Política externa brasileira recente: algumas questões
tópicas
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: comentários a questões de
acadêmico; finalidade: ensaio sobre diplomacia]
Introdução
Encontram-se, abaixo,
meus comentários e argumentos em resposta a questões tópicas, ou gerais,
apresentadas por acadêmico estrangeiro engajado num ensaio de ciência política
sobre a política externa e a diplomacia brasileira desde o início do presente
século, quando o Brasil parecia emergir como grande ator internacional, mas
teve sua presença internacional e status diminuídos, a partir da recessão e da
crise do impeachment, o que refletiu-se na sua imagem e na sua atuação nessas
dimensões.
Não pretendo, e esta não
é a intenção, que meus argumentos e opiniões, pessoais e subjetivos como eles
podem ser, sejam utilizados para compor uma atualização final desse trabalho,
cuja discussão central atinha-se ao período pré-2014, pois entendo que eles
serão apenas utilizados como subsídios para uma avaliação ex post da análise já
feita no trabalho original. Minha visão é puramente pessoal, e não corresponde,
como deve ficar claro, à opinião média de um diplomata sobre a política externa
do país.
Questões:
PRA: Caberia,
em primeiro lugar, estabelecer duas premissas fundamentais para uma correta
caracterização da problemática acima, por um lado no contexto do país, por
outro lado quanto à dimensão temporal implícita à questão. O Brasil, na
condição de país participante da política internacional, enquanto ator regional
ou mundial, enquanto membro de diferentes instituições e arranjos da comunidade
internacional, no plano multilateral ou em suas relações bilaterais, esse país
referido de maneira genérica não existe enquanto
entidade uniforme, homogênea, contínua e constante no contexto dessas várias
dimensões de sua política externa. O que existe é uma política externa
específica e própria de um governo determinado, o que, num sistema
presidencialista como é o seu, significa a política externa de um determinado
presidente, animada pelas forças atuantes nesse determinado governo, com base
numa hegemonia política do partido ou da coalizão de partidos dominantes no
mandato presidencial em questão. Por isso não creio ser correto afirmar-se que
o Brasil tinha tal e tal política externa até 2014, e passou a ter esta outra política
externa a partir desse ano, o que já entra na discussão do segundo aspecto
levantado como premissa: o suposto corte temporal em 2014.
A
caracterização correta deve ser, em função da história política brasileira
entre janeiro de 2003 e maio de 2016, a política externa dos governos do PT,
não do Brasil, nesse período, e a política externa desenvolvida desde então. Qualquer
observador político dotado de um conhecimento mínimo das características
essenciais da política externa brasileira saberia fazer tal distinção, e é a
partir dela que podemos responder à questão colocada, a da “inserção e projeção
internacional e da visibilidade do envolvimento do Brasil no cenário
internacional desde 2014”. Meu comentário, então, passa a ser o
seguinte.
Existe uma
nítida diferenciação entre a política externa daquilo que eu chamo de
“lulopetismo diplomático”, ou seja, a diplomacia e a política externa do Brasil
tal como conduzidas pelos governos petistas entre 2003 e 2016, e a política
externa do Brasil até 2002 e a partir de meados de 2016 até a presente data,
ainda numa fase de transição política a ser marcada pelas eleições
presidenciais e gerais de outubro de 2018. Como eu já elaborei diferente
análises sobre o “lulopetismo diplomático”, remeto a trabalhos anteriores já
publicados ou divulgados sobre essa anomalia política, para depois
concentrar-me nas diferenças a partir de 2016.
Eis aqui uma
pequena relação de análises feitas ainda em 2016 cobrindo aquele período
anterior:
2983. “O renascimento da política externa”, Brasília, 25 maio 2016, 14
p. Artigo publicado na revista Interesse
Nacional (ano 9, n. 34, julho-setembro de 2016, link: http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/o-renascimento-dapolitica-externa/). Reproduzido no blog Diplomatizzando (3/08/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/o-renascimento-da-politica-externa.html).
