continua o sucesso do Cronista misterioso: 
(passou à frente de todos os demais trabalhos, em apenas 3 dias)




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El hombre que amaba a los perros, por Leonardo Padura - Helga Hoffmann

O MUNDO NA FICÇÃO 


 El hombre que amaba a los perros
Leonardo Padura (romance) 
Helga Hoffmann
[Política Externa, vol. 21 n. 3, jan-fev-mar 2013, pp. 237-240] 

É romance, de paixão, terror, e, mais que nada, desengano. É construído como romance policial, e mantém suspense, pela minuciosa investigação do financiamento, da logística, e das motivações do mais longamente preparado e inútil dos assassinatos. Mas só em parte é ficção: pelas vozes paralelas do romance – Trotsky, o jovem espanhol que o matou, e um narrador cubano em primeira pessoa – temos ali uma história do comunismo desde os anos trinta até o início do século XXI e um balanço de fracassadas utopias do século XX.
Trotsky, ferido de morte, ainda conseguiu gritar a ordem para que os guarda-costas que o acudiram não matassem o homem que havia enterrado um piolet em sua nuca: ”... ele tem uma história para contar!” E a história está sendo contada por muitos autores. 
Padura leva-nos aos cenários do que foi alguma vez chamado de “revolução mundial”: a Rambla em Barcelona, Catalunha e Madrid da Guerra Civil Espanhola, Moscou dos processos e execuções estalinistas, México de Lázaro Cárdenas, Praga de 1968, Cuba dos anos setenta até o fim da ajuda soviética. Pelo caminho, aparece a Sibéria dos degredados e uma bucólica ilha da Turquia que aceitou o judeu russo e sua mulher no início do desterro, além das várias cidades francesas por que passa sempre em fuga, e da Noruega que o asilou, e depois também o despacha num cargueiro para o México. Até por Nova York e Coney Island passam os agentes secretos da NKVD neste romance.
Alguns dos personagens não são figuras históricas. Além do narrador Ivan Cárdenas - escritor cubano tão frustrado com o ambiente de opressão em Cuba nos anos setenta que desiste de escrever e vai trabalhar de veterinário -, são também de ficção as mulheres dele, familiares, colegas, seu amigo e confidente Daniel Fonseca. 
Esses cubanos da imaginação literária são situados por Leonardo Padura em contextos conhecidos: Ivan corta cana como voluntário na safra de 1970; Ivan e Daniel sofrem com falta de comida e combustível quando não há mais subvenção russa e, da praia em Cojimar, no verão de 1994, observam “... centenas, milhares de homens, mulheres e crianças que aproveitavam a abertura de fronteiras decretada pelo governo para lançar-se ao mar em qualquer objeto flutuante, levando seu desespero, seu cansaço e sua fome, em busca de outros horizontes” (p.539). São personagens que permitem um olhar sobre o cotidiano da ilha, como o detetive Mario Conde, protagonista dos romances policiais que tornaram Padura conhecido em Cuba e mundo afora. 
Ivan um dia encontra caminhando na areia a beira-mar um homem misterioso e triste, com dois borzoi. Aproxima-se através dos cães, conversam, e a curiosidade faz com que volte à praia muitas vezes, percorrendo longa distância em bicicleta, à procura do homem, que está sempre com seus borzoi e com um negro alto, que fica de longe, com jeito de guarda-costas. Consegue reencontrá-lo várias vezes, ouve dele relatos que suspeita serem confidências, até que um dia ele some. Ivan faz anotações do que o homem lhe contou, mas não pensa em publicá-las.
Depois de muitos anos, já na década de noventa, quando a preocupação maior de Ivan ainda é a sobrevivência, ele recebe um envelope enviado por German Sánchez, com falso endereço de remetente. É um livro de Luis Mercader sobre seu irmão Ramon e tem muitas fotos. Ivan tem a certeza, pelas fotos, que o homem que encontrara na praia como Jaime Lopez era de fato Ramon Mercader. Percebe que deve escrever a história que este lhe contou e que ainda não o fez por medo. 
