Planejamento Diplomático:
O Itamaraty do século 21
Sistema de planejamento estratégico propiciará mais transparência e eficiência à diplomacia
ALOYSIO NUNES FERREIRA*
O Estado de S.Paulo, 20 Abril 2018
No final do ano passado determinei a criação de um grupo no Itamaraty para propor um sistema de planejamento estratégico do Ministério das Relações Exteriores, inspirando-se em outras chancelarias, em exemplos de sucesso de órgãos públicos e do setor privado e na melhor literatura de administração e pensamento estratégico. Essa decisão se baseou em duas constatações principais.
A primeira é que o Itamaraty tem capacidade de planejamento e análise invejável, mas a máquina cresceu muito e os temas são cada vez mais específicos e fragmentados, tornando mais complexa a tarefa de manter uma visão de conjunto e monitorar as atividades. Era necessário, portanto, que o planejamento refletisse essa realidade, garantindo unidade de propósitos, antecipação de tendências e riscos, além de preocupação constante com o resultado, isso tudo num ambiente internacional sempre incerto.
A segunda constatação diz respeito à tendência dos órgãos de controle e da moderna prestação de contas, que exigem não apenas a definição de objetivos e metas, mas também a capacidade de demonstrar resultados concretos com eficiência, de modo a assegurar o melhor uso possível dos recursos aplicados. Os órgãos de controle do próprio governo e os externos e independentes não se contentam mais com a conformidade e legalidade da execução orçamentária e financeira. Exigem também a demonstração do retorno do investimento público. Essa é uma tendência global, e não apenas no Brasil.
Um dos principais desafios de qualquer chancelaria, quando se trata de planejamento estratégico, diz respeito à determinação da eficiência. Não se mede a eficiência da diplomacia como se mensura a eficácia de uma campanha de vacinação, ou seja, pela quantidade de crianças alcançadas. Tampouco é possível medir o êxito com indicadores como a extensão, em quilômetros, de estradas pavimentadas ou rios dragados em um ano.
A eficiência na diplomacia requer, na maioria das vezes, estratégias de longo prazo. A medida dessa eficiência, portanto, exige frequentemente o uso de indicadores qualitativos, especialmente desenhados para as características próprias da política externa. É mais difícil avaliar a eficácia de políticas que exigem paciência, abertura de canais de contato e a construção de boa vontade para alcançar o objetivo almejado.
Por exemplo, levamos dez anos para abrir o mercado norte-americano para a carne bovina in natura brasileira, mas isso não significa que tenhamos sido ineficientes nos primeiros nove anos. Na verdade, sem a paciente construção do caso e o emprego de diferentes técnicas de negociação e eventos de promoção nos nove anos anteriores certamente não teríamos alcançado o êxito no décimo.
O planejamento em relações exteriores, portanto, demanda uma perspectiva sui generis, adaptada a uma política pública cuja medida de sucesso nem sempre é óbvia. O sucesso diplomático pode significar a ausência de uma decisão de um governo ou de um organismo internacional que, se não fosse evitada, afetaria negativamente os nossos interesses. Pode representar a superação de um risco de conflito que jamais eclodirá, mas cuja mera divulgação de seu potencial poderia acarretar enormes prejuízos e minar a capacidade negociadora e a influência do País perante os envolvidos.
Essa consciência de que a realidade da diplomacia é peculiar não invalida a necessidade de implementar o planejamento, mas recomenda fugir das fórmulas tradicionais. Tendo presente essa premissa básica, determinei a execução, em 2018, do projeto piloto do “sistema de planejamento estratégico das relações exteriores” (Sisprex), cujo desenho básico conterá os seguintes elementos: diagnóstico do ambiente internacional para determinar as principais tendências regionais e globais e seu impacto nas diretrizes da política externa; esforço coletivo das unidades do Itamaraty na definição de objetivos estratégicos que deverão integrar, no futuro, um plano estratégico quadrienal; elaboração de planos de trabalho anuais contendo metas específicas e atividades a serem desempenhadas, com previsão de recursos necessários.
Utilizando as mais modernas técnicas disponíveis, esse sistema encadeado deverá garantir coerência entre os três elementos, prevendo também uma estrutura de governança encarregada de corrigir metodologias, sugerir indicadores e fazer atualizações nos documentos resultantes sempre que necessário, tanto em função das mudanças de prioridades governamentais quanto em reação a imprevistos no ambiente estratégico internacional.