2977. “O Itamaraty e a
diplomacia profissional brasileira em tempos não convencionais”, Brasília, 15
maio 2016, 10 p. Entrevista concedida ao blog Jornal Arcadas, sobre aspectos da carreira e do funcionamento do
Itamaraty na fase recente. Publicado, sob o título de “Entrevista: a crise e o
anarco-diplomata”, no blog Jornal Arcadas (15/05/2016); reproduzido no
Diplomatizando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/05/um-anarco-diplomata-fala-sobre.html).
No período
posterior à queda do lulopetismo, uma vez iniciado e completado o processo de
impeachment, continuei a elaborar alguns textos que justamente faziam o balanço
do lulopetismo diplomático, dentre os quais posso destacar os seguintes:
2988. “Política
externa brasileira, 2: o que faria o Barão hoje, se vivo fosse?”, Brasília, 1
junho 2016, 7 p. Blog Diplomatizzando
(17/02/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/02/politica-externa-brasileira-o-que-faria.html).
2999. “Auge e
declínio do lulopetismo diplomático: um depoimento pessoal”, Brasília, 22 junho
2016, 18 p.; revisto: 26/06/2016: 19 p. Blog Diplomatizzando (1/07/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/ufa-um-depoimento-meu-sobre-o.html).
3032. “O
lulopetismo diplomático: um experimento exótico no Itamaraty”, Porto Alegre, 4
setembro 2016, 5 p. Blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/09/o-lulopetismo-diplomatico-um.html).
3061. “O
Itamaraty e a nova política externa brasileira”, Brasília,
19 novembro 2016, 18 p. Blog Diplomatizzando
(15/08/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/08/o-itamaraty-e-nova-politica-externa.html).
3116. “Crimes
econômicos do lulopetismo na frente externa”, Brasília, 12 maio 2017, 7
p. Resenha do livro de Fabio Zanini, Euforia
e fracasso do Brasil grande: política externa e multinacionais brasileiras na
era Lula (São Paulo: Contexto, 2017, 224 p.; ISBN: 978-85-7244-988-5). Blog
Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/crimes-economicos-do-lulopetismo-na.html).
3121. Quinze anos de política externa: ensaios
sobre a diplomacia brasileira, 2002-2017; Brasília: Edição do Autor, 2017,
366 p. Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/quinze-anos-de-politica-externa-ensaios.html).
3126. “Uma visão
crítica da política externa brasileira: a da SAE-SG/PR”, Brasília, 17 junho
2017, 22 p. Mundorama: Revista de
Divulgação Científica em Relações Internacionais (2/12/2017; ISSN: 2175-2052; acessado em 03/12/2017; link: http://www.mundorama.net/?p=24308).
3221. “A diplomacia na
construção da nação: qual o seu papel?, Brasília, 28
dezembro 2017, 10 p. Mundorama
(9/01/2018; link: http://www.mundorama.net/?p=24351).
Feitos os
esclarecimentos sobre o que eu penso a respeito do “lulopetismo diplomático”,
entre 2003 e 2016, e agregados alguns trabalhos posteriores, venho à resposta
de como vejo a “inserção e projeção internacional e da visibilidade do
envolvimento do Brasil no cenário internacional”, não desde 2014, mas a partir
de 2016. Existe uma clara diminuição da atuação internacional do Brasil desde
então, por força da ruptura política ocorrida com o impeachment, feito entre
maio e agosto desse último ano, mas também é claro que essa redução do ativismo
diplomático já vinha sendo observado desde o terceiro e o início do quarto
governo lulopetista, dadas as características desastrosas da substituta do
presidente Lula a partir de 2011, notadamente a partir da crise econômica, e
política que já se manifestava claramente a partir de 2014 (ano da reeleição de
Dilma Rousseff) e que só se agudizou a partir da clara falta de legitimidade de
seu mandato político e da grande crise econômica que se exacerbou a partir de
então (mas cujas raízes já vinham desde antes, praticamente desde o período
final do segundo mandato lulopetista).