Há diálogos e emoções dos personagens reais para os quais obviamente não há documentação histórica. Assim, o sentimento de culpa de Trotsky durante seu affair com Frida Kahlo é “criação” de Padura, mas o tal caso acabou sendo notório. E é fato que Diego Rivera hospedou Trotsky e sua mulher Natalia quando chegaram ao México. O fracassado atentado ao asilado por um grupo de mexicanos armados que arrebentou muros da casa de Coyoacán em maio de 1940, e que teve a participação de Alfaro Siqueiros, teria sido instigado por Rivera ciumento? 
De todos os modos, a campanha dos comunistas locais contra Trotsky, “o traidor”, compunha o ambiente para o atentado. As idéias políticas expressas nas conversas de Trotsky e dos outros personagens estão embasadas em seus livros, artigos e correspondência, mas é claro que nunca saberemos como foi cada diálogo real.
Trotsky aparece como o personagem perseguido, fugindo sempre, de um país para outro, cada vez que se esgotam as condições políticas para a permanência do asilado. Claro que nesse relato da gestação de um crime ele é mais vítima que algoz, dá pena. Mas não é louvado como “herói da classe operária” (que é o que seu assassino almejava ser). É um personagem obsessivo, para o qual o que mais interessa é o grande jogo político, pois crê nas “leis da história” e as pessoas ao seu redor são instrumentais (com exceção talvez de Natalia e dos borzoi). Até porque nos seus últimos anos precisa do dinheiro que lhe rendem seus artigos para jornais e revistas.
Cada vez que há uma purga em Moscou, com condenações e fuzilamentos de conhecidos e amigos dos primeiros tempos da revolução dos sovietes, Trotzky nota como o terror pode estar se aproximando dele. E volta à sua memória sua própria culpa no massacre dos marinheiros de Kronstadt. Mas ele justifica para si mesmo que em 1921 o governo revolucionário estava começando e não podia tolerar levantes que o punham em perigo. 
A biografia de Ramon Mercader que ali se revela é ainda mais sombria. Depois de lutar nas trincheiras da guerra civil espanhola, é convencido por sua mãe, Caridad Mercader, a se tornar agente da NKVD. Caridad, cubana de nascimento, aparece em muitas das ocasiões nesse romance, e é talvez o personagem mais sinistro, uma mulher em um mundo de homens, mais dura e fanática que todos eles. Sua militância começa por queimar a fábrica do marido.
O romance é de terror quando do treinamento de Ramon na URSS, para assumir vários personagens, convencer-se de que o fim justifica os meios e, sobretudo, para aprender a matar e a obedecer, o que chega a ser bastante doloroso para o catalão. É romance de espionagem quando mostra Ramon – então como Jacques Mornard - pouco a pouco ganhando a intimidade dos Trotsky e sua entourage. Depois de capturado em flagrante, em 1940, ficou preso 20 anos no México, sem jamais trair seus companheiros, reafirmando todo o tempo a identidade que aparecia em seu passaporte falso de belga. Sua verdadeira identidade foi sendo confirmada aos poucos. Depois de libertado, viveu incógnito em Moscou, e em Cuba entre 1974 e 1978. (E é assim que o Ivan, o veterinário que também gostava de cães, pôde encontrar Lopez com seus dois borzoi.) Morreu em Moscou em circunstâncias obscuras.
O livro não poderia ter sido escrito antes da queda do muro de Berlim, antes da glasnost, antes da abertura dos arquivos de Moscou nos anos noventa e a subsequente publicação de material sobre a realidade dos 70 anos de existência da União Soviética. Padura passou vários anos fazendo pesquisa de campo e de documentos, com a ajuda de pessoas em lugares diversos, sobretudo México, Espanha, Moscou, França, e Dinamarca. 
Haverá quem não goste de ver a documentação colossal “organizada de acordo com as liberdades e exigências da ficção” e, ainda por cima, com uma enormidade de detalhes. Ou então, que não confie que a ficção pode transmitir bem uma verdade histórica e prefira os relatos de historiadores, biógrafos, jornalistas. Leitura fácil esse romance não é. Mas tudo o que vivenciei até hoje no meu fiapo de linha do emaranhado que Padura quer desenredar – como e por que se perverteu a utopia do século XX? -, sustenta minha convicção de que o que está nesse livro é mais verdade que ficção. Ou é ficção que mostra a verdade.