Com isso será possível aproveitar a criatividade e a capacidade de inovação dos funcionários mais jovens e das unidades básicas, que serão chamados a contribuir para o processo de reflexão coletiva. Ao mesmo tempo, a liderança do ministério deverá validar o processo em cada uma de suas fases, resultando em instruções mais precisas, que propiciarão o engajamento de todos na busca dos resultados almejados. Não menos importante, esse sistema estruturado facilitará o monitoramento, a avaliação da eficiência, a alocação ótima de recursos e o compartilhamento das melhores práticas.
O Sisprex deverá evoluir rapidamente para se tornar também um elo entre o Itamaraty e a sociedade. Ele contém em seu DNA o diálogo e a transparência, como, aliás, deve ser numa chancelaria afinada com seu tempo. Tanto nas fases de diagnóstico de tendências quanto na definição de objetivos estratégicos, as consultas com especialistas e forças vivas da sociedade serão fundamentais. Os documentos de referência resultantes do planejamento, em sua versão ostensiva, serão igualmente valiosos instrumentos de diplomacia pública, ao evidenciarem claramente a importância do trabalho diplomático para a sociedade e sua contribuição central para um Brasil mais forte, próspero e justo.
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
192 ISSN 1677-7042 1 Nº 240, sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
Ministério das Relações Exteriores
GABINETE DO MINISTRO
PORTARIA DE 12 DE DEZEMBRO DE 2017
O MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, no uso de suas atribuições legais, resolve:
Art. 1° Fica instituído Grupo de Trabalho com o objetivo de estabelecer um sistema integrado de planejamento da política externa brasileira no âmbito do Ministério das Relações Exteriores.
Art. 2° Compete ao Grupo de Trabalho:
I - definir parâmetros para o pensamento estratégico, de médio e longo prazos, em todos os níveis da estrutura organizacional do MRE, no Brasil e no exterior;
II - recomendar a participação de unidades do MRE, no Brasil e no exterior, no processo de planejamento estratégico;
III - implementar o processo de planejamento estratégico no MRE, integrando as áreas políticas e administrativas na consecução dos objetivos da política externa brasileira;
IV - realizar estudos e elaborar documentos para apoiar a tomada de decisão das altas instâncias do MRE sobre o planejamento estratégico e seus ciclos de implementação, monitoramento e revisão;
V - propor iniciativas que possam contribuir para a formulação e a execução do planejamento estratégico do MRE, incluindo o aperfeiçoamento de políticas de governança e de gestão financeira, de pessoas, de processos, de projetos, de riscos e de controles internos;
VI - elaborar documento de referência para a adoção de um sistema de planejamento estratégico no MRE, que tenha o propósito de subsidiar, de modo sistemático e coerente, a formulação e a condução da política externa brasileira, bem como atender às demandas dos órgãos de supervisão e controle da Administração Pública.
Parágrafo único. O Grupo de Trabalho deverá encaminhar ao Ministro de Estado das Relações Exteriores os resultados de suas atividades, podendo recomendar a adoção de medidas e a apreciação de determinados temas pelo Comitê de Governança, Riscos e Controles do MRE.
Art. 3° O Grupo de Trabalho será composto por representantes das seguintes unidades do Ministério das Relações Exteriores:
I- Gabinete;
II - Secretaria-Geral;
III - Secretaria de Planejamento Diplomático; IV - Coordenação-Geral de Modernização; e V - Divisão de Informática.
§ 1º As atividades do Grupo de Trabalho serão coordenadas pelas chefias da Secretaria de Planejamento Diplomático e da Coordenação-Geral de Modernização.
§ 2° O Grupo de Trabalho poderá convidar a participar de suas atividades representantes de órgãos e entidades públicas e privadas, além de pesquisadores, especialistas e integrantes de instituições da sociedade civil, quando considerar necessário para o cumprimento de suas finalidades.
§ 3° Os representantes designados para compor o Grupo de Trabalho desempenharão suas atividades sem prejuízo daquelas decorrentes de seus respectivos cargos ou funções, sendo a participação considerada prestação de serviço relevante e não remunerada.
Art. 4° O documento de referência citado no inciso VI do art. 2º desta Portaria deverá ser elaborado e encaminhado, até 31 de janeiro de 2018, à apreciação do Ministro de Estado das Relações Exteriores.
Art. 5° Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
ALOYSIO NUNES FERREIRA