A presidente –
e isso ficou claro desde seu primeiro mandato – não era apenas inepta,
incompetente e errática em suas ações e decisões, como ela também rebaixava a política
externa, não tinha nenhuma empatia pela diplomacia profissional, que ela
desprezava profundamente, a ponto de humilhá-la seguidamente com suas ações
intempestivas e prejudiciais à diplomacia do país. Essa diminuição, portanto,
existe, precede ao impeachment, mas se manifestou de forma mais clara desde
então, inclusive devido à campanha nacional e internacional viciosa e viciada,
mentirosa e mistificadora, conduzida pelos lulopetistas, com certo sucesso
desde então, parte da qual está diretamente vinculada à ação do ex-chanceler
sob os dois governos de Lula, convertido em ativo membro da tropa de choque de
defesa do ex-presidente, criminoso condenado e chefe daquilo que já foi chamado
de “organização criminosa”. Tais ações e campanha de propaganda, repercutidas e
expandidas com certa eficácia pelos aliados políticos e pelas correias de
transmissão identificados com as políticas de esquerda desses grupos teve,
portanto, algum resultado em retirar legitimidade internacional ao governo de
transição conduzido pelo vice-presidente (presidente pleno a partir de agosto
de 2016) Michel Temer, a ponto de o Brasil ter sido “contornado” por diversos
líderes políticos de parceiros tradicionais e por representantes diplomáticos
desses países, a começar pelos antigos aliados dos governos lulopetistas.
O segundo
componente dessa diminuição relativa foi a crise econômica que se desenvolveu
com enorme impacto sobre o crescimento e o nível de emprego do país, a maior
recessão econômica de toda a história do Brasil: -3,8% do PIB em 2015, -3,6% em
2016, algo em torno de 0,5% em 2017, e mais de 13% de desemprego em relação à
população economicamente ativa (mais de 14 milhões de desempregados, o que já
representa uma subestimação com respeito aos números reais, bem maiores se
levados em conta efeitos das políticas distributivas, tipo “Bolsa Família”, ou
o subemprego tradicional no Brasil). Nunca o Brasil tinha conhecido um déficit
orçamentário em torno de 10% do PIB, e um descalabro em suas contas públicas da
dimensão conhecido nos últimos anos, como resultado das políticas econômicas
(macro e setoriais) equivocadas conduzidas a partir de 2011 (com raízes
anteriores, como a expansão desequilibrada das despesas públicas e a extensão
do intervencionismo estatal desde sempre). Esse dado também afetou a capacidade
de projeção internacional do Brasil, dado o enorme esforço de ajuste fiscal e
de início de um processo de ajustes tópicos e de reformas estruturais que
passaram a ser conduzidos desde então, processos ainda não concluídos de forma
exitosa até o presente momento (primeiro trimestre de 2018).
Tanto a tremenda
crise econômica, ainda não completamente superada, como a relativa fragilidade
do quadro político atual, bem como a campanha mentirosa e viciosa conduzida
pelos lulopetista nos planos interno e externo durante os últimos dois anos
afetaram, portanto, a política externa e a atuação diplomática do Brasil, o que
explica o menor ativismo em relação ao período 2003-2010, que de toda forma foi
exacerbado, devido à megalomania conjunta do presidente e de seu chanceler,
muito mais baseada em retórica vazia e ativismo superficial do que em
fundamentos sólidos de uma política externa que sempre exibiu, em
circunstâncias normais, sua solidez doutrinal e adesão ao direito
internacional, princípios abalados durante a vigência do lulopetismo político.
2) Como avalia a evolução da política
externa e diplomacia presidencial desde 2014?
PRA: Essa
evolução deve ser claramente redimensionada em função das fases políticas já
definidas acima, quais seja, a dominação lulopetista sobre o Estado e o governo
entre 2003 e maio de 2016, e, a partir de então, uma coalizão de forças políticas
centristas, em parte integradas pelas mesmas forças que já integravam os
governos petistas na fase anterior, com a adição de parte da oposição de
direita ou centrista que tinham ficado alijadas do poder anteriormente. A
diferenciação fundamental, crucial, essencial a ser feita – e que já está clara
nos trabalhos pessoais listados mais acima – é a dominação do lulopetismo, em
suas diferentes variantes, sobre a política externa e sobre a diplomacia
exercida por apparatchiks do PT sobre essa política externa, e, a partir de
2016, um retorno a padrões mais tradicionais da diplomacia brasileira, tais
como vistos e conhecidos até 2003 e novamente reativados desde 2016. A
diplomacia profissional brasileira tem métodos de atuação, conceitos fortemente
embasados, plena capacitação de seus quadros totalmente adequados para o
exercício de uma política externa ativa, embora dependa, como parece claro, de
uma liderança presidencial engajada em ações e iniciativas próprias ou
suscitadas pela agenda internacional, regional ou multilateral.