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PRA: Em sua nota final de agradecimento, Leonardo Padura informa que começou a escrever a seu relato histórico "no mês de outubro de 1989, enquanto, sem que muita gente ainda o suspeitasse, o Muro de Berlim se inclinava perigosamente, até que começou a se precipitar e se desfez, apenas umas semanas depois". (p. 763 de minha edição do livro, a 15a edição da editora MaxiTusquets)
Ele indica que foi a visita que fez à residência de Trotsky no México, naquela época, que o fez decidir escrever a respeito. Mas demorou muito para a obra emergir. Escreve então: 

"Al enfrentarme a su concepción, más de quince años después, ya en el siglo XXI, muerta y enterrada la URSS, quise utilizar la historia del asesinato de Trotski para reflexionar sobre la perversión de la gran utopía del siglo XX, ese proceso en el que muchos invirtieron sus esperanzas y tantos hemos perdido sueños, años y hasta sangre y vida."

Brasil precisa de mais interesse nacional', embaixador Rubens Barbosa (CB)

'Brasil precisa de mais interesse nacional', diz ex-embaixador nos EUA

Membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint), da Universidade de São Paulo (USP), Barbosa alerta para os riscos do que ele chama de "ideologização" do atual governo brasileiro

Correio Braziliense, 23/08/2020 06:00 


(foto: L.NOVA)
Um dos mais destacados representantes da diplomacia brasileira, o embaixador Rubens Barbosa concluiu carreira no Itamaraty há 16 anos e, hoje, dedica-se a discutir os temas mundiais como diretor-presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), sediado em São Paulo. Embaixador em Londres, de 1994 a 1999, e em Washington, D.C., de 1999 a 2004, ele concedeu entrevista ao Correio, na qual analisou os posicionamentos adotados pelo Brasil em importantes questões globais, como a pandemia, o meio ambiente, a economia e a geopolítica.

Membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint), da Universidade de São Paulo (USP), Barbosa alertou para os riscos do que ele chama de “ideologização” do atual governo brasileiro no alinhamento automático com os Estados Unidos. “A política externa não pode estar a serviço de partidos nem de ideologias; a política externa tem que refletir o interesse nacional”, frisou, citando uma frase de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão de Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira.
Barbosa também mencionou vários casos que, segundo ele, demonstram que o apoio incondicional a Washington tem empurrado o Brasil para um isolamento, cada vez maior, no cenário mundial, além de ser um desgaste para a relação com a China, principal parceiro comercial do país.

Que desafios a pandemia trouxe para as exportações brasileiras?
A maneira como o governo, nos três níveis — federal, municipal e estadual —, tratou essa questão da pandemia acrescentou mais um elemento de incerteza e de crítica no exterior em relação ao Brasil. Acredito que, além da política ambiental, a política de saúde, a maneira como, nesses sete ou oito meses, a pandemia, foi tratada aqui no Brasil acrescentou mais um elemento que afetou, que está afetando, a credibilidade do Brasil, no exterior, porque se desconsideraram as opiniões científicas sobre como tratar a pandemia, como tratar a questão do isolamento, como tratar a questão da saída do isolamento. Isso foi muito notado no exterior.

Há poucos dias, a China detectou o novo coronavírus em asas de frango congeladas que foram importadas do Brasil. Quais são os reflexos disso para o Brasil?
Essa questão da China é discutível. A notícia chegou truncada, não se sabe se era dentro do frango, na asa, fora do frango, tanto que, até agora, não houve nenhuma consequência em relação à suspensão ou à proibição de exportação de frango para a China. Vamos aguardar, a gente não sabe exatamente o que pode acontecer. Agora, de qualquer maneira, essa questão da fiscalização e do controle sanitário, nós vamos ter de aumentar muito, porque a gente já sofreu no passado, com a vaca louca, por falta de resposta a um formulário do Canadá de questões técnicas sanitárias.