Em função do
quadro político vigente no Brasil desde a crise do impeachment – de relativa
desunião do país, embora sustentado artificialmente e com muita má-fé por parte
das forças políticas alijadas do poder – e levando em conta o quadro de
pré-campanha eleitoral em vista das eleições de outubro de 2018, parece
evidente que a política externa e a diplomacia brasileira atuarão de modo menos
ativo na fase atual, embora com pleno controle dos mecanismos e da capacidade
de representação com base em seu corpo profissional do setor. Tal situação
provavelmente persistirá até o início de 2019, quando um novo governo tomará
posse, embora se possa prever continuidade relativa na atuação da diplomacia
profissional brasileira, com base no funcionamento adequado do Itamaraty e de
seu serviço exterior tradicionalmente.
3) Como avalia o mandado de tropas para a República
Centro Africana? Como se integra nas posições do Brasil nas discussões
internacionais sobre paz e segurança e participa da visibilidade do Brasil
nesses debates e no cenário internacional?
PRA: Existe
uma clara demanda externa, notadamente da França, e de outros membros do
Conselho de Segurança, para o envio de forças brasileiras de interposição, com
base em resoluções dos órgãos multilaterais e determinação das principais
potências presentes naquele cenário, que identificam um interesse das Forças
Armadas brasileiras nesse tipo de ação, que atende interesses próprios de
capacitação operacional e outros objetivos internos a esse corpo profissional. O
cenário é contudo diferente daquele que presidiu ao envio de forças brasileiras
no quadro da Minustah, ao Haiti, a partir justamente do ativismo exacerbado do
primeiro governo Lula em prol de sua projeção internacional, mirando,
provavelmente, uma mal calculada ambição de vir a integrar o Conselho de
Segurança da ONU, se e quando fosse efetivada a reforma da sua Carta e a
ampliação do CSNU. Não há mais ilusões a esse respeito, por parte da diplomacia
brasileira, quanto a essa perspectiva – amplamente ilusória, já naquele momento
–, daí um ceticismo maior por parte da diplomacia profissional quanto ao
interesse ou vantagens advindos dessa participação ainda hipotética. Se ela se
efetivar talvez não o seja no corrente ano de 2018, dado o contexto político
geral do Brasil, pois uma decisão desse tipo teria de passar pelo crivo do
Congresso e por uma adequação de recursos orçamentários, o que possivelmente
remeta a decisão ao ano d e 2019.
Se ocorrer
definição positiva, pode representar um passo adiante na capacitação das FFAA
brasileiras em missões de paz da ONU – mas sempre de interposição, ou seja, de
peace keeping, antes que de imposição da paz, ou de peace making –, o que
contribuirá para reforçar o papel internacional que o país aspira ter no plano
mundial. Mas também é preciso ficar claro que se trata de uma operação que
transcende, talvez, o cenário ideal para um país como o Brasil, situada numa
região e num contexto político nos quais e com os quais o Brasil possuí
vínculos tênues, mesmo ínfimos, se algum. Ou seja, não seria um cenário de
atuação escolhido voluntariamente pelo Brasil, ou por sua diplomacia, embora
possa ter atrativos, mas puramente operacionais, do ponto de vista de suas FFAA.
A perspectiva pode ser positiva, tanto no plano prático das FFAA, quanto na
esfera diplomática, mas uma avaliação ponderada terá de ser conduzida com base
num exame mais circunstanciado desse possível envolvimento.