Qual é a importância da política ambiental do Brasil para as exportações do país?
A gente tem de reconhecer que a questão ambiental está incluída na agenda global. Quem não aceitar isso, não está entendendo o que está acontecendo. Isso quer dizer que apareceu um novo personagem, que não existia há 40, 50 anos, nessa questão ambiental: o consumidor. Ele, hoje, tem uma influência muito grande na área comercial e na área governamental, inclusive, nos países que compram do Brasil. Há uma onda verde na Europa. Acho que nos Estados Unidos também. No caso das empresas industriais, que compram, vendem para o Brasil, há disposições, e nós vimos isso até com os bancos, agora. Há disposições contra negócios com produtos brasileiros que sejam de áreas que impliquem no desmatamento da Amazônia. Já há cláusulas contratuais.

O senhor acredita que a política ambiental brasileira pode inviabilizar a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia?
A política ambiental passou a ser parte das negociações comerciais. O acordo entre Mercosul e União Europeia tem um capítulo novo, que se chama desenvolvimento sustentável. Nele, estão incluídos todos os acordos de meio ambiente que o Brasil assinou no passado. O governo atual os referendou. Então, há compromissos de meio ambiente, de mudança de clima, de proteção à floresta, proteção ao indígena. E o fato de você aceitar a necessidade de cumprimento desses acordos faz com que o descumprimento acarrete consequências.

Essa pressão também tem vindo de representantes do Partido Democrata dos EUA. O que pode acontecer ao Brasil, nessa área, com uma eventual vitória de Joe Biden nas eleições americanas?
As manifestações foram de democratas e de republicanos também. O Departamento de Estado, o Congresso, vários deputados dos dois partidos e, agora, Kamala Harris (senadora democrata, candidata a vice na chapa de Biden) manifestaram-se publicamente criticando a política ambiental brasileira. Então, se Biden ganhar essa eleição, certamente os Estados Unidos vão mudar sua política ambiental. Eles vão entrar no Acordo de Paris, que Donald Trump não quis, e vão passar a defender uma política econômica com grande componente ambiental, de preservação do meio ambiente. E, aí, eles vão ser muito críticos de países que não preservem o meio ambiente. Então, aqui, você vai ter um elemento adicional de pressão sobre a política brasileira; não só à política, mas, também, à retórica ambiental brasileira.

Quais são as falhas da política ambiental brasileira?
Você tem as políticas públicas que foram adotadas pelo governo que enfraqueceram a fiscalização, que negligenciaram o combate às ilegalidades, porque o mais grave dessa questão ambiental é que o problema ambiental está ligado a ilegalidades, e o governo tem obrigação de coibir. Ilegalidade no desmatamento, ilegalidade nas queimadas e ilegalidade no garimpo. E também cuidar, porque, no exterior, tem muito foco disso: cuidar dos indígenas. Está na legislação, na Constituição. Essa posição negacionista do governo é um problema aqui, não é um problema lá de fora. No momento em que você corrigir os problemas que estão aqui, acaba a disputa lá fora.

Como deve ficar a relação entre Brasil e Estados Unidos com uma eventual vitória de Joe Biden?
Eu acho que se o Biden for eleito, primeiro, você vai ter uma mudança no relacionamento entre os presidentes. Quer dizer, o presidente Bolsonaro não vai ter a intimidade que ele tem com Trump, porque (a candidata) a vice-presidente tem uma posição muito forte sobre o Brasil, e Biden tinha ligação com o Brasil quando ele era vice-presidente. E, certamente, vai delegar para Kamala a relação com a América Latina, porque o presidente, nos Estados Unidos, não tem uma função específica. Então, delega funções. Se o Biden delegar a Kamala o acompanhamento das relações com a América do Sul, é ela que vai cuidar do Brasil. Kamala tem uma posição muito crítica, há uma nota dela criticando a posição do Brasil na política ambiental e na destruição da floresta.

Acredita que o isolamento do Brasil na comunidade internacional vai aumentar com uma eventual vitória de Biden?
Os Estados Unidos vão mudar de posição em relação aos organismos internacionais — a ONU (Organização das Nações Unidas), a OMC (Organização Mundial do Comércio), a OMS (Organização Mundial da Saúde), enfim, todas as organizações. Nós vamos ficar mais isolados, porque, hoje, nas questões do Oriente Médio, a gente só fica do lado de Israel e dos Estados Unidos. Se os Estados Unidos mudarem de posição, o Brasil vai ficar ainda mais isolado.

Os interesses nacionais estão preservados nesse alinhamento automático com os EUA?
Aconteceu um fato, que é objeto de um artigo que eu estou escrevendo, que é uma coisa atual, porque saiu uma nota do Itamaraty, em conjunto com o Ministério da Economia (de 17 de junho de 2020), que, até o momento, não provocou reações. É uma nota sobre a presidência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Essa questão da presidência do BID é muito importante, por quê? O BID foi criado em 1959. Os Estados Unidos são o maior contribuidor do BID, com 30% do capital. O Brasil é o segundo. A União Europeia está lá em cima também. E ficou acertado que a sede do BID seria em Washington, que a vice-presidência seria sempre dos Estados Unidos, e a presidência do BID seria sempre de um latino-americano. Então, nesses 60 anos, todos os presidentes do BID foram latino-americanos. Agora, era a vez do Brasil. O Brasil apresentou um candidato. Paulo Guedes (ministro da Economia) comunicou ao secretário do Tesouro americano que o Brasil ia ter um candidato. Acontece que, agora, Trump resolveu quebrar essa tradição de 60 anos e atropelou o Brasil apresentando um candidato americano. E o Brasil emitiu nota apoiando a posição americana e abrindo mão da candidatura brasileira!

Há disputa EUA x China por trás dessa polêmica na eleição para o BID?
Eu acho que sim. Eles estão trazendo, aqui para a região, a questão geopolítica. A razão desse interesse de Trump pela presidência do BID é porque o BID financia projetos aqui na América do Sul sem nenhuma politização, sem nada, só baseado em projetos. Agora, eles vão financiar de acordo com os países que boicotarem a China. O Brasil não pode entrar nessa disputa geopolítica, porque não é um país pequeno. O Brasil é uma das 10 maiores economias, é o quinto ou o sexto maior território, quinta ou sexta maior população. Então, nós temos interesses variados, nós somos global player. Os Estados Unidos vão exigir lealdades. Isso contraria o interesse brasileiro. O Brasil precisa de menos geopolítica e ideologia e de mais interesse nacional.

Como avalia o apoio do Brasil à proposta dos EUA de discutir se países que não são economia de mercado podem ser membros da OMC, o que, na prática, excluiria a China da organização?
Essa proposta foi apresentada no último dia útil de trabalho da OMC. Não foi discutida. Ela foi apresentada, e nenhum outro país apoiou, só o Brasil. E, aí, se suspenderam os trabalhos, porque entraram de férias. Agora em setembro, esse assunto vai voltar, e a gente vai ter de ser coerente e defender essa posição, que vai desgastar o Brasil perante a China. Acho que essa proposta não vai prosperar, porque não há acordo. Os Estados Unidos querem é que se mudem as regras da OMC para permitir que somente economias de mercado possam ser membros da OMC, porque havia um período de transição para a China se tornar uma economia de mercado, e passou o período de transição, e a China é considerada uma economia de mercado. Os Estados Unidos querem reabrir esse assunto para que a China possa ser considerada uma economia não de mercado, e como uma economia não de mercado não pode pertencer à OMC. É um desgaste desnecessário do Brasil perante a China.