No momento
atual, e isso precisa ficar claro, não existe um “mandado”, e sim uma demanda
externa, que terá de ser cuidadosamente avaliada pelos dois ministérios em
esforço de coordenação conjunta – Defesa e Relações Exteriores – e pelo
presidente da República. Os imponderáveis são aqueles conjunturalmente
oferecidos pelo atual momento de transição política, já referido, e requeridos
por uma análise política a ser feita pelas duas instituições em condições
concretas do debate mantido pelo Brasil com as potências interessadas e as
instâncias da ONU envolvidas nesse processo.
4) Como avalia as políticas comerciais do
atual governo: teve efetivamente um movimento de distanciamento da OMC? Qual é
a efetividade das iniciativas para fechar acordos bilaterais?
PRA: Não
apenas as políticas comerciais, mas todas as demais políticas setoriais do
governo anterior, inclusive determinadas orientações da política
macroeconômica, foram deformadas por escolhas e preferências claramente
equivocadas dos governos lulopetistas, sobretudo a partir do seu terceiro
mandato presidencial, políticas que levaram o Brasil à maior recessão de sua
história econômica. Tais políticas envolveram igualmente desrespeito a regras
multilaterais já aceitas pelo Brasil no quadro de rodadas e negociações
comerciais multilaterais adotadas no âmbito da OMC, como foi o caso do “Inovar
Auto”, condenado – como já estava claro desde o seu início – pelo mecanismo de
solução de controvérsias da OMC, acionado por parceiros comerciais que se
sentiram lesados por práticas discriminatórias adotadas pelo governo petista
naquele âmbito.
O atual
governo de transição efetua um reequilíbrio dessas políticas, que devem
ajustar-se aos compromissos e obrigações multilaterais assumidos pelo Brasil,
num quadro de relativa fragilidade competitiva do Brasil, cujas indústrias já
são penalizadas por distorções internas – sobretudo tributárias – que
redundaram numa perda de espaço nos mercados internacionais e numa
desindustrialização precoce. O Brasil, sob os governos do lulopetismo, recuou
nitidamente em diversos critérios classificatórios de entidades internacionais:
ambiente de negócios (Doing Business, do Banco Mundial), competitividade
(relatórios anuais do World Economic Forum) e, sobretudo, liberdades econômicas
(Fraser Institute), para posições vergonhosas em face da relativa importância
de sua economia (ainda entre as dez primeiras no plano do PIB total), mas em
classificações mais negativas do ponto de vista do comércio internacional, da
inovação e da produtividade. Essa situação exigirá um grande esforço do governo
atual e de governos futuros em favor de profundas reformas estruturais e de
ajustes internos em prol de uma nova inserção econômica internacional,
claramente diminuída em função não apenas da crise como das políticas
equivocadas, intervencionistas e também protecionistas e introvertidas.
Os mesmos
equívocos foram cometidos no âmbito regional e na esfera das negociações de
possíveis acordos de abertura econômica e de liberalização comercial,
praticamente inexistentes durante toda a era lulopetista, que deformou o
funcionamento do Mercosul e desviou a orientação universalista do comércio
internacional do Brasil, em favor de uma orientação “Sul-Sul” de caráter
propriamente delirante, pois que não seguida por nenhum parceiro tradicional
(no âmbito regional) ou “estratégico” (no Brics, por exemplo) do país,
quaisquer que sejam eles. O Mercosul perdeu suas características essencialmente
comercialistas para se transformar num palanque de retórica política, utilizado
inclusive para objetivos partidários e sectários – como os episódios da
suspensão do Paraguai e da aceitação política, equivocada e ilegal, da
Venezuela como membro pleno – e perdeu espaço no relacionamento comercial
externo do Brasil. O Brasil possui acordos comerciais no âmbito da Aladi, que
devem ampliar bastante o acesso aos seus mercados pelos países da região
(América do Sul), mas ainda precisa fechar acordo com o México e muitos outros
países, uma vez que os acordos feitos na vigência do lulopetismo foram poucos e
com impacto medíocre no leque de mercados com relações preferenciais do Brasil
e do Mercosul. Mas ainda resta que a dimensão tarifária já é pouco relevante no
quadro dos atuais acordos comerciais sendo negociados bilateralmente ou
plurilateralmente na presente fase da economia mundial, sendo que na dimensão
regulatória e nos demais aspectos – investimentos, serviços, propriedade
intelectual e outros – o envolvimento brasileiro é bastante reduzido.