O alinhamento automático do Brasil com os EUA trouxe mais benefícios ou prejuízos?
A relação institucional entre as burocracias dos dois países continuam com o trabalho. Em termos de resultado, eu não vejo nem grandes vantagens nem grandes desvantagens, porque o relacionamento institucional segue com as qualificações que as duas burocracias fazem. Por exemplo, do lado do que não aconteceu: o Brasil queria ter uma posição especial na questão de vistos para os Estados Unidos. Isso não aconteceu. O lado positivo que houve foi a aprovação do acordo de salvaguardas tecnológicas que vai permitir o uso da Base de Alcântara (no Maranhão).

E a defesa de Trump pela entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)? Como o senhor avalia?
O Brasil pediu (ingresso na OCDE), e Trump apoiou a Argentina. Depois, com a eleição de Cristina Kirchner como vice de Alberto Fernández, aí, os Estados Unidos mudaram, mas não por causa do Brasil, por causa da Argentina.

A implantação da tecnologia 5G é outro campo de disputa entre EUA e China na América do Sul. Como analisa a postura do Brasil?
O Brasil não deveria tomar partido e deveria abrir a licitação para todos os países. E o resultado da licitação deveria ser o que fosse mais favorável ao Brasil. Acho que esse é o exemplo mais forte dessa questão geopolítica sendo trazida aqui para a região. Acho que o adiamento dessa licitação não resolve; ao contrário, a licitação deveria ser feita imediatamente, porque, quanto mais cedo o 5G entrar no nosso cenário, mais rapidamente o Brasil vai sair da crise. O 5G poderia ajudar o Brasil a sair da crise porque ia modernizar, mais rapidamente, a economia e as indústrias, para a indústria nacional chegar ao 4.0, porque há redes privadas que as indústrias poderão utilizar imediatamente.

O presidente Jair Bolsonaro prometeu acabar com o que chamou de “viés ideológico” na diplomacia brasileira. Essa promessa foi cumprida?
Estou à vontade para falar sobre isso, porque fui um dos críticos mais fortes da política externa do PT enquanto eles partidarizaram e ideologizaram a política externa. Agora, está havendo a mesma coisa; está havendo ideologização da política externa com sinal trocado. Mas, você tem as prioridades da política externa, que não se alteraram, nem com os governos anteriores nem com este. Se você fizer uma listagem das principais prioridades, elas são as mesmas. O problema é a questão da ideologização e da partidarização. Eu acho que, como Rio Branco (patrono da diplomacia brasileira) afirmava: ‘A política externa não pode estar a serviço de partidos nem de ideologias; a política externa tem de refletir o interesse nacional’. Eu disse isso durante os anos do PT e estou continuando a repetir agora.

Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho mais recente, apenas terminado, para uma palestra online. Obviamente não será lido: 

3739. “Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo”, Brasília, 23 agosto 2020, 35 p. Exercício de comparação recapitulativa dos principais elementos de política externa e de diplomacia em cada uma das duas épocas, incluindo também a de FHC. Disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43930886/3739_Duas_diplomacias_contrastadas_a_do_lulopetismo_e_a_do_bolsolavismo_2020_).

Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata; professor no Uniceub
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Sumário: 
1. Similaridades e diferenças entre uma e outra diplomacia
2. O que distingue, basicamente, a diplomacia lulopetista da bolsolavista? 
3. Contrastes e confrontos entre a diplomacia lulopetista e a bolsolavista
(a) Multilateralismo e cooperação internacional: a quadratura do círculo
(b) OMC e questões comerciais em geral: muito barulho por quase nada
(c) Terrorismo: o que os EUA determinarem, está bem
(d) Globalização e “globalismo”: quando o besteirol chega ao Itamaraty
(e) Brasil na América do Sul e a questão da liderança regional
(f) Mercosul: supostamente relevante, mas de fato deixado de lado
(g) Argentina, o parceiro incontornável (mas contornado)
(h) Europa, União Europeia: esperanças e frustrações
(i) A relação bilateral com os Estados Unidos: subordinação em toda a linha
(j) relações com a China: entre o saldo comercial e o “comunavirus”
4Instrumentos diplomáticos e características gerais das duas diplomacias

Resumo: Ensaio comparativo, contrastando as políticas externas das administrações Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro, com base em suas características gerais e nas tomadas de posição em relação a um conjunto de temas da agenda internacional, nomeadamente: multilateralismo (CSNU); OMC e negociações comerciais multilaterais; terrorismo; globalização; Brasil como líder na América do Sul; Mercosul; Argentina; Europa e União Europeia; relações com os Estados Unidos e China, ademais dos instrumentos diplomáticos mobilizados por cada um dos governos. Os elementos inéditos na fase recente são bem evidentes tanto no estilo quanto na substância, que passou a exibir diversos traços de ruptura com respeito aos padrões e tradições da diplomacia brasileira.
Palavras-chave: diplomacia brasileira; governo Luiz Inácio Lula da Silva; governo Jair Messias Bolsonaro; multilateralismo; globalização; regionalismo; negociações comerciais.

Abstract: Comparative essay, contrasting the foreign policies of Luiz Inácio Lula da Silva’s and Jair Messias Bolsonaro’s administrations. Besides the general features of each diplomacy, external policies and practices of each government are compared for a set of issues in the international agenda, namely: multilateralism (UNSC); WTO, and multilateral trade negotiations; terrorism; globalization; Brazil as a leader; South America; Mercosur; Argentina; Europe; relationship with the United States, and China, with a final section on diplomatic tools preferred by each government. There are unseen aspects in current diplomacy, both in style as well as substance, with breaking features with the traditional patterns and standards of Brazilian diplomacy.
Key-words: Brazilian diplomacy; Luiz Inácio Lula da Silva government; Jair Messias Bolsonaro government; multilateralism; globalization; regionalism, trade negotiations.


Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo

Paulo Roberto de Almeida

1. Similaridades e diferenças entre uma e outra diplomacia
Em meados de 2004, ou seja, aproximadamente um ano e meio depois da inauguração do primeiro mandato do presidente Lula, procedi a uma avaliação de sua política externa, em perspectiva comparada com a diplomacia do recém findo governo de Fernando Henrique Cardoso, este ao final de seus dois mandatos. O artigo, “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, foi publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (2004, vol.47, n.1, p. 162-184, link: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v47n1/v47n1a08.pdf) e depois incorporado ao livro Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014). Ele converteu-se num dos trabalhos mais acessados, segundo a listagem do Google Scholar (perto de trezentas citações), abrindo uma discussão colaborativa com diversos outros colegas acadêmicos trabalhando na mesma temática.
Um ano e meio após a inauguração do governo Bolsonaro, imaginei poder repetir o exercício, procedendo a uma comparação entre as duas diplomacias, a do lulopetismo e (à falta de melhor termo) a do bolsolavismo. De imediato, constatei que tal comparação, segundo os procedimentos metodológicos apropriados a esse tipo de abordagem, seria propriamente impossível, em vista da inexistência de base documental suficiente para o segundo elemento. Não obstante, como daquela primeira vez, vale o esforço analítico.
Cabe, antes de tudo, uma explicitação quanto à escolha do termo “bolsolavista”, em lugar de diplomacia bolsonarista. Ela é simples: não se tem nenhuma indicação de que o presidente, ou seus assessores mais próximos, tenham ideias próprias no terreno da política internacional, ao passo que muitas de suas posturas, inclusive na área externa, parecem ter recebido decisiva influência de conhecido influenciador e animador de movimentos da direita conservadora, que declarou abertamente que atuou como “patrono” da designação do chanceler escolhido; seja como for, nenhum deles, até aqui, ofereceu qualquer documento de trabalho ou discurso abrangente sobre as bases conceituais, as diretrizes operacionais ou as prioridades práticas do que normalmente se concebe como sendo uma política externa de um governo normalmente constituído.
(...)