5) O que significa, o que revela o Brasil
estar ausente do CSNU até 2022?
PRA: Pode
parecer uma diminuição relativa da presença brasileira em termos de projeção
externa e oportunidade de participar de debates relevantes nesse plano, mas eu
pessoalmente não considero tal afastamento absolutamente prejudicial ao Brasil
ou à sua diplomacia. O Brasil poderá participar, se desejar ou puder, de certas
operações negociadas no âmbito do CSNU mesmo sem dele participar, bastando
manifestar sua intensão nesse sentido. Existe um critério de rotatividade
regional, nem sempre seguido, o que pode ser contornado por certo ativismo
diplomático, mas não creio que o Brasil resultará diminuído diplomaticamente ao
seguir essa rotatividade de modo explícito.
6) Como avalia a decisão de retomar as discussões
para o acordo entre a UE e o Mercosul? Quais serão os benefícios? Qual é a
probabilidade de fechar acordo?
PRA: Trata-se
de processo antigo, que remonta aos anos 1990, quando ainda existia a
perspectiva de um acordo hemisférico de libre comércio, um projeto dos EUA do
início daquela década, que despertou os ânimos da UE no sentido de não ser
prejudicada pela disposição latino-americana de entrar em acordos preferencias
com a grande potência hemisférica no horizonte de 2005. Apenas por isso tiveram
início negociações concretas entre a UE e o Mercosul, que no entanto nunca
contaram com efetiva disposição liberalizadora por parte dos parceiros
integrantes dos dois blocos. Como as novas lideranças de esquerda na América
Latina – Lula no Brasil, Chávez na Venezuela, Kirchner na Argentina – decidiram
implodir o projeto americano da Alca, o processo inter-regional UE-Mercosul
padeceu os atrasos que se conhecem. Persistem obstáculos setoriais importantes
– agrícolas, do lado europeu, industrial e de serviços, do lado do Mercosul –
ainda que existam, a partir de novas lideranças políticas no Brasil e na
Argentina, nítida boa disposição para fechar esse acordo. Não sou muito
otimista quanto a isso, e ainda que ele venha a ser fechado, concluído e
aprovado, sua implementação será provavelmente bastante longa (dez anos ou
mais), para uma abertura efetiva de setores atualmente protegidos. Mesmo
quando, e se, ele seja concluído, o acordo terá um impacto global marginal para
o comércio da UE, um pouco mais para o Mercosul, embora possa ser
setorialmente, e de um ponto de vista microeconômico, importante para alguns
setores e empresas envolvidas no comércio.
7) Teve efetivamente um redirecionamento
das relações para o eixo norte? Se for o caso, como se traduz de forma
concreta? Qual é a relevância dos BRICS para o governo atual? Como avalia a
decisão de entrar na OCDE? Quais são as implicações simbólicas?
PRA: Essa
distinção Norte-Sul já não faz mais nenhum sentido para o governo atual, embora
fizesse parte para os governos lulopetistas anteriores e para boa parte da
academia, que vivem de símbolos, por mais inúteis que eles sejam no plano
prático. Os governos lulopetistas se orgulhavam de praticar uma diplomacia
Sul-Sul e de ter uma orientação geral de sua diplomacia para um hipotético, e
inexistente, “Sul global”, uma fantasmagoria que só pode frequentar a cabeça de
amadores, de sectários e de espíritos desconectados das realidades da economia
mundial. O Brasil sempre teve uma política externa universalista, apenas
deformada durante o lulopetismo diplomático por essa miopia fundamental dos
companheiros e seus aliados acadêmicos, sem qualquer sentido para a boa
condução da diplomacia brasileira, muito embora esta sempre tenha tido uma
orientação política voltada para países em desenvolvimento, como caracterizada
nessa divisão – que eu considero em grande medida artificial – típica da ONU
entre os grupos regionais e o pertencimento clássico do Brasil ao G77.
O BRICS, uma
construção também artificial favorecida pelo lulopetismo por razões claramente
políticas, permanece no espectro da movimentação diplomática brasileira, um
pouco por inércia diplomática, um pouco pelo avanço em determinadas áreas –
como o New Developement Bank, por exemplo – mas encontra-se, segundo a minha
percepção, numa fase de reavaliação, em vista da diminuição das expectativas
exageradamente otimistas da década anterior e da clara assimetria estrutural
que é dada pela enorme dimensão econômica e política da China nesse grupo.
A decisão de
demandar ingresso pleno na OCDE já está atrasada vinte ou trinta anos, no plano
objetivo do potencial econômico e político internacional do Brasil, mas é claro
que o lulopetismo diplomático, e político, sempre teve objeções de princípio ao
que ele considerava, de modo totalmente equivocado, como sempre, um “clube de
países ricos”, o que a OCDE claramente não é mais desde o fim do socialismo e a
adesão de diversos outros países em desenvolvimento, a começar, mais
recentemente, pelo Chile no âmbito regional. Considero esse ingresso, se
efetivado, como um passo importante para a “normalização” do Brasil no que
respeita suas principais políticas macroeconômicas e setoriais, podendo
reforçar e consolidar um padrão de qualidade nessas políticas que ele deveria
já ter alcançado desde o início do Mercosul e do plano de estabilização
macroeconômica de 1994-94, sob sua nova moeda, mas que se frustraram devido à
deformação lulopetista do Mercosul, e a própria fragmentação do processo de
integração regional e das políticas econômicas nacionais.
A dimensão
simbólica desse possível ingresso é, para mim, muito menor do que o atribuído
no plano jornalístico pelos observadores, e desimportante para todos os efeitos
práticos. O mais importante é o efeito que ele possa ter, como já afirmado, no
plano da qualidade das políticas econômicas e demais políticas públicas
setoriais, no plano interno, mas também como alavanca, necessária e importante,
para reforçar um necessário processo de reinserção internacional do Brasil.
Espero, apenas, que o Brasil, por força de todo o seu passado protecionista,
intervencionista, dirigista, nacionalista, não venha a assumir, nesse ingresso,
uma postura defensiva, que delongue, tolha ou torne imperfeito esse processo de
abertura econômica do Brasil ao mundo, que é hoje o país mais fechado de todo o
G-20 financeiro, no que se refere ao coeficiente comercial.
Alguns veem
esse ingresso como complementar ao BRICS; eu, pessoalmente, vejo isso como
totalmente contrário ao BRICS, um grupo ainda muito distante do conceito que
considero necessário ao Brasil: democracia de mercado com pleno respeito aos
direitos humanos e adesão a padrões elevados de governança responsável.
8) O que foi decidido sobre o fechamento
de embaixadas e a retirada do Brasil de algumas instituições internacionais? O
que revela?
PRA: Ocorreu,
nos governos lulopetistas, um pouco por demagogia e por uma visão completamente
equivocada do impulso lulopetista para reforçar a candidatura a uma cadeira
permanente no CSNU, um sobre-dimensionamento da presença brasileira no
exterior, com a abertura de missões diplomáticas em muitos países (praticamente
em toda a América Latina, e em muitos países africanos), em claro descompasso
com nossas possibilidades orçamentárias e de pessoal. A decisão de retraimento
é sempre difícil, por envolver custos materiais e diplomáticos, e suponho que a
retirada será muito gradual. A retirada de algumas instituições internacionais,
por sua vez, também é muito limitada, e tem sido determinada mais por razões
orçamentárias – ou seja, praticamente imposta pela área orçamentária do governo
– do que por considerações diplomáticas. Não creio que revela nenhuma grande
sinalização política especial, apenas um readequação das possibilidades do
Brasil no cenário internacional, que foi excessivamente ampliada nos anos
eufóricos, quase delirantes, do lulopetismo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de fevereiro de 2018